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Resenha do livro: O ESTADO

Georges Burdeau

O livro começa tratando sobre o nascimento do Estado e a sua relação com


questões históricas e vai além, relacionando-o com uma ideia fruto da inteligência
humana. Há um momento em que Georges Burdeau fala do espírito presente nele.

Além disso, o Estado carrega um ideal de luta política, trazendo ideologias e


interesses presentes no seu povo. Georges faz uma crítica que atualmente, no Estado, o
seu povo possui imperativos técnicos e só se justifica pelo que o corpo social espera
dele, entretanto, saindo de um pensamento técnico, o Estado é muito mais do que isso,
pois ele carrega a ideologia de um povo, trazendo o seu espírito e elementos como:
povo, nação, território e muito mais do que isso, o seu espírito, seus ideais, signos e sua
estrutura na prática, formada pela ideologia de um povo.

Quando Georges Burdeau levanta a hipótese de: O Estado, o que será?

Pode-se fazer uma relação com a hipótese levantada pelo professor Ivo Dantas de que
seria correta a informação de que o Estado nem sempre existiu e nem sempre existirá? E
sim, a hipótese não é refutada, ela pode ser afirmada, pois, antes do período moderno,
não havia um Estado, e sim organizações políticas, e o Estado configuraria como uma
das espécies do gênero da Organização Política. Tinha-se, historicamente, a organização
política na Antiguidade, com a Pólis Grega e a República Romana, depois, tinha-se a
organização política da Idade Média, e só com o apogeu do período moderno, é que
pode-se falar em Estado. Para o professor Ivo Dantas, a expressão “Estado Moderno”
poderia até configurar-se como um pleonasmo, haja vista o Estado ter surgido no
período Moderno e essa expressão só teria sentido se fosse acompanhada nos textos de
uma sequência de “Estado Moderno” e “Estado Contemporâneo’’, por exemplo.

Para Burdeau:

Nunca ninguém viu o Estado. Quem poderia negar, porém, que ele
seja uma realidade? O lugar que ele ocupa em nossa vida cotidiana é
tamanho que não poderia ser retirado dela sem que, ao mesmo tempo,
ficassem comprometidas nossas possibilidades de viver. Nós lhe
atribuímos todas as paixões humanas: é generoso ou avaro, engenhoso
ou estúpido, cruel ou bonachão, discreto ou invasivo. E, como
consideramos sujeito a esses movimentos da inteligência ou do
coração que são próprios do homem, dirigimos a ele os sentimentos
que, comumente, nos inspiram as pessoas humanas: a confiança ou o
temor, a admiração ou o desprezo, amiúde o ódio, mas por vezes
também um respeito temeroso em que uma atávica e inconsciente
adoração do poder se mescla a necessidade que temos de acreditar que
nosso destino, por mais misterioso que seja, não abandona ao acaso.
(BURDEAU, 2005)

É necessário entender que os homens inventaram o Estado para não obedecerem


aos homens, fazendo dele um suporte de poder em que a necessidade e o peso são
sentidos todos os dias, porém, curvam-se a uma vontade inevitável que é o Estado, sem
sentirem-se sujeitos a necessidades humanas. O Estado possui por fim em si mesmo um
espírito ligado ao poder, traçando relações entre governantes e governados que não seja
uma relação de força.

No tocante a nação, nasce um sentimento ligado às mais íntimas fibras do nosso


ser. Ela depende mais do espírito do que da carne. E a que o espírito adere através dela é
à perenidade do ser coletivo. Segundo A. Malraux. “O espírito dá a ideia de uma nação”
e ainda afirma que “mais o que faz sua força sentimental é a afinidade dos sonhos.”

A nação significa continuar a ser o que se foi e, em consequência, assegurar,


através da interdependência material, aa coesão social pela fé numa recordação em
comum; é uma possibilidade de sobrevivência pela qual o homem corrige a fugacidade
do seu destino pessoal.

