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A Hýbris de Saturno
PRECARIZAÇÃO DO TRABALHO, SAÚDE DO
TRABALHADOR E INVISIBILIDADE SOCIAL
1ª edição 2015
Bauru, SP
Copyright do Autor, 2015
Conselho Editorial
Prof. Dr. Antonio Thomaz Júnior – UNESP
Prof. Dr. Ariovaldo de Oliveira Santos – UEL
Prof. Dr. Francisco Luis Corsi – UNESP
Prof. Dr. Jorge Luis Cammarano Gonzáles – UNISO
Prof. Dr. Jorge Machado – USP
Prof. Dr. José Meneleu Neto – UECE
Ilustração da capa
“Saturno devorando um filho” – Francisco de Goya (c. 1819-23)
ISBN 978-85-7917-344-8
CDD: 331.2
APRESENTAÇÃO
A DESMEDIDA DO CAPITAL. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 15
CAPÍTULO INTRODUTÓRIO
INVASÕES BÁRBARAS. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 23
Sergio Augusto Vizzaccaro-Amaral
CAPÍTULO 1
PROMETEU ADOECIDO: CAPITALISMO GLOBAL E DEGRADAÇÃO
DA PESSOA HUMANA-QUE-TRABALHA. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 41
Giovanni Alves
CAPÍTULO 2
A CONSTRUÇÃO SOCIAL DA INVISIBILIDADE DAS DOENÇAS E
MORTES RELACIONADAS AO TRABALHO . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 61
Dolores Sanches Wünsch
Jussara Maria Rosa Mendes
CAPÍTULO 3
BREVÍSSIMA HISTÓRIA DA LEGITIMAÇÃO DA PRECARIZAÇÃO
DA SAÚDE DO TRABALHADOR NO BRASIL MEDIANTE O SABER
MÉDICO-PSIQUIÁTRICO-TAYLORISTA . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 73
Roberto Heloani
Margarida Barreto
CAPÍTULO 4
A (IN)VISIBILIDADE DOS “(IN)CAPACITADOS PARA O TRABALHO”. . . . . . . . . . . 87
André Luís Vizzaccaro-Amaral
CAPÍTULO 5
DIFICULDADES NO RECONHECIMENTO DAS DOENÇAS DO
TRABALHO E A INVISIBILIDADE SOCIAL DE TRABALHADORES. . . . . . . . . . . . . 111
Maria Elizabeth Antunes Lima
CAPÍTULO 6
PRECARIEDADE DO TRABALHO, PRECARIZAÇÃO DA VIDA:
UMA ANÁLISE DO TRABALHO NOS CALL CENTERS . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 149
Selma Venco
CAPÍTULO 7
OS IMPACTOS DAS CONDIÇÕES DE TRABALHO SOBRE A
SUBJETIVIDADE DO PROFESSOR DE ENSINO SUPERIOR PRIVADO
DE CAMPINAS. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 163
Liliana Aparecida de Lima
CAPÍTULO 8
CORAÇÕES E MENTES
NOTAS SOBRE A MANIPULAÇÃO DA SUBJETIVIDADE NOS
PROGRAMAS COMPORTAMENTAIS DE SAÚDE E
SEGURANÇA NO TRABALHO. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 179
Bruno Chapadeiro
CAPÍTULO 9
ANTROPOÉTICA . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 197
Luiz Salvador
Olimpio Paulo Filho
CAPÍTULO 10
TERCEIRIZAÇÃO: MORTES E MUTILAÇÕES DE TRABALHADORES
NOS SETORES ELÉTRICO, PETROLEIRO E DA CONSTRUÇÃO CIVIL. . . . . . . . . . . 219
Grijalbo Fernandes Coutinho
CAPÍTULO 11
O AMANHECER DA REESTRUTURAÇÃO PRODUTIVA:
OS PROGRAMAS DE METAS E O RECRUDESCIMENTO DOS
RISCOS PSICOSSOCIAIS NO SETOR BANCÁRIO . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 265
Luciana Veloso Baruki
A P R E S E N TAÇ ÃO
A DESMEDIDA DO CAPITAL
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A Desmedida do Capital
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A Desmedida do Capital
Giovanni Alves
André Luís Vizzaccaro-Amaral
Bruno Chapadeiro
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CAPÍTULO INTRODUTÓRIO
INVASÕES BÁRBARAS
1. INTRODUÇÃO
Lendo o trecho acima e nos lembrando das belas telas de Pollock, inevita-
velmente podemos relacioná-los sem que as palavras destoem das imagens em
questão (Jackson Pollock, “Olhos no calor, 1946; “Full Fathom Five”, 1947; “Né-
voa lavanda”, 1950; “Polos azuis”, 1952). Pois o espaço das telas impõe, ao olhar,
um campo dinâmico, por onde as formas esboçam limites para, logo em seguida,
dissolvê-los num jogo de fluxo de cores dissimuladas, linhas irregulares, densida-
des múltiplas e movimentos imprevisíveis. O olhar pode até procurar um ponto
de descanso, mas o ritmo das formas difusas o arranca novamente para o passeio
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tenso ao longo das bordas. Na verdade, as próprias bordas correm o perigo de dis-
solução, tamanha é a força da pintura de Pollock: ela é uma obra aberta.
Enfim, lembrando de Heinrich Wölffilin, o linear, a forma fechada, a pluri-
dade e a clareza, permitem uma imagem mais fortemente ligada aos valores da
medida e da proporção, exatamente estabelecida, e ao rigor formal. Por outro
lado, ações que libertam a imagem da linearidade promovem a inexatidão, o em-
baralhamento, o deslize entre um espaço e outro, onde o olhar se perde em meio
a uma fluidez dispersa.
Diante disso, podemos exercitar o olhar em direção ao caminho mais seguro,
imerso em promessas de acordos e harmonias estavelmente mantidas, pelas quais
os conflitos adquirem a lógica da guerra e da diplomacia, ou podemos sair ao
campo aberto da fluidez, com seu espaço labiríntico, quase informal. É, por um
aspecto, uma escolha, mas escolha envolvida por mundos totalmente diferentes,
povoados por personagens e conceitos basicamente incompatíveis.
2. OS BÁRBAROS
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Mas não podemos nos esquecer de outro tipo de investida. Não são hordas
migratórias, pois não desejam a permanência, nem a obediência e nem mesmo
qualquer gratificação em troca de uma suposta aceitação de regras. As hordas
nômades invadem, saqueiam, incendeiam e partem para outros lugares. São rápi-
das, pois não se prendem aos lugares saqueados, não constroem ou reconstroem
aldeias devastadas, não se protegem em fortificações. A diplomacia, se é que pode-
mos chamá-la assim, que tais hordas exercem não se faz por regras claras e obede-
cem a outros códigos muito mais próximos da vida em combate que de uma vida
sedentária. Elas vêm e vão de acordo com as necessidades. Elas tão rapidamente
chegam como partem, e em seu rastro ficam apenas as mudanças provocadas pelo
fogo de suas investidas. De todas as relações, essas são as mais potentes, pois na
reação do Estado em função do perigo e do caótico, ele é forçado a mudar; ele
também recebe uma gigantesca carga de força que o impele em outras direções:
desterritorialização constante, imprimindo uma tonalidade muito distante da li-
nearidade clara e facilmente visível das demarcações.
Mas não nos esqueçamos de que tais processos não se dão de maneira es-
trondosa, por meios de encontros estabelecidos via institucional, como as reu-
niões entre representantes de diversos territórios. Diferente dessas formalidades
ancoradas em regras de conduta, o limite se faz pelo diferencial, pelo traçado da
tangente, pela variação e pela aposta em singularidades determináveis, mas não
determinadas.
O limite, portanto, não contém apenas uma fronteira, mas um espaço em vias
de indeterminação. Daí nosso interesse pela pintura de Pollock. Nela, o espaço
se compõe de maneira diferencial, a partir de vizinhanças, com linhas nômades,
livres de uma determinação evidente, ao mesmo tempo em que se mostra vigo-
rosa em suas relações determináveis. Não vemos repartições definidas. Tudo flui
numa luta por territórios e pela imposição de desterritorializações inevitáveis. As
cores formam regiões imprevisíveis, às vezes ameaçando umas as outras pelo uso
de complementares, às vezes entrando em consonância a partir do traçado das
linhas flexíveis ou nômades. Também podemos ver os endurecimentos, as zonas
de segurança, as imposições de sentido, a sobrecodificação.
Primeira questão: O que se pode vêr e sobre o qual se pode falar, acontece, prin-
cipalmente, na ordem dos estratos, dos contornos, das formas. E vêr e falar, ou se
deixar vêr e falar, promove, portanto, o jogo entre captura e fuga.
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A bela imagem descrita por Deleuze, expressa bem o sentido que queremos
fazer aparecer. Muito diferente daquela oposição marcada já pela efetuação nas
correntes políticas heterogêneas, compostas em unidade diante de um Estado au-
toritário, ou dispostas em conflito com os modelos assistenciais, o Acontecimento
liberta a análise e a remete a outras esferas mais diluídas e em movimento, somen-
te freado quando se faz as avaliações dos fatos, das falas e dos relatos.
A emergência de questões, portando, para nos inserirmos nesse momento de
constituição de problemas, precisa ser pensada em termos de acontecimento, em
termos de algo que, ao invés de possuir um delineamento assentado em posições
políticas, em primeiro lugar exerce o poder de fazer ver algo de intolerável, de ab-
surdo. Um acontecimento que tem o poder de problematizar um tempo, de abrir
um imenso campo de possíveis, uma virtualidade de tal modo tão potente, que é
capaz de exigir a criação de novas possibilidades de vida.
O acontecimento, enquanto ação política, se expressa por um duplo devir: ao
mesmo tempo em que ele inaugura um processo de experimentação, ele exige que
essa experimentação seja efetuada a partir de agenciamentos, dispositivos e insti-
tuições. O acontecimento, ou a emergência de um campo por onde se movimen-
taram novas abordagens, novas propostas ou novas possibilidades de se ver e falar
sobre a vida, se faz, primeiramente, abrindo um campo problemático, sob o qual
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[...] em quinto lugar este mundo do sentido tem por estatuto o problemáti-
co: as singularidades se distribuem em um campo propriamente problemá-
tico e advêm neste campo como acontecimentos topológicos aos quais não
está ligada nenhuma direção. [...] O que permite, como vimos, dar ao “pro-
blemático” e à indeterminação que comporta uma definição plenamente
objetiva, uma vez que a natureza das singularidades dirigidas de um lado, e
sua existência e repartição sem direção, de outro, dependem de instâncias
objetivamente distintas. (DELEUZE, 1997, p. 106-107)
4. SOBRE O PROGRAMÁTICO
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6. CONCLUSÃO
Por fim, se entendemos que o mundo é um jogo de forças, que por elas expres-
sam-se lutas, e pelas lutas, travadas nas esferas estratificadas das formas (Estado,
sujeito, cidadão, família, trabalhador etc.), podemos, por meio da interpretação e
da avaliação, extrair valores, hierarquizando-os de maneira a fazer movimentar
possibilidades de vida fraca ou forte, então, a partir disso, podemos finalizar com
as seguintes questões, já levantadas acima, mas ainda não trabalhadas:
Primeira questão: O que se pode vêr e sobre o qual se pode falar, acontece, prin-
cipalmente, na ordem dos estratos, dos contornos, das formas. E vêr e falar, ou se
deixar vêr e falar, promove, portanto, o jogo entre captura e fuga.
Segunda questão: se se deixar ver e falar implica na formalização do jogo da
captura-fuga, ao se instituir um “programa” de defesa e ataque, em meio a tal jogo
corre-se o perigo de fazer da própria captura uma moeda de troca entre adversários.
Aqui, o que está em jogo é como pensar as estratégias diante das lutas tra-
vadas: seria interessante fazer-se visível diante de um inimigo, organizando-se
por meio de instrumentalizações institucionais? O jogo institucional exige regras,
limites, fronteiras e o manejo de situações que entram, num momento ou noutro,
em luta tecno-burocrática. Isto é, ao se institucionalizar determinada luta, seja
ela uma luta de resistência ou de incrementação de domínio, as regras já estão
dispostas anteriormente. Há, de certa forma, a delimintação prévia dos caminhos,
como no jogo de xadrez, onde cada peça deve obedecer seu movimento “natural”,
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INVASÕES BÁRBARAS
inserida num espaço também previamento construído e que seria também “na-
tural” aos movimentos das peças. Neste caso, como estamos tentando dizer, a
visibilidade de cada lugar preeenchido ou não pelas esferas de influência de cada
peça é o que determina as táticas a serem utilizadas. Ganha quem mais dominar
aberturas, várias delas descriminadas em manuais, meio-jogo e final. Obviamente
que, por mais demarcadas que estejam as táticas de jogo, ainda restam possibili-
dades de invenção. Por outro lado, se as possibilidades de invenção existem, elas
exigem uma postura, de “quem” se propõe a tanto, que seja “forte” o bastante para
arriscar ir além do previsto. E ir além do previsto é, de alguma maneira, não se
deixar “ver”. É não propor o esperado, é não agir em espaço demarcado. É ser um
“estrangeiro” em sua própria terra, é talvez, não ter terra nenhuma, é, por fim, ter
no movimento nômade a esfera de sua ação.
REFERÊNCIAS
FOUCAULT, M. Ditos e escritos. Vol IV. Forense Universitária, Rio de Janeiro, 2010.
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SEÇÃO 1
TRABALHO, SAÚDE E
INVISIBILIDADE SOCIAL
CAPÍTULO 1
PROMETEU ADOECIDO: CAPITALISMO
GLOBAL E DEGRADAÇÃO DA PESSOA
HUMANA-QUE-TRABALHA
Giovanni Alves
1 http://blogdaboitempo.com.br/2015/01/19/prometeu-envelhecido-proletariedade-e-velhice-no-
-seculo-xxi/. Acesso em 10/09/2015
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A HÝBRIS DE SATURNO: PRECARIZAÇÃO DO TRABALHO, SAÚDE DO TRABALHADOR E INVISIBILIDADE SOCIAL
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Prometeu adoecido: capitalismo global e degradação da pessoa humana-que-trabalha
2 Em São Paulo, a pesquisa da OMS foi financiada pela Fapesp (Fundação de Amparo à Pesquisa do
Estado de São Paulo), sob a coordenação da Profa. Laura Helena Andrade, professora do Depar-
tamento e Instituto de Psiquiatria da Faculdade de Medicina da USP, e da Profa. Maria Carmen
Viana, professora do Departamento de Medicina Social da Universidade Federal do Espírito San-
to. Para maiores informações, ver o site The World Mental Health Survey Initiative - http://www.
hcp.med.harvard.edu/wmh/. Acesso em 10 de setembro de 2015. Em 2009, a equipe da pesquisa
no Brasil publicou um artigo na Revista Brasileira de Psiquiatria intitulado “São Paulo megacity
– um estudo epidemiológico de base populacional avaliando a morbidade psiquiátrica na região
metropolitana de São Paulo: objetivos, desenho e implementação do trabalho de campo” (vide
http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1516-44462009000400016 – Acesso em
10 de setembro de 2015).
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3 Vide meu artigo “A vingança de Kant ou Por que o assédio moral é a peste negra do século XXI”:
http://blogdaboitempo.com.br/2015/04/13/a-vinganca-de-kant-ou-porque-o-assedio-moral-
-tornou-se-a-peste-negra-do-seculo-xxi/. Acesso em 10/09/2015
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Prometeu adoecido: capitalismo global e degradação da pessoa humana-que-trabalha
pessoas que trabalham. Não se trata apenas de caracterizar a vida social da hiper-
modernidade do capital como sendo “vida líquida”, como fez Zygmunt Bauman,
mas tratá-la como sendo “vida reduzida”, tendo em vista a supremacia do “modo
de vida just-in-time”. Essa sintomatologia da nova modernidade do capital explica
o que Bauman considerou como sendo “cegueira moral”, contribuindo para aqui-
lo que Honneth resgata no conceito de matriz lukacsiana - “reificação” (GAULE-
JAC, 2005; BAUMAN, 2014; HONNETH, 2008).
A nova reestruturação produtiva do capital, em sua etapa de crise estrutural,
implica em mudanças sociais na organização da vida cotidiana para além dos lo-
cais de trabalho reestruturados. Por isso salientamos o fenômeno da precarização
existencial que atinge o mundo social do trabalho. A vida social - ou a qualidade
de vida e saúde dos trabalhadores - tornou-se afetada pelo “modo de vida just-in-
-time”. A pressão da ideologia da gestão toyotista acoplada às novas tecnologias
informacionais - smartphones e tablets conectados às redes sociais e a invasão das
telas digitais de high definition - invadem a vida pessoal, alterando as trocas meta-
bólicas da reprodução social. A precarização das condições de existência humana
no sentido de fragilização e corrosão dos laços sociais, por conta da concorrência e
manipulação de alta intensidade, ao lado da nova precariedade salarial, contribui
para a degradação da pessoa humana-que-trabalha.
Uma das dimensões da crise do sindicalismo é sua incapacidade em criticar
efetivamente a precarização do trabalho que diz respeito ao modo de vida just-in-
-time e suas implicações sociometabólicas que afetam a saúde do trabalhador. Ao
restringir-se tão-somente à crítica da nova precariedade salarial, principalmente
a luta contra a precarização contratual, o sindicalismo expõe seus limites irreme-
diáveis. A luta contra a precarização existencial e a luta contra a precarização da
pessoa-que-trabalha é, acima de tudo, uma luta ideológica. Esta cegueira política do
sindicalismo, decorre das suas dificuldades estruturais em levar a cabo a luta ideo-
lógica, encontrando-se hoje, sindicatos (e inclusive partidos políticos), muito aquém
na capacidade de enfrentamento ideológico contra o capital como metabolismo so-
cial. Enfim, a luta sindical e a luta política têm hoje – e desde sempre - imensas
dificuldades em intervir no metabolismo social do capital movido pela ideologia.
Como a nova ofensiva do capital assume um caráter efetivamente ideológico, devido
à natureza do capitalismo global como capitalismo manipulatório, a luta ideológica
coloca-se hoje, mais do que nunca, como prioritária no campo da luta de classes. A
luta ideológica envolve a disputa por valores e não apenas por ideias.
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indústria, o capital requisita, cada vez mais, não apenas a força de trabalho, mas
o próprio trabalho vivo, a pessoa humana-que-trabalha, o homem integral para
dedicar-se à produção do capital. Enquanto com a manufatura, o capital revo-
lucionou o homem por meio do revolucionamento da divisão manufatureira do
trabalho; e com a grande indústria o capital revolucionou a máquina, base técnica
de produção de mercadorias, com o surgimento do sistema de máquinas; com a
maquinofatura - que outros autores denominaram “pós grande indústria” (Ruy
Fausto), “cooperação complexa” (Francisco Teixeira) ou ainda “hiper-indústria”
(Haddad) - o capital revolucionou a relação homem-máquina por meio daquilo
que se denominou gestão.
Na era da maquinofatura, a lógica gerencialista impregnou a produção como
totalidade social com o advento da quarta idade da máquina (as máquinas in-
formacionais da produção do capital são novas máquinas que envolvem as pes-
soas-que-trabalham por meio da rede social). Enfim, com a nova base técnica da
produção do capital, alterou-se o nexo psicofísico do homem na produção. Deste
modo, exigiu-se um salto qualitativamente novo na natureza da “captura” da sub-
jetividade do trabalho pelo capital, tendo em vista a própria natureza do traba-
lho capitalista do século XXI constituído, de modo predominante, pelo trabalho
imaterial. A maior presença de traços de imaterialidade na produção do capital,
exigiu um nexo psico-fisico que demanda, com maior intensidade, as dimensões
complexas da pessoa humana-que-trabalha (subjetividade, alteridade e individu-
alidade). Na era do “proletário mascate”, quando o trabalho da indústria, servi-
ços e administração pública se impregnam cada vez mais da ação comunicativa,
tornando-se, deste modo, trabalho ideológico, o capital exige mais - no sentido
subjetivo - das pessoas humanas-que-trabalham (entendemos “trabalho ideológi-
co” como sendo um modo da atividade humana laboral que se exerce por meio da
ação comunicativa, isto é, implica uma ação ideológica no sentido de ação sobre
outrem e inclusive, sobre si mesmo no sentido do auto-engajamento pessoal).
O fordismo-taylorismo implicou um modo de ser da “captura” da subjetivi-
dade baseado em contrapartidas salariais - por exemplo, o “compromisso fordis-
ta” destacado por David Harvey no livro “Condição pós-moderna”. A implicação
subjetiva do fordismo-keynesianismo se distinguia efetivamente da “captura”
da subjetividade do trabalho pelo capital operada pelo toyotismo. Com a gestão
toyotista temos um movimento do capital visando mais envolvimento das pes-
soas humanas-que-trabalham. Nos locis mais dinâmicos da produção de valor,
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REFERÊNCIAS
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São Paulo: Boitempo editorial.
______ (2000), O Novo (e Precário) Mundo do Trabalho: Reestruturação produtiva e crise do sindicalismo, São
Paulo: Boitempo Editorial.
4 Por exemplo, a categoria social dos magistrados é a prova candente de trabalhadores públicos de
alta reputação social e política, que apesar de serem objetos da precarização do trabalho enquanto
precarização da pessoa humana-que-trabalha, são incapazes, como categoria social da totalidade
viva do trabalho no setor público, em adquirir consciência de classe necessária por conta da sua
posição na estratificação social e localização contraditória na estrutura de classes. A alta remu-
neração, status e prestígio social, e as prerrogativas de mando e poder (divisão hierárquica do
trabalho) impedem - objetivamente - que a categoria social, em si e para si, possa desenvolver a
consciência de classe necessária.
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______ (2013). Dimensões da Precarização do Trabalho: Ensaios de sociologia do trabalho. Bauru: Editora
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______ (2014) Trabalho e neodesenvolvimentismo: A nova degradação do trabalho no Brasil. Bauru: Editora
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CAPÍTULO 2
A CONSTRUÇÃO SOCIAL DA
INVISIBILIDADE DAS DOENÇAS
E MORTES RELACIONADAS AO
TRABALHO
INTRODUÇÃO
1 Ângulo morto termo utilizado por Thébaud-Mony(1991); Mendes, J. (1999) para designar zona
que escapa ao campo de visão, ou seja, significa indicar de que existe um perigo dissimulado, sem
visibilidade.
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A CONSTRUÇÃO SOCIAL DA INVISIBILIDADE DAS DOENÇAS E MORTES RELACIONADAS AO TRABALHO
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especial a partir da década de 80, tem contribuído para ampliar o adoecimento re-
lacionado ao trabalho, mas ao mesmo tempo a oculta-las face às diferentes formas
de precarização do e no trabalho ao mesmo tempo em que mantém a culpabiliza-
ção do indivíduo frente as esses agravos.
Nessa contraditória relação, verifica-se o significativo número de doenças e
mortes relacionadas com o trabalho nas estatísticas oficiais, em que pese ainda a
existência de sua subnotificação. Em 2011, foram registrados 711.164 acidentes e
doenças do trabalho, entre os trabalhadores assegurados da Previdência Social,
deixando de fora dessas estatísticas trabalhadores autônomos, empregadas do-
mésticas e trabalhadores do setor público e informal. (BRASIL, 2013). Em feve-
reiro de 2013, dados do acompanhamento mensal de benefícios da Previdência, o
pagamento do benefício por acidente de trabalho e auxílio-doença seguem uma
dinâmica semelhante. A cada sete benefícios concedidos por afastamento por do-
ença relacionada ao trabalho, um é pago por acidente. Nesse aspecto, ainda há de
se considerar o grande número desses benefícios por incapacidade que têm rela-
ção direta com o trabalho, sem que tenham o devido reconhecimento legal. Outra
informação alarmante refere-se aos transtornos mentais; no Brasil, dos 166,4 mil
auxílios-doença concedidos pelo Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) cerca
de 15,2 mil são por problemas mentais ou comportamentais. A depressão está no
topo, com mais de 5,5 mil casos, entre episódios depressivos ou transtorno recor-
rente.( BRASIL, 2013)
Em 2013, a Organização Internacional do Trabalho (OIT) divulgou que ocor-
rem 2,3 milhões de mortes por ano relacionadas com a atividade exercida pelo
trabalhador. Dessas, cerca de 2 milhões de mortes referem-se ao desenvolvimento
de enfermidades e 321 mil resultam de acidentes – cerca de “uma morte por aci-
dente para cada seis mortes por doença”. A OIT calcula que a cada 15 segundos
um trabalhador morra por acidentes ou doenças relacionadas com o trabalho e a
cada 15 segundos, 115 trabalhadores sofrem um acidente laboral. (BRASIL, 2013).
