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UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE (UFF)

INSTITUTO DE CIÊNCIAS HUMANAS E FILOSOFIA (ICHF)


DEPARTAMENTO DE CIÊNCIA POLÍTICA
DISCIPLINA: TEORIAS POLÍTICAS CONTEMPORÂNEAS VI
ALUNO: MATHEUS NUBILE PORTO DA SILVA

RESPOSTA QUESTÃO 2:

O foco tradicional da filosofia do direito político desenvolvida no hemisfério


ocidental, segundo Foucault, se preocupa sobretudo em legitimar o poder absolutista
do monarca, ou limita-lo. Esse debate jurídico vem se concentrando numa noção de
“poder Real” no sentido monárquico. Isso se dá também pelo fato de que a elaboração
do poder jurídico foi “encomendado” pela monarquia; desse modo ele é feito mais
como um instrumento de justificação do poder absolutista de um monarca, do que uma
forma de contestação deste poder. O resgate do Direito Romano no século XII ajudou
a consolidar o poder autoritário e absolutista do monarca.

O monarca era sustentado em partes por Padres cristãos que justificavam sua
autoridade com um discurso diretamente ligado ao cristianismo. O governante era
alguém que foi incumbido por Deus à esta tarefa. Aos demais cabia o mero papel de
súditos. Posteriormente com o declínio do poder Papal, essas ideias começam a ter
uma aceitação menor. Os contratualistas por exemplo, trariam uma outra configuração
de poder que estaria submetida a um contrato social. Um acordo firmado pelos
cidadãos que permitiria limitar o poder do monarca; trazer um sistema de regras mais
complexas e outras formas de ditar o uso deste poder pelo soberano.

Foucault trará o conceito de poder de uma forma mais fluida do que os clássicos
como Hobbes ou Weber. Hobbes quando fala do Leviatã analisa o poder de forma
absolutista. Como se o poder emanasse das pessoas, e que essas pessoas se pré-
dispusessem a abdicar de certos direitos para a construção de um contrato social.
Dessa forma cada indivíduo construiria um só homem. Existia um centro de poder
absolutista, respaldado por um contrato social, de forma a não se tornar um poder, em
tese, autoritário. Porém o poder dado ao soberano é dado de forma a ser o suficiente
para a manutenção da Paz. Seja para lidar com inimigos externos que não estejam
inseridos nesse contrato social, ou para punir pessoas que transgredissem as regras
de determinada sociedade.
Para Max Weber o poder nasce no polo em oposição onde existe ausência de
poder n’outro polo. O poder seria a capacidade de uma pessoa em uma relação social
de impor sua vontade sobre outra pessoa ou grupos de pessoas, mesmo com
resistência. Uma noção de que o poder é fragmentado entre setores da sociedade,
onde alguns detentores desse poder, se valem desse poder pois outros setores não o
têm. Essa noção de poder seria também aplicada ao Estado. Dessa forma o poder
seria a possibilidade de encontrar obediência a uma ordem determinada, e a
dominação seria o emprego desde poder. Weber separa em três tipos “puros” de
dominação legitima: Dominação Tradicional, Dominação Racional-legal e Dominação
Carismática.

. A Dominação Tradicional, onde a autoridade se constrói e é suportada pela


existência de tradições dadas em uma certa sociedade, onde historicamente há uma
fidelidade à essa autoridade. Geralmente o governante é enxergado como um
patriarca, senhor, padre ou pagé (entre outros) e os governados são os fiéis ou
súditos. A autoridade do governante advém do temor que o súdito tem a ele, de uma
moral julgada como sagrada; ou de forma mais simples, obedece-se, pois, existe um
costume, uma tradição, de se obedecer aquele indivíduo ou indivíduos. Nessas
situações a sociedade se volta a normas tradicionais, onde as regras são quase
sempre voltadas a questões morais (não racionais); a aplicação de uma nova forma
de “Estatuto” seria a princípio impossível por conta dessas normas tradicionais. O líder
personifica essas instituições, e aplica esse “Estatuto” com base em sua
benevolência, honra e senso de justiça.

