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Volume 3
Projeto Editorial Praxis
http://editorapraxis.cjb.net
Trabalho e Cinema
O mundo do trabalho através do cinema
Volume 3
Editora Praxis
2010
Copyright do Autor, 2010
ISBN 978-85-7917-096-6
Produção Gráfica:
Canal6 Projetos Editoriais
www.canal6.com.br
418 p. : il.
ISBN 978-85-7917-096-6
CDD 338
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Sumário
11 Introdução
57 Capítulo 1
O Salário do Mêdo, de Henri-Georges Clouzot
89 Capítulo 2
A Classe Operária Vai Ao Paraíso, de Elio Petri
137 Capítulo 3
Morte de um Caixeiro-viajante, de Volker Schlöndorff
185 Capítulo 4
O Que Você Faria?, de Marcelo Piñeyro
231 Capítulo 5
A Agenda, de Laurent Cantet
285 Capítulo 6
O Invasor, de Beto Brandt
319 Capítulo 7
Eles Não Usam Black-tie, de Leon Hirszman
375 Capítulo 8
Pão e Rosas, de Ken Loach
413 Referências
Introdução
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Teoria do estranhamento
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Teoria do fetichismo
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O trabalho estranhado
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- A condição de proletariedade
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fases, essa massa se une e forma uma classe para si. Os interesses que ela
defende tornam-se interesses de classe.” [o grifo é nosso]
Em síntese: por um lado, a burguesia ou os proprietários das con-
dições de produção e por outro lado, os trabalhadores assalariados ou os
produtores diretos (ou indiretos, no caso de sociedades de classe mais
complexas), constituem as classes fundamentais da sociedade burgue-
sa. Nesse caso, “classe” possui um sentido sociológico propriamente
dito. Ainda nesta acepção, temos a categoria intermediaria de “classe
média” que no decorrer do capitalismo tende não apenas a crescer nu-
mericamente, mas a adquirir feições próprias no decorrer de cada está-
gio de desenvolvimento histórico do sistema do capital. A utilização do
termo “classe média” possui outro estatuto teórico-analitico – é mais
uma categoria da estratificação social do que propriamente da estru-
tura de classes, embora, como iremos verificar adiante, a estratificação
social exerce sua efetividade categorial no processo de constituição da
classe “para si”.
Segundo, por outro lado, na acepção dialético-materialista, a
classe não é apenas um mero conjunto sócio-estatistico inserido numa
determinada posição objetiva da divisão social do trabalho, ou seja,
“classe para o capital”, mas sim uma coletividade organizada de produ-
tores ou trabalhadores alienados das condições de produção que possui
uma determinada forma de consciência social: a consciência de classe
(“classe para si”, isto é, classe com interesses de classe). Enfim, a forma
de ser da classe social, na ótica dialético-metarialista, pressupõe não
apenas uma posição objetiva na divisão social do trabalho, mas uma
determinada forma de consciência social, a consciência de classe capaz
de transformar em si e para si aquela coletividade particular-concreta
de trabalhadores proletários em sujeito histórico real – a classe do pro-
letariado – cujo movimento social e político tende a “negar” o estado de
coisas atual. Esta é a acepção efetiva (e original) da categoria de “classe
social” na ótica marxiana.
Dizer “proletário” ou mesmo “proletariado” não significa efetiva-
mente dizer “classe do proletariado”. O homem proletário ou o proleta-
riado em si está apenas subsumido à condição de proletariedade, matéria
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“classe”
classe
“em si” para-si para-além-de-si
consciência ingênua
consciência de classe (contingente/necessária)
consciência social
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Capítulo 1
“O Salário do Mêdo”
Henri-Georges Clouzot
(1953)
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Condições de Proletariedade
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Condição de proletariedade
Modernidade do capital
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têm sindicato. Nem família. Se voarem pelos ares, ninguém virá. Eles
aceitam dinheiro, qualquer dinheiro. Mas é arriscado. Temos que atrai-
lo com uma boa oferta. Vamos pagar por isso.”
A explosão nos poços de petróleo no campo 6 da S.O.C, ocasionou
a morte de 13 trabalhadores nativos, todos de Las Piedras. O sindica-
to local, liderado por uma mulher, faz uma manifestação na sede da
empresa. É o momento em que se explicita a revolta operária contra a
superexploração do trabalho conduzida pela S.O.C. O trágico acidente
desvelou as condições de periculosidade e risco de trabalho dos prole-
tários da grande empresa petrolífera. Diz ela: “Eles primeiro disseram
que era para nos enriquecer. Não! Para nos transformar em miseráveis.
Para mandar nossos rapazes para a morte”. Ora, as condições de misé-
ria social em Las Piedras favorece a manipulação capitalista. Prometem
enriquecimento. Produz-se miseráveis – de corpo e mente.
E a sindicalista prossegue dizendo: “E ontem a catástrofe aconteceu.
Não é justo ter que sofrermos. Estamos morrendo. Os gringos, estes não
morrem. Matam seus pais e irmãos. Dá-lhes dinheiro e pronto!”. Uma
voz na multidão concorda com a agitadora: “É verdade! Mataram meu ir-
mão. E meu marido também. Francisco perdeu a perna na máquina. Mas
lhe pagaram. Ele recebeu quase nada.” No romance de Georges Arnaud,
a idéia da máquina imperialista que explora o trabalho vivo dos nativos,
é deveras marcante. Diz-nos ele: “O suor, por vezes, o sangue desses ho-
mens, são necessários para o bom andamento da máquina. Toda a noite
a sofrer calor e sono para esperar um novo dia.”
Mas, além da proletariedade indígena, marcada pela pobreza e
indigência social, o filme remete também à questão do proletário imi-
grante – o trabalhador desempregado “estrangeiro” explorado ou deso-
cupado. É a proletariedade estrangeira, onde o proletário imigrante vive
não apenas a sina da exploração ou deriva salarial, mas um sentimen-
to de estranhamento peculiar: o sentimento de desterro. São homens
proletários com nostalgia de sua terra natal; proletários desenraizados
condenados à despossessão radical: estão alienados não apenas dos
meios de produção da sua vida social, mas das condições orgânicas de
sua identidade humano-pessoal (por exemplo, não têm família). No
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Por exemplo, ao ser abordado pelo jovem Bernardo, que lhe pede
ajuda em dinheiro para comprar passagem para os EUA, M. Jo assevera:
“Suma daqui! Você é uma peste”. A personalidade autoritária – como o
fascista – constrói seus preconceitos íntimos com a matéria-prima de
seus medos interiores. M. Jo repugna em Bernardo o que ele sabe que
é, no seu próprio íntimo: um homem proletário fracassado, sem capa-
cidade aquisitiva, uma “peste” no mundo social do capital.
Como velho colonialista, M. Jo cultiva também preconceitos con-
tra os proletários nativos pobres. Em seu íntimo, sente repugnância
com a pobreza. É marcante a cena de recepção que crianças miseráveis
pedintes dão a M. Jo, logo que ele chega a Las Piedras. É nesse momen-
to que ele conhece Mário.
M. Jo observa, no bar “Corsário Negro”, com respeito aos pobres
nativos: “Multiplicam-se como coelhos”. M. Jo leva a supor que seja a
idiossincrasia reprodutiva que explicaria a condição de miséria dos na-
tivos. Na verdade, o velho mafioso decadente carrega em sua alma colo-
nialista, o medo da multidão de pobres miseráveis que rondam como um
espectro a ordem burguesa. Em Las Piedras, a presença dos excluídos é
candente, ocupando o cotidiano dos estrangeiros desempregados.
Aos poucos, compõe-se o perfil autocrático do velho gangster M.
Jo, que rejeita ouvir também as músicas nativas (observe-se, por exem-
plo, a cena em que M. Jo desliga o rádio do “Corsário Negro” que tocava
uma rumba guatemalteca). M. Jo possui também traços de misogenia,
dizendo a Mário (assediado por Linda, jovem empregada do Corsário
Negro): “Mulheres são perda de tempo” (é interessante que, logo a se-
guir, quase como um castigo, um jeep da S.O.C, ao passar por uma poça
d’água, espirra lama em M. Jo, manchando seu distinto terno branco).
Num primeiro momento, M. Jo aparece como o ex-gangster
autocrático, que se impõe sobre o grupo local de proletários estran-
geiros desempregados com gestos de preconceito e protagonismo.
No bar “Corsário Negro” – como salientamos - impede a audição de
músicas nativas e ameaça Luigi com arma de fogo. Diz: “Ter arma
de fogo não é o bastante. Tem que ter coragem” (Luigi retruca: “Não
sou assassino”). Ainda como homem de coragem, M. Jo – que irá di-
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que ser corajoso”. Luigi não consegue puxar o gatilho. Diz Luigi: “Não
sou assassino”. Ele não tem coragem de atirar num homem. Entretan-
to, mais adiante, no decorrer da empreitada de risco, Luigi demonstra
coragem de enfrentar a Morte que o espreita a todo momento. Ao con-
trário de M. Jo que cai paralisado de medo, Luigi demonstra que – nas
empreitadas de risco, onde a periculosidade é recorrente e o adversário
que nos desafia é tão abstrato, quanto onipresente, estar vivo não é o
bastante. Tem que ser corajoso.
A coragem é um valor crucial para a afirmação das individuali-
dades pessoais de classe nas condições do metabolismo social do risco.
É o modo de dar respostas efetivas à situações de negação de si, desfe-
tichizando objetivações estranhadas. O filme “Salário do Medo” expõe
dimensões do medo e dimensões da coragem. A coragem de M. Jo é a
coragem de apontar uma arma e atirar. É a coragem do assassino que
se afirma negando o Outro. É a coragem como vicio e afeto espúrio. A
coragem que afirma um poder estranhado.