As doenças e mortes relacionadas ao trabalho tem se constituído por agravos
relacionados ao contexto de como e onde esse trabalho ocorre, quer seja, durante
e após os períodos de realização de atividade, ou seja, o trabalhador fica exposto
a diferentes agentes nocivos a sua saúde. O estabelecimento, na maioria das situ-
ações, do nexo causal entre agente causador e atividade exercida é silenciado por
meio de diferentes mecanismos que contribuem para a ausência do reconheci-
mento do processo do adoecimento. O silêncio é fruto também de perspectivas
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A CONSTRUÇÃO SOCIAL DA INVISIBILIDADE DAS DOENÇAS E MORTES RELACIONADAS AO TRABALHO
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A HÝBRIS DE SATURNO: PRECARIZAÇÃO DO TRABALHO, SAÚDE DO TRABALHADOR E INVISIBILIDADE SOCIAL
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A CONSTRUÇÃO SOCIAL DA INVISIBILIDADE DAS DOENÇAS E MORTES RELACIONADAS AO TRABALHO
esses perigos que estão sendo dissimulados e negados aos quais os trabalhadores
encontram expostos no seu dia a dia.
Aponta para a alternativa que vem sendo desenvolvida “há quinze anos,
formam-se redes com o objetivo de questionar a invisibilidade dos danos
ligados ao trabalho, à terceirização dos riscos e à deslocalização da morte
no trabalho. Uma delas é a Rede Internacional Ban Asbestos, para a proibi-
ção mundial do amianto, que vem cumprindo um grande papel na tomada
de consciência do número de vítimas e para apontar os responsáveis” (Thé-
baud Mony, A.; 2014).
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A HÝBRIS DE SATURNO: PRECARIZAÇÃO DO TRABALHO, SAÚDE DO TRABALHADOR E INVISIBILIDADE SOCIAL
68
A CONSTRUÇÃO SOCIAL DA INVISIBILIDADE DAS DOENÇAS E MORTES RELACIONADAS AO TRABALHO
Causa e efeito são representações que só têm significado como tais aplica-
das a um caso particular; mas, logo que consideramos este caso particular
na sua conexão geral com todo mundo, estas representações encontram-se
e entrelaçam-se na representação da interação universal, na qual causas e
efeitos mudam constantemente de lugar: aquilo que aqui ou agora é causa
torna-se efeito ali ou depois, e vice-versa (ENGELS, 1979, p. 21).
69
A HÝBRIS DE SATURNO: PRECARIZAÇÃO DO TRABALHO, SAÚDE DO TRABALHADOR E INVISIBILIDADE SOCIAL
não pode ser contida apenas numa fórmula numérica ou num dado estatístico”
(MINAYO, 2000, p. 21-22).
Essas categorias trazem, principalmente, significados que são indissociáveis
da condição em que os trabalhadores se encontram ao estarem suscetíveis de ado-
ecerem pelo e no trabalho. Pensar a conexão e os significados do processo de ado-
ecimento com a vida e trabalho indica que “[...] não desconectamos esse sujeito da
sua estrutura, buscamos entender os fatos, a partir da interpretação que faz dos
mesmos em sua vivência cotidiana” (MARTINELLI, 1994, p. 13).
O processo de desocultamento desses fenômenos estudados materializa-se na
abordagem metodológica da construção social da invisibilidade cujo papel central
é o de explicitar a conexão entre os fatos narrados e a estrutura social, política e
econômica que estão contribuindo de forma direta ou indireta para obscurecê-los.
70
A CONSTRUÇÃO SOCIAL DA INVISIBILIDADE DAS DOENÇAS E MORTES RELACIONADAS AO TRABALHO
71
A HÝBRIS DE SATURNO: PRECARIZAÇÃO DO TRABALHO, SAÚDE DO TRABALHADOR E INVISIBILIDADE SOCIAL
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CAPÍTULO 3
BREVÍSSIMA HISTÓRIA DA
LEGITIMAÇÃO DA PRECARIZAÇÃO
DA SAÚDE DO TRABALHADOR NO
BRASIL MEDIANTE O SABER MÉDICO-
PSIQUIÁTRICO-TAYLORISTA
Roberto Heloani
Margarida Barreto
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A HÝBRIS DE SATURNO: PRECARIZAÇÃO DO TRABALHO, SAÚDE DO TRABALHADOR E INVISIBILIDADE SOCIAL
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BREVÍSSIMA HISTÓRIA DA LEGITIMAÇÃO DA PRECARIZAÇÃO DA SAÚDE DO TRABALHADOR NO BRASIL MEDIANTE O SABER MÉDICO-PSIQUIÁTRICO-TAYLORISTA
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A HÝBRIS DE SATURNO: PRECARIZAÇÃO DO TRABALHO, SAÚDE DO TRABALHADOR E INVISIBILIDADE SOCIAL
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BREVÍSSIMA HISTÓRIA DA LEGITIMAÇÃO DA PRECARIZAÇÃO DA SAÚDE DO TRABALHADOR NO BRASIL MEDIANTE O SABER MÉDICO-PSIQUIÁTRICO-TAYLORISTA
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A HÝBRIS DE SATURNO: PRECARIZAÇÃO DO TRABALHO, SAÚDE DO TRABALHADOR E INVISIBILIDADE SOCIAL
governo para a elevação das tarifas aduaneiras a fim de manter altos os preços dos
produtos importados.
A capacidade industrial ociosa acima referida - gerada nos anos 20 -, foi o
produto dos investimentos das grandes fábricas que se preparavam para ampliar
a concentração e centralização do capital. Este modelo concentrador de recursos
foi justificado por permitir o barateamento da produção e a massificação do con-
sumo. O fordismo, em virtude do seu apelo de intensificação da gestão disciplinar
do trabalho e da verticalização da produção, foi utilizado como suporte ideológico
deste modelo de concentração de capital. O fordismo adequou-se muito bem aos
objetivos de elevar o controle sobre o trabalho por parte dos industriais paulistas.
A disciplina dos ritmos de trabalho poderia controlar o desempenho do traba-
lhador em virtude da mecanização dos meios de transporte entre um posto de
trabalho e outro.
A burguesia paulista pretendia ampliar a atuação dos enunciados pedagógicos
de poder com base no dito bem comum. A partir do trabalho, o bem comum seria
atingido por todos os interessados: o consumidor, o trabalhador e o capitalista.
O bem comum geraria também uma sociedade harmônica na medida em que a
distribuição de lucros permitiria a conciliação trabalho/capital. Para a burguesia
paulista, outro aspecto de interesse em relação ao fordismo consistia no discipli-
namento da força de trabalho além do espaço da fábrica.
Para o capital paulista, as experiências de controle sobre o lazer dos trabalha-
dores, como o dopolavoro na Itália, representavam uma alternativa interessante de
dominação sobre as atividades políticas após a jornada de trabalho. Boas leituras,
jogos agradáveis, comedimento moral e assistência social deveriam ser os meca-
nismos de docilização, controle e educação dos operários.
O fordismo na sua versão americana não admitia legislação do trabalho, e, a
partir deste argumento, os industriais paulistas posicionavam-se contrariamente
à introdução da legislação do trabalho de 1926. Este ordenamento consistia em
inúmeras medidas tais como a lei de férias, o código do menor e o seguro contra
as doenças profissionais. Entretanto, acuados pelas pressões do proletariado que
giravam em torno do controle do mercado de trabalho, os industriais paulistas
abandonam a via americana (estado liberal) para adotar as experiências italianas
e alemãs (estado corporativista).
Como consequência deste abandono da via americana, a burguesia indus-
trial paulista reorganizava-se por meio de novas instituições sociais como CIESP
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BREVÍSSIMA HISTÓRIA DA LEGITIMAÇÃO DA PRECARIZAÇÃO DA SAÚDE DO TRABALHADOR NO BRASIL MEDIANTE O SABER MÉDICO-PSIQUIÁTRICO-TAYLORISTA
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A HÝBRIS DE SATURNO: PRECARIZAÇÃO DO TRABALHO, SAÚDE DO TRABALHADOR E INVISIBILIDADE SOCIAL
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BREVÍSSIMA HISTÓRIA DA LEGITIMAÇÃO DA PRECARIZAÇÃO DA SAÚDE DO TRABALHADOR NO BRASIL MEDIANTE O SABER MÉDICO-PSIQUIÁTRICO-TAYLORISTA
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A HÝBRIS DE SATURNO: PRECARIZAÇÃO DO TRABALHO, SAÚDE DO TRABALHADOR E INVISIBILIDADE SOCIAL
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83
SEÇÃO 2
SAÚDE, SUBJETIVIDADE E A
PRECARIZAÇÃO DO TRABALHO
CAPÍTULO 4
A (IN)VISIBILIDADE DOS
“(IN)CAPACITADOS PARA O TRABALHO”
INTRODUÇÃO
1 Este capítulo difunde, no meio literário, os resultados da tese de doutoramento do autor: VI-
ZZACCARO-AMARAL, André Luís. “(In)capacitados para o trabalho”?: trabalho, estranhamen-
to e saúde do trabalhador no Brasil (2000-2010) / André Luís Vizzaccaro-Amaral. – Marília, 2013.
330 f. Tese (Doutorado em Ciências Sociais) – Faculdade de Filosofia e Ciências, Universidade
Estadual Paulista, 2013. Disponível em <http://www.marilia.unesp.br/Home/Pos-Graduacao/
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A HÝBRIS DE SATURNO: PRECARIZAÇÃO DO TRABALHO, SAÚDE DO TRABALHADOR E INVISIBILIDADE SOCIAL
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A (IN)VISIBILIDADE DOS “(IN)CAPACITADOS PARA O TRABALHO”
Paulo.2 Até março de 2011, o INSS era réu em 5,8 milhões de processos, dentre os
quais, estimava-se que algo em torno de 50% a 70% fossem relativos aos auxílios,
entre eles o auxílio-doença.3
O argumento, por parte do INSS, é claramente amparado por um discurso
gerencialista e que, por esta razão, se constitui de modo racional, distanciado e
generalista, corroborando as decisões de suas perícias, em prol da manutenção
das práticas, tal como destaca o conteúdo de uma reportagem amplamente divul-
gada na mídia brasileira, ao entrevistar o então presidente do órgão, o Sr. Mauro
Luciano Hauschild:
2 Notícia veiculada no programa televisivo “Fantástico”, da Rede Globo, em 20/02/2011, e no seu site
em 25/02/2011. Disponível em: <http://fantastico.globo.com/Jornalismo/FANT/0,,MUL1648949-
15605,00-BRASILEIROS+COM+PROBLEMAS+DE+SAUDE+ NAO+TEM+AUXILIODOENCA.
html>. Acesso em 20 maio 2012.
3 Notícia veiculada pela Gazeta do Povo, em 25 de março de 2011. Disponível em <http://www.
gazetadopovo.com.br/vidaecidadania/ conteudo.phtml?id=1109360>. Acesso em 30 maio 2012.
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A HÝBRIS DE SATURNO: PRECARIZAÇÃO DO TRABALHO, SAÚDE DO TRABALHADOR E INVISIBILIDADE SOCIAL
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A (IN)VISIBILIDADE DOS “(IN)CAPACITADOS PARA O TRABALHO”
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A HÝBRIS DE SATURNO: PRECARIZAÇÃO DO TRABALHO, SAÚDE DO TRABALHADOR E INVISIBILIDADE SOCIAL
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A (IN)VISIBILIDADE DOS “(IN)CAPACITADOS PARA O TRABALHO”
entre o todo e a parte e os vínculos do saber e do agir com a vida social dos
homens”. (CHIZZOTTI, 2005, p. 80)
Os pressupostos teóricos que nortearam a pesquisa de campo deste trabalho fo-
ram de matiz marxiano, com ressonâncias em Georg Lukács, concentrando-se nas
chaves-conceituais da “centralidade do trabalho”, desenvolvida por Antunes (2001
e 2002), e da “crise da subjetividade” e do “estranhamento”, estas últimas desenvol-
vidas por Alves (2010; 2011a; 2011b; 2012), como elementos centrais para a análise.
Tais chaves-conceituais foram contrapostas com as pré-análises realizadas
em cada um dos instrumentos investigativos utilizados para a coleta de dados,
cada qual com suas especificidades. Portanto, a análise dos resultados da pesqui-
sa de campo realizada esteve associada a cada um de seus procedimentos me-
todológicos e, por esta razão, não se separou totalmente da etapa de coleta de
dados. Ressonâncias desta perspectiva são encontradas em diversas obras desde
o início da década de 1980. (JACCOUD; MAYER, 2012, p. 273)
Desta feita, os resultados foram analisados em conformidade com as técnicas
de coleta e de análise de dados utilizadas na pesquisa de campo, como a aborda-
gem biográfica, a entrevista de tipo qualitativo semi-estruturada, a investigação
socioeducativa, a anamnese clínica e a análise documental, a partir dos elemen-
tos metodológicos presentes em Chizzotti (2005), Triviños (2011) e, sobretudo,
em Poupart et al (2012).
Os Sujeitos da Pesquisa
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A HÝBRIS DE SATURNO: PRECARIZAÇÃO DO TRABALHO, SAÚDE DO TRABALHADOR E INVISIBILIDADE SOCIAL
94
A (IN)VISIBILIDADE DOS “(IN)CAPACITADOS PARA O TRABALHO”
4 Para os três sujeitos foram utilizadas duas ferramentas que permitiram avaliar suas classificações
econômicas. Uma da Revista Veja, disponível em <http://veja.abril.com.br/blog/testes/classe-
-economica/a-que-classe-economica-voce-pertence/>, e outra do jornal Folha de São Paulo, que
traz informações do Datafolha, disponível em <http://www1.folha.uol.com.br/poder/1036261-
-quiz-faca-o-teste-e-descubra-a-que-classe-social-voce-pertence.shtml>. Ambos os acessos foram
realizados em 25 janeiro 2013. Optou-se por essas ferramentas pela facilidade de acesso frente a
uma informação que foi considerada complementar aos casos estudados, e não essencial, embora
estejam pautadas em pesquisas nacionais realizadas por órgãos reconhecidos.
5 Segundo a Revista Veja. Disponível em <http://veja.abril.com.br/blog/testes/classe-economica/a-
-que-classe-economica-voce-pertence/>. Acesso em 25 janeiro 2013
6 Conforme Folha de S. Paulo. Disponível em < http://www1.folha.uol.com.br/poder/1036261-quiz-
-faca-o-teste-e-descubra-a-que-classe-social-voce-pertence.shtml >. Acesso em 25 janeiro 2013.
95
A HÝBRIS DE SATURNO: PRECARIZAÇÃO DO TRABALHO, SAÚDE DO TRABALHADOR E INVISIBILIDADE SOCIAL
Nascido em 1965, Ênio é paulistano, tendo vivido quase toda a sua vida na
capital de São Paulo. Atualmente, reside no interior do estado de São Paulo, numa
região em que sua atual companheira possui alguns familiares. Possui um relacio-
namento em união estável há 16 anos, e tem 01 filho do primeiro casamento, com
19 anos de idade que não reside com ele.
Ênio não trabalha em decorrência de sua condição de saúde e, atualmente,
está em litígio trabalhista contra a sua antiga empregadora. Da mesma forma que
Eva, Ênio ingressou com um processo contra o INSS pleiteando sua aposentadoria
por invalidez e/ou o restabelecimento de benefício de Auxílio-Doença Acidentá-
rio (B91), devido a seu quadro de saúde debilitado após um acidente de trabalho
típico numa empresa da construção civil da capital paulista. Conseguiu realizar
dois “bicos” em condições especiais, sem registro, no interior paulista, desde que
se mudou, para tentar “ocupar a cabeça” e conseguir alguma renda extra, em casa,
mas tem dificuldades em decorrência de seu quadro de saúde.
Não possui nenhuma renda individual, mas contabilizando a de sua compa-
nheira, sua renda familiar chega a cerca de R$1000,00 mensais. Mora com sua com-
panheira em residência própria e já quitada, após esforços realizados em conjunto
com a companheira, num bairro residencial periférico da atual cidade em que reside.
Ênio pertence à Classe C7, ou média intermediária, que concentra 26% da
população brasileira e sua classificação nessa classe, em grande parte, se deu em
razão de seu nível educacional. Dessa população, 89% tem o mesmo nível educa-
cional de Ênio, 78% tem renda familiar de até três salários mínimos (ou seja, em
torno de R$2000,00, o dobro da renda familiar de Ênio), 62% tem idade inferior a
96
A (IN)VISIBILIDADE DOS “(IN)CAPACITADOS PARA O TRABALHO”
Também nascido em 1965, José, assim como Eva, nasceu e cresceu no interior
paulista, tendo vivido em algumas cidades do interior ao longo de sua vida pro-
fissional. Atualmente, reside no interior do estado, numa cidade distante cerca
de trinta quilômetro de onde nasceu, ou seja, na mesma região em que nasceu e
cresceu. É casado com sua atual esposa, depois de dois casamentos anteriores, há
cerca de dez anos, mas com quem não possui filhos. Tem um filho de 17 anos de
idade registrado em seu nome, do primeiro casamento, mas que mora com a avó
materna, e um filho não registrado, de 15 anos, de outro relacionamento.
José é o único entre os três sujeitos aqui pesquisados que está trabalhando for-
malizado. Atua como vigia em uma empresa que vende equipamentos para o setor
97
A HÝBRIS DE SATURNO: PRECARIZAÇÃO DO TRABALHO, SAÚDE DO TRABALHADOR E INVISIBILIDADE SOCIAL
de agronegócios, cuja sede fica a apenas alguns metros de sua residência. Da mesma
forma que Eva e Ênio, José também ingressou com um processo contra o INSS plei-
teando sua aposentadoria por invalidez e/ou o restabelecimento de seu benefício de
Auxílio-Doença Acidentário (B91), devido a seu quadro de saúde debilitado após
um acidente de trabalho típico numa empresa do comércio. Ficou cerca de sete anos
recebendo o benefício do INSS, intermitentemente, antes de ser demitido pela em-
presa onde se acidentou, e seu emprego atual, como vigia, é recente.
Sua renda individual é de R$1500,00, aproximadamente, mas contabilizando
a de sua companheira, sua renda familiar chega a cerca de R$2300,00 mensais.
Mora com sua companheira em residência própria e financiada junto a um pro-
grama habitacional do governo, num bairro residencial periférico da atual cidade
em que reside.
José pertence à Classe B28, ou média alta, que concentra 19% da população
brasileira. Dessa população, 75% tem o mesmo nível educacional de José, 71%
tem renda familiar entre três e dez salários mínimos (ou seja, entre R$2000,00 e
R$6500,00, faixa em que se situa José), 50% tem idade inferior a 34 anos, 70% estão
na denominada Classe B e 35% são trabalhadores formalizados, assim como José.
Também no caso de José, portanto, podemos dizer que ele representa elementos
bastante significativos da população brasileira.
Foram realizados três contatos com José, tanto antes quanto para a realização
da pesquisa de campo. O primeiro foi, também, um contato por telefone, para a
consulta quanto ao seu interesse em participar da pesquisa, cujo número foi repas-
sado por um de seus advogados, em assistência judiciária. Os outros dois contatos
para a realização da pesquisa ocorreram: (1º) para que assinasse os documentos
relativos ao Comitê de Ética em Pesquisa; e (2º) para a realização da coleta de da-
dos da história de vida, da entrevista qualitativa semi-estruturada, da investigação
socioeducativa e da anamnese clínica.
As coletas de dados foram realizadas na sala da casa de José, que é própria
(adquirida junto a um programa habitacional do governo, mas ainda não quitada).
Sua casa possui 01 sala, 02 quartos, 01 cozinha, 01 banheiro e 02 quintais (frente,
com a garagem, e fundo). A casa fica localizada em bairro residencial periférico
da cidade, caracterizado por construções padronizadas em razão de programa
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A (IN)VISIBILIDADE DOS “(IN)CAPACITADOS PARA O TRABALHO”
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A HÝBRIS DE SATURNO: PRECARIZAÇÃO DO TRABALHO, SAÚDE DO TRABALHADOR E INVISIBILIDADE SOCIAL
100
A (IN)VISIBILIDADE DOS “(IN)CAPACITADOS PARA O TRABALHO”
mês. Em 1985, foi criada a Divisão de Perícias Acidentárias da Capital pelo Tribu-
nal de Justiça de São Paulo, para suprir os julgadores de laudos técnicos em relação
às demandas judiciais, contando com cerca de 40 médicos cadastrados e 20 clíni-
cas para a realização de exames complementares (radiografias, ultrassonografias,
ressonâncias, etc.) e, contando, ainda, com 05 funcionários e 07 salas para a rea-
lização das perícias que, em média, levam até seis meses para serem agendadas11.
Os processos judiciais aqui analisados contemplam as competências juris-
dicionais referidas, envolvendo a autarquia federal do INSS, representando, de
modo significativo, suas realidades processuais.
O processo judicial de Eva contra o INSS corre por uma das Varas Federais do
interior paulista da Justiça Federal. Isso ocorre porque não se trata de demanda
envolvendo acidentes do trabalho e, sim, o restabelecimento do Auxílio-Doença
Previdenciário (B31) e sua posterior conversão à aposentadoria por invalidez.
11 Disponível em <http://www.tjsp.jus.br/Institucional/CanaisComunicacao/Noticias/Noticia.
aspx?Id=16086>. Acesso em 25 janeiro 2013.
101
A HÝBRIS DE SATURNO: PRECARIZAÇÃO DO TRABALHO, SAÚDE DO TRABALHADOR E INVISIBILIDADE SOCIAL
dentre os três analisados, que não possuía uma sentença proferida pelo juiz fede-
ral, até o momento de sua análise.
Por outro lado, o processo judicial de Ênio contra o INSS corre por uma das
Varas Especiais de Acidentes do Trabalho da Justiça Comum Estadual paulista, na
capital do Estado. Isso ocorre porque, ao contrário da ação judicial de Eva, trata-
-se, no caso de Ênio, de demanda envolvendo acidentes do trabalho, mesmo com
posterior conversão à aposentadoria por invalidez.
102
A (IN)VISIBILIDADE DOS “(IN)CAPACITADOS PARA O TRABALHO”
Tal como no caso de Eva e de Ênio, o quadro acima reúne e sintetiza as infor-
mações referentes ao processo de José contra o INSS, ingressado em abril de 2005,
mas tratando de informações e fatos decorridos desde 2004. É o processo com o
maior número de folhas apensadas em 91 meses de tramitação até sua disponibi-
lização para o pesquisador, em dois volumes, e o único com sentença favorável ao
réu. Não houve manifestação de interesse, por parte de José, em entrar com re-
curso junto à decisão em primeira instância, justamente por já estar trabalhando
e formalizado.
A pluralidade de situações envolvidas nos três processos judiciais aqui con-
siderados é bastante representativa em relação à realidade jurídica envolvendo
demandas contra o INSS e, por esta razão, constituem importantes fontes docu-
mentais a serem analisadas neste estudo.
103
A HÝBRIS DE SATURNO: PRECARIZAÇÃO DO TRABALHO, SAÚDE DO TRABALHADOR E INVISIBILIDADE SOCIAL
sofrimento
Ainda que haja aspectos bastante peculiares em cada história de vida aqui
analisada, é possível contrapor as organizações léxicas de cada uma delas e identi-
ficar elementos que sejam transversais às três.
Mesmo que cada organização léxica tenha garantido às histórias de vida aqui
analisadas singularidades relevantes, foi possível perceber que as infâncias e ado-
lescências de Eva, de Ênio e de José foram marcadas por dificuldades financeiras
que lhes impuseram a necessidade de trabalhar desde crianças, dificultando seus
acessos a uma formação educacional de qualidade e induzindo-os à precariedade
laboral, nos mais diversos níveis.
Foi a precariedade no trabalho, portanto, que gerou o aviltamento em suas
condições de vida, fosse em razão do adoecimento ocupacional ou do acidente de
trabalho típico, provocando-lhes drásticas consequências e gerando-lhes níveis
diversos de sofrimento. Diante disso, o sofrimento é a unidade léxica comum e o
elemento transversal em relação às suas histórias de vida e que deverá ser conside-
rado como bastante significativo na síntese analítica geral.
A entrevista qualitativa semiestruturada, utilizada como instrumento inves-
tigativo para compreender as dimensões psicossociais dos casos aqui analisados,
foi, sem dúvida, a ferramenta mais valiosa quanto à inteligibilidade dos aspectos
referentes às histórias de vida de Eva, de Ênio e de José.