Sobre o problema nacional nos Estados novos, o que é fundamental é o


problema nacional. Em todos os países antigos, é a nação que se fez o Estado, ele
formou-se lentamente nos espíritos e as instituições foram unificadas pelo sentimento
nacional.

Os Estados mais evoluídos tende a livrar-se das fronteiras nacionais, em toda


parte são empreendidos esforços para dissociar o Poder de sua primitiva base nacional.
Mas a superação da nação supõe que ela exista. É por terem de inicio encontrado nela o
apoio que lhes permitiu existir que os Estados hoje podem abordar o problema de uma
autoridade supranacional. Os Estados novos ainda não estão nessa fase e a única coisa
que se possa desejar racionalmente é que, com a ajuda da aceleração da história, eles
não demorem muito tempo na etapa do egocentrismo nacional.

No tocante ao poder e a autoridade, é necessário que sejam acompanhados de


Uma reflexão sobre o próprio poder. Uma vez que o Estado é uma ideia, é evidente que
supõe espíritos aptos para pensa-lo.

Por certo, a arbitrariedade, se ocorre, é sentida como uma injustiça e como um


abuso; discerne-se a solidariedade entre o Poder e o objetivo social já que, quase
sempre, a deposição do chefe é a sanção de seu fracasso.

Para que se formasse o conceito de Estado, cumpria que o poder, que é a


possibilidade de ser obedecido, fosse acompanhado da autoridade, que é uma
qualificação para dar a ordem.

Como eles concernem tanto à mentalidade dos governados como a dos


governantes, sua apresentação e até sua escolha não excluem certa arbitrariedade, na
medida em que o movimento não se realizou em todo o lugar, no mesmo ritmo e com o
mesmo vigor.

Sobre a busca da segurança, o poder deve ser provedor da tranquilidade, um


fator da estabilidade social. Se tudo desaparecer com o chefe, qual projeto sobreviverá a
ele? Mas também, se tudo repousar em sua vontade, quem garantirá que ela não é
arbitrária? O reinado do chefe provoca a instabilidade social porque implica a incerteza
da regra.

Não foi por acaso que, no momento em que se formou a ideia moderna do
Estado, o perigo da arbitrariedade foi um dos considerados com mais frequência pelo
próprio espírito. A arbitrariedade, cuja experiência tinham, nasceu na consciência dos
governados, um dilema que foi uma poderosa alavanca da evolução política: ou o poder
é ligado a uma função em que encontre ao mesmo tempo seu título e seus fins, ou é uma
propriedade de certos indivíduos e, por conseguinte, o instrumento de suas vontades ou
de suas fantasias.

Na laicização da função política e a repugnância pela submissão pessoal, a


focinheira releva-se da tutela da igreja, repudiavam as barreiras morais que ela poderia
ter oposto à ação deles.
Há, ainda, uma coincidência entre a formação da instituição estatal no século no
século XVI e o enfraquecimento da dominação católica consecutivo ao renascimento.
Deve-se constatar, porém, que a formação do Estado nacional, já favorecida pelo
fracasso de um Santo Império romano-germânico corresponde à universalidade católica,
foi tornada mais necessária, ainda, pelo declínio momentâneo da fé.

A laicização da função política foi acompanhada de sua ampliação geográfica.


Ora, quando a coletividade aumenta e o território se estende, os governantes se
distanciam dos governados. A distância física se acrescenta o afastamento sentimental.
É rompido o contato entre quem dá a ordem e quem a obedece. A autoridade do chefe,
que primitivamente se baseava na submissão pessoal de cada um dos membros do
grupo, tende a ser substituída pela ascendência da ideia representada pelo chefe.

Para Burdeau, não é o Estado que é perigoso para a dignidade da pessoa


humana, é a dominação do homem pelo homem. E, se acreditamos poder dizer que o
Estado é artifício, compreendemos melhor agora o sentimento da construção intelectual
que finaliza nele. É o significado que se prende a todo empreendimento pelo qual o
homem se arranca da subordinação em que o mantêm sua natureza própria e as forças
exteriores, para elevar-se à condição de um ser de razão.