Por outro lado, a coragem de Luigi é a coragem de enfrentar o
risco que se coloca nas empreitadas da vida. É a coragem como virtu-
de, que visa superar obstáculos, como a pedra no meio do caminho do
“comboio da morte”. É a coragem da “negação da negação” – mesmo
que no plano pessoal de afirmação heróica da individualidade de si e
para si.
Na verdade, a coragem é condição de qualquer virtude, pois é ela
que subsidia – na prática - a alma humana com forças para a negação
da negação. Implica decisão e não apenas raciocínio A coragem afirma
a singularidade pessoal – toda coragem é pessoal (o que explica porque
na ordem do capital – que é a ordem da despersonalização – corrói-
se a formação de homens com coragem no sentido de virtú, isto é, a
qualidade do homem que o capacita a realizar grandes obras e feitos, o
pré-requisito da liderança.
Na ordem estranhada do capital, amesquinha-se a coragem re-
duzida a dimensões particularistas do ser. Ela perde o sentido de virtú,
que diz respeito a lideranças coletivas capaz de realizar utopias huma-
no-comunitárias. A liderança que os manuais de administração de em-
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cente é visado para levantar o ânimo do homem que agoniza. Mário per-
gunta ao amigo agonizante: “Onde morava em Paris?”. Jo diz: “Eu morava
na Rua Galande”. “Lembra da tabacaria que ficava na esquina?”, retruca
Mario. “É claro. Ao lado da loja de ferragens.”, observa Jo. E diz ainda:
“No meu tempo havia uma cerca”. Mário confirma: “Está certo. Primeiro
havia uma cerca.” De repente, emerge o mistério nas reminiscências de
Jo. Confessa que nunca soube o que havia lá atrás daquela cerca.
Na verdade, a cerca que habita o tempo passado de Jo é a pre-
figuração da sua incógnita existencial. Possui um denso significado
existencial. É a objetivação imaginária do mistério que marca as lem-
branças do tempo perdido irrecuperado. É traço de experiência vivida
singular e experiencia percebida como representação onírica. Para Jo,
a cerca era mais que uma cerca. Era o síntese concreta do Mistério que
nos faz viver, apesar da ordem social de rsico extremo. O velho gangster
era um homem de imaginação. Ora, Mário não sabe nada disto. Para
ele, aquele cerca, era apenas uma mera cerca que havia na Rua Galande.
Ele responde para Jo que não havia nada atrás daquela cerca: “Nada.
Apenas um terreno vazio.”
Mário desencantara, para o amigo que agoniza, o mistério da
vida. “Apenas um terreno vazio” – eis o cosmo desencantado da vida
burguesa. Após ouvir a resposta de Mário, Jo parece agonizar. O de-
sencantamento do mundo reminiscente o abalara com certeza. “Está
bem?”, pergunta Mario preocupado. ”Estou bem”, diz Jo submerso no
passado distante. Vislumbra em seu delírio a Rua Galande: “É uma rua
comprida”. E diz: “Estou sem ar”. Mario tenta incentivá-lo: “Agüente!
Estamos quase chegando!”. Mas Jo agoniza:“Estou tentando lembrar-
me. Aquela cerca...o que poderia haver por trás dela.” Mário reitera:
“Não havia nada. Realmente nada”. As últimas palavras do homem mo-
ribundo são: “Não há nada!”.
Ora, o que a cerca da Rua Galande poderia significar para M. Jo?
Estamos no universo das experiencias singulares que marcam a vida
pessoal. M. Jo era um homem burguês decadente, espécime do mundo
desencantado do poder do capital – um mundo social sem mistérios,
manipulado pela força das armas. Mas, em seu íntimo, alimentava um
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Capítulo 2
“A Classe Operária
Vai Ao Paraíso”
Elio Petri
(1971)
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Desvalorização da força de trabalho como mercadoria
Desefetivação humano-genérica do trabalho vivo
Resistência contingente e necessária do proletariado
Eixo II
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“Na fábrica, daria até três, mas você não está lá.” Ora, o trabalho estra-
nhado tende não apenas a consumir trabalho vivo, mas a organizar a
alocação espaço-temporal das energias vitais do desejo do sujeito que
trabalha.
Como salientamos acima, a causalidade da falta de desejo sexual
de Lulu por Lidia, sua companheira, possui uma dimensão comple-
xa. Não podemos atribui-la tão-somente ao trabalho estranhado, mas
também ao estranhamento social com o irremediável desgaste afetivo-
amoroso da vida sexual em virtude da rotina (e monotonia) da vida
proletária Além disso, Lulu, em sua singularidade pessoal de macho
latino, gosta de mulheres noviças (como Adalgisa, a operária).
As cenas de Lulu diante da TV, com mulher e filho, demonstram
a monotonia do tempo livre no lar fordista. Lidia, sua companheira
que trabalha num salão de beleza, faz o trabalho doméstico. Numa das
cenas, questiona se ele pegou dinheiro para dar para ex-mulher. Lulu, o
machão latino, é um homem bom. Noutra cena, eles assistem o mesmo
programa na TV, talvez no mesmo horário e canal (Lulu está inquieto
porque o chamam de “puxa-saco” do patrão. Diz ele: “Eu nem conheço
o patrão”. Lulu diz que a fábrica não é como um salão de beleza onde o
patrão está ali e se quiser te botam na rua. “Na fábrica não tem patrão.
Tem uma sociedade...”, diz ele). Mas Lidia, como mulher carente, está
inquieta com a falta de desejo sexual do companheiro que alega úlcera.
Antes era dor de cabeça. “Você nunca tem vontade”, diz ela.
Lulu aproveita a greve na fábrica da B.A.N. para transar com seu
objeto de fantasia sexual na fábrica – Adalgisa. São momentos de trans-
gressões da ordem burguesa. Por um lado, a greve operária. Por outro,
a “escapada” de Lulu que desvirgina a jovem Adalgisa.
A perda do dedo de Lulu, ironicamente, não significou sua irre-
mediável castração. Pelo contrário, deu-lhe mais vigor humano. Pri-
meiro, Lulu rompe com suas atitudes de operário-padrão, passando a
ter outras coisas na cabeça. A transa sexual com Adalgisa, dentro do
carro, num estacionamento abandonado de uma fábrica desativada,
demonstra, entre outras coisas, que a jovem Adalgisa não é mais uma
mera fantasia sexual de Lulu, objeto-veículo de sublimação às avessas
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do operário-padrão, mas sim, tornou-se uma mulher real que Lulu tira
a virgindade.
Ora, Lulu sente imensa satisfação no ato sexual com Adalgisa. Foi
um ato apressado no estilo fordista – diz ele: “Não percamos tempo”.
“Ah, como estou satisfeito! Pronto, acabou!”, observa Lulu. “Você não
pode imaginar o prazer que me deu. Aqui entre nós, com aquela lá não
consigo mais. Pensei que ia acabar como o Militina. Já estava culpando
a fábrica. O dia todo ali, pedalando aos 31 anos.”. Adalgisa diz: “Eu não
senti nada. Só dor”. E arremata: “Amor é só isso?”. Lulu, pragmático,
diz: “Amor, amor…amor se faz; uma vez feito, tá feito. E aí se volta ao
normal. Como os animais.”.
É um diálogo deveras interessante que revela que o operário Lulu,
o metalúrgico, é um homem em processo de desefetivação humano-ge-
nérica. É claro que a perda do dedo e sua insurgência individual contra
a exploração do capital na fábrica da B.A.N não o libertou da condi-
ção objetiva do trabalho estranhado e estranhamento social. Lulu é um
homem constituído pelo metabolismo social do capital, individualida-
de pessoal de classe (de)formada em sua sensibilidade (e afetividade)
humano-genérica pela lógica (e estética) da mercadoria. Por isso, Lulu
em suas funções humanas, ele se sente um animal. Eis o traço típico da
vida estranhada do capital. O sexo tornou-se mera satisfação animal e
o amor, mero ato de fazer sexo. Adalgisa está desapontada. Mas Lulu
está realizado como macho.
Com Adalgisa, Lulu conseguiu ter desejo sexual. Diz ele: “Pensei
que ia acabar como o Militina. Já estava culpando a fábrica”. Como sa-
lientamos acima, é claro que a insatisfação sexual de Lulu com Lidia,
sua companheira, não poderia decorrer apenas do trabalho estranhado
na fábrica. Existe uma insatisfação visceral em Lulu ligada à dimensão
do irremediável desgaste (e desalento) afetivo-amoroso da vida cotidia-
na proletária. A jovem Adalgisa mostrou a Lulu que ele - como macho
latino – é um homem vivo, afastando dele o espectro da loucura de Mili-
tina. Portanto, a loucura do trabalho sob o modo de produção capitalis-
ta decorre, de certo modo, do medo da perda irremediável do pulsar da
afetividade sexual. Por isso, Lulu disse: “Ah, como estou satisfeito!”.
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3. A rebeldia do trabalho
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Objetividade
[experiencia vivida]
Subjetividade
Resistências de “classe”/classe
(sindicalismo/partido)
[intersubjetividade]
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Capítulo 3
“Morte de um
caixeiro-viajante”
Volker Schlöndorff
(1985)
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Singularidade
Personalidade
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Tipos da forma-resistência
Resistência politico-social
Resistência pessoal
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Deriva Profissional
Deriva Pessoal
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perde.” Ele não compreende como isso possa ocorrer. É algo tão trágico
quanto a sua deriva profissional de caixeiro-viajante. Mas Willy está
num conflito íntimo. Na verdade, Biff é parte de si, uma parte de si
estranhada. Diz que Biff é vagabundo, mas logo a seguir, observa que
ele é trabalhador: “Biff não é preguiçoso. Vou arranjar um trabalho de
vendedor para ele.” Ora, Willy não consegue não se projetar no filho
Biff. Quer vê-lo realizar seus sonhos frustrados. Quer que Biff se torne
um homem de sucesso (como Thomas Edson ou B.F. Goodrich). Diz:
“Muitos começaram tarde. Eu aposto no Biff ”.