104
A (IN)VISIBILIDADE DOS “(IN)CAPACITADOS PARA O TRABALHO”
inconstância
105
A HÝBRIS DE SATURNO: PRECARIZAÇÃO DO TRABALHO, SAÚDE DO TRABALHADOR E INVISIBILIDADE SOCIAL
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A (IN)VISIBILIDADE DOS “(IN)CAPACITADOS PARA O TRABALHO”
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A HÝBRIS DE SATURNO: PRECARIZAÇÃO DO TRABALHO, SAÚDE DO TRABALHADOR E INVISIBILIDADE SOCIAL
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Ao final, foi observado que (1) o trabalho é central na vida dos sujeitos pesquisa-
dos, desempenhando uma função positiva, enquanto mediador de primeira ordem,
e outra negativa, enquanto mediador de segunda ordem (ANTUNES, 2001, 2002);
(2) a redução do trabalho vivo à força de trabalho enquanto mercadoria, que pode
108
A (IN)VISIBILIDADE DOS “(IN)CAPACITADOS PARA O TRABALHO”
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109
A HÝBRIS DE SATURNO: PRECARIZAÇÃO DO TRABALHO, SAÚDE DO TRABALHADOR E INVISIBILIDADE SOCIAL
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110
CAPÍTULO 5
DIFICULDADES NO RECONHECIMENTO
DAS DOENÇAS DO TRABALHO
E A INVISIBILIDADE SOCIAL DE
TRABALHADORES
INTRODUÇÃO
1 Na obra citada, os autores definem o NTEP como “uma nova metodologia de avaliação dos aci-
dentes e doenças no trabalho que se utiliza da epidemiologia para estabelecer os riscos que atin-
gem a saúde do trabalhador.” (Machado, J., Soratto, L. & Codo, W., 2010)
111
A HÝBRIS DE SATURNO: PRECARIZAÇÃO DO TRABALHO, SAÚDE DO TRABALHADOR E INVISIBILIDADE SOCIAL
1. O CASO M. 2
Nosso primeiro contato com M. ocorreu por meio do seu advogado que
nos solicitou, em 2009, um diagnóstico do seu caso. Ele já possuía um laudo de
2 Retiramos do relato do caso todos os elementos que possam permitir a identificação dos envolvidos.
112
DIFICULDADES NO RECONHECIMENTO DAS DOENÇAS DO TRABALHO E A INVISIBILIDADE SOCIAL DE TRABALHADORES
M. tinha 33 anos quando foi iniciada a elaboração do seu laudo. Ele havia
trabalhado na área operacional na empresa D., fabricante de peças para o setor
automotivo, entre 2006 e 2007, de onde saiu com um quadro de Transtorno de
Estresse Pós-Traumático. Tinha o primeiro grau incompleto, era natural de Belo
Horizonte e, naquele momento, estava desempregado, mas trabalhando informal-
mente com um irmão.
Era o quinto filho de uma família de 11 irmãos. Viveu em Belo Horizonte até
os 13 anos de idade, ocasião em que se mudou com o irmão mais velho para o sítio
dos pais, situado em uma cidade vizinha à capital. Tinha boas lembranças de sua
infância, apesar das dificuldades financeiras vividas pela família numerosa e da
separação dos pais, ocorrida um ano antes. Esta foi a experiência mais marcante
de sua infância, embora a decisão dos pais pelo divórcio não tenha sido uma sur-
presa, já que viviam em conflito. Durante vários anos, M. presenciou a insatisfa-
ção de sua mãe com as atitudes do pai que saiu algumas vezes de casa até optar
pela saída definitiva, quando foi viver com outra mulher.
Embora previsível, a separação dos pais foi posta por ele como um aconteci-
mento marcante. Isso ficou evidente no depoimento de sua mãe, uma vez que esta
o descreveu como uma criança muito quieta e calma, que deu menos trabalho
que os outros irmãos, porém, aos 12 anos, apresentou uma alteração de humor,
3 O laudo foi elaborado por Márcia Pereira Inácio, na época aluna do 9º período do curso de psico-
logia da UFMG, sob nossa supervisão. Foi a partir dele que chegamos aos dados apresentados a
seguir.
113
A HÝBRIS DE SATURNO: PRECARIZAÇÃO DO TRABALHO, SAÚDE DO TRABALHADOR E INVISIBILIDADE SOCIAL
tornando-se mais nervoso e agitado. Ela relacionou essa mudança com seu di-
vórcio do marido, dizendo também que M. nasceu em uma época em que seu
casamento já não era bom, ocorrendo “brigas e traições”.
O pai foi definido por M. como “seco e distante”. Era gerente comercial de uma
transportadora e trabalhava viajando e, por isso, não era muito presente na vida
familiar. M. presenciou, inclusive, discussões entre os irmãos mais velhos e o pai,
pois este não cooperava financeiramente como poderia, gastando seu dinheiro em
relações extraconjugais. Na visão de sua mãe, o marido era muito severo com os
filhos, repreendendo-os com frequência e tornando desagradável a vida familiar.
Ela relata, inclusive, um desentendimento maior entre M. e o pai na ocasião do
divórcio, gerando um rompimento que durou dez anos e que só se desfez após a
interferência de um irmão. M. falou sobre essa desavença, dizendo que, ao mani-
festar sua discordância sobre a conduta do pai, este foi muito grosseiro, reagindo
aos “gritos”. Embora não tenha respondido, decidiu romper com ele, preferindo
morar com a mãe. Esta foi descrita como boa e carinhosa, sugerindo haver muito
afeto no seu relacionamento com os filhos.
M. diz que sempre gostou de viver em lugares mais calmos e, por isto, quando
o pai comprou um sítio, logo se dispôs a cuidar do mesmo, apesar de estar com
apenas 13 anos. Passou a morar com o caseiro e com o irmão mais velho, rece-
bendo a visita dos pais nos fins de semana. Mas, ao tomar essa decisão, acabou
por interromper os estudos, o que era motivo de arrependimento de sua parte,
lamentando o fato de seus pais não o terem “obrigado” a permanecer na escola.
Sua adolescência foi relembrada como um período muito bom, sendo ressal-
tadas a independência e a liberdade que sentia, por viver no sítio, ao lado dos ami-
gos, participando de festas, fazendo cavalgadas e passeios nas cachoeiras. Mesmo
tendo experimentado cedo o fumo e a bebida, disse que isso não afetou sua vida
social e nem acarretou problemas de saúde. Quando o encontramos, havia quatro
anos que não fazia uso de bebida alcoólica.
M. conheceu sua esposa aos vinte anos, namoraram cerca de dois anos e de-
cidiram morar juntos, na casa de uma cunhada na Região Metropolitana de Belo
Horizonte. Após um tempo, ela engravidou e decidiram se mudar para uma cida-
de vizinha, passando a residir em uma casa pertencente ao sogro, onde ainda se
encontravam no momento em que realizamos o laudo.
Ele definiu sua esposa como uma ótima companheira e demonstrava encon-
trar nela um ponto de apoio importante. O casamento parecia estável, embora, em
114
DIFICULDADES NO RECONHECIMENTO DAS DOENÇAS DO TRABALHO E A INVISIBILIDADE SOCIAL DE TRABALHADORES
M. iniciou sua vida laboral no sítio dos pais, aos 13 anos de idade, onde cuida-
va dos animais e plantava para subsistência. Ainda bem jovem trabalhou também
como servente de pedreiro por poucos meses e, posteriormente, em uma trans-
portadora do pai, onde permaneceu por dois anos, realizando várias atividades
mais simples, até que esta faliu.
Em 1997, aos 22 anos de idade, teve pela primeira vez sua carteira assinada na
Siderúrgica TS. Permaneceu nessa empresa por 06 meses, pois sofreu um acidente
de trabalho e preferiu pedir demissão. Trabalhava na fundição, retirando metal
115
A HÝBRIS DE SATURNO: PRECARIZAÇÃO DO TRABALHO, SAÚDE DO TRABALHADOR E INVISIBILIDADE SOCIAL
116
DIFICULDADES NO RECONHECIMENTO DAS DOENÇAS DO TRABALHO E A INVISIBILIDADE SOCIAL DE TRABALHADORES
tóxica e proibida.4 Ele afirma que o contato com esse produto já estava prejudi-
cando sua saúde, visto que ficava tonto e, às vezes, confuso. Este fato, somado aos
roubos constantes nos armário dos vestiários dos empregados, levou-o a desistir
do trabalho com apenas dois meses de empresa. Antes de sair, solicitou ao respon-
sável pelo departamento de pessoal que fizesse alguma coisa a respeito dos roubos,
mas como este não fez nada, preferiu sair. Foi nessa ocasião, que um amigo o in-
dicou para trabalhar na empresa D.
4 Tíner (do inglês thinner) é um solvente para tintas e vernizes e que contém substâncias altamente
tóxicas, sendo também inflamável.
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A HÝBRIS DE SATURNO: PRECARIZAÇÃO DO TRABALHO, SAÚDE DO TRABALHADOR E INVISIBILIDADE SOCIAL
de 9 horas, era de uma hora para o jantar e, segundo ele, se atrasasse “um minuto”
já encontrava as linhas sem abastecimento e ameaçando parar. Havia também
uma pausa de 15 minutos, mas nunca usufruía dela integralmente. Em geral, após
tomar um copo de suco e ir ao banheiro, voltava rapidamente para seu posto de
trabalho, pois se ficasse o tempo previsto, a linha poderia parar.
Apesar disso, com o passar do tempo, M. adaptou-se ao “ritmo pesado”, con-
seguindo alimentar satisfatoriamente as quatro linhas. Ele não se importava por
ter de apresentar uma produção maior do que aquela dos colegas, dizendo já es-
tar acostumado com isso, já que era comum produzir acima da média nas outras
empresas onde trabalhou. O importante era conseguir realizar um trabalho bem
feito e este parecia ser o valor maior, aquele que servia de base para sua prática
profissional: “por que eu não me incomodo, se eu dou conta de fazer, eu morro
fazendo aquilo, mas eu faço certo, entendeu?”
Seu trabalho era coordenado por dois chefes diretos, sendo um do período
da tarde e outro da noite. O primeiro foi descrito como “um sujeito rude”, que
exigia muito dos subordinados, cobrando produção e rapidez no desempenho das
tarefas. Essa pressão, às vezes, gerava pequenos acidentes entre os colegas, sendo
alguns presenciados por M. Já o chefe do turno da noite foi descrito como mais
humano, pois cooperava com os subordinados e facilitava o trabalho de todos.
No dia 29/12/2006, aproximadamente dois meses após ser admitido pela D.,
M. sofreu um assalto enquanto voltava do trabalho, no ônibus contratado pela
empresa para transportar seus empregados. Tudo aconteceu por volta de 1h:30m
da madrugada, cerca de 15 minutos após a saída da empresa.
Segundo ele, o ônibus foi cercado por um carro de passeio, ao parar em um
local para o desembarque de uma pessoa. Naquele instante, quatro assaltantes
armados entraram e renderam os passageiros: “eles colocaram o bico da arma na
porta assim (...). O motorista abriu a porta, eles viraram pro motorista e falou: ‘mo-
torista põe uma mão na alavanca e a outra no volante e segue esse carro’.”
A partir daquele momento, seguiram-se momentos de desespero dentro do
ônibus, visto que os assaltantes gritavam, exigindo dinheiro e humilhando todos
os ocupantes. As cenas que se desenrolaram foram de terror:
118
DIFICULDADES NO RECONHECIMENTO DAS DOENÇAS DO TRABALHO E A INVISIBILIDADE SOCIAL DE TRABALHADORES
“(...)Eles gritando: ‘eu quero dinheiro, vocês (...) receberam hoje , cê tá com
dinheiro’. (...) Eles pegaram uma menina com o salário dela todo no bol-
so, com 600,00 reais. Aí, eles endoidaram, queriam dinheiro de todo jeito.
Tiraram a roupa do meu colega porque pegou ele com contracheque, sabe?
Tirou a roupa dele todo, colocou ele pelado dentro do ônibus gritando: ‘eu
quero dinheiro’. Colocou revólver na cabeça dele. E um fez assim com a
camisa e foi colocando aquele tanto de coisa, encheu a camisa.”
“Na hora que eles entrou eu fiquei assim (olhando para baixo e com as
mãos para o alto), pra não caçar problema com eles, porque eles não gos-
tam que fique olhando, né? Aí, ele pegou e falou: ‘me dá a carteira, me dá a
carteira’, e nisso ele me bateu na costela. Eu fui e tirei a carteira do bolso e
dei eles; e no bolso tava o celular, eu tirei e dei tudo pra eles.”
“(...) Tinha um moreninho (e quando ele veio) pra frente, a arma tava en-
gatilhada, aí, ele bateu na poltrona. (Ao) bater na terceira poltrona, ela (a
arma) disparou e acertou a segunda poltrona; acertou as nádegas da me-
nina que tava sentada na frente. No que disparou o tiro, eles assustaram e
falou: ‘sujou, vamos embora, abre a porta motô’. O motorista abriu a porta,
eles tomaram a chave do ônibus, desceram correndo e entrou tudo dentro
do carro e foi embora.”
Com a partida dos ladrões, os trabalhadores utilizaram um celular que não ha-
via sido roubado e ligaram para a polícia. Ao chegar ao local, os policiais levaram a
colega ferida para o hospital e solicitaram outra viatura para realizar a ocorrência.
Após tais procedimentos, o ônibus foi liberado e todos foram levados para casa.
A funcionária atingida teve ferimentos leves e M. teve escoriações na costela.
Sua esposa relata que nesse dia, ele tentou ligar durante toda a noite, porém, ela
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A HÝBRIS DE SATURNO: PRECARIZAÇÃO DO TRABALHO, SAÚDE DO TRABALHADOR E INVISIBILIDADE SOCIAL
não ouviu as chamadas. Por volta de 06h da manhã, ele chegou à sua casa com
sinais claros de nervosismo:
“Mais, aí, desse dia pra cá, todo mundo ficava com medo. Era todo dia,
entrava dentro do ônibus e dormia. (...) desse dia pra cá eu não dormia mes-
mo. Eu não levava celular, não levava nada, só meu crachá e minha carteira
de identidade. Ia com a roupa da firma, voltava com roupa da firma, porque
antes eu ia com roupa minha, né?”
120
DIFICULDADES NO RECONHECIMENTO DAS DOENÇAS DO TRABALHO E A INVISIBILIDADE SOCIAL DE TRABALHADORES
Ele começou também a ter grande dificuldade para dormir, sentindo medo de
ficar sozinho em casa, além da vontade constante de chorar e o forte sentimento
de angústia:
O sintoma mais grave era a ideação suicida, pois M. começou a pensar insis-
tentemente em se matar. Ao mesmo tempo em que temia que alguém o matasse,
ele sentia vontade de acabar com a própria vida:“eu pensava em morrer e ficava
com medo de morrer. Eu tinha medo dos outro me matar de covardia, com revólver,
com faca, mas coragem pra tirar minha vida eu já tive, entendeu?”
Diante disso, M. foi internado em um hospital geral, mas o médico que o aten-
deu solicitou que procurasse imediatamente um psiquiatra, indicando um colega,
conforme explicou sua esposa:
“(...) Nesse dia, ele tava muito ruim, parecendo dopado! Estava medicado
com um sossega leão, ele não conversava, tava magro, quem conheceu ele
antes e viu ele nesse dia percebeu que ele tava com um semblante de do-
ente mesmo. Até pra andar ele precisava de ajuda, pra atravessar a rua. Ele
foi internado (...), (mas) o médico falou comigo que já tinha feito todos os
exames e pelas altas que ele tinha tido e as recaídas, o sintoma era de uma
depressão ou um trauma.”
121
A HÝBRIS DE SATURNO: PRECARIZAÇÃO DO TRABALHO, SAÚDE DO TRABALHADOR E INVISIBILIDADE SOCIAL
“Ele contou pro psiquiatra, comigo do lado, que lá em casa tinha um ba-
lanço na árvore, e tinha as cordas que prendiam o balanço, mas o balanço
arrebentou (e) as cordas ficavam dependuradas. E ele falou pro médico que
a vontade dele era de amarrar o pescoço na corda e tentar se matar. Eu
ficava muito preocupada, tanto é que eu pedi meu tio pra ajudar, eu tirava
tudo de perto dele... a corda... Eu fiquei muito assustada depois disso (...).”
“Ele me ligava falando: ‘vem embora, vem embora, eu não estou aguentan-
do’. Mesmo com a presença do meu tio ali, eu sei que eu sou o porto seguro,
ao menos naquela hora, mas eu não podia desesperar perto dele, porque
ele me ligava desesperado. Eu chegava e conversava com ele, abraçava ele,
ele chorava e falava que não estava aguentando aquilo mais, não suportava
mais aquela situação.”
“Quando a gente chegava, ele queria ir embora, só ficava chorando. (...) Ele
chorava muito, mesmo. (...) Eu vou ser sincera, na hora que eu vi o lugar
que ele ia ficar eu desabei. Então, pra mim era duro eu ir, mas eu tinha
que ir porque pra ele era pior do que pra mim. Ele ficou muito assustado,
aquelas pessoas sentadas no chão, indo pra cima dele. Ele ficou num quarto
separado, mas ele ouvia os gritos. Não era um lugar tranquilo, as pessoas
ficavam no chão, eles fumavam. O M. não saía no corredor, ficava só den-
tro do quarto.”
122
DIFICULDADES NO RECONHECIMENTO DAS DOENÇAS DO TRABALHO E A INVISIBILIDADE SOCIAL DE TRABALHADORES
“(...) o que eu notava é que quando chegava a hora de trabalhar tinha dia
que ele não queria ir, parece que ele ficou agitado depois do assalto. Na hora
que ele pegava o ônibus, passava mal, suava frio, tinha que sentar, tremia
e a segurança do trabalho não deixava ele trabalhar. Isso aconteceu cons-
tantemente. Se tivesse que ir sozinho ele não ia não, tinha uma barreira.”
De acordo com M., um dos colegas que também sofreu o assalto, apresentou
sintomas semelhantes aos seus:
“Teve um menino que apresentou sabe? Mas eles mudaram ele pra manhã,
porque ele não conseguia. Ele ia, pegava serviço 15:48 e não aguentava.
Quando começava escurecer ele ficava louco dentro da firma. Ele ficava
andando, falando: ‘eu quero ir embora, quero ir embora’. Chamava um táxi
e os colega dele levava ele embora. Aí, eles trocaram ele de turno, coloca-
ram no turno da manhã.”
Inicialmente, M. achou que a solução para sua ansiedade não seria a mudança
de turno e sim a mudança do setor de trabalho, para a linha de produção. O tra-
balho repetitivo, exigiria, segundo ele, uma maior concentração, reduzindo sua
agitação, pois não teria que ficar andando para pegar as peças, como fazia ao ali-
mentar quatro linhas. Mas seu pedido não foi atendido.
Apesar de todos esses problemas, ele continuava a realizar suas tarefas nor-
malmente, apresentando a mesma produção do período anterior ao assalto:“eu
trabalhava com o corpo cansado demais por causa do remédio e o pensamento era
só na hora de ir embora, mas conseguia abastecer as quatro linhas, produzia o
mesmo tanto.”
123
A HÝBRIS DE SATURNO: PRECARIZAÇÃO DO TRABALHO, SAÚDE DO TRABALHADOR E INVISIBILIDADE SOCIAL
Quanto aos seus chefes, apenas quando percebiam que M. estava passando
muito mal, colocavam um colega para ajudá-lo ou reduziam sua responsabilida-
de para duas linhas de produção. No entanto, isso ocorria raramente e a maior
parte do tempo, ele tinha de dar conta das quatro linhas habituais. Além disso,
o tratamento que reservavam aos subordinados não modificou após o assalto e
sua chefia não manifestou qualquer tipo de sensibilidade em relação ao problema:
“Lá, eles não dão moleza, eles são muito ignorante, maltrata os funcioná-
rios demais, mais muito mesmo! Eles não quer saber se você está bem ou
não, eles gritam : ‘tem que fazer, tem que fazer’! E não quer que a linha
pare, quer que você produza. Eu tinha dois chefes. Eles ficavam rodando as
linhas todas. Tinha um que era o chefe geral nosso, e tinha outro que era
tipo um líder, né? Todos dois era carrasco.”
Segundo M., poucos meses após o assalto, durante uma troca do turno da
tarde para o turno da noite, haveria mudança da espessura do fio que estava uti-
lizando. Como estava no horário de café, ele logo pensou em providenciar a troca
dos mesmos para facilitar o trabalho. Porém, o pessoal do almoxarifado não havia
retirado a peça a ser usada na troca dos fios, e ele não estava autorizado a realizar
tal tarefa. Apesar disso, o líder do setor exigiu aos gritos que fizesse a troca, agin-
do de forma extremamente grosseira e fazendo uso, inclusive, de palavrões. M.
reagiu a esse comportamento insinuando que ele estava trazendo seus problemas
pessoais para o ambiente de trabalho e pedindo que aquilo nunca mais aconteces-
se. O chefe não gostou de sua atitude, levando o problema para seus superiores.
Segundo ele, esse episódio foi um dos fatores que contribuíram para sua demissão,
já que esta ocorreu aproximadamente três meses após o desentendimento. Mas
tudo indica que o motivo maior, foi o excesso de faltas ao trabalho, embora todas
tenham sido justificadas:
124
DIFICULDADES NO RECONHECIMENTO DAS DOENÇAS DO TRABALHO E A INVISIBILIDADE SOCIAL DE TRABALHADORES
Certo dia, seu chefe solicitou que levasse todos os laudos médicos e psicológi-
cos para serem analisados no setor de Recursos Humanos, visando uma remoção
para outra área mais condizente com seu estado de saúde. No entanto, após a
entrega dos laudos, M. foi demitido:
“Foi depois que eu fiquei internado na clínica. O chefe da minha área pediu
pra eu pegar os laudos dos médicos e psicólogos pra ele levar no RH pra
mudar eu de seção, pra ver se eu melhoro, pra ver se não é ansiedade do
trabalho, porque o trabalho era pesado demais! Eu levei os laudos e passou
uns 30 dias e eles me mandaram embora. Nesse meio tempo, o médico do
trabalho da empresa me deu um laudo que eu estava bem, só que ele só
mediu a pressão e me liberou falando que estava tudo bem.”
125
A HÝBRIS DE SATURNO: PRECARIZAÇÃO DO TRABALHO, SAÚDE DO TRABALHADOR E INVISIBILIDADE SOCIAL
inteirar dos problemas que ocorriam ao seu redor. Esse quadro estava presente à
época da elaboração do laudo, portanto, mais de um ano após ser demitido:
“Eu tenho medo demais de sair de casa, ainda mais desses assaltos. Eu nem
vejo televisão, porque eu tenho medo demais! Fico vendo aquele tanto de
assalto, não vejo jornal de jeito nenhum. Parece que dá mais ansiedade, dá
tipo uma pressão, aí, eu começo a passar mal, começo a pensar em besteira,
fico pensando que alguém vai me matar.”
“Ah, pra mim é igual uma pessoa inválida que não pode fazer nada, eu não
posso fazer nada. O que eu mais gostava de fazer era pescar e ir pra roça,
mas eu não posso. Ficar com minha filha, brincar com ela, levar ela pra
escola, eu não posso fazer nada disso. Ela tá crescendo e eu tô perdendo a
infância dela toda. Eu não tenho paciência, eu não tô servindo pra nada.”
“Tem dia que me dá uma afobação, um desespero, uma angústia, eu não te-
nho paciência. Me dá um estado de nervo, aí, às vezes, eu começo a chorar
de nervo, não converso com ninguém. Ela (a esposa) sofre né?Ela não pode
falar nada, tudo é patada, eu não tenho paciência de responder nada, aí, ela
já nem conversa comigo, porque ela vai conversar e tudo é má resposta. Ela
sai de manhã, eu tô dormindo, quando ela volta, eu também tô dormindo.”
126
DIFICULDADES NO RECONHECIMENTO DAS DOENÇAS DO TRABALHO E A INVISIBILIDADE SOCIAL DE TRABALHADORES
com os ruídos da cidade:“às vezes, ele gosta de ir pro quintal, mas se ficar sozinho,
fica naquela ansiedade (...) O barulho da cidade também incomoda (...). Quem co-
nhecia ele antes estranha; ele fica agitado, estressado, querendo ir embora.”
Segundo ela, todos esses problemas afetaram os projetos que o marido tinha
para o futuro, sendo um deles a retomada dos estudos:“quando ele entrou na D.
ele tinha começado a estudar, e depois do assalto ele não conseguiu mais estudar.
Fazia o supletivo de manhã, (...) depois não conseguiu mais. Ele não tem ânimo, não
adianta querer forçar ele agora.”
M. apontou a demissão da empresa D. como um agravante do seu estado de
saúde, visto que a partir daí, passou a ficar somente dentro de casa, sentindo-
-se mais ansioso e angustiado. Relatou que tinha dificuldades em arrumar outro
emprego, tanto devido aos medicamentos que fazia uso, quanto ao medo que ele
próprio sentia de não conseguir desempenhar bem suas tarefas. Em todo caso, não
estava disposto a mentir para conseguir novo emprego:
“Tô correndo atrás, mas as firmas não chama por causa dos remédios, né?