A preocupação com a segurança que anima os governados coincide, por suas


consequências, com a vontade dos governantes de serem tidos como legítimos. Poucos
chefes há que, tendo força de comandar, não procurem fazer que lhes reconheçam esse
direito.

Ao poder que se impõe, ela acrescenta a qualidade vinculada a um poder


consentido, uma vez que ninguém pode pretender-se autoridade legítima, se não é
reconhecido como tal.

Não há, de fato, outras definições da legitimidade além de que a apresenta com
um Poder fundamentado no direito. E a busca da legitimidade, que conduz
obrigatoriamente, a dissociar o poder das personalidades que o exercem. A legitimidade
implica em uma relação: não há legitimidade em si, mas consoante esse ou aquele
princípio
Na busca da duração, a mesma preocupação que incita os chefes a fazer que lhes
reconheçam a legitimidade, levou-os a assegurar a continuidade do Poder. E, também,
essa preocupação totalmente pragmática redunda na ideia de estado.

Nos primórdios do século XVI, quando ganha forma a ideia do Estado, a busca
da duração do Poder foi uma verdadeira obsessão entre os teóricos práticos. Toda a obra
de Maquiavel, principalmente, pode ser considerada uma coletânea de máximas e de
receitas destinadas a garantir a estabilidade da autoridade. É que, numa época em que as
dinastias, as casas, as famílias, os príncipes se sucediam no palco político, nenhuma
empreitada parecia mais urgente do que fortalecer as possibilidades de duração dos
regimes estabelecidos. A duração é a condição de uma obra de longo fôlego e, na aurora
dos tempos modernos, não é exagerado pensar que os homens mais clarividente
pressintiam sua amplitude.

O Estado também não morre. Indiferente à sucessão dos governantes, ele


assegura a permanência dos atos deles desde que, regularmente realizados, possam ser-
lhe imputados.

No caso da ambiguidade do Estado, a base de um poder desencarnado, mas ao


mesmo tempo provedor do poder dos homens que governaram em seu nome, o Estado é
um Jano de quem, uma face, a que é serena, reflete o reinado do direito e a outra,
atormentada se não retorcida, é marcada por todas as paixões que animam a vida
política.

Essa ambiguidade está na origem dos juízos contraditórios de que é objeto o


Estado é evidente. O oráculo diz o direito pela boca dos homens. Suas decisões são
enobrecidas pela autoridade prestigiosa que se vincula à norma jurídica, mas sua
substância é nutrida dos interesses, das ambições, das ideologias de que as forças
políticas que se enfrentam na sociedade extraem um poder incessantemente renovado.

A ideia do Estado mostra-se assim um artifício graças ao qual as vontades que,


tanto em sua origem como em sua substância, são vontades humanas que podem ser
imputadas a uma entidade.

O Estado funciona como uma expressão de uma vontade refletida; são uma
reação contra impulsos naturais, uma resistência da inteligência aos convites que
emanam das partes obscuras de nossa natureza. O Estado, para se formar, necessita que
cada qual exerça sobre si próprio um controle, reflita nas exigências da ordem jurídica e
pense o Estado como um instrumento de realização de nosso destino temporal.

O Estado é criado pelo espírito, ele o é, como todas as coisas criadas pelo talento
humano, em conformidade com um certo ideal. Quando os indivíduos pensam o
Estado, é mesmo vendo nele uma instituição destinada a funcionar segundo certas
normas e visando uma finalidade que aceitam. O Estado reflete o pensamento, ele é
artifício, é uma criação contínua que exige por parte dos indivíduos um esforço de
pensamento pelo qual seus mecanismos e sua atividade adquirem um verdadeiro
sentido.

No que se refere ao Estado e ao Direito, todo o esforço do pensamento político


tentou dissociar o Poder das personalidades que o exercem. O conceito de Estado
purifica o Poder, separando-o das vontades dos chefes para deixa-lo referente à ideia,
que é a primeira base do poder, também é o fundamento do Direito.