A insatisfação visceral de Willy Loman não é apenas com as via-
gens de trabalho como caixeiro-vaijante ou o desemprego do filho Biff.
Por um momento, ele expressa insatisfação com a degradação da vida
urbana e o crescimento dos prédios de apartamentos – ele explicita sua
cosmovisão pessimista quase exalando um anti-capitalismo romântico:
“Ficamos presos, tijolos e janelas; janelas e tijolos.” Lamenta não ter
mais espaço de vida: “A rua está cheia de carros. Não há mais ar puro.
A grama não cresce mais. Não consigo plantar cenouras, Prédios de
apartamento deviam ser proibidos.”
O velho caixeiro-viajante lembra dos dois lindos Olmos onde Biff
brincava de balanço e que foi cortado: “Deviam prender quem cortou
as árvores. Destruíram o bairro”. Novamente, ele se refugia no tempo
passado: “Penso cada vez mais nesses dias”. É o sintoma de deriva exis-
tencial.
O tempo passado é tempo dourado: “Era época de lilás e glicínia
As peônias desabrochavam. E os narcisos. O perfume nos quartos.” In-
dignado, Willy Loman apenas constata traços fenomênicos da miséria
do capital. A partir de sua consciência ingênua, atribui a degradação da
vida urbana ao crescimento da população: “É o que destrói o país. A
população saiu de controle. A concorrência é enlouquecedora.”
Mas a inquietação existencial é também do filho de Willy Loman.
Biff vive uma deriva existencial, mas por outros motivos. Elelamenta:
“Sempre fiz questão de não desperdiçar minha vida. E tudo o que fiz foi
desperdiça-la.” É a percepção da vida pessoal estranhada onde intenção
e resultados se excluem. Ele é um homem perdido e incapaz de se inte-
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irmão observa: “É porque você não tomou rumo ainda. Não es estabe-
leceu. Há algumas coisas que o deprimem”. Happy acredita no irmão:
“Se você começar, há um futuro para você”.
Mas Biff não acredita em si. Numa passagem magistral do filme, ele
diz: “Não sei qual é o futuro. Não sei o que devo querer”. E explicita sua in-
satisfação intima com a lógica social que organiza o mundo do trabalho
na sociedade burguesa: “Passei sete anos após o colégio procurando tra-
balho. Expedidor, vendedor. Todo tipo de serviço. É algo medíocre Pegar o
metrô durante o verão. Viver controlando estoque e telefonando. Vendendo
e comprando?. Sofrer 50 semanas num ano para aproveitar duas, quando
o que se quer é estar fora de casa, sem camisa…E sempre tentar superar o
colega. E é assim que você constrói um futuro?”.
Ora, Biff demonstra se insurgir contra o estilo de vida e trabalho
da sociedade do salariato, vida social medíocre, estúpida, rotinizada,
meramente mecânica no dia-a-dia. Ele não aceita a condição do traba-
lho assalariado como sofrimento que consome a fruição da vida, vida
de si e vida com os outros. Ele critica a concorrência alucinada com os
colegas de trabalho, o mundo da farsa e trapaça pessoal. E se interroga
com lucidez: é assim que você constrói o futuro?”
O diálogo entre Biff e Happy explicita uma crítica mordaz à socie-
dade burguesa, principalmente no tocante ao trabalho estranhado que
se manifesta na incapacidade de dar a homens jovens e audazes, como
Biff Loman, uma vida plena de sentido.
Biff pergunta a Happy: “Você é feliz? Você é bem-sucedido. É fe-
liz?”. Happy – cujo nome em inglês, significa ironicamente “feliz”- diz:
“Não”. Biff não entende. Ganha bem, mas não é feliz. “Por que não?”,
pergunta ele. O irmão diz: “Só espero o gerente de merchandising mor-
rer.” Enfim, ele “torce” pela morte do colega de trabalho para ocupar
seu lugar.
Happy parece adotar aquilo que Biff acabara de criticar no estilo
de relação pessoal do trabalho estranhado: a predação do Outro - “Sem-
pre tentando superar o colega”. Ora, o trabalho estranhado instiga um
tipo de relação interpessoal que é a negação do Outro como próximo. É
o cerne da manipulação sistêmica que caracteriza o metabolismo social
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educara os filhos. Certa vez, dialogando com o irmão Happy, Biff disse
que eles não foram educados para ganhar dinheiro. Ora, a socialização
que Willy Loman deu aos filhos – uma socialização pequeno-burguesa
de cariz tradicional - era uma socialização inadequada à ordem compe-
titiva emergente nos Estados Unidos da América do pós-guerra.
Ao confrontar-se com a ordem capitalista urbano-industrial do
trabalho assalariado heterônomo, Biff e Happy “surtavam”, cada um a
seu modo, tendo dificuldades de adaptação à sociabilidade moderna.
Submerso em “espectros” do passado, estranhando o insucesso (e deriva
existencial) do filho Biff e desprezando as artimanhas boêmias – mera
“sublimação às avessas” – do filho Happy, o estranhamento de Willy Lo-
man estende-se à prole familiar.
Num certo momento, Willy disse, espelhando-se no irmão
Ben:’”É como eu os crio: durões, populares e versateis.” Na verdade, tais
atributos morais na ordem competitiva que emergia com o capitalismo
urbano-industrial adquiriam outros significados, tendo em vista que a
dureza, popularidade e versatilidade do homem moderno dizia respeito
a ordem do trabalho heterônomo, onde ser duro poderia significar saber
cumprir ordens e ter disciplina meramente protocolar; e ser popular
significava fingir e ser farsante; ou ainda, ser versátil implicava em ser
adaptável às multitarefas estranhadas.
O tio Ben dá uma lição a Biff, após derruba-lo num golpe de mão:
“Nunca brigue com um estranho. Jamais saíra da selva assim”. Em sua
ingenuidade visceral, Willy Loman não conseguira ensinar aos filhos
– principalmente a Biff – as artimanhas da selva (inclusive a selva do
mercado), onde a cautela e a desconfiança é um traço indispensável
para a sobrevivência pessoal. De certo modo, a falsidade das pessoas na
ordem competitiva burguesa é um traço de caráter adequado à selva
de mercado.
O velho caixeiro-viajante possuía uma frustração íntima – não
ter ido, tal como o irmão Ben, para a selva da África, desbravar novas
terras e conquistar espaços abertos. Pelo contrário, escolhera trabalhar
em vendas como empregado subalterno. Disse Willy: “Ben, estamos
no Brooklin, mas também caçamos. Temos cobras, coelhos; por isso
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entrei na sela aos 17 anos. Sai aos 21. E estava rico”. Willy exclama: “É o
espírito que quero neles. Entrar na selva. Eu estava certo.”
O filme “Morte de um caixeiro-viajante” trata da crise estrutural
do homem proletário de “classe média”: Willy Loman . É um complexo
de crises objetivas e subjetivas, interconectadas entre si - crises íntimas
da individualidade pessoal de classe, crise dos negócios, crise profissio-
nal, crise existencial e crise de socialização da prole.
No ser de Willy Loman, há uma profunda insegurança existencial
que lhe afeta a auto-estima pessoal (diz ele: “O pai partiu quando eu era
pequeno”). Esse o traço de singularidade do homem singular Willy Lo-
man. Há forças pessoais inconscientes que obstaculizam seu desenvol-
vimento humano-pessoal, afetando sua percepção do real. Na verdade,
como homem proletário em processo de desefetivação humano-gené-
rica perdeu o sentido de realidade. Ele ensina aos filhos um modelo de
vida que não é adequado ao capitalismo moderno. Por exemplo, o es-
pirito do irmão mais velho, Ben, homem desbravador, não se coaduna
com o mundo das grandes empresas, onde a subalternidade de caráter
é o traço pessoal mais adequado.
Na medida em que se aprofunda a angústia existencial de Willy
em virtude da sua deriva profissional, o caixeiro-viajante se interro-
ga cada vez mais, como o irmão mais velho Ben conseguiu o sucesso:
“Como conseguiu? Qual a resposta? Preciso falar com você.” Mas, como
observamos acima, de forma recorrente, Ben nunca tem tempo para fa-
lar com Willy: “Não tenho tempo” ou ainda “Não tenho muito tempo”.
Talvez seja expressão da insegurança primordial de Willie, um
homem cujo pai o abandonara quando pequeno. Ao ser demitido por
Howard, Willy chega a sua situação-limite: “Nada dá certo. Não sei o
que fazer.” Wi;;ly Loman é um homem desencontrado com os Outros e
consigo mesmo.
No decorrer da tragédia pessoal, Willy Loman é empurrado cada
vez mais para fantasias interiores: do sonho pequeno-burguês tradicio-
nal, insustentável nas condições históricas do capitalismo da grande
empresa (que exige outro tipo de espirito pequeno-burguês - o espirito
do homem pequeno-burguês de espaços fechados de carreira, que cul-
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o atingisse.” E fez a pergunta: “Por que ele se entregou? Era estranho sa-
ber que ele tinha desistido da vida. O que aconteceu em Boston?”. Willy
exclama: “Quer me culpar? Se ele fracassa, a culpa é minha?”.
Ora, o fracasso de Biff é constituido por um complexo de causa-
lidades necessárias e causalidad contingentes que constituem sua sin-
gularidade pessoal e que determinam sua individualidade pessoal de
classe:
Primeiro, Biff nunca se dedicara aos estudos. Bernard, ao contrário,
investira em seu “capital humano”, ascendendo, deste modo, na vida pro-
fissional. É o homem de sucesso no mundo capitalista em ascensão.
Mas, existe uma causalidade contingente, vinculada à singularidade
pessoal de Biff – por que ele desistiu de lutar pela vida? Enfim, como ele
respondeu àquela situação contingente da vida pessoal.
O evento contingente crucial foi o que aconteceu em Boston,
quando Biff encontra o pai com a suposta amante e discute com ele.