Porque não adianta eu chegar numa firma eles vai fazer entrevista e eu falo:
‘eu tô bem, eu tô isso, eu tô aquilo’, e se de repente eu não conseguir tra-
balhar? E os horários dos remédios que eu tenho que tomar? Eles descobre
que eu tô tomando remédio, aí, não resolve nada, eu chego e falo: ‘eu tomo
isso, isso e isso, e tem as horas’. Eu não posso chegar numa firma e falar as-
sim: ‘ah, eu tô pronto pra começar a trabalhar’, sendo que eu tomo remédio
forte. Eu tomo remédio pra dormir, se eu não tomar, eu não durmo. Eu vou
chegar numa firma e vou mentir, só pra poder fichar, chegar lá e eu tomar
fritada, não adianta nada. Porque pode alegar que eu entrei de má fé, né?”
127
A HÝBRIS DE SATURNO: PRECARIZAÇÃO DO TRABALHO, SAÚDE DO TRABALHADOR E INVISIBILIDADE SOCIAL
realizando várias atividades. Mas isso exigia dele um grande esforço para vencer
o medo de sair de casa, sendo enorme a dificuldade que enfrentava diariamente
para deslocar-se até à empresa:
“Tô trabalhando o dia todo. Acordo 6h e tem dia que eu vou de carro, aí,
eu vou dirigindo. Tá legal, não tenho medo de dirigir, só não gosto de pe-
gar muito trânsito. Tem um menino que mora em Betim que vai e volta
comigo. Ele trabalha na firma. No dia que peguei trânsito fiquei nervoso,
tremendo, mas é só não afobar. O médico pediu pra eu tentar, mas eu não
posso pegar o carro o dia que eu tomo remédio, aí, se eu tomar ele eu vou
de ônibus (...). Quando eu vou de ônibus o mesmo menino vai comigo,
pego dois ônibus. No dia que eu fui de ônibus eu tive medo (...). Tenho mais
medo de ônibus que de carro. Nesse dia, eu cheguei em casa passando mal,
tremendo demais! Fico dentro do ônibus olhando pra tudo quanto é lado.
Dou pro meu amigo minha carteira e meu telefone pra ele pôr na bolsa dele.
Eu tô sentindo que se eu ficar dentro de casa é pior, aí, eu tô enfrentando.”
128
DIFICULDADES NO RECONHECIMENTO DAS DOENÇAS DO TRABALHO E A INVISIBILIDADE SOCIAL DE TRABALHADORES
O manual afirma ainda que esse quadro caracteriza-se por uma “resposta pro-
traída a um evento ou situação estressante (de curta ou longa duração) de natureza
excepcionalmente ameaçadora ou catastrófica e que, reconhecidamente, causaria
extrema angústia em qualquer pessoa.” (id. 181). Esclarece, também, que “ fato-
res predisponentes, tais como traços de personalidade ou história prévia de doença
neurótica, podem baixar o limiar para o desenvolvimento da síndrome ou agravar
seu curso, mas não são necessários nem suficientes para explicar sua ocorrência”
(id. p. 181)
Portanto, de acordo com o manual, qualquer situação vivida anteriormente
por M. e que porventura tivesse contribuído para reduzir seu limiar de tolerância
a situações traumáticas, não justificaria por si só o seu quadro. Sendo assim, o
trauma provocado pelo assalto deve ser considerado como a “causa necessária”
dos seus problemas de saúde. Ou nos termos do manual,
129
A HÝBRIS DE SATURNO: PRECARIZAÇÃO DO TRABALHO, SAÚDE DO TRABALHADOR E INVISIBILIDADE SOCIAL
130
DIFICULDADES NO RECONHECIMENTO DAS DOENÇAS DO TRABALHO E A INVISIBILIDADE SOCIAL DE TRABALHADORES
que, depois dessa experiência, M. passou a se sentir “ansioso e com um medo que
se transformou em fobia a eventos que remetessem ao dia e momento do assalto”,
sendo que “a contínua exposição a essas situações e a não intervenção médica e psi-
cológica no início dos sintomas, contribuíram para o agravamento do quadro (...).”
Além disso, a psicóloga ressaltou que o trabalho na empresa D. tornou-se para
M. uma fonte adicional de ansiedade, uma vez que “os sintomas da doença e a me-
dicação psiquiátrica necessária ao tratamento passaram a dificultar o desempenho
de suas funções laborais.” Nesse sentido, o horário noturno e as fortes exigências
de produção seriam outros elementos prejudiciais ao tratamento. Finalmente, in-
formou que havia solicitado à empresa a mudança do horário e do setor de traba-
lho do seu paciente, mas a resposta que recebeu veio na forma de sua demissão.
O psiquiatra que cuidou de M. durante sua internação, entre setembro e ou-
tubro de 2007, reforçou igualmente nossa hipótese diagnóstica, pois no seu laudo,
que será reportado de forma mais detalhada a seguir, informou que M. esteve
internado sob seus cuidados “em decorrência de sintomas depressivos e de estresse
pós-traumático”.
Assim, a ausência de qualquer medida tomada pelo setor de Recursos Hu-
manos da empresa D. no sentido de ajudar M. na superação do seu problema de
saúde, contribuiu para agravar seu quadro de depressão e angústia, conforme ele
mesmo relatou:
“Logo depois (da demissão) eu passei mal porque eu achei muito injusto da
parte deles, porque eu fazia o possível pra trabalhar, trabalhava ruim, mas
trabalhava. Eu esforcei bastante, atendia eles de acordo com o que eles que-
riam que eu fazia. Eu comecei a beber remédio de novo, porque o Olcadil
(antidepressivo) era só quando eu passava mal, aí, eu não estava tomando
ele. Após ser demitido eu voltei a tomar ele de novo, fiquei duas semanas
direto com ele.”
131
A HÝBRIS DE SATURNO: PRECARIZAÇÃO DO TRABALHO, SAÚDE DO TRABALHADOR E INVISIBILIDADE SOCIAL
Vale a pena reportar também aqui sua definição a respeito dos quesitos a ele
apresentados:
132
DIFICULDADES NO RECONHECIMENTO DAS DOENÇAS DO TRABALHO E A INVISIBILIDADE SOCIAL DE TRABALHADORES
133
A HÝBRIS DE SATURNO: PRECARIZAÇÃO DO TRABALHO, SAÚDE DO TRABALHADOR E INVISIBILIDADE SOCIAL
psicopatológico desenvolvido pelo paciente pode ter sido agravado pelas condições
relatadas” por ele “como vigentes no seu posto de trabalho na empresa D.” Estava de
acordo também com a ideia de que seu quadro poderia ter sido atenuado “através
de mudança de turno de trabalho ou outro procedimento à disposição da gestão
de recursos humanos na citada empresa”. Finalmente, avaliou que a incapacidade
identificada decorreu, “tanto da eclosão quanto do agravamento (do quadro psico-
patológico), principalmente do último”.
A psiquiatra nomeada pelo juiz para realizar o trabalho pericial no caso de M.,
afirmou ter extraído suas conclusões após discutir “com a assistente técnica e, so-
bretudo, após EXAME CLÍNICO PESSOAL DO RECLAMANTE.” (grifo da autora)
De início, ela expôs resumidamente o caso, dizendo que M. trabalhou na em-
presa D. durante o período de um ano como alimentador de linha, sofrendo um
assalto no ônibus da empresa, em 2006, sendo que “desse assalto lhe teria restado
uma condição mental (doença) conhecida como transtorno de estresse pós-traumá-
tico.” Segundo ela, “o quadro teria se tornado permanente e ainda (...) se faria pre-
sente, motivo pelo qual o Reclamante” estava pedindo “ressarcimento.”
Em seguida, fez alguns esclarecimentos sobre o caso, dentre eles, o fato de que
M. já havia recebido benefício do INSS, mas “do tipo doença comum, não relacio-
nada com o trabalho (B 31).” Afirmou que pretendia se apoiar nos documentos
constantes nos autos do processo, inclusive, os dois laudos reportados anterior-
mente, mas destacando o que considerava como “partes mais emblemáticas do
discurso do paciente” ou aquelas que se mostrassem “diferentes em relação ao
relato do laudo já citado.” (grifo nosso)
A perita passou, então, a expor o que considerava como trechos “emblemá-
ticos” do depoimento de M. bem como dos laudos psicológicos e dos atestados
emitidos pelos psiquiatras que o atenderam. Em seguida, citou alguns desses ates-
tados, destacando sempre aqueles que diziam que M. se encontrava em boas con-
dições e que podia retomar suas “atividades laborativas normais”. Ela ressaltou,
em especial, as situações nas quais os médicos ora o encaminhavam para o INSS
ora o julgavam apto para retornar ao trabalho, além de comunicados de deci-
são do INSS acatando ou negando pedidos de prorrogação do benefício. Trata-se
de informações encontradas na maioria dos prontuários das empresas, mas que,
134
DIFICULDADES NO RECONHECIMENTO DAS DOENÇAS DO TRABALHO E A INVISIBILIDADE SOCIAL DE TRABALHADORES
nesse caso, tinham a finalidade de reforçar seu argumento final: o de que M. apre-
sentou, de fato, um quadro de transtorno de estresse pós-traumático, mas que este
já havia desaparecido. Portanto, seu pleito não se justificava.
Em seguida, fez uma descrição detalhada do histórico médico de M., informan-
do suas entradas e saídas de hospitais, medicamentos que lhe foram receitados e os
atestados encaminhando-o para o trabalho ou solicitando afastamento. Constam
também alguns relatórios de psiquiatras confirmando o diagnóstico de estresse pós-
-traumático, sendo que em um deles, observa-se a hipótese de uma possível evolu-
ção desse quadro para um “transtorno depressivo recorrente (F33.2) com episódios de
transtornos dissociativos ou conversivos (F44)”. Nesse relatório, M. é descrito como
alguém de “personalidade histriônica (F60)” e que “evolui com instabilidade.”
Conforme veremos, esse último diagnóstico servirá de base para a perita funda-
mentar sua tese de que o problema apresentado por M. era muito mais relacionado
com essa “personalidade histriônica” do que com os fatos ocorridos no dia do assalto
ou com o descaso da empresa em relação aos problemas dele decorrentes. A partir
daí, ela passou à descrição dos resultados do exame clínico realizado por ela.
Ela inicia informando suas primeiras impressões a respeito do “paciente”, sen-
do estas bastante positivas:
A relação usual entre perito e periciado foi também registrada por ela, ao in-
sinuar que M. foi cuidadoso com as informações que passava. Embora seja essa a
forma mais comum de o periciado se comportar, uma vez que não tem qualquer
garantia do que será feito com essas informações, a perita achou necessário co-
locar a seguinte observação: “O periciado foi cooperativo, porém, não raras ve-
zes, tentava dizer apenas aquilo que considerava útil ao exame ou que devesse ser
dito. Outras vezes se mostrava prolixo, mas não acrescentava dados úteis ao exame
(além da prolixidade em si).”
Ela prosseguiu em suas considerações sempre tentando desqualificar as
queixas apresentadas por M. em torno do seu estado de saúde:“O periciado não
135
A HÝBRIS DE SATURNO: PRECARIZAÇÃO DO TRABALHO, SAÚDE DO TRABALHADOR E INVISIBILIDADE SOCIAL
5 Nesse momento, a perita parece ter se esquecido de que se referiu a M. como prolixo em certos
momentos do exame.
6 Ao citar o caso da colega, a perita parece insinuar que, se alguém sofreu uma agressão bem mais
grave e necessitou de apenas três dias de afastamento, fica difícil compreender as queixas do peri-
ciado. Ela omite, no entanto, o fato de que a continuidade do caso da colega era desconhecida por
136
DIFICULDADES NO RECONHECIMENTO DAS DOENÇAS DO TRABALHO E A INVISIBILIDADE SOCIAL DE TRABALHADORES
todos, incluindo a forma como esta vivenciou a experiência e seu estado após esse curto período
de afastamento.
7 Sobre essa pretensa dubiedade de um dos médicos assistentes, pensamos que a descrição do seu
parecer, apresentada no item anterior, contraria essa ideia. Vimos que, ao contrário, ele foi bastante
claro ao dizer que o problema de saúde apresentado por M. sofreu um “agravamento significativo
com o decorrer do tempo”, sobretudo, a partir de experiência do desemprego. Ou seja, em nenhum
momento ele afirmou que M. encontrava-se restabelecido. Ao contrário, constatou uma piora pro-
gressiva do seu quadro, sendo que a demissão veio contribuir para torná-lo ainda mais grave.
137
A HÝBRIS DE SATURNO: PRECARIZAÇÃO DO TRABALHO, SAÚDE DO TRABALHADOR E INVISIBILIDADE SOCIAL
Dando continuidade à sua análise, a perita expôs com detalhes em que con-
sistem o “transtorno de estresse pós-traumático (F43-1)”, “os transtornos dissocia-
tivos ou de conversão (F44)”, “o “transtorno de personalidade histriônico (F60.4)”
e “os transtornos de personalidade (F60)” de acordo com a Organização Mundial
de Saúde e o CID-10. Como o TEPT já foi exposto anteriormente, achamos im-
portante trazer aqui, ainda que resumidamente, em que consistem os outros três
transtornos, uma vez que servirão de base para as hipóteses que irá formular a
respeito do caso.
Segundo ela,“os transtornos dissociativos ou de conversão (F44)” se caracte-
rizam como “perda parcial ou completa das funções normais de integração das
lembranças, da consciência, da identidade e das sensações imediatas, e de controle
dos movimentos corporais”; sintomas que “tendem a desaparecer após algumas
semanas ou meses, em particular quando sua ocorrência se associou com um
evento traumático”, mas podendo se tornar crônicos “quando a ocorrência do
transtorno está associada a dificuldades interpessoais insolúveis” (grifos nos-
sos). Além disso, “admite-se que sejam psicogênicos, dado que ocorrem em re-
lação temporal estreita com eventos traumáticos, problemas insolúveis e insu-
portáveis, ou relações interpessoais difíceis”. (grifos nossos) Já o “transtorno de
personalidade histriônico (F60.4)” é caracterizado por “uma afetividade superfi-
cial e lábil, dramatização, teatralidade, expressão exagerada das emoções, sugesti-
bilidade, egocentrismo, autocomplacência, falta de consideração para com o outro,
desejo permanente de ser apreciado e de constituir-se no objeto de atenção e de
sentir-se facilmente ferido.” Já “os transtornos de personalidade (F60)” são descritos
como “diversos estados e comportamentos clinicamente significativos que tendem
a persistir e são a expressão característica da maneira de viver do indivíduo e do
seu modo de estabelecer relações consigo próprio e com os outros”; alguns desses es-
tados e comportamentos “aparecem precocemente durante o desenvolvimento
individual sob a influência conjunta de fatores constitucionais e sociais, en-
quanto outros são adquiridos mais tardiamente durante a vida”. Esses transtornos
são descritos como “profundamente enraizados e duradouros”, representando
“desvios extremos ou significativos das percepções, dos pensamentos, das sensações
e particularmente das relações com os outros (...)”; “compreendem habitualmente
vários elementos da personalidade (e), acompanham-se em geral de angústia pes-
soal e de desorganização social; aparecem habitualmente durante a infância ou
adolescência e persistem de modo duradouro na vida adulta.” (grifos nossos)
138
DIFICULDADES NO RECONHECIMENTO DAS DOENÇAS DO TRABALHO E A INVISIBILIDADE SOCIAL DE TRABALHADORES
Finalmente, a perita expôs suas conclusões sobre o caso, mas não sem uma
breve ressalva na qual disse que “O caso em tela é absolutamente delicado. A deli-
cadeza do caso se prende, sobretudo, à convicção pessoal que uma parte ou outra
possa apresentar em relação às questões psíquicas envolvidas”. (grifo nosso)8
Desde o início do seu laudo, a perita revelou o tom que seria dado à sua aná-
lise, ao dizer que ficou claro para ela, “tanto quanto para o psiquiatra assistente
do reclamante”, a “existência de um transtorno de personalidade histriônica”. Ela
argumenta que “há atestados do médico assistente do periciado exatamente nesse
sentido” e que esse transtorno de personalidade “ já se podia notar desde a infância
e início da adolescência quando a própria mãe creditou alterações de humor e
de comportamento do filho à crise vivida no seu casamento.” E continua: “com
o transcorrer dos anos o paciente manteve condutas repetidas de menor adequa-
ção à imposição de normas, tinha uma tendência a se manter isolado, não acei-
tava ser chamado atenção e terminava relações de emprego por dificuldades
entre ele e as chefias.”
Nesse momento, ela se apoiou na definição oferecida pela OMS a respeito do
transtorno que atribuiu a M., segundo a qual “a personalidade compõe um estado
persistente, duradouro, que vige durante toda a vida do indivíduo, e que demons-
tra e determina a forma como a pessoa reage aos vários eventos cotidianos.”
(grifo nosso)
Conforme expusemos anteriormente, M. viveu uma crise durante a separação
dos pais, o que é comum (e até mesmo esperado) nessas circunstâncias, especial-
mente no caso de uma criança com apenas 12 anos de idade. Apesar de ter rom-
pido com o pai, em decorrência da forma agressiva com a qual este o tratou ao
ver questionado seu comportamento, M. o perdoou e reatou com ele mais tarde.
Quanto aos seus problemas com as normas e com as chefias, alegados pela perita,
8 Pode-se depreender dessa ressalva que, para a perita em questão, as conclusões a respeito do caso
decorreriam muito mais das “convicções pessoais” das partes envolvidas na sua análise do que da
força das evidências trazidas por elas. Encontra-se aí, de forma subentendida, mas facilmente iden-
tificável, uma concepção de ciência como mero espaço de contraposição de pontos de vista, saindo
vencedor aquele que apresentar o melhor argumento. Parece que não passa pela sua cabeça que,
sobretudo, em um caso tão “delicado”, nosso cuidado deve ser redobrado no sentido de apresentar
as evidências mais sólidas possíveis e, portanto, aquelas mais próximas da verdade. E isso só pode
acontecer quando nos distanciamos de nossas “convicções pessoais” e nos aproximamos da reali-
dade dos fatos. Foi exatamente isso que tentamos fazer durante a elaboração do nosso laudo.
139
A HÝBRIS DE SATURNO: PRECARIZAÇÃO DO TRABALHO, SAÚDE DO TRABALHADOR E INVISIBILIDADE SOCIAL
acreditamos que ficaram bem esclarecidos no nosso laudo. Vimos que M. sempre
acatou as ordens e mesmo as repreensões vindas dos seus chefes, desde que as
considerasse justas, mas quando era alvo de injustiça, ele se defendia, o que não
pode ser considerado, no nosso entender, como um sinal de desadaptação às nor-
mas ou à hierarquia. Finalmente, cabe ressaltar que o “diagnóstico” proposto pela
perita (e mesmo pelo perito assistente) é apressado, mal fundamentado e total-
mente incompatível com a avaliação que ela mesma fez ao entrar em contato com
M., ou seja, a descrição que propôs a respeito do comportamento do periciado é
o oposto daquela da “personalidade histriônica”. Enquanto esta foi descrita como
uma “lábil”, tendendo para a “dramatização, teatralidade, expressão exageradas
das emoções, sugestibilidade, egocentrismo”, “desejo permanente de ser apreciado e
de constituir-se no objeto de atenção”, dentre outros, M. foi percebido pela própria
perita como alguém que “ fazia intervenções adequadas e oportunas”, “mostrava
ponderações apropriadas” e “muito boa capacidade de participar da conversação
bem como uma capacidade normal de iniciar ou dar continuidade à mesma”, sendo
“sempre cauteloso na fala”!
Tudo isso revela a fragilidade do diagnóstico proposto no laudo pericial, mas
o que importa aqui é mostrar que toda a argumentação desenvolvida pela peri-
ta tinha um único objetivo: atribuir o problema apresentado por M., sobretudo,
às suas características pessoais, isentando a empresa e o contexto de trabalho da
responsabilidade sobre seu desencadeamento, manutenção ou agravamento. Em
outros termos, ainda que tenha admitido, em parte, a gravidade do fato e relacio-
nado o transtorno ao assalto sofrido por M., a perita ressaltou que se tratava de
um quadro que apenas “INICIALMENTE, podia ser relacionado àquela circuns-
tância vivida”. (grifo da autora). Além disso, deixou claro que ele foi “o único a
sofrer ‘reação adversa’”, o que reforçou ainda mais sua tese de que a causa maior
do problema se devia às suas características pessoais:
140
DIFICULDADES NO RECONHECIMENTO DAS DOENÇAS DO TRABALHO E A INVISIBILIDADE SOCIAL DE TRABALHADORES
141
A HÝBRIS DE SATURNO: PRECARIZAÇÃO DO TRABALHO, SAÚDE DO TRABALHADOR E INVISIBILIDADE SOCIAL
Sua conclusão, portanto, é a de que, se existem queixas atuais, estas não pos-
suem qualquer relação com o assalto sofrido por M., nem tampouco com sua situ-
ação de trabalho na empresa D, mas sim com a “dinâmica” de sua “personalidade”,
constituída durante a “infância e adolescência” e, portanto, sem qualquer relação
com o trabalho na D.:
“O cotejo de queixas trazido ao exame atual não tem mais nenhuma re-
lação com o evento sofrido (assalto) e não tem nenhuma relação com a
forma ou organização do trabalho dentro da linha de produção.”(grifo
nosso) (Esse cotejo de queixas) “guarda relação apenas com a dinâmica
pessoal sendo somente uma manifestação da dinâmica da personalidade
do Periciado, padrão esse estabelecido ainda na infância e adolescência
e que não tem relação com o trabalho”. (grifo nosso)
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DIFICULDADES NO RECONHECIMENTO DAS DOENÇAS DO TRABALHO E A INVISIBILIDADE SOCIAL DE TRABALHADORES
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A HÝBRIS DE SATURNO: PRECARIZAÇÃO DO TRABALHO, SAÚDE DO TRABALHADOR E INVISIBILIDADE SOCIAL
sofreu por ele ou do seu trabalho na linha de produção, uma vez que essa visão
entra em contradição com aquela expressa pelos outros profissionais que o exami-
naram. Em suma, ele cita seis psiquiatras e dois psicólogos, todos eles convergindo
no diagnóstico de estresse pós-traumático, decorrente do assalto sofrido por M.
e cujos sintomas ainda permanecem, sendo que “somente a perita (...) parece ser
incapaz de ver ou valorizar a variada gama de sinais e sintomas insistindo em que o
Reclamante é saudável, sempre foi e apenas reagiu histrionicamente a um assalto.”
(grifo do autor)
O advogado de M. criticou, portanto, o que considera como “ forma peculiar”
de a perita nomeada pelo juiz ver e analisar aquilo que, para todos esses profissio-
nais, trata-se de um adoecimento mental decorrente de um acidente de trabalho
e “agravado pelas condições vigentes na empresa”. Adotando uma lógica simples e
direta, ele conclui que, para essa perita, “(...) sofrer violência e grande risco de morte
é coisa corriqueira – se alguém adoece por isso é porque já tinha propensão para
adoecer: um ‘indivíduo histriônico’, como se quisesse compará-lo a um fraco, por si
só responsável pelo próprio adoecimento.”
O fato de a perita ter reconhecido que realmente houve “um acidente in tine-
re”, diz o advogado, não é suficiente, uma vez que ela desenvolve toda uma argu-
mentação para concluir que M. encontrava-se saudável na ocasião da perícia e até
mesmo quando foi demitido, o que contraria a percepção dos outros profissionais
que o examinaram. Para estes, “estava em plena vigência o adoecimento mental
quando da demissão sem justa causa.!” Além disso, prosseguiu ele, é importante
acrescentar que, “na vigência do estresse pós-traumático agudo, tendo havido reco-
mendação expressa para alterações de funções/setor e horário de trabalho, esta re-
comendação foi negligenciada pela empresa”, e o que se seguiu. “ainda na presença
do quadro psiquiátrico agudo”, foi o “descarte do trabalhador, pela demissão, por
não mais se adequar à cadeia produtiva.”
O advogado finalizou seu questionamento qualificando o laudo pericial como
totalmente inadequado e solicitando ao juiz a realização de uma nova perícia,
mesmo ciente de que isso iria representar um enorme sacrifício para seu cliente
e sua família, não apenas pelas exigências de ordem financeira, mas também por
que sofreria “(...) o suplício de se ver escrutinar mais uma vez, expondo seu sofri-
mento (...).”