A sociologia contemporânea coloca o critério da socialidade, não procede de


uma unidade já pronta, ele se forma a propósito de uma unidade, por fazer ou se deixar
consolidar.

Há a ideia de um conjunto de regras que ao impor uma disciplina, irão orientar


comportamentos individuais de tal sorte que se realize o futuro esperado. Essas regras
são as regras do direito e por isso Burdeau qualifica como ideia do direito a
representação da ordem desejável que, em dada sociedade, constitui uma linha de força
da mentalidade coletiva na qual ela cristaliza o consenso dominante.

Os governantes podem influenciar a ideia de direito, o conhecimento que têm


dos problemas da vida política, o cuidado que devem ter com o bem comum do grupo
criam-lhes um dever de esclarecer a opinião pública, de fazê-la compreender a
necessidade de certas medidas que, pareceriam indesejáveis, e rever a ideia de direito
aceita.

O Estado é poder, mas não é o único poder existente na coletividade. Há nela


uma pluralidade de representações da ordem desejável e uma multiplicidade de poderes.
Sua rivalidade constitui um motor da vida política, pois o objetivo desta reside na
conquista do poder estatal que sancionará a pretensão do Poder vitorioso a fazer-se
reconhecer como o único autorizado a imputar suas vontades ao Estado.
O Estado se mostra a única força capaz de conceber as condições dessa
integração e de lhe promover a realização que ele encontra, na mentalidade coletiva, a
energia necessária para impor a arbitragem na concorrência dos poderes de fato.

E numa democracia, o poder não é medido pelos textos, mas pela confiança que
o povo concede a quem dele é investido. A partir do momento em que ela vai ao órgão
dos partidos, o parlamento, o chefe do Estado corre o grande risco de passar do papel de
árbitro para o de espectador desiludido.

No que se refere ao Poder Estatal e o problema existem dois níveis de


consciência política que Burdeau distingue com clareza da exposição, não são separados
por uma divisão estanque: viver junto não é possível de fato, sem aceitação de certa
maneira de viver. Isso quer dizer que o consenso não elimina os problemas; integra-os.
E é precisamente, pelo fato do estado se mostrar uma única força capaz de conceber as
condições dessa integração e de lhe promover a realização que ele encontra, na
mentalidade coletiva, a energia necessária para impor sua arbitragem na concorrência
dos poderes de fato.

Numa democracia, o poder não é medido pelos textos, mas pela confiança que o
povo concede a quem dele é investido. A partir do momento em que ela vai ao órgão dos
partidos, ou seja, ao Parlamento, o chefe de Estado corre o grande risco de passar do
papel de árbitro para o de espectador desiludido.

O poder estatal se liberta da tutela em que o mantinha o espírito dos homens, ele
se torna o instrumento da sociedade estabelecida. Tudo parece ocorrer como se tendo
subjugado as mentalidades individuais, a sociedade técnica subordinasse a si, por
intermédio delas, um Estado que, desde então, se qualificaria apenas pelos serviços que
lhe presta, ou seja, a sua função.

A atividade política se ordena em torno de dois eixos fundamentais: tomar o


poder e exercê-lo. O poder não exclui o seu exercício, e as sociedades, mesmo agitadas
pela confusão que eles provocam, são governadas e salvo no momento de total anarquia,
não há lacuna no cumprimento das funções dirigentes. O poder passa na frente das
atividades inerentes à sua função ou que, inversamente, o cumprimento das tarefas
governamentais retenham mais as energias sociais do que as mobilizadas pelo combate
para apoderar-se do título para cumpri-las.
Na desvalorização da luta política, muitos fatos poderiam ser lembrados como
testemunho dessa desvalorização da luta política. Um dos mais evidentes é a perda da
originalidade da ideia socialista. A partir de 1880 e durante cerca de três quartos de
século, ela foi o motor essencial da conquista do poder. Embora o socialismo seja, em
seu princípio, uma teoria da organização social, deveu a maior parte de sua propagação
ao fato de ser entendido pelas massas que aglutinava como uma doutrina de subversão.
Tomar o poder ou conservá-lo, essas eram as duas perspectivas que regiam toda a
dinâmica política. Só que a estratégia de luta foi conduzida de tal forma que o ímpeto
revolucionário acalmou-se no reformismo.