Chama o pai de mentiroso e farsante. Naquele momento, desmancha-
se a imagem do pai que ele cultivava: o pai que lhe ensina o que um
homem deve ser. Naquele momento, Biff, em sua iterioridade, “mata” o
Pai, autoridade moral suprema da ordem familiar. Em seu íntimo, Biff
fica indignado por Willy dar “as meias da mamãe” à amante. Este fato
singular detonou o complexo de obstruções intimas que conduziria Biff
à estagnação em sua vida profissional nos próximos quinze anos.
O trabalho de caixeiro-viajante é um trabalho solitário. De cidade
em cidade, em quartos de hotéis vazios, sem ninguém para conversar.
Willy diz para a amante: “Sinto-me tão só”. Além disso, a singularidade
do caixeiro-viajante Willy Loman, homem inseguro, é marcada por uma
angústia primordial – o pai partiu quando ele era pequeno e nunca
falou com ele. Portanto, em sua origem primordial, é um homem onto-
logicamente solitário cujo egoísmo decorre da necessidade intima de se
auto-preservar diante do abandono primordial.
Eis o elemento da singularidade pessoal de Willy Loman que
obstaculiza – ao lado do trabalho estranhado e dos valores-fetiches da
ordem pequeno-burguesa que cultiva, o desenvolvimento de sua per-
sonalidade humana. Ao tornar-se caixeiro-viajante, o trabalho intrin-
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Capítulo 4
Marcelo Piñeyro
(2005)
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História
Interesses
Interesses coletivos
particularistas
Vida Cotidiana
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Trabalho e Ideologia
(segundo Lukács)
Trabalho
Posição teleológica primária
Homem – Natureza
Posição teleológica secundária
Ideologia
Homem - Homem
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Embora Ana tenha elogiado Fernando pela boa defesa que fez de
Júlio, colocando, segundo ela, os colegas concorrentes contra a parede,
Ana votou contra Júlio, desclassificando-o. Fernando intrigado pergun-
ta: “Se achou tão boa, por que votou contra?”. Ana dá uma resposta
intrigante: “Acho que gosto de que me implorem.” Ora, a atitude dela
expressa um tipo de auto-satisfação perversa. Impotentes diante das
condições de produção de sua vida pessoal, individualidades de clas-
se com personalidades narcísicas, se auto-satisfazem com a exaltação
de sua pessoa por outrem. Ao dizer que gosto que me implorem, Ana
expressou uma falha de personalidade que expõe uma crueldade in-
terna. Na sociedade do fetiche, as falhas de caráter que expõem o lado
desumano das pessoas, tornam-se quase constantes. Nas situações de
concorrência, elas são recorrentes, com a exaltação perversa do Eu por
atitudes de imploramento se pondo como bálsamos da alma humana
alienada.
Após exercitar sua crueldade narcísica no jogo da predação pes-
soal como método de seleção para ocupar um cargo executivo na em-
presa Dekia, Ana é excluída tal como Júlio foi excluído pelo voto dela na
prova anterior. Nesse caso, coube a Carlos exercer o papel de predador
– predação exercida com argumentação lógico-racional (no sentido da
racionalidade sistêmica). Mas Carlos – como Ana – sabem que estão
inseridos num jogo cruel. Ele diz: “Sinto muito, Ana. Fiz o mesmo que
você. Cuidei de mim. O que eu disse, não foi pra valer. Só estava inter-
pretando um papel para ganhar um jogo.”
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expor a verdade das coisas: “Fiz o mesmo que você. Cuidei de mim”.
Está é a moral sistêmica que involucra a “guerra de todos contra todos”
do mundo neoliberal. Enfim, como os antigos gladiadores no Coliseu
da Roma Antiga, que vença o melhor ou o mais apto. Eis a lógica inter-
na do método Grönholm. Na atitude cínica de Carlos ao dizer – “cuidei
de mim” - há a moral particularista que marca as individualidades de
classe sob a (des)sociabilidade neoliberal.
Ao lado da “culpabilização da vítima”, um dos recursos cruéis do
metabolismo social do capital em sua etapa de crise estrutural, onde
o desmonte da pessoa humana (ou desefetivação humano-genérica)
tornou-se regra sistêmica, é a frustração recorrente de expectativas.
A frustração – mesmo que de forma simulada, como ocorreu por
alguns segundos no filme - é o sentimento adequado para esmagar as
veleidades pessoais das individualidades de classe. Frustra-se para de-
compor vontades e projetos – mesmo que sejam projetos particularistas,
como o de cada um dos concorrentes pelo cargo de executivo da Dekia.
Na verdade, Montse, a secretária, simula que o RH decidiu terminar as
provas. Por alguns segundos, frustraram-se expectativas. Mas logo a se-
guir, ela diz: “Brincadeira! . Na verdade, não é apenas uma brincadeira,
mas uma técnica de revolver e manipular a subjetividade dos candida-
tos.
Ora, manipula-se expectativas (e sonhos) como técnica de “cap-
tura” da subjetividade. Um pequeno trauma de frustração que logo
aparece como mera brincadeira – na verdade, é um ardil da equipe de
psicólogos da Dekia. Enfim, eles querem testar a capacidade de resigna-
ção às frustrações – elemento recorrente da ordem burguesa.
Cada situação da trama do reality show instituído pelo método Grö-
nholm é um verdadeiro teste para os candidatos onde – intimamente -
se interroga sobre o que você faria. A manipulação imputa às vítimas a
culpa pelas escolhas constrangidas. Por exemplo, ao simular por alguns
segundos o término do teste, avaliou-se, naquele momento, a atitude dos
candidatos à frustração, que é um elemento recorrente do metabolismo
do capital. Depois, ao servir comida fria e mal-cheirosa aos candidatos,
na hora do lanche, avalia-se a resignação dos candidatos às situações de-
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justificar a exclusão de Ana. Ele diz: “Já leu Jack London, Ana? Escreveu
um conto sobre uma tribo de esquimós que migra sazonalmente. É a
história de um ancião cansado, quase cego, que sente que não pode
acompanhar a tribo e então, todo o grupo pára e se despede dele, um
por um; seus filhos também, e simplesmente o deixam ali com um pou-
co de lenha. O ancião senta-se na neve, tranquilo, se lembrando do que
foi sua vida. E quando acaba a lenha, morre congelado.”. E arremeta que
este conto é bastante didático – “há muita gente que deveria aprender
com ele”. É curioso que Carlos se utilize do conto de um escritor socia-
lista (Jack London) à serviço do darwinismo social que marca hoje a
dinâmica do capitalismo global.
Ao se propor ser o literato do abrigo anti-nuclear, Carlos opta por se
tornar o ideólogo do grupo. Enquanto os demais membros do grupo ado-
tam encargos de natureza instrumental (Fernando, o juiz e militar, ver-
dadeira representação do poder político estranhado; Enrique e Ricardo,
o técnico e o médico, representações do poder técnico, respectivamente;
Nieves, a mulher procriadora, representação do poder natural – e no caso
de Ana, a mulher cozinheira), Carlos optou por uma função ideológi-
ca: “Vou lhes contar uma estória a cada noite. Pode parecer estranho,
mas estudei literatura nesses anos. Posso fazer sua vida sob a Terra mais
tolerável.” Através de seus contos ele iria incutir visões de mundo que
transparecem na literatura. Enquanto Ana opta por uma função ligada a
necessidade do estomago – elaborar um bom prato, Carlos, opta por uma
função ligada à necessidade da fantasia – contar uma estória. Por isso,
ele se utiliza do conto de Jack London – “A lei da vida”, para desqualificar
Ana. Ele se utiliza, com inteligência, do conto de London para exprimir
valores compositivos da lógica do capital que hoje, mais do que nunca,
desqualifica e exclui àqueles que não se adaptam às novas disposições
sistêmicas. Os fracos – homens e mulheres que não se adequam à lógica
produtivista – merecem morrer (como o ancião cansado).
Enfim, o capitalismo global é intrinsecamente capitalismo mani-
pulatório. Por isso, o poder da ideologia assume dimensões inéditas na
história humana (não é a toa que é Carlos que consegue ser o homem
escolhido para exercer o cargo de executivo da Dekia).
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Capítulo 5
“A Agenda”
Laurent Cantet
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e para cá. No carro em alta velocidade, Vincent não apenas imagina (ou
vive) a ocupação fictícia, mas sente, ao dirigir o veículo pela auto-estra-
da, uma liberdade fictícia que lhe dá satisfação momentânea No fundo,
ele quer fugir do mundo dos constrangimentos burocráticos e metas
pré-impostas pelo capital. Talvez queira fugir de si como individualida-
de de classe. Ou ainda talvez isto seja uma mera forma contingente de
resistência pessoal. Ao simular estar ocupado, Vincent constrói – como
o capitalismo - seu próprio auto-engano. Ele precisa dar uma satisfação
aos outros e a si – mesmo que a suposta “saída” seja tão fictícia (e liqui-
da) quanto a riqueza abstrata produzida pelo capitalismo global.
Dirigindo o carro pela auto-estrada, Vincent divaga, ouvindo rá-
dio e cantarolando músicas que o afastam da pseudo-concreticidade
do cotidiano burguês. Na verdade, estar no carro em alta velocidade,
deslocando-se pelo interior do França, diante de paisagens abertas, dá-
lhe a sensação da liberdade que tanto almeja. A música que toca no
rádio - e que ele cantarola com alegria - o projeta para além da dureza
da realidade cinzenta do mundo administrado. É literalmente um de-
vaneio – ele concebe na imaginação a utopia do ócio livre das amarras
do emprego estranhado.
Eis o sentido da farsa do emprego criada por Vincent: um de-
vaneio como via escapatória contingente da pseudo-concreticidade do
cotidiano burguês. Foi uma escolha singular de Vincent – ele como
homem singular – e somente ele - escolheu agir assim. Entretanto, a
singularidade da sua escolha pessoal não invalida - e pelo contrário,
confirma - as causalidades essenciais que o constrangem como indivi-
dualidade pessoal de classe, alienado do ser genérico do homem.