144
DIFICULDADES NO RECONHECIMENTO DAS DOENÇAS DO TRABALHO E A INVISIBILIDADE SOCIAL DE TRABALHADORES
À GUISA DE CONCLUSÃO
9 É importante ressaltar que essa ideia é inspirada em certa leitura da psicanálise representada, no
campo da SM&T, por C. Dejours (1987). Foi a partir da entrada desse teórico nesse campo que
a polêmica em torno do nexo entre transtornos mentais e o trabalho se instalou, passando-se a
atribuir às condições laborais um papel cada vez mais secundário e priorizando-se as experiências
infantis como causas maiores desses transtornos. Vale a pena sinalizar, no entanto, que, apesar de
propor essa visão psicologizante do problema, ao tratar do Transtorno de Estresse Pós-Traumá-
tico, Dejours (1987) admitiu ser esta “a única entidade clínica reconhecidamente de origem bem
limitada à organização do trabalho.” (p. 125) Portanto, a perita que analisou o caso de M. foi além
145
A HÝBRIS DE SATURNO: PRECARIZAÇÃO DO TRABALHO, SAÚDE DO TRABALHADOR E INVISIBILIDADE SOCIAL
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DIFICULDADES NO RECONHECIMENTO DAS DOENÇAS DO TRABALHO E A INVISIBILIDADE SOCIAL DE TRABALHADORES
disse a perita, que persistia e tentava solucionar os problemas antes de optar pela
demissão.
Foi, portanto, na empresa D. que encontrou a dificuldade maior, aquela para
a qual não conseguiu encontrar uma saída, já que foi profundamente afetado na
sua saúde física e mental. A experiência do assalto foi um momento decisivo na
sua vida, o que nos permite pensar que, sem ela, possivelmente, prosseguiria seu
caminho pessoal e profissional sem maiores sobressaltos. O tratamento oferecido
pela empresa a essa experiência, ignorando os sinais emitidos por M. e por outros
colegas, foi fundamental para o desfecho do caso aqui analisado.
Conforme dissemos, os estudos em torno do transtorno de estresse pós-trau-
mático têm sido cada vez mais enfáticos em alertar para a necessidade de se tomar
medidas visando prevenir a instalação do quadro imediatamente após o evento.
Essas medidas vão, desde as mudanças no contexto de trabalho até o atendimento
clínico dos sujeitos que vivenciaram ou testemunharam o acontecimento poten-
cialmente traumático, sendo que, sem elas, o risco é grande de agravar o proble-
ma. (Vieira, 2014) Nada disso foi feito pela empresa em questão e M. só recebeu
algum tipo de cuidado quando o quadro já estava instalado, o que foi admitido até
mesmo pela perita nomeada pelo juiz.
Vimos também que a perita admitiu, em princípio, a ocorrência do transtor-
no, embora tenha proposto que M. já se encontrava recuperado em função dos
tratamentos recebidos. Mas não é bem isso que constatam as pesquisas em torno
do assunto. Grande parte dos estudos atuais conclui que, uma vez instalado o
quadro de TEPT, sua regressão é muito difícil. (Vieira, 2014) Ademais, no caso de
M., o tratamento oferecido foi basicamente medicamentoso e ele não recebeu um
atendimento psicoterápico adequado, não tendo tido, portanto, a oportunidade de
elaborar psiquicamente a experiência traumática. Ressaltamos também a ausência
de qualquer mudança no seu contexto de trabalho, obrigando-o a enfrentar dia-
riamente idênticas pressões por produção, bem como a mesma situação na qual
sofreu o trauma: o retorno para casa no mesmo horário e no mesmo ônibus no
qual sofreu o assalto.
Mas o que gostaríamos realmente de registrar neste momento é que o caso
exposto por nós não se trata de um fato isolado. Ao contrário, ele é representativo
de uma prática injusta e bastante disseminada no nosso país: a de tratar os aci-
dentados do trabalho como “doentes comuns” ou pior ainda, como verdadeiros
fraudadores do sistema, simulando doenças para obter ganhos pessoais. Cria-se,
147
A HÝBRIS DE SATURNO: PRECARIZAÇÃO DO TRABALHO, SAÚDE DO TRABALHADOR E INVISIBILIDADE SOCIAL
REFERÊNCIAS
Dejours, C. – A loucura do trabalho – ensaio de psicopatologia do trabalho. São Paulo: Ed. Oboré. 1987
Machado, J, Soratto, L & Codo, W. (orgs.) – Saúde e trabalho no Brasil: uma revolução silenciosa. Petrópolis,
Vozes. 2010.
Vieira, C. E.C. - O transtorno de estresse pós-traumático nos contextos de trabalho: das experiências traumáti-
cas ao desenvolvimento do transtorno mental. Tese de doutorado apresentada ao Programa de Pós-Graduação
do Departamento de Psicologia da UFMG. 2014.
148
CAPÍTULO 6
PRECARIEDADE DO TRABALHO,
PRECARIZAÇÃO DA VIDA: UMA ANÁLISE
DO TRABALHO NOS CALL CENTERS
Selma Venco
149
A HÝBRIS DE SATURNO: PRECARIZAÇÃO DO TRABALHO, SAÚDE DO TRABALHADOR E INVISIBILIDADE SOCIAL
É o sentimento de não estar no seu trabalho, de não poder confiar nas roti-
nas profissionais, nas suas redes, nos seus conhecimentos e no saber-fazer
acumulados graças à experiência ou à transmissão pelos mais antigos, é o
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PRECARIEDADE DO TRABALHO, PRECARIZAÇÃO DA VIDA: UMA ANÁLISE DO TRABALHO NOS CALL CENTERS
sentimento de não dominar o trabalho que faz, e de dever, sem parar, de-
senvolver esforços para se adaptar, para bater as metas estabelecidas, para
não se colocar em perigo nem físico nem psíquico, nem moral (no caso das
interações com usuários e clientes) (LINHART, 2009, p.2).
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A HÝBRIS DE SATURNO: PRECARIZAÇÃO DO TRABALHO, SAÚDE DO TRABALHADOR E INVISIBILIDADE SOCIAL
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PRECARIEDADE DO TRABALHO, PRECARIZAÇÃO DA VIDA: UMA ANÁLISE DO TRABALHO NOS CALL CENTERS
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A HÝBRIS DE SATURNO: PRECARIZAÇÃO DO TRABALHO, SAÚDE DO TRABALHADOR E INVISIBILIDADE SOCIAL
O COTIDIANO DO TRABALHO
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PRECARIEDADE DO TRABALHO, PRECARIZAÇÃO DA VIDA: UMA ANÁLISE DO TRABALHO NOS CALL CENTERS
preciso ser muito prudente neste momento sobre a análise feita de existência de
vínculos com o trabalho. Não se deve nem negar nem afirmar esses vínculos.”1
Apoiando-se em Fortino e Linhart (2011, p.37) é possível afirmar que as con-
dições de trabalho vivenciadas por teleoperadores se configuram como fonte de
fadiga física e mental, e se transformam em penosidades “que submergem os in-
divíduos ao trabalho, ao mesmo tempo em que o sentido do trabalho, ele próprio,
é atacado.” Ou seja, a penosidade, tal como compreendida pelas autoras, corres-
ponde à dificuldade para o exercício laboral. A esta condição soma-se o conceito
elaborado por Yves Clot (1999, 2008): “o trabalho impedido”, cujo sentido remete
à impossibilidade de realizar devidamente sua atividade profissional, seja porque
não recebem as orientações devidas para o pleno exercício, pela impossibilidade
de realizá-lo corretamente e, sobretudo, de ter domínio sobre o que realiza (FOR-
TINO, LINHART, 2011). Clot conclui: “este tipo de passividade imposta é uma
tensão contínua” (2008, p.88).
Situações desta natureza permitem abordar os altos índices de absenteísmo e
rotatividade no setor que, no nosso entendimento, revelam condições de trabalho
intoleráveis. No Rio de Janeiro, por exemplo, este índice oscilava entre 12 e 13%,
enquanto no Rio Grande do Sul entre 4 e 5% (MOCELIN, SILVA, LARANGEIRA,
2004). Na França, du Roy aponta que na empresa Orange a média de ausências
anuais nos call centers é de 30 a 63 dias. O autor, comparando a setores semelhan-
tes em seu país, menciona que na empresa de energia a média é de 9 dias ao ano e
entre professores do ensino fundamental, ciclo I, é de 11 dias.
Segundo análise de Lechat (2004) os teleoperadores sentem-se humilhados e
desvalorizados, tanto pelos maus tratos dos clientes quanto pelas formas de gestão
na empresa, e não vislumbram outra alternativa exceto a demissão.
As entrevistas realizadas colocam em evidência as dificuldades cotidianas a
que estes trabalhadores são submetidos e suscitam um debate teórico acerca das
fronteiras que separam as formas de gestão e o assédio moral. Podemos compre-
ender que as diferentes formas de intensificação do trabalho causam a pressão no
1 NETTO, Andrei. Onda de suicídios volta a preocupar a francesa Orange. Jornal O Estado de
S.Paulo, Caderno Economia & Negócios. Disponível em http://www.estadao.com.br/noticias/
impresso,onda-de-suicidios-volta-a-preocupar-a-francesa-orange,1143328,0.htm. Acesso em
21.mar.2014
157
A HÝBRIS DE SATURNO: PRECARIZAÇÃO DO TRABALHO, SAÚDE DO TRABALHADOR E INVISIBILIDADE SOCIAL
trabalho, seja pelo aumento do ritmo de trabalho, seja pelas práticas de gerencia-
mento orientadas principalmente pelo estímulo ao aumento da produção.
Marie-France Hirigoyen (2002) define assédio moral como sendo as atitudes
que ultrapassam a discriminação quanto à raça, sexo, orientação sexual, idade
etc –, provocando humilhação e constrangimentos. Baseando-se neste conceito,
consideramos aqui os atos que apresentam certo grau de ofensa pessoal. A partir
da formulação de Michèle Drida, Marie Pezé sugere que assédio moral é siste-
maticamente instaurado no ambiente de trabalho “ manifestando uma intenção
consciente ou inconsciente de anular ou destruir o outro ”(Drida, 1999 apud Pezé,
2001, p.30). Na concepção de Pezé, trata-se de uma “técnica de destruição que visa
de forma deliberada a descompensação do sujeito a fim de obter sua submissão
emocional aos fins econômicos ou de usufruto pessoal ” (idem, p.39).
Para os diferentes gerentes entrevistados a pressão pelo aumento da produ-
tividade é constante e, segundo eles, o teleoperador deve se adaptar a este ritmo,
dadas as características do setor, que exige rapidez. A sujeição no bojo das empre-
sas é frequente e ocorre tanto no plano individual quanto coletivo. A pressão pelo
cumprimento das metas, pelo respeito ao tempo médio dos atendimentos e pela
participação direta da supervisão no controle da produção imbricam uma incapa-
cidade gradual de tolerar as condições de trabalho.
Os insultos são provocados invariavelmente por questões quantitativas e mais
raramente pela qualidade do trabalho executado.
158
PRECARIEDADE DO TRABALHO, PRECARIZAÇÃO DA VIDA: UMA ANÁLISE DO TRABALHO NOS CALL CENTERS
Cenários como estes induzem a que, no presente texto, se vise demonstrar que
o predomínio de mulheres nesta atividade profissional não é fortuito, ao contrá-
rio: caracteriza-se como uma opção intencional de gerenciamento deste trabalho.
Expressões como ‘corredor do choro’ ou ‘os toilettes são o lugar da choradeira
nos call centers’ são reveladoras de uma situação dolorosa nos locais de trabalho.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Pesquisando o setor desde 1997 pudemos constatar ao menos três fases impor-
tantes de transformação, as quais ilustram a velocidade da adaptação do capital.
No final dos anos 1990 os call centers se constituíam em plataformas telefônicas,
um departamento no interior das empresas, a fim de atender seus próprios clien-
tes. No início dos anos 2000 o setor vivencia profunda reformulação passando por
um processo intenso de terceirização e criando grandes call centers: empresas de,
em média, até 5000 teleoperadores considerando-se o setor de vendas e atendi-
mento e em torno de, em média, 40.000 trabalhadores as vinculadas à telefonia.
E, por fim, vivenciamos a formação de uma cadeia internacional de terceirização
por meio da qual países centrais como França, Estados Unidos, Grã Bretanha se
vinculam por meio da exploração do trabalho aos periféricos e semi-periféricos
tais como Brasil, Marrocos e Índia (2009).
Contudo, a evolução do setor apoiou-se nos aspectos analisados, com especial
destaque para as formas de gestão marcadas pela violência nas atitudes das che-
fias. Neste sentido recuperamos a proposição de Robert Castel (1995) acerca da
instabilidade da sociedade salarial, a qual instala a vulnerabilidade social, mesmo
entre aqueles que vivenciam uma condição de emprego formal. Soma-se a esta
constatação a de que os teleoperadores estão submetidos à dupla dimensão da pre-
cariedade: a objetiva, via contratos firmados nas empresas terceirizadas, tempo
parcial, contratos por tempo determinados; e, pela subjetiva: a despeito de desfru-
tarem de empregos formais são submetidos a ritmos, pressões e humilhações que
levam ao sofrimento no trabalho.
Conclui-se que a precariedade, seja ela de caráter objetivo ou subjetivo, tem
levado a um processo de precarização da vida dos teleatendentes e o setor, sendo
um dos maiores empregadores não apenas no Brasil, deveria primar por oferecer
159
A HÝBRIS DE SATURNO: PRECARIZAÇÃO DO TRABALHO, SAÚDE DO TRABALHADOR E INVISIBILIDADE SOCIAL
REFERÊNCIAS
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LINHART, Danièle. Modernisation et précarisation de la vie au travail. Papeles del CEIC. Vol. 1, marzo-sin,
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160
PRECARIEDADE DO TRABALHO, PRECARIZAÇÃO DA VIDA: UMA ANÁLISE DO TRABALHO NOS CALL CENTERS
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161
CAPÍTULO 7
OS IMPACTOS DAS CONDIÇÕES DE
TRABALHO SOBRE A SUBJETIVIDADE
DO PROFESSOR DE ENSINO SUPERIOR
PRIVADO DE CAMPINAS 1
INTRODUÇÃO
1 Este texto refere-se à tese de doutorado defendida pela autora em Novembro de 2012 – Faculdade
de Educação da UNICAMP sob a orientação da Professora Livre Docente Elisabete Monteiro de
Aguiar Pereira.
2 Para citar alguns exemplos temos CARVALHO, C. da C. Trabalho docente nas Instituições Pri-
vadas e Ensino Superior - Expressão da Precarização do Trabalho Assalariado. Disponível em:
http://nupet.iesp.uerj.br/arquivos/carvalho.pdf. Acesso em 03 de Julho de 2011 e SGUISSARDI,
V. e SILVA. JR. J.R. Trabalho intensificado nas federais: pós-graduação e produtivismo acadêmico.
São Paulo, Xamã: 2009.
163
A HÝBRIS DE SATURNO: PRECARIZAÇÃO DO TRABALHO, SAÚDE DO TRABALHADOR E INVISIBILIDADE SOCIAL
Oliveira et. al.3 (s/d) aponta para as reformas educacionais ocorridas na dé-
cada de 1990 no Brasil e na América Latina, impondo aos professores, tanto das
redes pública quanto privada de ensino, arrocho salarial, trabalho intensificado
e sobrecarga advinda de crescentes demandas de trabalho que muitas vezes, no
caso das escolas públicas, “ultrapassam o que é prescrito como atividade docente
(cuidar da nutrição, higiene e saúde dos alunos).” (OLIVEIRA, et. al. s/d, p. 8).
Os autores mencionam a auto-intensificação do trabalho do professor que, na
tentativa de responder às exigências externas ao seu trabalho e, não conseguindo
(muitas demandas estão além de suas possibilidades), entram em (...) sofrimento,
insatisfação, doença, frustração e fadiga.
Quanto às doenças ocupacionais nos professores, Freire (2010), em artigo que
investiga a relação entre reestruturação produtiva, assédio moral e a incidência
da síndrome de burnout4 em professores e seus impactos jurídicos e sociológicos,
identifica que as alterações no processo de organização do trabalho em geral (re-
estruturação produtiva no modo de gestão toyotista)5 e do trabalho dos professo-
res em particular, impõem um maior controle das funções docentes por parte das
instituições de ensino.
Para a autora,
3 Artigo de Dalila Andrade Oliveira et. al. Não foi possível identificar a data de sua publicação.
Disponível em http://www.redeestrado.org/web/archivos/publicaciones/10.pdf. Acesso em 24 de
Outubro de 2011.
4 Burnout (do inglês, significa “queimar-se”). Esta síndrome está constituída pelos sintomas de
despersonalização, insatisfação com o trabalho e sensação de esgotamento que acarreta a perda
de motivação e desinteresse pelo trabalho.
5 Sobre o Toyotismo estaremos desenvolvendo mais adiante neste trabalho.
164
OS IMPACTOS DAS CONDIÇÕES DE TRABALHO SOBRE A SUBJETIVIDADE DO PROFESSOR DE ENSINO SUPERIOR PRIVADO DE CAMPINAS
6 Primeiramente na Suécia com o psicólogo do trabalho Heyns Leymann em 1996; após dois anos
com a psiquiatra e psicanalista Marie-France Hirigoyen (França) que popularizou o termo e no
Brasil, com a notável pesquisa de Margarida Barreto com trabalhadores da região da grande São
Paulo. Heloani cita ainda a pesquisadora Maria Ester de Freitas neste campo de pesquisa.
7 Heloani cita Christophe Dejours como sendo o idealizador desta concepção de espaço público ou
espaço de discussão.
165
A HÝBRIS DE SATURNO: PRECARIZAÇÃO DO TRABALHO, SAÚDE DO TRABALHADOR E INVISIBILIDADE SOCIAL
um local que poderia existir dentro das empresas, onde os membros da organi-
zação pudessem expor seus problemas, angústias e expectativas”, facilitando o
entendimento de seus sofrimentos no trabalho e ainda completa que “De fato, a
saída está na organização do coletivo para que possamos transformar súditos em
cidadãos”.
Sato e Bernardo (2005), no que se refere à saúde do trabalhador, identificam
que os problemas de saúde mental e trabalho da década de 1980 ainda persistem.
As autoras desenvolvem suas reflexões a partir de um serviço público de Saúde
do Trabalhador, o Centro de Referência em Saúde do Trabalhador (CRST) da
cidade de Campinas. O artigo passa pelo enfoque da saúde mental vista pela as-
sistência ao trabalhador, pelo espectro da saúde mental e trabalho na perspectiva
dos sindicatos, pela vigilância em saúde e atualizam o leitor na questão da saúde
mental e trabalho no contexto do ano de 2005.
Dentre as várias constatações chama a atenção à baixa notificação de proble-
mas de saúde mental no Centro de Referência, o que não indica que estes proble-
mas não existam, mas parecem mostrar a persistência da dificuldade por parte
de todos os envolvidos - empresas, profissionais de saúde e peritos do INSS - em
reconhecer o trabalho como causador de problemas de saúde mental, o que, con-
seqüentemente, reduz a busca de ajuda em serviços de referência, como os CRSTs
(SATO e BERNARDO, 2005, p. 872).
No tocante ao desgaste e adoecimento emocionais relacionados ao trabalho
dos professores, Codo (1999, p. 13) ao referir-se à síndrome da desistência (bur-
nout) fala “(...) um profissional encalacrado entre o que pode fazer e o que efe-
tivamente consegue fazer, entre o céu de possibilidades e o inferno dos limites
estruturais, entre a vitória e a frustração”
Reis e Sguissardi (2009) se referem à reestruturação produtiva pela qual pas-
sou o capitalismo e as conseqüências desta reestruturação para o trabalho em ge-
ral e para o trabalho dos professores das universidades. A pesquisa realizada por
eles, com professores pesquisadores de Instituições Federais de Ensino (IFES), no
que se refere à intensificação e a delimitação das fronteiras do trabalho docente,
indica que há a invasão do lar pelas tarefas universitárias, afetando as relações
familiares e interferindo no cotidiano da vida pessoal.
166
OS IMPACTOS DAS CONDIÇÕES DE TRABALHO SOBRE A SUBJETIVIDADE DO PROFESSOR DE ENSINO SUPERIOR PRIVADO DE CAMPINAS
8 O Ministério da Educação e Cultura (MEC), define que as Instituições de Ensino Superior são
classificadas da seguinte forma: Públicas (Federais, Estaduais e Municipais) e Privadas (Comuni-
tárias, Confessionais, Filantrópicas e Particulares). Esta caracterização possui uma íntima relação
com a forma de financiamento que cada instituição possui para se manter no cenário da Educação
Superior.
9 Dia 22 de Abril de 2013.
10 Para saber mais sobre esta fusão e o posicionamento da CONTEE, acesse o site: http://www.con-
tee.org.br
167
A HÝBRIS DE SATURNO: PRECARIZAÇÃO DO TRABALHO, SAÚDE DO TRABALHADOR E INVISIBILIDADE SOCIAL
168
OS IMPACTOS DAS CONDIÇÕES DE TRABALHO SOBRE A SUBJETIVIDADE DO PROFESSOR DE ENSINO SUPERIOR PRIVADO DE CAMPINAS
proteção social que incluem as leis trabalhistas. Fernando Henrique Cardoso (FHC) prometeu
acabar com a era Vargas; retirar do Estado o papel regulador do mercado; flexibilizar a legislação
trabalhista no país e favorecer a livre negociação. FHC encarnou o ideário neoliberal e atrelou o
Brasil ao Fundo Monetário Internacional (FMI).
169
A HÝBRIS DE SATURNO: PRECARIZAÇÃO DO TRABALHO, SAÚDE DO TRABALHADOR E INVISIBILIDADE SOCIAL
Resende (2010), cita algumas das estratégias das IES Particulares para en-
frentarem os desafios do modelo de educação capitalista e que foram observa-
das através de inserções feitas pelo autor nos meios acadêmicos, são elas: redução
sistemática do quadro de colaboradores (pautada pela reestruturação produtiva),
substituição de professores em progressão da carreira adiantada e com maiores
vencimentos, preferência pelos professores horistas (garante-se o número mínimo
de mestres e/ou doutores para atender as exigências do MEC), desqualificação dos
professores, diminuição da carga horária dos professores, racionalização de tur-
mas feita sem critério, abertura do capital da instituição para acionistas em bolsa
de valores e valorização dos aspectos individualistas (meritocracia).
O crescimento das Instituições de Educação Superior Privadas no país ocorre
sistematicamente a partir da década de 1990 e com o empenho dos grandes em-
presários do ensino, cuja concepção é a de que a educação é uma mercadoria e que,
portanto, pode ser explorada pelo capital.
A política liberalizante de Fernando Henrique Cardoso (FHC) já havia sido
iniciada por Fernando Collor de Mello, bastava agora, inserir, mais intensamente,
o país na “inexorável” globalização neoliberal. O ministro da Educação do gover-
no de FHC, Paulo Renato Souza tratou de aplicar a cartilha neoliberal na educa-
ção que também sofreu os impactos da chamada “era FHC”.
Saviani (2010) realiza um resgate histórico da expansão do ensino superior
no Brasil e aponta que, nesta trajetória histórica, é possível que se identifiquem
mudanças e continuidades.
É essa a situação que estamos vivendo hoje quando vicejam os mais dife-
rentes tipos de instituições universitárias oferecendo cursos os mais varia-
dos em estreita simbiose com os mecanismos de mercado. Aprofunda-se,
assim, a tendência a tratar a educação superior como mercadoria entregue
aos cuidados de empresas de ensino que recorrem a capitais internacionais
com ações negociadas na Bolsa de Valores. (SAVIANI, 2010, p.11).
170
OS IMPACTOS DAS CONDIÇÕES DE TRABALHO SOBRE A SUBJETIVIDADE DO PROFESSOR DE ENSINO SUPERIOR PRIVADO DE CAMPINAS
TRABALHO E SUBJETIVIDADE
171
A HÝBRIS DE SATURNO: PRECARIZAÇÃO DO TRABALHO, SAÚDE DO TRABALHADOR E INVISIBILIDADE SOCIAL
pode possuir, o produto do seu trabalho não lhe pertence e, para consumir, inten-
sifica seu trabalho.
Lane (1994) aponta para a dupla dimensão do trabalho, que pode tanto ser
criativo quanto pode ser rotineiro e repetitivo (alienado); quando a repetição e
a rotina se instalam, podem afetar psicologicamente o trabalhador, pode alienar
mentalmente e fazer o sofrimento psíquico se manifestar.
Martins (2007) afirma que, no sistema de produção capitalista, o trabalho
sem sentido favorece a constituição de uma subjetividade cindida (clivada), reti-
rando a possibilidade do trabalhador de viver, integralmente, o desenvolvimen-
to de suas capacidades individuais, de sua subjetividade, de manifestar-se livre e
espontaneamente.
Considerando a fundamentação teórica que sustenta a concepção de subjeti-
vidade adotada para a realização desta pesquisa,12 o desafio será o de identificar os
impactos das condições de trabalho sobre a subjetividade do professor do ensino
superior privado.
Como visto, o quadro atual de mercantilização das Instituições de Educação
Superior Privadas (IES) traz profundas alterações nos processos de trabalho vivi-
dos por seus professores.