Na segunda metade do século XX, houve a expansão econômica consciente,


continua e socializada. Numa economia em expansão, o relativo bem-estar dos
indivíduos permite-lhes alargar o campo das suas relações, deixando de estar sujeitadas
à sua condição de trabalhadores, participam dos diversos meios. Sua personalidade se
enriquece com participações múltiplas. A acuidade da luta se acalma porque os campos
já não são nitidamente delimitados. A ideologia se esfuma para dar lugar a uma visão
mais fluida, mais acolhedora às aspirações dos outros membros da coletividade. Da
mesma forma, no plano político, as atividades de gestão são aquelas da qual toda
ideologia está excluída e que tendem a utilizar as energias incluídas na sociedade para
promover o seu desenvolvimento no sentido do bem comum.

O fator mais ativo dessa promoção das atividades de gestão em detrimento


daquelas orientadas para a luta foi decerto uma interpretação mais realista das condições
técnicas do progresso social. Parece não haver dúvida de que essa interpretação abrigue
segundas intenções políticas.

A condição do desenvolvimento econômico reside na amplitude dos


investimentos, na exatidão da previsão e no equilíbrio das trocas, os investimentos ,
porque permitem o equipamento industrial de que depende do crescimento da produção;
a previsão, porque ela evita as manobras erradas que desperdiçam as energias; o
equilíbrio das trocas, para impedir que o excesso de oferta, saturado o mercado, venha
frear a produção e provoque o desemprego. Todas essas condições exigem que sejam
excluídos os distúrbios exógenos ao mundo econômico, especialmente as crises
políticas, que comprometem o crescimento.
Sobre as características do Estado funcional, os sinais incontestáveis do declínio
da luta política levam a pensar que eles não são causados por uma conjuntura
passageira. Revelam a incompatibilidade entre certos tipos de sociedade e as formas
tradicionais de atividade política. Georges Burdeau gosta da expressão Estado
Funcional, só que ela tem o inconveniente de parecer aderir a uma moda terminológica,
o que não seria funcional hoje em dia? Mas essa própria servidão insere esse novo tipo
de Estado num contexto de verbalismo tecnológico em que, afinal de contas, ele não
está deslocado.

O Estado é um poder, ele próprio energia de uma ideia. O Estado funcional é


igualmente um Poder, mas sua originalidade se deve à natureza ou à substância da ideia
que esse poder encarna. Também o Estado funcional repousa numa ideia cuja base é a
sociedade. Só que essa ideia é na realidade um imperativo. Ela não nasce de uma
imagem que os indivíduos fazem de um futuro desejável; procede diretamente das
estruturas sociais existentes. Todo subjetivismo está excluído dela, pois ela se limita a
registrar as exigências objetivas dela, pois ela se limita a registrar as exigências
objetivas que comandam o bom funcionamento da sociedade.

O poder estatal não é nada além do que um poder acorrentado pela sociedade
tecnológica. Essa concepção pode seduzir por seu realismo. Nem por isso deixa de ser
politicamente marcada. Já o principio da autoridade e de uma responsabilidade
funcionais do poder político parece indispensável para impedir a exploração do homem
que seria mais rigorosa do que nunca o foi se as consequências dos progressos técnicos
se impusessem sem controle e sem compreensão.