Ao cair da tarde, Vincent ouve no carro a cotação das ações das
grandes empresas na bolsa de valores de Paris. Após devanear canta-
rolando canções alegres que o projeta para além do cinzento mundo
burguês, Vincent acompanha o noticiário econômico. Do mundo da
vida – divagado nas canções do rádio - para o mundo sistêmico do
capitalismo global. Carrefour, Credit Lyonnais, Aventis – eis as grandes
empresas que apostam no cassino global, com suas cotações oscilando
ao saber da financeirização da riqueza.
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zem riscos de perdas. Vincent diz: “Sim, mas é o que interessa. Ganhos de
400%, como na bolsa de Moscou não tem em qualquer lugar.” Por outro
lado, o amigo observa: “Sim, por esse lado. Mas esquece que, no mesmo
ano, a mesma bolsa perdeu mais de 200% de seu valor num dia só.” Vin-
cent conclui: “Nunca disse que não há riscos.”
Na verdade, o capitalismo global é o sistema do risco movido pela
sanha da financeirização da riqueza capitalista. Ela envolve não apenas
os grandes investidores, mas também os médios e pequenos investido-
res imbuídos da ambição de valorizar poupanças pessoais. Enfim, sob
o capitalismo global a sociedade burguesa é tomada pela febre da espe-
culação financeira. Emerge a cultura do risco que permeia os negócios
financeiros, mas que perpassa a vida cotidiana. O capitalismo global é
a sociedade dos riscos.
Finalmente, Jean-Michel questiona Vincent dizendo: “Não sei,
mas me pareceu mais convincente com seus amigos.” E observa adian-
te: “Não está muito clara esta história.” Vincent incomodado, diz: “Com
licença, volto já.” Ora, diante de impasses cotidianos, Vincent foge. É
um homem que foge – ele é incapaz de dar respostas efetivas às situ-
ações da vida real. Por exemplo, a farsa salarial engendrada por ele é
uma fuga imaginária diante da insatisfação radical que ele tem diante
do candente prosaísmo da vida burguesa sob o trabalho estranhado.
Enquanto representação típica do homem particularista, Vincent tende
a volta-se para si.
Um detalhe: Vincent evita envolver um casal de amigos de vida
simples no esquema extorsivo. O amigo é um músico desempregado
de vida familiar simples que Vincent busca preservar da sua farsa fi-
nanceira. O amigo diz: “Acha que não gosto de grana?”. Mas Vincent
retruca: “Pode parar. Não vou mete-los nisso”. Mas o amigo insiste: “Ao
contrário, estamos interessados. Temos algum dinheiro guardado.” O
amigo – como os demais – demonstram estar possuído pela sede de
valorizar suas pequenas economias. Como salientamos acima, sob o
capitalismo global, dissemina-se a ânsia pela valorização do dinheiro.
Incitado pelo aparato midiático, emerge uma cultura da financeirização
que envolve a todos e não apenas os grandes investidores capitalistas.
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fazem artigos perfeitamente legais. Por isso não é tão simples distinguir
entre a economia legal e a economia paralela.”
Assim, por trás do comércio de mercadorias de marcas falsifi-
cadas, existe uma afluente indústria da pirataria, a indústria que mais
cresce sob o capitalismo global.
O filme “A Agenda” explicita que o capitalismo global é o capi-
talismo das falsificações – falsificação das mercadorias-marcas, que
por meio da economia paralela se difunde, sendo combatido como ato
ilícito; e a falsificação da riqueza capitalista, que por meio do capital
especulativo-parasitário aparece como atividade financeira licita mas
que transforma a economia mundial num cassino global. Trata-se de
um complexo de reflexividades farsescas que se disseminam pela so-
ciedade do risco.
Num bar, Vincent ouve um relato de um camioneiro que diz ter
sido assaltado: “Roubaram meu caminhão e me levaram para um lu-
gar; me levaram de volta, ainda me levaram a jaqueta...”. Pelo relato
dele, os ladrões levaram tudo do trabalhador camioneiro, deixando-o
apenas de cuecas – ele tornou-se um homem desnudado.
Ora, o mundo social do capitalismo global é um mundo da in-
segurança social. A predação pessoal, dos pequenos furtos às gran-
des extorsões financeiras; da farsa das marcas falsificadas às relações
humanas inautênticas, tornou-se fato cotidiano. Enfim, vivemos num
mundo de furtos que se dissemina. Cada individualidade pessoal de
classe está à mercê das contingencias da vida cotidiana. O caminheiro
lesado pelo furto, deixou-o desnudo – “só de cueca”. É a situação das
pessoas humanas, desnudas diante do mundo do capital. Nada podem
fazer diante das ameaças intangíveis que cercam o cotidiano burguês,
inclusive em países capitalistas mais desenvolvidos como a França.
Vincent não foi apenas demitido. Ele renunciou ao emprego. Foi
despedido e sumiu, não aproveitando a oportunidade de empresas que
– segundo ao amigo de Vincent – não hesitariam em contratá-lo. Por-
tanto, houve uma escolha moral em não assumir mais um emprego
que significasse o controle de seu tempo de vida. Vincent renuncia ao
emprego para empregar seu tempo de acordo consigo próprio. Ele cria
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social em que não é possível uma vida plena de sentido, laços de ami-
zade tendem a serem fragilizados pela contingencia da vida social. Na
medida em que Vincent é uma personagem típico – ou personagem heu-
ristico – capaz de explicitar os desvarios da vida humana sob a sociabi-
lidade estranhada do capital, ele explicita, quase que de forma exage-
rada, os limites da humanidade na ordem sócio-metabólica burguesa
(o exagero da narrativa realista é um mero recurso metodológico para
explicitar os traços essenciais da sociabilidade burguesa).
Num das cenas do filme, Vincent visita um amigo músico e se
depara com um homem desempregado que fica em casa, cuidando da
filha, enquanto a mulher trabalha fora de casa. Diz o amigo: “Toco para
mim ou para meus amigos. Só isso.” A mulher observa: “Gosto de tra-
balhar. Ele fica com a música, com a filha, está tudo bem!”. É curioso
que há, nesse caso, uma inversão de papéis sociais devido a crise do
emprego – o homem deixa de ser provedor do lar e torna-se dono de
casa. O amigo sorrindo observa, referindo-se a Vincent: “Ele vai me
tomar por cafetão.” Isto é, ele tende a aparecer como aquele que coloca
a mulher para trabalhar para ele.
Ao se reduzir no trabalho do lar, o homem desempregado, reduz-
se a um trabalho não-reconhecido pela ordem social do capital como
trabalho digno. Por isso a comparação com o papel de cafetão. Nesse
caso, apesar do tom irônico do amigo de Vincent, sorridente com a
inversão de papeis no lar, existe a partir da crise do emprego assala-
riado formal, uma crise de identidade do homem provedor na ordem
burguesa hipertardia.
Ainda nesta cena do filme, Vincent, à mesa, conversa com o ami-
go , a mulher e filha pequena sobre a cidade de Genebra, na Suiça. Dá
a sua impressão sobre a vida urbana: “É cosmopolita, mas vejo sempre
as mesmas caras. Grandes executivos ou banqueiros. Não, é sério. Ge-
nebra é uma cidade muito animada.” A impressão de Vincent trata da
ordem social do capitalismo global, cujo cosmopolitismo não se traduz
necessariamente numa diversidade humana, mas sim, numa homoge-
neização de caras impessoais que circulam pelas metrópoles globais.
Vincent percebe – de modo impressionista – o sentido da moderniza-
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com intensa dose de realismo sua farsa salarial. Chega a discutir com
o pai sobre o programa da ONU intitulado “Treinamento para o de-
senvolvimento”, que lhe retruca com veemência: “Não me venha com
belas palavras”. Mas Vincent, que deve ter aprendido tudo isto lendo
os folders que recolheu na ONU, insiste explicando: “’Educação para o
desenvolvimento’ é pomposo, mas não é um termo vazio. Por exemplo,
fiquei surpreso ao ver que no comitê ONU/ONG somos 6 representan-
tes da ONU num total de 26. As outras são de ONG’s. Percebe? É quem
está no campo que nos ensina sobre a situação local.”.
O pai de Vincent não se convence com a argumentação quase-
ingênua do filho. Pelo contrário, retruca dizendo: “Sei bem como é isso.
O tempo é todo gasto em reuniões que nada produzem. Por exemplo, o
que se decide nesse Fórum?”. E Vincent observa: “Simplesmente a cria-
ção de empresas em países em desenvolvimento – o que é bom. Por um
lado propomos financiamentos para montar empresas. Por outro lado
acompanhamos a administração, fazemos consultoria…”.
Percebe-se que o “desenvolvimento” que Vincent faz referência
decorreria tão-somente da lógica do mercado, não tendo nada a ver de-
senvolvimento social propriamente dito. Enfim, é pura farsa que oculta
os interesses de classe em reforçar e ampliar a lógica da acumulação
de capital. O pai – talvez um velho socialista – critica: “Está sonhando!
Consultoria na África? Como pode acreditar nisso?”. Muriel, esposa de
Vincent que acompanha atentamente a conversa faz referência ao “co-
mércio eqüitativo”. Mas o sogro rebate: “Isso é besteira. São iniciativas
privadas que nunca resolveram os problemas dos países subdesenvol-
vidos.” E conclui: “É evidente que é importante tentar esse tipo de coisa.
E é bom que Vincent esteja nisso. Mas não me diga que isso vai salvar
o mundo.”