Há registros em artigos, dissertações, teses, livros bem como através de relatos
em congressos, encontros, seminários e colóquios variados13, que os professores
que trabalham em IES privadas vivem os impactos da reestruturação produtiva
imposta pelo modelo toyotista de produção do capital.
Esta reestruturação produtiva se revela, objetivamente, através das condições
de trabalho precarizadas, da intensificação do trabalho do professor, pela falta
de tempo destinado aos afazeres docentes, pela presença de novos coletivos de
trabalhadores (os novos mestres e doutores são contratados para substituirem os
professores mais antigos na instituição e foram demitidos, desempenhando as
mesmas funções e ganhando salários mais baixos), através das formas de contra-
tação e ingresso dos professores, mediante a implantação de carreiras docentes
que são construídas destruindo a isonomia salarial entre os professores, pelas
12 Foram reunidos vários autores que tratam do tema da subjetividade sob a ótica do materialismo
histórico e dialético e é a partir desta aproximação que a pesquisa se desenvolveu.
13 Várias referências bibliográficas estão sendo utilizadas para a fundamentação teórica desenvolvi-
da neste trabalho.
172
OS IMPACTOS DAS CONDIÇÕES DE TRABALHO SOBRE A SUBJETIVIDADE DO PROFESSOR DE ENSINO SUPERIOR PRIVADO DE CAMPINAS
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A HÝBRIS DE SATURNO: PRECARIZAÇÃO DO TRABALHO, SAÚDE DO TRABALHADOR E INVISIBILIDADE SOCIAL
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O que de novo esta pesquisa revela? Será que já não se sabe sobre tudo isso?
Que os/as professores/as trabalham muito adoecem e muitos até desistem da pro-
fissão? Claro que sim. Há muitas produções acadêmicas que versam sobre as con-
dições de trabalho dos/as professores/as e o seu sofrimento físico, emocional e
abandono da profissão.
Ocorre que para estes/as professores/as sindicalizados que trabalham em IES
Privadas na cidade de Campinas, onde há várias IES Privadas sem a regulação neces-
sária que garanta qualidade de ensino e as necessárias condições de trabalho aos/as
professores/as, este é um estudo inédito e bastante revelador, sendo necessário com-
preendê-lo para transformar esta situação atual em que vivem estes/as professores/as.
Considerando que praticamente metade dos/as participantes deste estudo tra-
balham entre 5 e 10 anos (pouco tempo de profissão); considerando que 88% se
dizem estressados/as; 76% com suas vidas privadas invadidas pelo trabalho; 52%
apresentando algum tipo de adoecimento e 52% com medo de perder o emprego,
podemos afirmar que os impactos na subjetividade deste/as professores/as são ga-
lopantes e em um tempo de exercício profissional relativamente curto (uma déca-
da), se comparado ao tempo que os/as professores podem exercer a profissão até
sua aposentadoria oficial.
Até o momento, seguimos afirmando que o capitalismo global e a precariza-
ção do trabalho que ele impõe, atinge as mentes e os corações dos trabalhadores
174
OS IMPACTOS DAS CONDIÇÕES DE TRABALHO SOBRE A SUBJETIVIDADE DO PROFESSOR DE ENSINO SUPERIOR PRIVADO DE CAMPINAS
175
A HÝBRIS DE SATURNO: PRECARIZAÇÃO DO TRABALHO, SAÚDE DO TRABALHADOR E INVISIBILIDADE SOCIAL
14 Na luta de classes, a concepção classista faz a opção pela classe trabalhadora e sua unidade inter-
nacional com o objetivo de organizar a luta anti-capitalista.
176
OS IMPACTOS DAS CONDIÇÕES DE TRABALHO SOBRE A SUBJETIVIDADE DO PROFESSOR DE ENSINO SUPERIOR PRIVADO DE CAMPINAS
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177
A HÝBRIS DE SATURNO: PRECARIZAÇÃO DO TRABALHO, SAÚDE DO TRABALHADOR E INVISIBILIDADE SOCIAL
PEIXOTO, M. G. Uma Conferência vitoriosa. Revista CONTEÚDO, Brasília, D. F., p. 8. n. 6, dia de Maio de
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178
CAPÍTULO 8
CORAÇÕES E MENTES
NOTAS SOBRE A MANIPULAÇÃO DA
SUBJETIVIDADE NOS PROGRAMAS
COMPORTAMENTAIS DE SAÚDE E
SEGURANÇA NO TRABALHO
Bruno Chapadeiro
179
A HÝBRIS DE SATURNO: PRECARIZAÇÃO DO TRABALHO, SAÚDE DO TRABALHADOR E INVISIBILIDADE SOCIAL
1 “(...) estão sendo propostos novos sistemas de gestão da SST baseados no velho princípio de que
acidentes resultam de desvios do comportamento e faz-se necessária a gestão do comportamento
180
CORAÇÕES E MENTESNOTAS SOBRE A MANIPULAÇÃO DA SUBJETIVIDADE NOS PROGRAMAS COMPORTAMENTAIS DE SAÚDE E SEGURANÇA NO TRABALHO
dos processos mentais, tais como, esquecimento, omissões, falta de atenção, baixa
motivação e falta de cuidado.
Dejours & Bègue (2010, p. 18) no entanto, apontam outro entendimento para
o assunto aqui em pauta. Não havendo o fato concreto ocorrido, o acidente em si,
o trabalhador controla as situações de risco sem titubear, porém também sem dei-
xar o medo de lado, afinal, o mesmo está sempre ciente do que pode lhe causar um
dano - principalmente físico - em seu ambiente de trabalho. Porém não havendo
um acidente de fato ocorrido em determinado setor, o trabalhador participa conti-
do em uma estratégia coletiva de defesa que consiste em converter por vezes o risco
em escárnio (estratégia essa utilizada muitas vezes por operários da construção
civil segundo os autores), e isso por conta de provocações organizadas coletiva-
mente e da constante exaltação demonstrada nos atributos comportamentais da
coragem viril, da invulnerabilidade, da indiferença à dor etc.
Contudo, ao nos distanciarmos - nós pesquisadores da área - dos momentos
de elaboração/execução de programas prevencionistas em SST tanto no setor pú-
blico quanto na iniciativa privada, abrimos brechas para o constante desenvolvi-
mento da visão tradicionalista da área que comumente visa tal imputação da culpa
do incidente/acidente à parte hipovalente do conflito capital-trabalho: o próprio
trabalhador2.
Seríamos generalistas em demasiado se atribuíssemos a todos os pesquisa-
dores das ciências humanas e sociais que lidam com a questão da saúde do tra-
balhador uma negligência no que tange aspectos prevencionistas em segurança
do trabalho. Obviamente que quando consideramos a insígnia SST abarcamos
nesta concepção o fator que abrange o não-se-machucar atrelado à segurança,
de modo que jamais defendemos aqui a tese de que o trabalhador que perde um
membro de seu corpo, seja um dedo de uma das mãos ou mesmo todo um braço,
vivencie apenas o sofrimento físico do ocorrido, mas sim, agonize também – e
principalmente – em suas instâncias subjetivas. Desse modo, SST no contexto
181
A HÝBRIS DE SATURNO: PRECARIZAÇÃO DO TRABALHO, SAÚDE DO TRABALHADOR E INVISIBILIDADE SOCIAL
182
CORAÇÕES E MENTESNOTAS SOBRE A MANIPULAÇÃO DA SUBJETIVIDADE NOS PROGRAMAS COMPORTAMENTAIS DE SAÚDE E SEGURANÇA NO TRABALHO
Vilela (2003, p. 7) observa que o uso da teoria do “ato inseguro” para configu-
ração sistemática da culpa da vítima nos casos de acidentes do trabalho constitui-
-se num modelo conveniente e útil para a descaracterização da culpa do emprega-
dor ou de seus prepostos, mantendo-se deste modo um clima de impunidade em
relação aos acidentes do trabalho. O autor verifica ainda que a parcela dos aciden-
tes de trabalho que são atribuídos tanto a “atos inseguros” dos trabalhadores são
183
A HÝBRIS DE SATURNO: PRECARIZAÇÃO DO TRABALHO, SAÚDE DO TRABALHADOR E INVISIBILIDADE SOCIAL
184
CORAÇÕES E MENTESNOTAS SOBRE A MANIPULAÇÃO DA SUBJETIVIDADE NOS PROGRAMAS COMPORTAMENTAIS DE SAÚDE E SEGURANÇA NO TRABALHO
sem afastamento onde o trabalhador acaba por ser realocado a outro setor em que
não se utilize do membro acidentado ou mesmo que fique encostado sem lhe ser
atribuída nenhuma atividade apenas para que não seja afastado e goze dos benefí-
cios sociais os quais tem direito.
A abordagem tradicional para se lidar com questões de SST dentro de empre-
sas pauta-se em pressupostos positivo-comportamentais em que, em nome da mo-
dificação do comportamento do trabalhador, foram (e são) tomadas providências
de diferentes naturezas, que vão da difusão de informações, à medidas disciplina-
res, passando por cursos e treinamentos. Em nossa vivência de atuação no campo
da SST em diferentes ambientes de trabalho, pudemos observar que em muitas
práticas difundidas nas organizações para esse fim, foi possível perceber a forte
presença de um mecanismo de controle bastante comum na psicologia comporta-
mental chamado de punição. Entretanto, mesmo para a psicologia comportamen-
tal, a punição por si não elimina um comportamento.
Perante à insuficiência do modelo comportamental de punição para se tratar
os casos de acidentes de trabalho devido muitas vezes à reincidência do acidente
por vezes com o mesmo trabalhador ou grupo de trabalhadores, eis que a pergun-
ta crucial que se coloca a gestão pós-fordista de “espírito” toyotista4 é: “manipular
o trabalhador por meio do controle ou por meio de escolhas?” Assim passa-se a
não mais adotar a punição como forma de extinguir os ditos “comportamentos de
risco” e os “atos inseguros” mas sim seus opostos: estratégias de gestão que visem
a influência/reforço (manipulação) dos trabalhadores a adotarem “comportamen-
tos seguros”. Dá-se a substituição de um modelo mais despótico por outro que
permita a colaboração e o envolvimento do trabalhador.
4 Chapadeiro, 2013.
185
A HÝBRIS DE SATURNO: PRECARIZAÇÃO DO TRABALHO, SAÚDE DO TRABALHADOR E INVISIBILIDADE SOCIAL
5 “A subjetividade é assim tomada, como um recurso a mais a ser manipulado, um engodo por parte
do capital, para que os trabalhadores, ‘crendo que sua subjetividade foi reconhecida, ponham a
serviço do capitalismo seu potencial físico, intelectual e afetivo’” (HELOANI, 2003, p. 106).
186
CORAÇÕES E MENTESNOTAS SOBRE A MANIPULAÇÃO DA SUBJETIVIDADE NOS PROGRAMAS COMPORTAMENTAIS DE SAÚDE E SEGURANÇA NO TRABALHO
Atribuição de responsabilidades
(é atribuída subjetivamente a cada trabalhador a responsabilidade pela vigilância do
comportamento do outro próximo-a-si)
6 O trabalhador passou a confundir o interesse da firma com o seu, o que permitiu que sua força de
trabalho sofresse maior exploração (CAPELAS, NETO E MARQUES, 2010).
187
A HÝBRIS DE SATURNO: PRECARIZAÇÃO DO TRABALHO, SAÚDE DO TRABALHADOR E INVISIBILIDADE SOCIAL
7 A preocupação pela objetividade é louvável. Mas colocar a realidade em uma equação jamais
permitirá compreender o comportamento dos homens e a história das organizações (GAULEJAC,
2011, p. 69)
8 Curiosamente Hearts and Minds (EUA, 1974), “Corações e Mentes” em português, é um dos mais
importantes documentários políticos da história do cinema dirigido por Peter Davis. Sua narrati-
va mostra justamente a manipulação propagandística em que se pautou o discurso ideológico que
norteou a ação do exército norte americano na Guerra no Vietnã.
188
CORAÇÕES E MENTESNOTAS SOBRE A MANIPULAÇÃO DA SUBJETIVIDADE NOS PROGRAMAS COMPORTAMENTAIS DE SAÚDE E SEGURANÇA NO TRABALHO
189
A HÝBRIS DE SATURNO: PRECARIZAÇÃO DO TRABALHO, SAÚDE DO TRABALHADOR E INVISIBILIDADE SOCIAL
190
CORAÇÕES E MENTESNOTAS SOBRE A MANIPULAÇÃO DA SUBJETIVIDADE NOS PROGRAMAS COMPORTAMENTAIS DE SAÚDE E SEGURANÇA NO TRABALHO
Como se vê, a falsa neutralidade do kit Hearts and Minds permite obscurecer,
primeiramente, o conflito capital-trabalho, como também os conflitos interpes-
soais ao propor um conjunto de práticas a serem utilizadas mais como recurso
ideológico utilizado pela gestão na manipulação da subjetividade do trabalhador,
no que tange a SST, do que diagnosticar e propor as transformações sociais ne-
cessárias do ambiente de trabalho9. Como nos diz Gaulejac (2011, p. 72) nesse
universo experimental, a discussão sobre o “como” tende a eliminar a questão do
“porquê”. Ou seja, tal programa não toca em estruturas hierárquicas de poder e
visa tão somente em maior instância a alienação do trabalhador no entendimento/
controle/manejo/domínio dos meios de produção. Hoje, portanto, mais do que
mediar mãos e cérebro, o processo de conquista dos «corações e mentes» tornam-
-se a fronteira final da manipulação sistêmica do capital.
191
A HÝBRIS DE SATURNO: PRECARIZAÇÃO DO TRABALHO, SAÚDE DO TRABALHADOR E INVISIBILIDADE SOCIAL
A lógica por detrás dos programas comportamentais em SST tais como o He-
arts and Minds não implica num olhar externo que utiliza aparatos de controle ou
informantes que observem os comportamentos “seguros” e/ou de “risco” de cada
trabalhador, mas sim, o envolvimento10 gradual de cada trabalhador num jogo de
manipulação do Outro visando atingir, com competência, o interesses ocultos da
gestão: apontar os “culpados” de cada incidente/acidente e/ou adoecimento. A ide-
ologia pós-fordista de “espírito” toyotista, base material da nova lógica de mani-
pulação reflexiva que sustenta programas tais como o Hearts and Minds, exclui a
ideia de um “vigia exterior” (chefias imediatas ou câmeras instaladas no ambiente
organizacional), ou mesmo a figura do “espião-informante” (representados pelos
engenheiros e/ou técnicos de segurança dos SESMT’s). Os verdadeiros algozes de
cada um é o Outro-proximo-de-si, e a dinâmica adotada promove um tipo de
interação espúria onde – pouco a pouco – cada trabalhador, ao mesmo tempo em
que exerce uma vigilância moral-comportamental sobre o Outro, busca convencê-
-lo de que os perigos e riscos dispostos no ambiente laboral somente existirão caso
Este não lide com os mesmos com sua máxima atenção, exigindo do trabalhador
um estressor estado de alerta constante.
A manipulação reflexiva por detrás dos programas comportamentais em SST
envolve todos os homens e mulheres que convivem dia-a-dia no ambiente laboral,
internalizando, aceitando e reproduzindo as regras do jogo impostas pela gestão.
Por exemplo ao atribuir reforços financeiros e morais às metas abusivas que bei-
ram o “zero acidentes”. Detalho: quando um trabalhador de determinado setor
na empresa se acidenta, todos os demais do mesmo setor perdem seus bônus em
Programas de Participação de Lucros e Resultados (PPLR), o que ocasiona um
controle vigilante de si próprio frente à atividade executada, porém principalmen-
te do Outro-como-próximo. Justamente por enxergar e compreender esse Outro
como um sujeito com poder suficiente de pôr a perder os chamados “benefícios”
financeiros independente das condições de trabalho à qual estão submetidos
diariamente. A lógica financeira ainda é o primado de excelência do homem de
10 Com o poder gerencialista, as ordens e as proibições são substituídas por procedimentos e por
princípios interiorizados e conformes à lógica da organização (GAULEJAC, 2011, p. 99).
192
CORAÇÕES E MENTESNOTAS SOBRE A MANIPULAÇÃO DA SUBJETIVIDADE NOS PROGRAMAS COMPORTAMENTAIS DE SAÚDE E SEGURANÇA NO TRABALHO
REFERÊNCIAS
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193
A HÝBRIS DE SATURNO: PRECARIZAÇÃO DO TRABALHO, SAÚDE DO TRABALHADOR E INVISIBILIDADE SOCIAL
DE CICCO, F. Manual sobre sistemas de gestão da segurança e saúde no trabalho: OHSAS 18.001. São Paulo:
Risk Tecnologia, 1999.
DEJOURS, C. & BEGUE, F. Suicídio e trabalho - o que fazer?. Brasília: Paralelo 15, 2010.
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JACKSON FILHO J. M.; ALMEIDA, I. M. Acidentes e sua prevenção. Rev. bras. saúde ocup., v. 32, n. 115, jan-
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_________. O capital - Crítica da economia política. Livro I: o processo de produção do capital. São Paulo:
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MINAYO GOMEZ, C.; LACAZ, F. A. C. Saúde do trabalhador: novas e velhas questões. In: Ciênc. saúde cole-
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dents and accidents. Energy Institute, 2008. Disponível em: <http://www.eimicrosites.org/heartsandminds/>
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WOODING, J.; LEVENSTEIN, C. The point of production. Work environment in advanced industrial societies.
New York: The Guilford Press, 1999. p. 12-13.
194
SEÇÃO 3
DIMENSÕES
JURÍDICO-ADMINISTRATIVAS E
SAÚDE DO TRABALHADOR
CAPÍTULO 9
ANTROPOÉTICA
Luiz Salvador
Olimpio Paulo Filho
1 INTRODUÇÃO
“O tear individual cedeu lugar ao tear coletivo, a roca foi substituída pela
máquina de fiar – a produção perde o caráter individual, entregue a forças
coletivas, que convertem o trabalho em mercadoria, degradando-o à con-
dição de coisa, perdida a identidade do homem na índole anônima de seus
produtos”1.
197
A HÝBRIS DE SATURNO: PRECARIZAÇÃO DO TRABALHO, SAÚDE DO TRABALHADOR E INVISIBILIDADE SOCIAL
“Em junho de 1905, um respeitável médico francês teve licença para fa-
zer um experimento com a cabeça cortada de um prisioneiro chamado
Languille. Seu relato diz que “imediatamente após a decapitação os mo-
vimentos espasmódicos cessaram. Então chamei em voz forte e áspera:
“Languille!” e vi suas pálpebras se levantarem lentamente com um movi-
mento regular, bem distinto e normal. Os olhos de Languille se fixaram
muito certamente nos meus, com pupilas focalizando. Eu estava vendo
olhos inegavelmente vivos olhando para mim. Depois de vários segundos,
as pálpebras se fecharam. Chamei novamente, as pálpebras tornaram a se
levantar, e os olhos vivos se fixaram em mim, talvez mais penetrantes que
da primeira vez. Depois as pálpebras se fecharam de novo e não houve mais
movimentos”. 4
Com a Revolução Francesa, surge uma nova classe social antes marginalizada
– a burguesia. A base da pirâmide social permanece inalterada, e esse é o contexto
do chamado Estado Liberal de Direito, que promove “o ideal burguês do laissez-
-faire-passer quanto aos domínios econômico e social”.5
198
ANTROPOÉTICA
199
A HÝBRIS DE SATURNO: PRECARIZAÇÃO DO TRABALHO, SAÚDE DO TRABALHADOR E INVISIBILIDADE SOCIAL
Portanto, no Brasil o trabalho não é uma mercadoria. Mas é quase letra morta,
porque não há efetividade, não há compromisso ético com o ser humano. A efici-
ência pela eficiência, o lucro, sobrepuja o ser humano.
Depois de ilustrar o exemplo de exploração de menores, transcrito acima na
Introdução deste artigo, SOUTO MAIOR traz também vários exemplos de explo-
ração de menores no Brasil nas duas últimas décadas do Século XX. São aconteci-
mentos ocorridos a menos de duas décadas, portanto, atuais:
200
ANTROPOÉTICA
201
A HÝBRIS DE SATURNO: PRECARIZAÇÃO DO TRABALHO, SAÚDE DO TRABALHADOR E INVISIBILIDADE SOCIAL
3 TRABALHO DIGNO
202
ANTROPOÉTICA
203
A HÝBRIS DE SATURNO: PRECARIZAÇÃO DO TRABALHO, SAÚDE DO TRABALHADOR E INVISIBILIDADE SOCIAL
pais razões: acreditam que têm que pagar uma dívida ilegalmente atribuída
a eles e por vezes instrumentos de trabalho, alimentação, transporte estão
distantes da via de acesso mais próxima, o que faz com que seja impossí-
vel qualquer fuga, ou são constantemente ameaçados por guardas que, no
limite, lhes tiram a vida na tentativa de uma fuga. Comum é que sejam
escravizados pela servidão por dívida, pelo isolamento geográfico e pela
ameaça às suas vidas. Isso é trabalho escravo”.12
204
ANTROPOÉTICA
205
A HÝBRIS DE SATURNO: PRECARIZAÇÃO DO TRABALHO, SAÚDE DO TRABALHADOR E INVISIBILIDADE SOCIAL
4 DOENÇAS OCUPACIONAIS
206
ANTROPOÉTICA
207
A HÝBRIS DE SATURNO: PRECARIZAÇÃO DO TRABALHO, SAÚDE DO TRABALHADOR E INVISIBILIDADE SOCIAL
(uma queixa comum); fraqueza em uma ou ambas as mãos)18, patologias que cau-
sam muita dor e frequentemente são causas de incapacidade laboral temporária
ou permanente. O estranho é que o indivíduo aparentemente é saudável: a dor é só
dele. É uma dor latejante, com ferroadas intensas, e não há sinais externos.
As doenças e as lesões osteomusculares não surgem de um dia para o outro,
surgem despercebidas e vão minando o organismo ao longo dos anos, e o tra-
balhador tenta esconder “o fato dos outros, também da família e dos vizinhos”. O
trabalhador mais consciente, aquele que procura auxílio médico logo no início, é
tido como preguiçoso19
A Dra. Maeno traz algumas luzes:
208
ANTROPOÉTICA
209
A HÝBRIS DE SATURNO: PRECARIZAÇÃO DO TRABALHO, SAÚDE DO TRABALHADOR E INVISIBILIDADE SOCIAL
210
ANTROPOÉTICA
211
A HÝBRIS DE SATURNO: PRECARIZAÇÃO DO TRABALHO, SAÚDE DO TRABALHADOR E INVISIBILIDADE SOCIAL
5 PERÍCIAS
25 Idem, p. 332-337.
26 MINISTÉRIO DA SAÚDE DO BRASIL. Doenças Relacionadas ao Trabalho – Manual de Proce-
dimentos para os Serviços de Saúde. EDTORA MS: Brasília, 2001.
212
ANTROPOÉTICA
213
A HÝBRIS DE SATURNO: PRECARIZAÇÃO DO TRABALHO, SAÚDE DO TRABALHADOR E INVISIBILIDADE SOCIAL
214
ANTROPOÉTICA
215
A HÝBRIS DE SATURNO: PRECARIZAÇÃO DO TRABALHO, SAÚDE DO TRABALHADOR E INVISIBILIDADE SOCIAL
6. CONCLUSÃO
216
ANTROPOÉTICA
REFERÊNCIAS
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2015.
BRASIL. MAENO, Maria. “Lesões por Esforços Repetitivos – LER: Disponível em <http://www.coshnetwork.
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BUONO NETO, Antonio; BUONO, Eliaine Arbex. Perícias judiciais na Medicina do Trabalho. 3ª edição. LTr:
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CRUZ, Maury Rodrigues da. Amor – A linguagem silenciosa da vida. SBEE: Curitiba, 1997.
DEJOURS, Christophe. A Loucura do Trabalho, 5ª edição ampliada, 9ª reimpressão. Cortez: São Paulo, 2005
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tais – a Dignidade da pessoa humana, Justiça social e Direito do Trabalho. 2ª Edição. São Paulo: LTR, 2013.
ELIADE, Mircea. Tratado de história das Religiões. Tradução de Fernando Tomaz e Natália Nunes. Martins
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217
A HÝBRIS DE SATURNO: PRECARIZAÇÃO DO TRABALHO, SAÚDE DO TRABALHADOR E INVISIBILIDADE SOCIAL
FARACO, Sérgio Roberto; Perícias em DORT. 2ª Edição. LTr: São Paulo, 2010.
MASSIE, Robert K. Catarina, a Grande. Tradução de Ângela Lobo Andrade. Rocco: Rio de Janeiro, 2011.
MORIN, Edgar. A via para o futuro da humanidade. Tradução de Edgard de Assis Carvalho e Mariza Perassi
Bosco. Bertrand Brasil: Rio de Janeiro, 2014.