Na ressurreição do despotismo esclarecido, o Estado funcional encarna o Poder


de uma sociedade a um só tempo inquieta e sossegada. Inquieta, pois sem ele, ela já não
poderia dominar seu destino. Sossegada, porque toma consciência do perigo que suas
divisões poderiam causar ao que ela aspira acima de tudo; o conforto material na
segurança do amanhã. O Estado funcional se pretende um Estado popular, mas o que
espera do povo é a base proporcionada pela adesão da razão e não a energia liberada
pelas paixões. É o Estado de um povo adulto, instruído, sensato e paciente.

No Leviatã teleguiado, a diferença entre a razão e o século das luzes e a


racionalidade do nosso tempo é fundamental. A primeira libertava o espírito para torna-
la senhor das coisas, descobria no homem os valores que depois imporia aos
mecanismos sociais. A racionalidade que professamos nos sujeita ao peso da sociedade
existente e erige em valores os procedimentos que a sustentam. É por isso que o novo
déspota, por mais esclarecido que seja, ou se pretenda ser, na realidade, é apenas um
Leviatã teleguiado.

Depois, Burdeau volta ao ponto inicial: o Estado é a ideia. Não podemos


surpreendermos-nos com que ele valha o que valem os espíritos com que ele valha o
que valem os espíritos que o pensam. Se o considerarmos em sua neutralidade de
conceito, podemos apreciar apenas o esforço de pensamento que, por ele, purifica o
Poder. Sua institucionalização permite destiná-lo a finalidades que escapam à
arbitrariedade dos governantes. Por ela, os governantes têm a possibilidade de ter
acesso a responsabilidade política, pois que depende deles que a disciplina necessária à
coesão da comunidade seja a expressão de uma ordem na qual consentem e não o efeito
de uma força que lhe seja estranha.

Por fim, chega-se a conclusão de que o poder poderia ser mais satisfatório do
que aquele cuja subordinação aos imperativos técnicos o subtrai à influência das
ideologias políticas desordenadas e ineficazes. Para outras, a coalizão entre o técnico e o
político, ainda que nem sempre seja condenável, traz o risco de levar o poder a
desinteressar-se das situações humanas, cujo caráter marginal ou cuja irracionalidade
exclui das preocupações dos técnicos.

A sociedade instituição não é uma fórmula mágica que afastaria do Poder os


maléficos que o ameaçam. Sua base e seus fins residem em inteligências e em vontades
humanas. Portanto, é ao homem- a cada um de nós bem como a comunidade que
formamos- que compete impedir que imaginada para nos subtrair à arbitrariedade dos
chefes, ela não se torna o instrumento opressivo de um conformismo anônimo.
Para Burdeau, a diferença entre a razão do século das luzes e a racionalidade de
nosso tempo é fundamental. A primeira, libertava o espírito para torná-lo senhor das
coisas, descobria no homem os valores que depois imporia aos mecanismos sociais. A
racionalidade que professamos nos sujeita, ao contrário, ao peso da sociedade existente
e erige em valores os procedimentos que a sustentam. É por isso que o novo déspota,
por mais esclarecido que seja, na realidade, é apenas um Leviatã teleguiado.No tocante
ao Estado Funcional, enquanto ele era, na competição pela liderança, só uma força
dentre outras, enquanto tinha de contar com a concorrência de outras forças sociais, o
poder político devia justificar seu título com a qualidade daqueles que o sustentavam.
Sua origem validava-lhe as pretensões. Quanto mais contestada era sua atividade, mais
era necessário valorizar por quem ela era desejada. Já não se dá o mesmo numa
sociedade em que as tensões, embora não estejam totalmente resolvidas, já não se
exteriorizavam em irredutíveis antagonismos.

Como já não se trata de assegurar, pela via política, a vitória de um grupo sobre
outro, o importante já não é saber de quem é a bandeira que o Poder empunha, mas se
ele é capaz de conduzir ao sucesso a coletividade inteira.

O Estado funcional é precisamente esse tipo do Estado em que o poder pretende


fazer a felicidade do povo sem o autorizar a escolher os caminhos que a ela conduzem.
Dizíamos há pouco que nele o povo é adulto e sensato; acrescentemos que essa
maturidade é a que consis
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