Numa cena curiosa, Vincent, ao retornar da cabana nas monta-
nhas geladas nos Alpes suíços, com Muriel, por um momento, se afasta
dela, que desaparece na névoa branca. É um momento quase onírico
do filme, onde Vincent expressa, por alguns segundos, sua insegurança
existencial e o medo de perder a mulher amada, companheira, mãe de
seus filhos. Há um claro sentido metafórico na cena da paisagem gela-
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Nada mudou para voce. Tem consciência disso? De tudo que fiz para
que vivesse como se nada tivesse acontecendo? Eu podia ter sumido.
Sabia disso?”.
Nesse momento, Vincent salienta outro aspecto constitutivo da
sua farsa salarial – é tão-somente um modo de acomodação possível do
statu quo familiar nas condições da sua abrupta deriva pessoal. Nesse
caso, deve-se levar em consideração a singularidade do homem sin-
gular. Considerar Vincent meramente um canalha ou mentiroso seria
demasiadamente simples. “Não é tão simples”, diz ele. A “loucura” de
Vincent não pode ser avaliada meramente por critérios morais. Vin-
cent escolheu a farsa para não extinguir a vida familiar. Ele fez tudo
aquilo para que nada mudasse na vida familiar. A outra saída possível
– segundo ele – seria ter sumido. Enfim, a construção da farsa social
não é um ato de imoralidade, mas diz respeito às determinações sócio-
ontológicas - articuladas com a singularidae pessoal de cada indivi-
dualidade de classe – que se impõe, sob certas condições concretas, a
homens e mulheres imersos na condição de proletariedade.
Após discutir com o filho mais velho, enfrentando o clima des-
confortável da família, Vincent foge – como sempre faz diante de situ-
ações de impasse. Pega o carro a noite e dirige pela auto-estrada. Pelo
celular, num primeiro momento, o pai faz um apelo para que ele volte:
“Não fique assim. Problemas de dinheiro podem ser resolvidos. Se não
quiser conversar, não conversaremos. Ninguém vai pedir explicações.
Em um mês será esquecido. Acredite nisso. Nós acreditamos. Apenas
responda, Vincent!”. Teme-se pelo pior. Logo a seguir, a mulher busca
contactá-lo: “Vincent, sou eu. Estou sozinha. Estamos só nós dois. Não
vai me atender? Vincent, queria estar com você agora. Sinto saudade.
Não vá destruir tudo. Não vá me deixar sózinha. Estou cansada, Vin-
cent. E amo você.”
Ora, nessa cena final, percebe-se que os dois pilares da ordem fa-
miliar de Vincent – o pai e a mulher - fazem um apelo visando resgata-
lo de atitudes transloucadas. Na verdade, eles representam a Ordem
vigente que procura assegurar-se que Vincent se mantenha na linha da
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tânea vontade (“time out”, título do filme na versão inglesa), ele volta
quase à estaca zero, entregando-se à atividade de gestão de uma aven-
tura financeira. Enfim, coloca-se no centro nevrálgico da financeiriza-
ção capitalista, entregando-se ao cultivo do mais fascinante fetiche do
capital – o fetiche do capital-dinheiro.
No final, sob a expressão circunspecta de Vincent (nos pergun-
tamos o que ele deverá estar pensando naquele momento) o executi-
vo apresenta-lhe a nova aventura humana. Diz ele: “Terá uma equipe
de 8 pessoas, uma equipe jovem que terá de moldar. É um campo de
trabalho bastante completo que lhe propomos. E, é claro, exigirá um
investimento pessoal grande de sua parte. Enfim, se vier se juntar a nós
nesse empreendimento.” (o grifo é nosso) E o executivo observa, mais
uma vez com tremenda ironia: “Mas sejamos claros, não haverá pres-
são excessiva sobre você. Não vou subestimar a amplitude da tarefa que
o espera.”. Vincent, com expressão séria – como a do boi indo para o
matadouro – afirma: “Isso não me assusta”.
E o executivo prossegue: “Nesse caso, entraremos um pouco mais
nos detalhes. Naturalmente, a direção da empresa identificou oportuni-
dades que nos levaram a preparar esse tipo de investimento. Contudo,
trata-se apesar de um plano de atividade que passaremos a você. Não
temos a perspicácia da pessoa encarregada dessa atividade. Em outros
termos, se sentir que há uma possibilidade de investimento, uma opor-
tunidade, é seu papel nos alertar, formalizar a oportunidade.”
O filme conclui-se com a “captura” de Vincent pelo capital finan-
ceiro – “captura” da subjetividade do trabalho – por exemplo, como
salientamos no grifo acima, a empresa exigira de Vincent um “grande
investimento pessoal” e a sua “perspicácia”. Além disso, é curioso como
o discurso empresarial é permeado de candentes ironias que talvez
ocultem a dimensão farsesca do capitalismo sob sua crise estrutural Na
verdade, o capitalismo como farsa constitui seu discurso hegemônico
a partir de singelas ironias, como por exemplo, reduzir a aventura hu-
mana à atividade de valorizar capital-dinheiro; ou ainda, dizer que não
haverá pressão excessiva sobre você ao mesmo tempo que salienta a
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Capítulo 6
“O Invasor”
Beto Brandt
(2001)
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Sociabilidade da perversão
O outro como mero meio de fruição do gozo particularista
Imputação ao Outro da culpa pela sua própria desgraça
Supressão do sentimento de culpa por meio de técnicas de
racionalização (e banalização) do Mal.
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balho (de Giba e Ivan) e lugar da vida (de Marina). Anísio não é um
estrangeiro na terra burguesa. Pelo contrário, está muito à vontade
naquele mundo social que descobre ser o seu – o mundo social das
práticas corrompidas (de Giba) e práticas devassas (de Marina). Anísio
sente-se muito à vontade na ordem burguesa degradada, afinal pergun-
temos: no que ele se distingue de Giba e Marina, pequeno-burgueses
que perderam o registro ético-moral da civilização burguesa?
O lúmpen Anísio luta pelo seu reconhecimento como parceiro da
ordem burguesa. De certo modo, Anísio poderia dizer: “Aqui é meu
lugar!”. Eis a assim dita acumulação primitiva buscando ser reconheci-
da pela ordem sistêmica do capital. Talvez Anísio tenha consciência de
que ele é o herdeiro veraz da ordem burguesa degradada.
Ora, é importante que se diga que a barbárie social não vem de
fora, como os antigos bárbaros que ocuparam Roma. Mas sim, ela
emerge de dentro da ordem perversa do capital que degrada em suas
entranhas, as relações humano-sociais. Anísio simplesmente invade o
que está corroído (e corrompido) pelo apodrecimento humano. Ele é
sintoma metafórico desta verdade histórica. A luta pelo reconhecimen-
to de Anísio é a luta espúria do poder intimidatório.
Numa das cenas do filme exclama Anísio, simulando disparar um
revólver, diante do espelho: “Clac clac bum! Respeito é pra quem tem!”.
Novamente, impõe-se o tema do respeito. Certa vez, Giba observou,
numa conversa com Ivan, que a ralé respeitava os detentores de poder.
Disse Giba que a ralé “só te respeita porque sabe que você tem mais po-
der que ele. Mas é bom não facilitar com essa gente.” Ao exclamar com
ostentação de poder (das armas) que respeito é pra quem tem, Anísio
valida a filosofia lúmpen de Giba.
Sob o mundo social do capital em fase de crise estrutural, em
virtude do agudo fetichismo social, tende a ocorrer a desefetivação dos
laços linguistico-comunicacionais. “Respeito é pra quem tem (poder)”,
exclamou Anísio. Deste modo, a luta pelo reconhecimento no interior
da ordem – no sentido de ocupar um território de poder – restringe a
sua margem de manobra, implicando assim, práticas intimidatórias.
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facilitar com essa gente.” Mais adiante, o lúmpen Anísio iria interpelar
Cícero acusando-o de furtar materiais da obra de construção civil. Ora,
o proletariado empregado encontra-se assim sob o cerco da pequena-
burguesia lumpenizada – detentora do poder gerencial - e do lúmpen
aburguesado – aspirante dos ideais de consumo e poder burguês..
O lúmpen Anísio é um personagem heurístico que expõe com no-
tável expressividade a miséria social do capital como poder impositivo.
Ele catalisa as prerrogativas gerenciais (e morais) do capital. “Deixa
tudo comigo. Eu vou estar pelos quatro cantos. Eu estar cercando” – diz
Anísio. Ora, ele cumpre uma função reminiscente - lembra a Giba e Ivan
o que eles, de fato, podem como gerentes do capital .
Deste modo, Anísio é o alter ego perverso de Giba e Ivan. É o es-
pectro do lúmpen que invade seu território para lembra-los, como re-
miniscência grotesca, o que eles são, de fato – capitalistas, detentores
do poder do capital, donos do mundo, proprietários que não dão trela
para ninguém. Diz Anísio: “Dono pode tudo. Dono manda prender.
Manda matar.” Nesse caso, Anísio destila a essência do poder burguês
– o despotismo cínico que – no caso da burguesia periférica – se impõe
pelo respeito mediado pelas prerrogativas de poder autocrático. Anísio
parece saber mais que Giba e Ivan. No discurso de Anísio, a percepção
do poder dos donos vincula-se a um imaginário do capitalismo de obje-
tivação colonial-prussiana, onde os proprietários são os donos do poder
. Transgredindo a lei – ou sendo a própria lei -, os burgueses periféricos
podem tudo (mandam prender e mandam matar).
O lúmpen Anísio ocupa o território da empresa, cercando os só-
cios Giba e Ivan. Mas ao se envolver com a jovem pequeno-burguesa
Marina, Anísio avança mais além na incorporação do território bur-
guês. Ele não apenas se impõe sobre os donos do poder, mas “captura” a
afetividade da jovem pequeno-burguesa, órfã dos pais trucidados pelo
próprio Anísio Eis um ato perverso de Anísio – envolver-se afetivamen-
te com a vítima de seus atos infames. Na verdade, Anísio cativa Marina
com seus gestos de atenção e segurança. Após a morte dos pais, a jovem
pequeno-burguesa submergiu numa deriva pessoal. Com seu talento
manipulatório, o lúmpen Anísio soube ocupar o vazio existencial da jo-
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Azar
Tolerância Zero
Às vezes não se pode fugir do azar
Às vezes não se consegue fugir do azar
Sinto lhe dizer, otário
Às vezes não se pode fugir do azar
Prejuízo tá fudido
Acredita no dinheiro
e na felicidade cuzão?