SOUTO MAIOR, Jorge Luiz. O Direito do Trabalho como Instrumento de Justiça Social. LTr: São Paulo, 2000.
218
CAPÍTULO 10
TERCEIRIZAÇÃO: MORTES E
MUTILAÇÕES DE TRABALHADORES
NOS SETORES ELÉTRICO, PETROLEIRO
E DA CONSTRUÇÃO CIVIL 1
1. INTRODUÇÃO
1 Parte de texto atualizado e bem reduzido de “ Terceirização: Máquina de Moer Gente Trabalhado-
ra - A inexorável relação entre a nova marchandage e degradação laboral, as mortes e mutilações
no trabalho”, in: Coutinho, Grijalbo Fernandes, São Paulo:LTR, 2015.
219
A HÝBRIS DE SATURNO: PRECARIZAÇÃO DO TRABALHO, SAÚDE DO TRABALHADOR E INVISIBILIDADE SOCIAL
2 Fruto da riqueza de pesquisa realizada por profissionais integrantes da Fundação Coge dedicados
à produção de estatísticas anuais acerca dos acidentes de trabalho no referido segmento.
220
TERCEIRIZAÇÃO: MORTES E MUTILAÇÕES DE TRABALHADORES NOS SETORES ELÉTRICO, PETROLEIRO E DA CONSTRUÇÃO CIVIL
3 “Constituída em 05 de novembro de 1998 na cidade do Rio de Janeiro, onde tem sua sede e foro,
por 26 empresas do setor de energia elétrica brasileiro, a Fundação COGE veio suceder o Comitê
de Gestão Empresarial – COGE.A integração e o intercâmbio técnico que constituíam a ênfase
dos projetos desenvolvidos de forma coletiva pelos profissionais das empresas participantes do
Comitê foram substituídos pela nova filosofia de atuação da Fundação COGE, uma instituição de
caráter técnico-científico voltada para a pesquisa, ensino, estudo e aperfeiçoamento dos métodos,
processos e rotinas do Setor Elétrico do Brasil. Atualmente, a Fundação COGE reúne em seu
quadro de parceiras 67 empresas públicas e privadas do setor de energia elétrica, responsáveis, em
seu conjunto, por mais de 90% de toda a eletricidade gerada, transmitida e distribuída no Brasil.
Relação das 67 Empresas Parceiras da Fundação Coge” (FUNDANÇÃO COGE, [online]).
221
A HÝBRIS DE SATURNO: PRECARIZAÇÃO DO TRABALHO, SAÚDE DO TRABALHADOR E INVISIBILIDADE SOCIAL
222
TERCEIRIZAÇÃO: MORTES E MUTILAÇÕES DE TRABALHADORES NOS SETORES ELÉTRICO, PETROLEIRO E DA CONSTRUÇÃO CIVIL
Acidentes Acidentes
Média de Média de Total da força Total de
Ano fatais de fatais de
contratados subcontratados de trabalho acidente fatal
contratados subcontratados
2002 96.741 23 – 55 – 78
2003 97.399 14 39.649 66 137.048 80
2004 96.591 9 76.972 52 173.563 61
2005 97.991 18 89.283 57 187.274 75
2006 101.105 19 110.871 74 211.976 93
2007 103.672 12 112.068 59 215.740 71
2008 101.451 15 126.333 60 227.784 75
2009 102.766 4 123.704 63 226.470 67
2010 104.857 7 127.584 72 232.441 79
2011 108.125 18 139.043 61 247.168 79
Fonte: SILVA. Luís Geraldo da. Os acidentes fatais entre os trabalhadores contratados e sub-
contratados do setor elétrico brasileiro. Estudos do Trabalho, ano VI, n. 12, 2013. Disponível
em: <www.estudosdotrabalho.org>. Acesso em: 26 jul. 2014.
223
A HÝBRIS DE SATURNO: PRECARIZAÇÃO DO TRABALHO, SAÚDE DO TRABALHADOR E INVISIBILIDADE SOCIAL
E no relatório de 2008:
4 DEPARTAMENTO..., 2010.
224
TERCEIRIZAÇÃO: MORTES E MUTILAÇÕES DE TRABALHADORES NOS SETORES ELÉTRICO, PETROLEIRO E DA CONSTRUÇÃO CIVIL
225
Tabela 3 – Sistema elétrico brasileiro: trabalhadores próprios, terceirizados e acidentes fatais (2003-2012)
226
2009 102.766 4 123.704 63 226.470 67 0,45 0,55 0,06 0,94 15,75
2010 104.857 7 127.584 72 232.441 79 0,45 0,55 0,09 0,91 10,29
2011 108.825 18 139.043 61 247.868 79 0,44 0,56 0,23 0,77 3,39
2012 108.133 9 146.314 58 254.447 67 0,42 0,58 0,13 0,87 6,44
A HÝBRIS DE SATURNO: PRECARIZAÇÃO DO TRABALHO, SAÚDE DO TRABALHADOR E INVISIBILIDADE SOCIAL
*
Npróprios = número de trabalhadores próprios. **Nterceirizados = número de trabalhadores terceirizados. †Total da força de trabalho = Npróprios + Nterceirizados. ‡Total de acidentes
fatais = (acidentes fatais com trabalhadores próprios) + (acidentes fatais com trabalhadores terceirizados). §Npróprios/(Total de força de trabalho). §§Nterceirizados/(Total de
força de trabalho). &(Acidentes fatais com trabalhadores próprios)/(Total de acidentes fatais). &&(Acidentes fatais com trabalhadores terceirizados)/(Total de acidentes
fatais). #(Acidentes fatais com trabalhadores terceirizados)/(Acidentes fatais com trabalhadores próprios).
TERCEIRIZAÇÃO: MORTES E MUTILAÇÕES DE TRABALHADORES NOS SETORES ELÉTRICO, PETROLEIRO E DA CONSTRUÇÃO CIVIL
227
A HÝBRIS DE SATURNO: PRECARIZAÇÃO DO TRABALHO, SAÚDE DO TRABALHADOR E INVISIBILIDADE SOCIAL
Tabela 4 – Relação de acidentes fatais (trabalhador próprio/ trabalhador terceiro) no setor elétrico
Em determinado ano, para cada trabalhador próprio morto seis são as víti-
mas fatais entre trabalhadores terceirizados do setor elétrico brasileiro. Em outros
anos, a perversa relação oscila bastante, indo de número superior a três para quase
alcançar a quantia de dezesseis. Somente nos últimos dez anos de apuração, de
2003 a 2012, a média anual corresponde a 6,33.
A alta taxa de mortalidade dos trabalhadores terceirizados demonstra, sem
subterfúgios, quão perigoso é o ambiente de trabalho por eles frequentado, cuja
saída diária de casa para garantir a subsistência familiar resulta no enfrentamento
de uma “guerra civil”, deixando pelo caminho sequelados, mutilados, mortos e
muitos traumas familiares.
Em outros termos, o número de acidente fatais com trabalhador terceiriza-
do em empresa do setor elétrico – tomando como referência a média anual do
período de uma década (2003 a 2012) – é 5,33 maior do que o com trabalhador
próprio. Cada vez que um trabalhador próprio morre no exercício de suas fun-
ções laborativas, pela média anual da década apurada, morrem 6,33 trabalhadores
terceirizados.
No âmbito da Cemig, uma das maiores empresas do setor elétrico brasileiro
e também com os mais altos índices de acidentalidade no trabalho, os terceiriza-
dos, afora as profundas mutilações consistentes em braços e pernas arrancados,
228
TERCEIRIZAÇÃO: MORTES E MUTILAÇÕES DE TRABALHADORES NOS SETORES ELÉTRICO, PETROLEIRO E DA CONSTRUÇÃO CIVIL
Fonte: BRASIL. Tribunal Regional do Trabalho (3. região). 4. Vara do Trabalho (Belo Horizonte). Ação Civil
Pública n. 147300-43.2003.5.03.0004. [em tramitação].
229
A HÝBRIS DE SATURNO: PRECARIZAÇÃO DO TRABALHO, SAÚDE DO TRABALHADOR E INVISIBILIDADE SOCIAL
230
TERCEIRIZAÇÃO: MORTES E MUTILAÇÕES DE TRABALHADORES NOS SETORES ELÉTRICO, PETROLEIRO E DA CONSTRUÇÃO CIVIL
231
Tabela 7 – Sistema elétrico brasileiro: trabalhadores próprios, terceirizados e acidentes típicos (2009-2012)
Relação entre força de Relação entre acidentes
Trab. próprios Trab. terceirizados
trabalho típicos
Total da Total de
Ano força de acidentes Relação#
Acidentes Acidentes trabalho† típicos‡
Npróprios* Nterceirizados** Próprios§ Terceirizados§§ Próprios& Terceirizados&&
típicos típicos
2009 102.766 781 123.704 1.361 226.470 2.142 0,45 0,55 0,36 0,64 1,74
2010 104.857 741 123.704 1.283 228.561 2.024 0,46 0,54 0,37 0,63 1,73
2011 108.005 753 137.527 1.479 245.532 2.232 0,44 0,56 0,34 0,66 1,96
2012 108.133 696 137.525 1.245 245.658 1.941 0,44 0,56 0,36 0,64 1,79
232
*
Npróprios = número de trabalhadores próprios. **Nterceirizados = número de trabalhadores terceirizados. †Total da força de trabalho = Npróprios + Nterceirizados. ‡Total de acidentes
típicos = (acidentes típicos com trabalhadores próprios) + (acidentes típicos com trabalhadores terceirizados). §Npróprios/(Total de força de trabalho). §§Nterceirizados/(Total
de força de trabalho). &(Acidentes típicos com trabalhadores próprios)/(Total de acidentes típicos). &&(Acidentes típicos com trabalhadores terceirizados)/(Total de
acidentes típicos). #(Acidentes típicos com trabalhadores terceirizados)/(Acidentes típicos com trabalhadores próprios).
A HÝBRIS DE SATURNO: PRECARIZAÇÃO DO TRABALHO, SAÚDE DO TRABALHADOR E INVISIBILIDADE SOCIAL
TERCEIRIZAÇÃO: MORTES E MUTILAÇÕES DE TRABALHADORES NOS SETORES ELÉTRICO, PETROLEIRO E DA CONSTRUÇÃO CIVIL
6 FUNDAÇÃO..., 2012.
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das do setor elétrico é quase seis vezes a taxa de mortalidade do Brasil, que
foi de 7,7 mortes por 100 mil trabalhadores em 2010.
234
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240
Tabela 9 – Evolução do efetivo e terceirizado da Petrobras (1995-2013)
Petrobras
1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013
Contr.*
Efetivo 46.226 43.468 41.173 38.225 36.391 34.320 32.809 34.520 36.363 39.091 40.541 47.955 50.207 55.199 55.802 57.498 58.950 61.878 62.692
Terceirizado 29.000 35.000 51.000 57.000 – – – – – – – – 189.914 238.600 274.661 271.049 304.034 322.720 320.152
Sistema
1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013
Petrobras
Efetivo – – – – – 38.908 38.483 46.726 48.798 52.037 53.933 62.266 68.931 74.240 76.919 80.492 81.918 85.065 86.108
Terceirizado – – – – – 49.217 59.128 121.000 123.266 146.826 155.267 176.810 211.566 260.474 295.260 291.606 328.133 360.372 360.180
Relação
terceir. vs. – – – – – 1,26 1,54 2,59 2,53 2,82 2,88 2,84 3,07 3,51 3,84 3,62 4,01 4,24 4,18
efet.*
241
*
Petrobras Contr. = Petrobras Controladora.
Relação terceir. vs. efet. = Relação terceirizados versus efetivos.
TERCEIRIZAÇÃO: MORTES E MUTILAÇÕES DE TRABALHADORES NOS SETORES ELÉTRICO, PETROLEIRO E DA CONSTRUÇÃO CIVIL
Tabela 10 – Sistema Petrobras: trabalhadores efetivos, terceirizados e acidentes fatais (1995-2013)
Relação entre força de Relação entre acidentes
Trab. próprios Trab. terceirizados Total da Total de trabalho fatais
Ano força de acidentes Relação#
Acidentes Acidentes † ‡ § §§ & &&
Npróprios* Nterceirizados** trabalho fatais Próprios Terceirizados Próprios Terceirizados
fatais fatais
1995 46.226 3 29.000 15 75.226 18 0,61 0,39 0,17 0,83 5,00
1996 43.468 5 35.000 11 78.468 16 0,55 0,45 0,31 0,69 2,20
1997 41.173 3 51.000 13 92.173 16 0,45 0,55 0,19 0,81 4,33
1998 38.225 1 57.000 22 95.225 23 0,40 0,60 0,04 0,96 22,00
1999 36.391 1 50.000 27 86.391 28 0,42 0,58 0,04 0,96 27,00
2000 38.908 4 49.217 14 88.125 18 0,44 0,56 0,22 0,78 3,50
2001 38.483 12 59.128 18 97.611 30 0,39 0,61 0,40 0,60 1,50
2002 46.723 3 121.000 18 167.723 21 0,28 0,72 0,14 0,86 6,00
2003 48.798 3 123.266 16 172.064 19 0,28 0,72 0,16 0,84 5,33
2004 52.037 3 146.826 15 198.863 18 0,26 0,74 0,17 0,83 5,00
242
2005 53.933 0 155.267 18 209.200 18 0,26 0,74 0,00 1,00 18,00
2006 62.266 1 176.810 8 239.076 9 0,26 0,74 0,11 0,89 8,00
2007 68.391 1 211.566 15 279.957 16 0,24 0,76 0,06 0,94 15,00
2008 74.240 4 260.474 14 334.714 18 0,22 0,78 0,22 0,78 3,50
2009 76.619 1 295.260 6 371.879 7 0,21 0,79 0,14 0,86 6,00
2010 80.492 3 291.606 7 372.098 10 0,22 0,78 0,30 0,70 2,33
2011 81.918 3 328.133 14 410.051 17 0,20 0,80 0,18 0,82 4,67
A HÝBRIS DE SATURNO: PRECARIZAÇÃO DO TRABALHO, SAÚDE DO TRABALHADOR E INVISIBILIDADE SOCIAL
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A HÝBRIS DE SATURNO: PRECARIZAÇÃO DO TRABALHO, SAÚDE DO TRABALHADOR E INVISIBILIDADE SOCIAL
No ano de 1995, para cada trabalhador efetivo da Petrobras morto, cinco eram
as vítimas fatais entre os trabalhadores terceirizados. Nos outros anos, há bastan-
te variação, indo de 1,50 a 27,00. Observando os 19 anos de apuração, de 1995 a
2013, a média anual da “taxa de mortalidade” é 7,23 vezes maior entre os terceiri-
zados do que a ocorrência de idêntica tragédia com os empregados efetivados da
Petrobras.
Esse elevado índice entre os trabalhadores terceirizados demonstra, assim
como no setor elétrico brasileiro, o ambiente de trabalho perigoso. Ora, cada vez
que um trabalhador efetivo morre no exercício de suas funções laborativas, pela
média anual extraída dos 19 anos, morrem 8,23 trabalhadores terceirizados do
sistema Petrobras.
Um exemplo contundente da precariedade laboral se deu no acidente fatal na
P-37, que resultou na morte de dois trabalhadores terceirizados pela falta de equi-
pamentos adequados para o desempenho de suas atividades em área de risco. O
MPT – Procuradoria Regional do Trabalho da 1ª Região-RJ – instaurou inquérito
civil público e depois, no ano de 2001, ajuizou a ACP n. 0153000-84.2001.5.01.0049
contra a Petrobras e as suas subsidiárias. Alegou o MPT que as condições inade-
quadas de trabalho presentes naquela terceirização foram determinantes para o
acidente de trabalho na P-37, conforme parte das razões da petição inicial trans-
critas abaixo:
244
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245
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TERCEIRIZAÇÃO: MORTES E MUTILAÇÕES DE TRABALHADORES NOS SETORES ELÉTRICO, PETROLEIRO E DA CONSTRUÇÃO CIVIL
e a vida em jogo para auferir o dinheiro do sustento familiar. Por outro lado, cabe
aos efetivos cuidar da gestão, coordenação e fiscalização dos grandes projetos da
maior estatal brasileira.
Citem-se, na linha desenvolvida nesta seção, as pesquisas de campo de Aní-
sio Araújo8,9, Marcelo Figueiredo10 , Zéu Palmeira Sobrinho11 , Carlos Souza12 e
Telma Gil13.
Tem-se que a terceirização na Petrobras também serve para ocultar o trata-
mento indigno conferido aos trabalhadores não efetivos, imensa maioria da força
de trabalho ali utilizada, com a falsa premissa de que todo esse pessoal não pos-
sui nenhum vínculo com a estatal brasileira, como se o terceirizado fosse apenas
mercadoria descartável adquirida de fornecedores que também precisam ganhar
dinheiro com a triangular operação.
Os níveis estarrecedores de acidentes fatais entre os trabalhadores terceirizados,
dentro de tal panorama, exprimem a névoa de corrosão de direitos humanos esca-
moteada por artifícios jurídicos a serem criticamente analisados na próxima seção.
Nos moldes do setor elétrico brasileiro, a precariedade das condições de tra-
balho dispensadas aos terceirizados pela Petrobras instala a morbidez e fortifica o
8 ARAÚJO, Anísio José da Silva. Paradoxos da modernização: terceirização e segurança dos traba-
lhadores em uma refinaria de petróleo. 2001. 359 f. Tese (Doutorado em Saúde Pública)–Escola
Nacional de Saúde Pública da Fundação Oswaldo Cruz, Rio de Janeiro, 2001.
9 ARAÚJO, Anísio José da Silva. PORTO, Marcelo Firpo de S. Trabalho e vida na periferia do capi-
talismo: terceirizados na indústria de refino de petróleo. In: ARAÚJO, Anísio José da Silva; AL-
BERTO, Maria de Fátima; NEVES, Mary Yale; ATAHYDE, Milton (Org.) Cenários do trabalho:
subjetividade, movimento e enigma. Rio de Janeiro: 2004, DP&A.
10 FFIGUEIREDO, Marcelo. A face oculta do ouro negro: trabalho, saúde e segurança na indústria
petrolífera offshore Bacia de Campos. Niterói: 2012, Editora da UFF.
11 PALMEIRA SOBRINHO, Zéu Palmeira. Reestruturação produtiva e terceirização: o caso dos tra-
balhadores das empresas contratadas pela Petrobras no RN. 2006. 259 f. Tese (Doutorado em
Ciências Sociais)–Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Natal, 2006.
12 SOUZA, Carlos Augusto de. Análise de acidentalidade de trabalho em indústrias de processo con-
tínuo: estudo de caso na Refinaria de Duque de Caxias. 2000. 106 f. Dissertação (Mestrado em
Segurança e Saúde no Trabalho)–Escola Nacional de Saúde Pública da Fundação Oswaldo Cruz,
Rio de Janeiro, 2000.
13 GIL, Telma Fernandes Barreto Nuevo. Impactos da reestruturação produtiva à saúde e à segu-
rança: percepções de petroleiros em São Paulo. 2000. 146 f. Dissertação (Mestrado em Ciências
Sociais)–Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 2000.
247
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TERCEIRIZAÇÃO: MORTES E MUTILAÇÕES DE TRABALHADORES NOS SETORES ELÉTRICO, PETROLEIRO E DA CONSTRUÇÃO CIVIL
14 PYL, Bianca. Terceirizado está mais sujeito a acidente de trabalho, diz MTE. Repórter Brasil, [on-
line], 26 abr. 2012.Disponível em: <http://reporterbrasil.org.br/2012/04/terceirizado-esta-mais-
-sujeito-a-acidente-de-trabalho-diz-mte/>. Acesso em: 11 ago. 2014.
15 CÔRTES, Lourdes. Acidentes de trabalho têm mais impactos sociais na população jovem. Re-
portagem de Lourdes Côrtes. Secretaria de Comunicação Social do TST, [online] 21 out. 2011.
Disponível em: <http://www.tst.jus.br/noticias/-/asset_publisher/89Dk/content/acidentes-de-
-trabalho-tem-mais-impactos-sociais-na-populacao-jovem?redirect=http%3A%2F%2Fwww.tst.
jus.br>. Acesso em: 11 ago. 2014.
249
A HÝBRIS DE SATURNO: PRECARIZAÇÃO DO TRABALHO, SAÚDE DO TRABALHADOR E INVISIBILIDADE SOCIAL
16 BARONI, Larissa Leiros. Construção é o 2º setor com o maior número de mortes em acidentes de
trabalho no país. UOL, [online], 5 set. 2014. Disponível em: <http://noticias.uol.com.br/cotidiano/
ultimas-noticias/2013/12/06/construcao-e-o-segundo-setor-com-o-maior-numero-de-mortes-
-em-acidentes-do-trabalho.htm>. Acesso em: 6 set. 2014.
250
TERCEIRIZAÇÃO: MORTES E MUTILAÇÕES DE TRABALHADORES NOS SETORES ELÉTRICO, PETROLEIRO E DA CONSTRUÇÃO CIVIL
251
A HÝBRIS DE SATURNO: PRECARIZAÇÃO DO TRABALHO, SAÚDE DO TRABALHADOR E INVISIBILIDADE SOCIAL
sorteio da COPA do Mundo na Bahia, que matou Zilmar Neri dos Santos,
e o infarto sofrido por José Antônio da Silva Nascimento, em outra obra da
COPA, em Manaus. Como afirmado, a questão fundamental que explica
essa maior vitimização dos terceirizados é a externalização dos riscos ocu-
pacionais. A terceirização é um escudo para as empresas tomadoras dos
serviços. Ao nominar outra pessoa física ou jurídica como responsável pelo
trabalhador, a contratante quase sempre se exime, na prática, da adoção
de medidas para preservação da sua integridade física. Mesmo quando a
tomadora efetua alguma medida, é sistematicamente aquém do que ofe-
rece aos empregados que formaliza. Quando existem, as ações tendem a
ser insuficientes e pautadas pela transferência da responsabilidade ao ente
interposto, primeiro nominado por qualquer infortúnio.17
252
TERCEIRIZAÇÃO: MORTES E MUTILAÇÕES DE TRABALHADORES NOS SETORES ELÉTRICO, PETROLEIRO E DA CONSTRUÇÃO CIVIL
18 TRAGÉDIA na Arena Corinthians: estruturas desabam e matam dois. Globo Esporte, [online],
27 nov. 2013. Disponível em: <http://globoesporte.globo.com/futebol/times/corinthians/noti-
cia/2013/11/acidente-na-arena-corinthians.html>. Acesso em 12 ago. 2014.
19 CANÔNICO, Leandro; FABER, Rodrigo; GANDOLPHI, Sergio. Identificadas as vítimas fatais da
tragédia na Arena Corinthians. Globo Esporte, [online], 27 nov. 2013. Disponível em: <http://glo-
boesporte.globo.com/futebol/times/corinthians/noticia/2013/11/identificada-primeira-vitima-
-da-tragedia-na-arena-corinthians.html>. Acesso em: 12 ago. 2014.
20 LAVIERI, Danilo. Operário do Itaquerão não resiste a ferimentos e morre no hospital. UOL, [online],
29 mar. 2014. Disponível em: <http://copadomundo.uol.com.br/noticias/redacao/2014/03/29/opera-
rio-do-itaquerao-nao-resiste-a-ferimentos-e-morre-apos-queda.htm>. Acesso em: 12 ago. 2014.
253
A HÝBRIS DE SATURNO: PRECARIZAÇÃO DO TRABALHO, SAÚDE DO TRABALHADOR E INVISIBILIDADE SOCIAL
21 FARIAS, Elaíze. Andrade Gutierrez enfrenta ação do MPT por acidentes de trabalho. Repórter
Brasil, [online], 4 abr. 2014. Disponível em: <http://reporterbrasil.org.br/2014/04/andrade-gutier-
rez-enfrenta-acao-do-mpt-por-acidentes-de-trabalho/>. Acesso em: 12 ago. 2014.
22 COSTA, Guilherme; SEGALLA, Vinicius. Operário morre na Arena Pantanal, na sede da Copa do
mundo em Cuiabá. UOL, [online], 8 maio 2014. Disponível em: <http://copadomundo.uol.com.br/
noticias/redacao/2014/05/08/operario-morre-na-arena-pantanal-sede-da-copa-do-mundo-em-
-cuiaba.htm>. Acesso em: 12 ago. 2014.
254
TERCEIRIZAÇÃO: MORTES E MUTILAÇÕES DE TRABALHADORES NOS SETORES ELÉTRICO, PETROLEIRO E DA CONSTRUÇÃO CIVIL
23 BRITO, Marcondes. MP quer multa de 200 milhões por morte de operário na Arena do DF.
Band Notícias, [online], 29 nov. 2013. Disponível em: <http://blogs.band.com.br/marcondesbri-
to/2013/11/29/mp-quer-multa-de-200-milhoes-por-morte-de-operario-na-arena-do-df/>. Acesso
em 12 ago. 2014.
