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Georges Burdeau
Pode-se fazer uma relação com a hipótese levantada pelo professor Ivo Dantas de que
seria correta a informação de que o Estado nem sempre existiu e nem sempre existirá? E
sim, a hipótese não é refutada, ela pode ser afirmada, pois, antes do período moderno,
não havia um Estado, e sim organizações políticas, e o Estado configuraria como uma
das espécies do gênero da Organização Política. Tinha-se, historicamente, a organização
política na Antiguidade, com a Pólis Grega e a República Romana, depois, tinha-se a
organização política da Idade Média, e só com o apogeu do período moderno, é que
pode-se falar em Estado. Para o professor Ivo Dantas, a expressão “Estado Moderno”
poderia até configurar-se como um pleonasmo, haja vista o Estado ter surgido no
período Moderno e essa expressão só teria sentido se fosse acompanhada nos textos de
uma sequência de “Estado Moderno” e “Estado Contemporâneo’’, por exemplo.
Para Burdeau:
Nunca ninguém viu o Estado. Quem poderia negar, porém, que ele
seja uma realidade? O lugar que ele ocupa em nossa vida cotidiana é
tamanho que não poderia ser retirado dela sem que, ao mesmo tempo,
ficassem comprometidas nossas possibilidades de viver. Nós lhe
atribuímos todas as paixões humanas: é generoso ou avaro, engenhoso
ou estúpido, cruel ou bonachão, discreto ou invasivo. E, como
consideramos sujeito a esses movimentos da inteligência ou do
coração que são próprios do homem, dirigimos a ele os sentimentos
que, comumente, nos inspiram as pessoas humanas: a confiança ou o
temor, a admiração ou o desprezo, amiúde o ódio, mas por vezes
também um respeito temeroso em que uma atávica e inconsciente
adoração do poder se mescla a necessidade que temos de acreditar que
nosso destino, por mais misterioso que seja, não abandona ao acaso.
(BURDEAU, 2005)
Não foi por acaso que, no momento em que se formou a ideia moderna do
Estado, o perigo da arbitrariedade foi um dos considerados com mais frequência pelo
próprio espírito. A arbitrariedade, cuja experiência tinham, nasceu na consciência dos
governados, um dilema que foi uma poderosa alavanca da evolução política: ou o poder
é ligado a uma função em que encontre ao mesmo tempo seu título e seus fins, ou é uma
propriedade de certos indivíduos e, por conseguinte, o instrumento de suas vontades ou
de suas fantasias.
Não há, de fato, outras definições da legitimidade além de que a apresenta com
um Poder fundamentado no direito. E a busca da legitimidade, que conduz
obrigatoriamente, a dissociar o poder das personalidades que o exercem. A legitimidade
implica em uma relação: não há legitimidade em si, mas consoante esse ou aquele
princípio
Na busca da duração, a mesma preocupação que incita os chefes a fazer que lhes
reconheçam a legitimidade, levou-os a assegurar a continuidade do Poder. E, também,
essa preocupação totalmente pragmática redunda na ideia de estado.
Nos primórdios do século XVI, quando ganha forma a ideia do Estado, a busca
da duração do Poder foi uma verdadeira obsessão entre os teóricos práticos. Toda a obra
de Maquiavel, principalmente, pode ser considerada uma coletânea de máximas e de
receitas destinadas a garantir a estabilidade da autoridade. É que, numa época em que as
dinastias, as casas, as famílias, os príncipes se sucediam no palco político, nenhuma
empreitada parecia mais urgente do que fortalecer as possibilidades de duração dos
regimes estabelecidos. A duração é a condição de uma obra de longo fôlego e, na aurora
dos tempos modernos, não é exagerado pensar que os homens mais clarividente
pressintiam sua amplitude.
O Estado funciona como uma expressão de uma vontade refletida; são uma
reação contra impulsos naturais, uma resistência da inteligência aos convites que
emanam das partes obscuras de nossa natureza. O Estado, para se formar, necessita que
cada qual exerça sobre si próprio um controle, reflita nas exigências da ordem jurídica e
pense o Estado como um instrumento de realização de nosso destino temporal.
O Estado é criado pelo espírito, ele o é, como todas as coisas criadas pelo talento
humano, em conformidade com um certo ideal. Quando os indivíduos pensam o
Estado, é mesmo vendo nele uma instituição destinada a funcionar segundo certas
normas e visando uma finalidade que aceitam. O Estado reflete o pensamento, ele é
artifício, é uma criação contínua que exige por parte dos indivíduos um esforço de
pensamento pelo qual seus mecanismos e sua atividade adquirem um verdadeiro
sentido.
E numa democracia, o poder não é medido pelos textos, mas pela confiança que
o povo concede a quem dele é investido. A partir do momento em que ela vai ao órgão
dos partidos, o parlamento, o chefe do Estado corre o grande risco de passar do papel de
árbitro para o de espectador desiludido.
Numa democracia, o poder não é medido pelos textos, mas pela confiança que o
povo concede a quem dele é investido. A partir do momento em que ela vai ao órgão dos
partidos, ou seja, ao Parlamento, o chefe de Estado corre o grande risco de passar do
papel de árbitro para o de espectador desiludido.
O poder estatal se liberta da tutela em que o mantinha o espírito dos homens, ele
se torna o instrumento da sociedade estabelecida. Tudo parece ocorrer como se tendo
subjugado as mentalidades individuais, a sociedade técnica subordinasse a si, por
intermédio delas, um Estado que, desde então, se qualificaria apenas pelos serviços que
lhe presta, ou seja, a sua função.
O poder estatal não é nada além do que um poder acorrentado pela sociedade
tecnológica. Essa concepção pode seduzir por seu realismo. Nem por isso deixa de ser
politicamente marcada. Já o principio da autoridade e de uma responsabilidade
funcionais do poder político parece indispensável para impedir a exploração do homem
que seria mais rigorosa do que nunca o foi se as consequências dos progressos técnicos
se impusessem sem controle e sem compreensão.
Por fim, chega-se a conclusão de que o poder poderia ser mais satisfatório do
que aquele cuja subordinação aos imperativos técnicos o subtrai à influência das
ideologias políticas desordenadas e ineficazes. Para outras, a coalizão entre o técnico e o
político, ainda que nem sempre seja condenável, traz o risco de levar o poder a
desinteressar-se das situações humanas, cujo caráter marginal ou cuja irracionalidade
exclui das preocupações dos técnicos.
Como já não se trata de assegurar, pela via política, a vitória de um grupo sobre
outro, o importante já não é saber de quem é a bandeira que o Poder empunha, mas se
ele é capaz de conduzir ao sucesso a coletividade inteira.