Cartas na mesa, sua alma em jogo
Já que o dinheiro te faz tão feliz
É melhor não acreditar no azar
Azar
Fim da balada
Cadê a cadela que lhe sorria
Como uma vadia?
Foi vendida se lembra?
Já não existe saída e você pensa
Eu devia ter matado a vagabunda
Eu podia ter matado a vagabunda
Azar
Me sinto apodrecer de ódio
com o azar gritando em minha cabeça
Azar
Eu devia ter matado a vagabunda
Eu podia ter matado a vagabunda
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Orgia
Paulo Miklos
Eu tenho fome
Eu tenho em mente
Uma grande orgia
Só o gosto
Por essas cenas
Que fazem você vibrar
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do veículo que vieram tomar satisfação com ele. Eis o ápice da inversão
social – um tema-chave que percorre o filme. Encurralado, o pequeno-
burgues se lumpeniza, sendo levado a agir como tal. Acuado, Ivan reage
de modo alucinado. Ainda quer fugir de modo desnorteado.
Ivan abandona seu veículo abalroado e corre na madrugada, pela
avenida, tendo ao fundo uma favela – é a paisagem do lumpesinato que
o cerca em sua fuga alucinada. De um lado, a pequeno-burguesia apo-
drecida (Giba) e de outro, o lúmpem aburguesado (Anísio). Ora, Ivan
é o pequeno-burgues encurralado pelos sintomas da barbárie social.
O tema da canção “Vai explodir”, da banda Pavilhão 9, que faz parte
da trilha musical do filme, trata do cerco do lumpesinato e seu ethos
decadente ao mundo burguês apodrecido.
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Conscientização de classe
Consciência de classe
(movimento do ser da contingência
(estado do ser)
em-si à necessidade para-si)
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“classe” pré-contingencia
Classe “em-si” Contingencia
Classe “para-si”/para-além-de-si necessidade
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Condição de proletariedade
Condição proletária
Homens e mulheres que trabalham
Núcleo proletário propriamente dito
implicados nos atributos existenciais
diretamente explorado pelo capital
da proletariedade
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dos pelo modo de produção capitalista (numa cena do filme, por exem-
plo, Otávio reclama do descaso do poder público com o bairro operário,
explicitando uma insatisfação candente com a classe política). Na ver-
dade, o núcleo proletário vive com intensidade os atributos existenciais
da condição de proletariedade.
Outro elemento compositivo da condição de proletariedade que
aparece no filme é o (3) desejo de consumo. Ao saírem do cinema, Tião
e Maria passeiam a noite pelo centro comercial em direção ao ponto de
ônibus O olhar de Maria expressa seu desejo de consumo das mercado-
rias exibidas nas vitrines. Operários e operários fascinados pelos apelos
das mercadorias, alimentam sonhos legítimos de melhores salários para
terem acesso às comodidades da sociedade de consumo. Por exemplo,
o pai de Maria pede emprestado ao mestre-de-obras um adiantamento
de 200 cruzeiros. Numa das primeiras cenas do filme, uma mercadoria
em promoção está em oferta por 30 cruzeiros, pouco menos de ¼ do
valor adiantado do salário do operário da construção civil.
A (4) “ambição de ascensão social” é um traço contingente com-
positivo da condição existencial de proletariedade. Este é um dos senti-
mentos contingentes intrínseco às individualidades pessoais de classe
imersas na condição de proletariedade. O candente anseio de ascensão
social de Tião tem que ser apreendido, por um lado, no contexto da per-
cepção (de Tião) do fracasso do pai em dar um melhor padrão de vida
para a família; e, por outro lado, mediado pelo sentimentos de medo
do pai perder o emprego e ele tornar-se provedor de duas famílias.
O tempo de trabalho estranhado impõe um tempo de lazer como
entretenimento para os homens que trabalham. Portanto, o (5) lazer
operário como entretenimento é outro traço compositivo da condição
de proletariedade. Além disso, é um espaço de sociabilidade necessária
na instância da reprodução social (por exemplo nas cenas do filme “Eles
não usam Black-tie”, o jovem casal operário Tião e Maria freqüenta o
cinema, que em 1981, ainda não estava localizada nos shopping center;
Maria flerta com as mercadorias, sonhos de consumo nas vitrines da
loja; no final de semana, Tião freqüenta a mesa do bar e a sinuca e de-
pois, passeia com a namorada num parque/balneário público. Noutra
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vive e exclama que a visão de mundo do pai com suas idéias de que
“precisa organizar a classe operária” e “num sei lá de história”, é que
levou a familia a ficar “na mesma merda”.
Ora, como salientamos acima, Tião, o jovem operário, cresceu
durante a ditadura militar e suas utopias pessoais estão “contamina-
das” pela ideologia da conformação particularista. É uma geração cas-
trada em sua capacidade de perceber que o novo sempre vem a partir
da ação coletiva. A dimensão do coletivo é meramente uma abstração
para Tião (diferentemente de Otávio, onde o coletivo político é um eixo
prático-ontológico que organiza suas escolhas morais). É a partir do
coletivo político, com sua manifestação prático-sensível, que Otávio
pode afirmar que os tempos são outros. Diz ele: “Os trabalhadores es-
tão se organizando”. Por isso, ele diz: “É hora de batalha. Vai lá, Tião.
Aparece nas reuniões.” Tião só percebe a si mesmo e a sua dimensão do
coletivo é egoisticamente autocentrada.
Embora Tião tenha dito que não é covarde, sua atitude em “furar”
a greve, possui um fundo idiossincrático: ele tem medo (é o que obser-
vou Otávio) – medo de assumir responsabilidades pelas quais ele não
está preparado (eis o inferno astral de Tião: vai constituir família, tendo
em vista que Maria está grávida; vai sustentar a família da noiva, tendo
em vista que o pai de Maria foi morto num assalto e a mãe e irmãos
de Maria devem morar com ele; e finalmente, diante do risco da greve,
Tião vislumbra a possibilidade do pais ser demitido e ele ter que assumir
também a família do pai). Por isso, é o mundo das responsabilidades fa-
miliares que submete (e transtorna) o jovem operário às contingencias
instrumentais da classe. O medo é o afeto regressivo na alma de Tião –
através dele, negocia seu consentimento à ordem do capital.
Mas a atitude moral de Tião representa uma visão de mundo antí-
poda a de Otávio. Ele não percebe que a dialética do real e o movimento
da classe no sentido de negação da negação – mesmo que assumin-
do formas contingentes. Otávio procura ensinar-lhe isso utilizando a
metáfora da poça d’água versus a corrente do riacho. Mas Tião não se
convence: há um abismo geracional entre pai e filho.
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fura-greve, seja o grão que não presta. A luta de classes que perpassa a
reprodução social dilacera os laços humano-familiares. No movimento
da classe enquanto uns se perdem na ideologia do capital, tornando-se
grãos que não prestam, outros conseguem avançar na sua consciên-
cia social, contribuindo para o processo de desenvolvimento histórico.
Ocorre irremediavelmente uma seleção moral que exclui aqueles que –
como grãos de feijão imprestáveis – devem ser excluídos Ao expulsar o
filho Tião de casa, Otávio reafirma o valor do núcleo humano-familiar
a partir de valores da classe social do proletariado. O valor moral fun-
damental e fundante da classe do proletariado é a solidariedade. É um
valor moral sagrado que está na base ontológica da comunidade huma-
na. Ao tornar-se fura-greve, Tião renegou àquilo que sempre marcou o
militante Otávio. Por iss, como um grão de feijão que não presta, pre-
cisava ser jogado fora.
A jovem operária Maria, noiva de Tião, é a figura da nova mulher
que busca uma vida digna diante da miséria humana do mundo social
do capital. Ela vem de uma família pobre, cujo pai é operário da cons-
trução civil desempregado (que depois consegue um emprego) e a mãe
adoentada, sofre com a embriaguez recorrente do marido. Quando o
pai bebe, para desafogar a angústia do desemprego, oprime a família.
Maria Chega a exclamar para si: “Não agüento mais essa vida”. Ela divi-
de o quarto com o irmão mais novo (Bié). Maria vive o drama da jovem
operária oprimida pela miséria da família e cujo horizonte de vida está
além daquele berço originário. Como Tião, ela está insatisfeita com a
miséria operária. É a jovem geração operária que diante do mundo das
mercadorias sonha com uma vida melhor. Mas, ao invés de Tião, Maria
alimenta o valor da solidariedade de classe.
Maria é a mulher operária digna que luta não apenas pelos seus
direitos de mulher, mas pela dignidade da classe que almeja uma vida
melhor. Não possui um discurso feminista, mas sim, um discurso de
afirmação da classe social do proletariado onde a luta necessária é a
luta social contra toda forma de exploração (de classe) e opressão (in-
clusive, a opressão de gênero). O machismo de Tião está subsumido
ao seu filisteísmo de classe. Talvez, Maria perdoasse Tião se ele fosse
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gente”. E arremata: “Vão bater em todo mundo que furar a greve? E vão
descontar nesse bunda-mole que não enxerga a não ser ele mesmo? “.
O movimento da greve operária ocorre num crescendo de en-
frentamento entre operários grevistas e o aparato policial a serviço dos
capitalistas. Por um lado, os piquetes operários tentam impedir que
companheiros e companheiros entrem na fábrica para trabalhar. Por
outro lado, a repressão policial tenta dispersar a concentração operária
na frente das fábricas.