24 JOVEM que morreu em desabamento no Litoral Norte é velado em Salvador. G1, [online], 14 fev.
2013. Disponível em: <http://g1.globo.com/bahia/noticia/2013/02/jovem-que-morreu-em-desa-
bamento-no-litoral-norte-e-velado-em-salvador.html>. Acesso em: 16 ago. 2014.
25 PRADO, Marcelo. Operário morto em acidente na Arena Palestra será enterrado na Bahia. Glo-
bo Esporte, [online], 16 abr. 2013. Disponível em: <http://globoesporte.globo.com/futebol/times/
palmeiras/noticia/2013/04/operario-morto-em-acidente-na-arena-palestra-sera-enterrado-na-
-bahia.html>. Acesso em: 12 ago. 2014.
255
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26 FUNCIONÁRIO morre em Arena do Grêmio; empresa lamenta com nota. Lancepress, [online],
24 jan. 2013. Disponível em: <http://www.lancenet.com.br/gremio/Funcionario-Arena-Gremio-
-Empresa-lamenta_0_853114744.html>. Acesso em: 12 ago. 2014.
27 OPERÁRIO da Arena do Grêmio morre atropelado, e colegas protestam com incêndio. ESPN.com.
br, [online], 3 out. 2011. Disponível em: <http://espn.uol.com.br/noticia/218114_operario-da-arena-
-do-gremio-morre-atropelado-e-colegas-protestam-com-incendio>. Acesso em: 12 ago. 2014.
28 FILGUEIRAS, Vítor Araújo. Terceirização e os limites da relação de emprego: trabalhadores mais
próximos da escravidão e morte. [online], 15 ago. 2014. Disponível em: <http://indicadoresdere-
gulacaodoemprego.blogspot.com.br/>. Acesso em: 16 ago. 2014.
256
TERCEIRIZAÇÃO: MORTES E MUTILAÇÕES DE TRABALHADORES NOS SETORES ELÉTRICO, PETROLEIRO E DA CONSTRUÇÃO CIVIL
29 MARX, Karl. O capital: crítica da economia política. São Paulo: Abril Cultural, 1996. v. 1, p. 405.
257
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TERCEIRIZAÇÃO: MORTES E MUTILAÇÕES DE TRABALHADORES NOS SETORES ELÉTRICO, PETROLEIRO E DA CONSTRUÇÃO CIVIL
6. CONCLUSÃO
259
A HÝBRIS DE SATURNO: PRECARIZAÇÃO DO TRABALHO, SAÚDE DO TRABALHADOR E INVISIBILIDADE SOCIAL
REFERÊNCIAS
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263
CAPÍTULO 11
O AMANHECER DA REESTRUTURAÇÃO
PRODUTIVA: OS PROGRAMAS DE
METAS E O RECRUDESCIMENTO
DOS RISCOS PSICOSSOCIAIS1 NO
SETOR BANCÁRIO
1. INTRODUÇÃO
1 Segundo a Agência Européia para a Segurança e Saúde no Trabalho (2014), os riscos psicosso-
ciais decorrem de deficiências na concepção, organização e gestão do trabalho, bem como de
um contexto social de trabalho problemático, podendo ter efeitos negativos a nível psicológico,
físico e social tais como stress relacionado com o trabalho, esgotamento ou depressão. Eis alguns
exemplos de condições de trabalho conducentes a riscos psicossociais: cargas de trabalho exces-
sivas; exigências contraditórias e falta de clareza na definição das funções; falta de participação
na tomada de decisões que afetam o trabalhador e falta de controlo sobre a forma como executa
o trabalho; má gestão de mudanças organizacionais, insegurança laboral; comunicação ineficaz,
falta de apoio da parte de chefias e colegas; assédio psicológico ou sexual, violência de terceiros.
265
A HÝBRIS DE SATURNO: PRECARIZAÇÃO DO TRABALHO, SAÚDE DO TRABALHADOR E INVISIBILIDADE SOCIAL
266
O amanhecer da reestruturação produtiva: os programas de metas e o recrudescimento dos riscos psicossociais no setor bancário
nos países tidos à época como de primeiro mundo, o que veio ocorrer uma década
mais tarde no Brasil.
A reestruturação dos processos produtivos no setor bancário teve início há
duas décadas. Segundo Pochmann (2010, p.37) “a estrutura bancária brasileira so-
freu três importantes alterações desde a adoção do receituário neoliberal na década
de 1990”. A primeira alteração proposta pelo autor estaria relacionada a um mo-
vimento que pregou o esvaziamento do papel do Estado na regulação e controle
das atividades e dos serviços bancários. Vinte anos depois, já no final da década
de 90, sociólogos do trabalho e estudiosos do tema reconheciam que se tratava de
um fenômeno ainda não consolidado, isto é, que ainda se encontrava em franco
desenvolvimento (LARANGEIRA, 1997, p.129).
Sob o argumento de que o enfraquecimento do Estado levaria a um fortale-
cimento do setor privado nacional, teve início o processo de privatizações. Em
1996, o Brasil possuía 32 bancos públicos passando a ter apenas 13 bancos nessa
condição e em funcionamento no ano de 2007. Em 1996, existiam 157 bancos
privados no Brasil, número este que passou a ser de 87 em 2007. A diminuição de
bancos públicos e privados nacionais foi acompanhada pelo aumento da presença
de instituições privadas estrangeiras.
Ao contrário da diminuição de bancos públicos e privados nacionais, verifica-
-se ter ocorrido o aumento de instituições privadas estrangeiras. Em cerca de 11
anos, observa Pochmann (2010, p.37), “a presença destas passou de 41 para 56,
levando o país a depender em mais de 1/4 de todas as operações de crédito das
instituições financeiras multinacionais”. O fato é que a oferta de crédito por parte
de bancos estrangeiros, até o início da década de 90, não excedia os 10%. Assim, é
possível concluir que “a experiência neoliberal de privatização do setor público bra-
sileiro implicou, por consequência, em um decréscimo do setor privado nacional”
(POCHMANN, 2010, p.37).
A segunda alteração importante diz respeito ao intenso processo de concen-
tração bancária ocorrido nas últimas décadas. Além da diminuição do número
de bancos em atividade no Brasil (de 230 em 1996 para 156 instituições em 2007),
85% da quase totalidade do crédito no Brasil concentrou-se em apenas 20 bancos.
“Com tão poucos controlando a oferta de crédito, a competição interbancária foi
se tornando cada vez mais imperfeita. O resultado não poderia ser outro, com a
267
A HÝBRIS DE SATURNO: PRECARIZAÇÃO DO TRABALHO, SAÚDE DO TRABALHADOR E INVISIBILIDADE SOCIAL
expansão dos lucros cada vez mais potencializados pela prática oligopolista de mar-
gens crescentes2” (POCHMANN, 2010, p.37).
Em última análise, a terceira alteração principal na estrutura bancária iden-
tificada por Pochmann (2010, p.37) “encontra-se associada às suas implicações no
processo de exclusão social. Ou seja, as maiores dificuldades de tornar a qualidade
e a quantidade dos serviços bancários de fato um direito pleno de todos os brasilei-
ros”. Em que pese a modernização notória ocorrida nos serviços bancários, com
importantes avanços tecnológicos, teria havido uma forte diminuição da quanti-
dade de agências bancárias, especialmente nas regiões e municípios mais pobres.
Segnini (1999) destaca três aspectos que marcaram a reestruturação produ-
tiva no setor bancário (o que seria confirmado pela pesquisa de outros autores
como Grisci e Bessi (2004) que acompanharam o desenrolar do fenômeno nos
anos 2000): aumento do desemprego, precarização do trabalho e intensificação do
ritmo laboral. Em todo caso, o que importa ressaltar é que o impacto da reestru-
turação produtiva na organização do trabalho bancário foi de enorme magnitude.
Os trabalhadores remanescentes tiveram que se adaptar à nova organização
prescrita e lograr êxito em compensar a carga de trabalho daqueles que foram
demitidos. O medo crescente de perder o emprego fez com que os trabalhadores
submetessem-se voluntariamente às novas exigências (REGO, 2011, p.55). É a par-
tir do ano 2000, no entanto, que os programas de metas começam a configurar
o que a doutrina chama de straining ou gestão por stress, tendo em vista que a
pressão para atingir metas a qualquer custo se torna uma realidade.
Em tempo, cabe ressaltar ainda que a reestruturação produtiva continua. É
bem verdade que os processos gerenciais no âmbito bancário passou por uma re-
visão com a inclusão dos programas próprios de metas, mas a verdade é que existe
ainda outro movimento em curso: está sendo colocada em prática uma reestrutu-
ração com o intuito de diminuir funcionários.
Portanto, o amanhecer da reestruturação produtiva iniciada nos anos 90 tal-
vez representa um acirramento do processo lá iniciado. Isto porque a reestrutu-
ração que está em curso nesse momento não passa apenas pela automatização de
2 “Quando se comparam os preços das operações de crédito realizadas por bancos que operam no
Brasil e também no exterior, percebe-se que o usuário nacional pode pagar quase dez vezes mais
pelo mesmo serviço existente em outras praças bancárias do exterior, segundo estudo do Ipea”
(POCHMANN, 2010, p.37).
268
O amanhecer da reestruturação produtiva: os programas de metas e o recrudescimento dos riscos psicossociais no setor bancário
muitas atividades, mas também por uma redistribuição do trabalho. Essa redis-
tribuição significa que a mesma quantidade de trabalho ou uma quantidade de
trabalho maior ainda será realizada por menos pessoas. Esse aumento do trabalho
significa também não apenas um aumento do desgaste mental, mas também do
trabalho em si e do próprio esforço físico. Ficou para trás o tempo em que o ge-
rente tinha um cargo específico e funções específicas. Essa figura hoje acumula
tarefas as mais diversas, inclusive administrativas.
Horst et al. (2013, p.14) afirmam que “as políticas de gestão de pessoal, como
dispositivos operacionais, têm a função de interiorizar certas condutas e princí-
pios que as legitimam”. Dessa forma, os nomes dados a programas utilizados pelas
instituições bancárias para gerenciar pessoas e resultados estão intrinsecamente
ligados à ideologia que pretende mascarar o conflito de interesses histórico exis-
tente entre o capital e o trabalho. Assim os bancos desenvolveram rituais com a
finalidade de replicar esta ideologia. Os dispositivos operacionais se encarregam
da difusão de idéias que a instituição pretende incutir em seus empregados, os
quais propositadamente prefere chamar de “colaboradores”.
A propósito, o termo “colaborador” sugere exatamente esta distorção, uma
vez que tenta fazer parecer que existe uma parceria entre o banco e o empregado,
quando, na verdade, o que existe é uma relação de emprego, isto é, de venda da for-
ça de trabalho, nos exatos termos da CLT, e com todas as implicações que este tipo
de vínculo atrai. O pensamento de Martins (2012, p. 284) vem ao encontro desta
argumentação à medida que este autor reconhece que “por trás da categoria cola-
borador subjaz um conjunto de valores que tenta ser transmitido ao trabalhador”.
Ao examinar o discurso organizacional atual, o sociólogo conclui ser este um ins-
trumento de controle ideológico e psicossocial que tem por finalidade descons-
truir a identidade social e influenciar a forma de agir e sentir dos trabalhadores.
Exemplos de dispositivos operacionais que ao mesmo tempo interiorizam
condutas e princípios que as legitimam são alguns dos bordões utilizados pelos
bancos. “Nosso jeito de fazer”; “todos pelo cliente”; “paixão pela performance”;
269
A HÝBRIS DE SATURNO: PRECARIZAÇÃO DO TRABALHO, SAÚDE DO TRABALHADOR E INVISIBILIDADE SOCIAL
“liderança ética e responsável”; “craques que jogam para o time”; “foco na inova-
ção e inovação com foco”; “processos servindo pessoas”; “ágil e descomplicado”;
“carteirada não vale”; “brilho nos olhos”; “sonho grande”, apenas para citar alguns
(ITAÚ-UNIBANCO, 2014). Ao mesmo tempo em que esses bordões são difun-
didos, a apregoada abertura participativa é, na prática, inexistente, à medida em
que se dá apenas nos níveis de informação, recomendação e consulta facultativa e
obrigatória a um ombudsman, por exemplo.
A verdade é que não há influência do trabalhador nos processos de avaliação
que influenciam a sua produção e portanto suas condições de trabalho, pois ao
mesmo tempo em que se exige a capacidade de realizar diagnósticos e tomar deci-
sões, o trabalhador é engessado numa organização de trabalho rígida representa-
da pelos programas próprios ou programas de remuneração que são desenhados
de forma descolada da realidade e, não raras vezes, descolada inclusive dos princí-
pios éticos que devem reger as relações de consumo (IDEC, 2015).
Não é incomum que o bancário se veja às voltas com o conflito ético diante da
necessidade de atingir metas. A venda de produtos de previdência para um idoso,
ou ainda a venda de um seguro de empréstimo sem que o cliente seja informado
de que o seguro não é obrigatório são exemplos de situações que ocorrem todos os
dias nas diversas agências bancárias existentes no Brasil.
Apesar de se tratar de um setor da economia que não passa por dificuldades e,
ainda que tais práticas configurem infração ao Código de Defesa do Consumidor,
uma vez que este diploma proíbe ao fornecedor “valer-se da ignorância de uma
pessoa para vender-lhe produto ou serviço” (art. 39, IV), o fato é que estas condutas
estão disseminadas e são incentivadas por muitos gerentes. Ainda, não raras ve-
zes, empregados que ousam manter seus princípios éticos e valores apresentando
assim resultados menores do que o de colegas que desistem de fazê-lo, passam a
ser perseguidos por seus pares e superiores.
270
O amanhecer da reestruturação produtiva: os programas de metas e o recrudescimento dos riscos psicossociais no setor bancário
realizar abertura de contas, responder a e-mails dos clientes, tentar evitar que o
cliente retire a conta do banco (retenção) e também vender produtos.
É fato que o bancário está acostumado a vender produtos. Faz parte da rotina
e do dia-a-dia desta categoria há muito tempo. No entanto, a distorção instala-
da no setor parece residir exatamente na avaliação de desempenho focada quase
que exclusivamente no fator “vendas”. E isto não é razoável, sobretudo quando a
exigência em relação às metas é exagerada, e quando a atividade apresenta outras
demandas que consomem tempo e esforço.
Os programas próprios de metas têm sido cada vez mais adotados pelos ban-
cos de varejo. Os maiores expoentes deste tipo de programa talvez sejam o SINER-
GIA, do Banco do Brasil e o AGIR (AGIR – Ação Gerencial Itaú Pró-Resultados),
do Itaú-Unibanco. Tratam-se de programas gerenciais muito parecidos. Por meio
de um modelo de gestão que denominam meritocrático essas instituições impõem
aos funcionários longas jornadas de trabalho com programas de remuneração que
não levam em conta nem a qualidade de atendimento aos clientes nem as condi-
ções de trabalho. Nesses programas há um cunho político e ideológico neoliberal
e uma forte intensificação da disciplina do trabalho. Dessa forma, não apenas a
vida laboral mas também a vida pessoal dos bancários é atingida.
Alguns aspectos merecem ser pontuados no que diz respeito a esses progra-
mas de metas. O primeiro deles é que existem metas que não dependem do ban-
cário. Se por alguma razão faltam dois caixas em uma agência e o banco não
consegue repor esses empregados as reclamações que sobrevierem em razão de
tais ausências não serão sopesadas com o fato de que havia um contingente menor
de caixas.
Um segundo exemplo diz respeito aos caixas eletrônicos em agências bancá-
rias. Se por acaso ocorrerem problemas técnicos e o gerente, mesmo ligando para
o departamento responsável, não receber pessoal qualificado para manutenção,
as reclamações de clientes que decorrerem deste fato serão computadas de forma
negativa na pontuação, ainda que se trate de questão totalmente alheia à esfera de
ingerência do gerente. Situações como esta não são levadas em conta. Há, portan-
to, um sentimento de injustiça e este sentimento de injustiça fixa bases para que
se tenha um terreno fértil onde brota o assédio organizacional e o adoecimento.
Um segundo ponto que deve ser falado é que em alguns bancos as metas fun-
cionam como uma “miragem”. Isto porque as regras do jogo mudam quando o
termo de avaliação está próximo, isto é, quando as metas já foram ou estão sendo
271
A HÝBRIS DE SATURNO: PRECARIZAÇÃO DO TRABALHO, SAÚDE DO TRABALHADOR E INVISIBILIDADE SOCIAL
quase cumpridas. A conclusão a que se chega é que, nestes casos, o banco presume
que se os trabalhadores estão conseguindo atingir a meta ela não estaria fixada
em seu máximo.
Além do fato de que a fixação de metas de maneira distorcida da realidade do
mercado é algo extremamente cruel do ponto de vista da organização do trabalho,
é preciso ressaltar que a mudança das regras do jogo, isto é, a mudança dos pata-
mares de meta estabelecidos previamente às vésperas de seu aferimento é simples-
mente um absurdo. Imaginando um programa cuja aferição seja semestral, não
parece razoável que no quintos mês, quando a meta estabelecida está quase sendo
atingida o valor seja aumentado de forma que até o fim do período estabelecido os
trabalhadores não consigam mesmo atingi-lo.
As avaliações individuais de desempenho são colocadas por Dejours (2008)
como um dos pilares para que se tenha chegado ao nível de adoecimento mental
relacionado ao trabalho nos dias atuais (este aspecto será abordado mais adiante).
Nesse sentido, cabe falar das metas previstas nos programas próprios do bancos
como sendo a representação maior de tal tipo de avaliação. As metas de fato não
são todas elas individuais. É verdade que existem nesses programas algumas me-
tas que são coletivas. Estas seriam, por exemplo, as metas de agências, de regiões,
de departamentos.
Ocorre que as metas coletivas acabam se transformando em metas individu-
ais porque frequentemente irá surgir uma cobrança, que pode ser sutil ou não,
por parte de supervisores e colegas (relação horizontal) sobre uma determinada
pessoa que esteja contribuindo pouco para a meta coletiva. Assim, os sinais de
que o bancário que produz pouco para a meta coletiva seria um estorvo para a
equipe e para os gestores começam a ser emitidos das formas as mais variadas. É
aí que surge o assédio moral organizacional horizontal porque se o gestor não está
preparado para lidar com a situação (maior parte dos casos3) ele passa a assediar
ou a corroborar com quem pratica assédio. Frequentemente, este gestor também
sofre assédio por parte de superiores, o que revela um assédio em cadeia que, em
3 Muitas vezes, os bancários que não conseguem cumprir as metas têm sido frequentemente desco-
missionados, nos bancos públicos, enquanto que nos bancos privados, a consequência é a perda
efetiva do emprego.
272
O amanhecer da reestruturação produtiva: os programas de metas e o recrudescimento dos riscos psicossociais no setor bancário
4 O straining é um termo atual trazido para o cenário jurídico brasileiro pela magistrada e dou-
trinadora Márcia Guedes (2010, p. 168) que estudou a questão por ocasião de suas pesquisas em
nível de doutorado na Universidade de Roma. Para referida autora, straining seria o termo mais
apropriado para se definir o que se denomina assédio moral organizacional ou institucional.
273
A HÝBRIS DE SATURNO: PRECARIZAÇÃO DO TRABALHO, SAÚDE DO TRABALHADOR E INVISIBILIDADE SOCIAL
5 Estudos mostram que há uma tentativa de suicídio por dia no setor bancário brasileiro, sendo que
dessas, uma se consuma a cada 20 dias (SANTOS, SIQUEIRA e MENDES, 2010).
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O amanhecer da reestruturação produtiva: os programas de metas e o recrudescimento dos riscos psicossociais no setor bancário
O teor da sentença é interessante posto que determina que o banco tome me-
didas que deveriam estar sendo tomadas por todos os bancos, a saber:
6 Este cenário motivou o senador Inácio Arruda (PCdoB-CE) a apresentar o Projeto de Lei do Se-
nado (PLS 80/2009), que pretende alterar a Lei de Licitações (Lei n.º 8.666/1993) incluindo, entre
os requisitos exigidos para habilitação de uma empresa no processo licitatório, a comprovação de
que não há registros de condenação por assédio moral contra seus empregados nos últimos cinco
anos. A matéria seguirá direto para a Câmara dos Deputados depois de passar pela CCJ, caso não
haja recurso do Plenário do Senado.
275
A HÝBRIS DE SATURNO: PRECARIZAÇÃO DO TRABALHO, SAÚDE DO TRABALHADOR E INVISIBILIDADE SOCIAL
moral é uma realidade dentro do Banco do Brasil, ficou evidenciado ainda que os
casos não são investigados pela instituição.
Outra decisão interessante foi proferida em 2013, porém em sede de ação indi-
vidual em que o Itaú-Unibanco figura como réu e foi condenado por assédio mo-
ral organizacional. A decisão se baseou na constatação pelo juiz de que as metas
abusivas, as pressões constantes e as ameaças contra os empregados configuraram
assédio moral organizacional. Proferida pela 2º Vara do Trabalho de São Bernardo
do Campo, a ação foi proposta pelo Sindicato dos Bancários do ABC, em favor a
um ex-caixa da instituição. Conforme o texto da decisão:
A decisão foi emblemática e talvez até pioneira. Seu teor mostra que o Poder
Judiciário “começa a compreender essa nova forma de assédio existente no siste-
ma financeiro. Trata-se de uma gestão baseada no estresse, cuja consequência é o
adoecimento em série da categoria bancária” (CONTRAF, 2013). Há juízes que
argumentam ser “preciso aumentar o conhecimento sobre o problema, melhorando
o registro de dados, incentivando a formação de especialistas no tema, e ampliando
a divulgação de informações a respeito”, uma vez que seriam necessárias “mudan-
ças no sistema judiciário que, muitas vezes ainda fecha os olhos frente à violência
psicológica” (REPÓRTER BRASIL, 2014).
É bem verdade que os bancários ganham quando atingem as metas. No en-
tanto, a perda da saúde, seja por excesso de jornada, seja por uma baixa qualidade
276
O amanhecer da reestruturação produtiva: os programas de metas e o recrudescimento dos riscos psicossociais no setor bancário
de vida, seja pela pressão exagerada é uma realidade neste setor. Por outro lado
quando as metas não são atingidas, as consequências sobre a saúde são ainda pio-
res. Em todo caso, ao contrário do que apregoam os bancos e federações que os
representam, as metas se revelam abusivas sim, não sendo desafiadoras como pre-
tendem defender7.
7 Oportuno ressaltar que o termo “desafiadoras” vem ao encontro de outros que vêm sendo utiliza-
dos na cultura corporativa com a finalidade de mascarar uma relação que é de exploração da força
de trabalho.
277
A HÝBRIS DE SATURNO: PRECARIZAÇÃO DO TRABALHO, SAÚDE DO TRABALHADOR E INVISIBILIDADE SOCIAL
8 Atualmente a quase totalidade do mercado de bancos de varejo é dominada por seis bancos:
HSBC, Itaú-Unibanco, Caixa Econômica, Bradesco, Santander e Banco do Brasil. Este cenário
é muito grave tanto para o consumidor quanto para os trabalhadores porque permite que estes
bancos ditem a política no setor.
278
O amanhecer da reestruturação produtiva: os programas de metas e o recrudescimento dos riscos psicossociais no setor bancário
Não é por outra razão que há na seara bancária uma altíssima incidência de
problemas de saúde mental relacionado ao trabalho, mas também de casos de
LER/DORT. Estas últimas são doenças que sabidamente têm um componente psi-
cológico muito importante tendo em vista que a análise biomecânica do problema
das doenças osteomusculares é atualmente um paradigma superado, sendo neces-
sária uma análise do ponto de vista biopsicossocial para compreender essas lesões
que estão de fato relacionadas a uma expressão somática do sofrimento. A esse
respeito discutiu-se em outra ocasião que:
279
A HÝBRIS DE SATURNO: PRECARIZAÇÃO DO TRABALHO, SAÚDE DO TRABALHADOR E INVISIBILIDADE SOCIAL
com outros olhos por parte dos magistrados. A Justiça do Trabalho, tão acostu-
mada a lidar com questões mais triviais relacionadas ao contrato de trabalho se
vê agora às voltas com ações em que a organização do trabalho se tornou alvo de
questionamentos.
6. CONCLUSÃO
280
O amanhecer da reestruturação produtiva: os programas de metas e o recrudescimento dos riscos psicossociais no setor bancário
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Sobre o livro
Formato 15,5 x 23 cm
Tipologia Minion Pro (texto)
Raleway (títulos)
Papel Pólen 80g/m2 (miolo)
Supremo 250g/m2 (capa)
Projeto Gráfico Canal 6 Editora
www.canal6.com.br
Capa e Diagramação Erika Woelke