A formação da consciência de classe implica intrinsecamente luta
de classe onde se explicitam os interesses estruturais antagônicos en-
tre capital e trabalho. A greve é o momento privilegiado de formação
da consciência de classe do proletariado, impulsionando o movimento
para a constituição do “em-si” da classe. O “em-si” da classe é o pri-
meiro modo de aparição da classe social do proletariado na história.
É a classe social que age de modo coletivo e se distingue diante das
personas do capital. Torna-se muito claro o “nós” e “eles”.
Os patrões aumentaram o policiamento para impedir piquetes.
Santini exclama: “A turma da noite não entra”. A multidão da classe ex-
clama: “Trabalhador unido jamais será vencido” ou ainda “A greve con-
tinua”. Sempre voluntarista, Santini grita: “Não tem essa de ter medo de
repressão, não!”.
Nesta cena do filme vemos com clareza as diferenças políticas de
encaminhamento da ação grevista numa situação tensa – por exemplo,
enquanto o italiano Santini exacerba o confronto, visando garantir o
piquete, o negro Bráulio procura evitar o enfrentamento com o aparato
policial, inclusive recuando caso seja necessário. Bráulio exclama: “Não
precisa violência! Vamos dispersar!”. Ou ainda: “Calma, gente!”. Ora,
Bráulio é o homem da mediação política do processo de luta de classe,
evitando aceitar provocações que possam significar a derrota da luta
sindical da categoria assalariada
O aparato repressivo do capital sempre se utiliza de provocações
para provar o movimento coletivo da classe. Não existe movimento
coletivo da classe que não seja provocado pelo statu quo. Nesse caso,
prova-se a inteligência politica do movimento social que deve, por um
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G. Aronson foi uma rede de varejo com sede em São Paulo es-
pecializada na venda de eletrodomésticos. Controlada por Girzs
Aronson, teve sua falência decretada em 1998. Seu Fundador, nas-
ceu em 18 de janeiro 1917, o russo de origem judaica construiu um
império de lojas que chegou a contar com 38 unidades no Estado, e
um faturamento de R$ 350 milhões por ano. Ele chegou ao Brasil
com 2 anos e começou no comércio aos 12, vendendo bilhetes de
loteria em Curitiba (PR), onde morava com a mãe -viúva- e os
irmãos. A fama veio quando Aronson vendeu um bilhete premiado
e recebeu do apostador parte do dinheiro. Em 1944, uma empresa
de casacos de pele do Rio o convidou para ser representante de
vendas em São Paulo. Foi naquele ano que ele abriu a empresa G.
Aronson. Chegou a vender 170 casacos em um mês, comprou um
Dodge, carro cobiçado da época, e expandiu os negócios. Nos anos
1960, criou a Gurilândia, especializada em artigos infantis. A rede
G. Aronson começou a se expandir nos anos 70, após comprar uma
loja de fogões em dificuldade financeira. Em junho de 1999, a G.
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Capítulo 8
“Pão e Rosas”
Ken Loach
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Capital global
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Sistema do Capital
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irmã, que clama para que eles não a levem embora. Entretanto, Maya é
levada à força por eles. Um dos mafiosos captura Maya para seduzi-la.
Com a astúcia da mulher jovem proletária, Maya consegue fugir das
garras do mafioso.
Ora, no mundo do capital, onde a palavra dos donos do Poder,
é a lei, que fazem sempre o que querem, a jovem mulher proletária,
do suposto “sexo frágil” é obrigada a usar, com graça e agilidade, seus
dotes naturais para seduzir e contornar, com astúcia e esperteza, as ar-
timanhas canalhas das personas perversas do capital.
Em terras estrangeiras, os proletários imigrantes cultivam sau-
dades da terra de origem. Maya leva várias fotografias de família para
mostrar a irmã. As fotografias, como imagens de referência afetiva, con-
tribuem para uma aproximação virtual entre parentes distantes. Rosa
e sua família comentam as fotos trazidas por Maya: “Olhe ela com seu
vestido de festas”. E diz: “Este é o vestido que lhe mandamos”. E revêem
pelas fotografias, Valéria com seu vestido de festas e o tio Quique.
O capitalismo global ao desenvolver novas tecnologias de infor-
mação e comunicação, como Internet, aproximou mais ainda, imi-
grantes proletários que estão em terras estrangeiras, contribuindo para
ativar memórias de família e saudades da terra natal. Com a mundia-
lização do capital, intensificaram-se os fluxos de migração laboral, na
mesma medida em que, surgiram novos instrumentos de comunicação
à distância que aproximam, mais do que nunca, homens, mulheres e
famílias que estão em países distantes.
Ao chegar em L.A., Maya almeja conseguir um emprego. A irmã
Rosa diz: “Conheço alguém que tem um bar. Arrumo emprego pra você lá”.
Mas Maya observa: “Quero trabalhar com você limpando escritórios.”
O setor de serviços das metrópoles capitalistas tende a absorver
o imenso contingentes de imigrantes proletários dispostos a trabalhar
a qualquer custo. De serviços em bares às atividades de faxinas, sur-
gem muitas oportunidades de empregos precários para trabalhadores
imigrantes ilegais. Maya vai trabalhar num barzinho, mas reage contra
o assédio de clientes, imigrantes latinos (da Guatemala). Insatisfeita,
abandona o emprego (ou é despedida) e vai trabalhar com a irmã Rosa
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ve para si. Eles não se vêm como pessoas humanas, mas como meras
projeções fetichizadas do capital – imagens- fetiches de força viva de
trabalho como mercadoria.
É por isso que, numa cena do filme, Luiz, um colega de trabalho
de Maya observa: “Já lhe contei minha teoria sobre uniformes? Ele nos
tornam invisíveis.” Na verdade, os uniformes não produzem a invisibi-
lidade; eles apenas sacramentam – no sentido de compor um ritual – a
invisibilidade proletária em si e para si.
Ao tornar-se empregada da Angel, a jovem Maya preserva o es-
pírito irreverente e transgressor. Em seu íntimo, ela quer provocar o
outro mundo social – o mundo dos burgueses. Numa cena do filme, ela
apertou todos os botões do elevador para fazer aqueles executivos dos
escritórios que estavam saindo de uma reunião de negócio, descerem
lentamente, andar por andar. Como uma menina travessa, neste pe-
queno ato malcriado, ela quer quebrar a pseudo-concreticidade da vida
cotidiana daqueles empregados burgueses.
É curioso o trecho de conversa daqueles executivos inquilinos do
prédio. Um deles diz: “Se não funcionar, você vai ficar com as ações
podres até o pescoço.” Ora, a miséria do capital atinge, de outro modo,
empregados burgueses obrigados a aceitarem como forma de paga-
mento salarial, ações da empresa em que trabalham. É o lado perverso
do capitalismo global, que implica as vítimas com os interesses de seus
carrascos. Foi o que aconteceu com a crise da globalização: a “nova eco-
nomia” não funcionou, a bolha financeira estourou, e muitos executi-
vos ficaram com as ações podres – sem nenhum valor – até o pescoço.
Sam Shapiro é um organizador profissional do Sindicato dos Fa-
xineiros (o Service Employees International Union (SEIU), cuja campa-
nha nacional “Justiça para os Faxineiros”, visa organizar os empregados
na luta por melhores salários e benefícios sociais, como o plano de saú-
de. Sam consegue acessar o prédio, driblando os vigilantes.
A luta pela organização sindical é uma luta árdua na medida em
que algumas empresas nos EUA adotam políticas anti-sindicais. Além
disso, a sociedade burguesa tardia tende a constituir seu metabolismo
social emulando o espírito do individualismo, verdadeiro obstáculo do
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não pagam seguro saúde”. Eis as condições objetivas que colocam a ne-
cessidade histórica da luta proletária contra o capital.
Sam Shapiro, como organizador (e estrategista) da luta sindical
esboça para as empregadas faxineiras o esquema de funcionamento
do sistema de produção do capital naquela “indústria de serviços de
limpeza”. Diz ele: “Tem os donos; depois vocês têm as contratadoras de
serviços; e depois têm os inquilinos.” E prossegue: “Os inquilinos têm
muitas coisas: corretoras, grandes bancos, alguns dos maiores bancos
do país operam neste edificio; esses caras têm tremenda reputação…”.
Ora, Sam sabe que, a luta de classes, como toda luta social que se
preza (e a luta sindical é uma dimensão contingente da luta de classes),
exige, acima de tudo, estratégia de ação que implica, como pressuposto
necessário, um conhecimento claro e objetivo do terreno da luta (por
exemplo, como se organiza o campo da produção do capital naquele
setor especifico). Os empregados faxineiros precisam ter uma visão
clara da totalidade concreta daquele terreno do capital, não apenas
para saber como agir, mas onde intervir estrategicamente visando fazer
avançar a luta pela dignidade salarial (nesse caso, trata-se de luta por
melhores salários e direitos trabalhistas). Enfim, como temos salienta-
do, não se coloca, nesse caso, em questão, a relação-capital, mas apenas
o modo de regulação salarial.
Após esboçar o esquema do sistema de produção do capital na-
quele determinado prédio, local de trabalho das empregadas faxineiras
subcontratdas pela Angel, Sam Shapiro avança mais um pouco suge-
rindo o primeiro passo. Diz ele: “O que temos de fazer é pressionar es-
tes caras [os inquilinos] a contratarem companhias sindicalizadas.”
É interessante que, nesse caso, a luta sindical deve incidir não
contra a empresa contratadora de serviço – no caso, a Angel – mas, sim,
sobre os inquilinos. Enfim, deve-se pressioná-los a contratar apenas em-
presas sindicalizadas que possam garantir dignidade salarial para seus
empregados. Os inquilinos têm o poder de pressionar as companhias
contratadas a se adequarem a um novo modo de regulação salarial.
A questão é como pressionar os inquilinos do prédio comercial,
constituído por corretoras e importantes bancos norte-americanos (é
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