A Dominação Carismática é dotada de uma característica extraordinária; sendo


ela uma característica heroica ou até mesmo exemplar que faz com que essa pessoa
se sobressaia naturalmente, dentro dessa sociedade, aos demais. Toda a base que
sustenta a dominação dessa liderança está em suas qualidades pessoais, se esvaindo
quando a credibilidade de suas supostas virtudes é colocada em cheque; ou seja,
esse tipo de Dominação só dura enquanto há o carisma do indivíduo. Ao contrário da
dominação Tradicional que é fundamentada em bases sólidas de um processo
histórico e que pode ser passada de geração em geração (dentro dos limites de cada
tradição), ou da Dominação legal que é sustentada com base em um acordo racional;
o poder da Dominação Carismática é estritamente pessoal e, portanto, inalienável.
Seus seguidores não o seguem por esse fazer parte de uma tradição, ou por ocupar
uma função burocrática; mas sim por acreditarem que só ele pode fazer o que é
necessário, ou o que foi destinado a fazer. Para eles esse tipo de líder tem uma missão
a ser cumprida, não importando a lei ou tradições pré-estabelecidas; é o portador de
boas novas; alguém que não veio para girar a roda, e sim quebra-la. Por abaixo as
velhas tradições, ou leis, que assolam o povo. Mesmo que essa seja apenas a visão
que os seus seguidores têm dele, e que não seja de fato a vontade do líder. O Líder
Carismático é visto por Weber como um dos principais impulsores de revoluções ao
longo da história da humanidade, porém com tendências autoritárias em sua forma
mais pura. Os dominados enxergam no dominador uma pessoa de fácil acesso,
alguém que é do povo ou que já fez parte do povo, e que por isso sabe como é estar
na mesma posição que eles. Por exemplo Luiz Inácio da Silva, que teve uma infância
extremamente pobre no interior de Pernambuco, passando fome e se vendo obrigado
a migrar para o litoral de São Paulo, trabalhando e diversos empregos precários para
poder ajudar a família. À primeira vista, uma pessoa como o Lula, seria
automaticamente descartado como uma possível liderança, porém seu carisma
calcado no exemplo de vida e na sua oratória o permitiram seguir um caminho que o
levaria de torneiro mecânico à líder sindical, até se tornar presidente. A figura do Lula
é maior do que a figura do próprio Partido dos Trabalhadores, ou a de qualquer político
brasileiro atual. Se criou uma série de mitos em torno da figura do Lula por seus
seguidores e por pessoas que se opõe a ele, que o permitiram se fortalecer ainda
mais nos anos em que foi presidente. Outra liderança carismática histórica, porém que
teve seu carisma baseado no heroísmo, foi Benito Mussolini. Toda a construção da
sua liderança foi em torno da demonstração de força contra um inimigo que assolava
a Itália, apelo revolucionário, e sua capacidade de oratória, além de ter nascido numa
região não muito abastada do país e ter origens humildes. A Marcha sobre Roma foi
um dos episódios que ajudaram a inflar sua imagem como um herói da pátria e um
salvador da Itália, que havia marchado por parte do país, mobilizando as tropas
fascistas contra o Estado subserviente, com armas na mão, rendendo os opositores,
impondo sua vontade ao governo, mesmo que tudo indique que Mussolini havia
viajado sozinho em um trem e que barganhara sua subida ao poder. Mesmo não
sendo de fato a única liderança do Partido Nacional Fascista (PNF), conseguiu ofuscar
a imagem de seus opositores dentro do partido que haviam até então mais condições
de chegar ao poder do que ele, levar a burguesia nacional para o seu lado, formar
uma aliança com os Cristãos, que até então não se organizam politicamente na Itália,
e ao mesmo tempo fazer um acordo com o Rei Vitor Emanuel III. Em um primeiro
momento Mussolini conseguiu colocar em sua base de apoio correntes políticas
totalmente avessas umas às outras no período histórico ao qual se encontrava a Itália
pós Primeira Guerra Mundial. O próprio título dado ao Mussolini, já mostra como os
partidários fascistas e o próprio se enxergava: Duce, que apesar de ter sido usado por
outros antes de Mussolini, caiu em desuso pois o termo geralmente é lembrado como
algo próprio do regime fascista. Ou seja, a figura do Mussolini é algo tão grande na
história que se apropria até mesmo de um título que não era exclusivo a ele. Outra
coisa que me chama atenção no conceito de Liderança Carismática aplicada ao
Mussolini é o seu caráter autoritário, como se a figura dele sobressaltasse as leis, os
partidos, e a própria base teórica do PNF, além do partido ter se tornado
completamente dependente do Dulce para sobreviver.

Dominação Legal se dá pela formulação e aplicação racional de normas,


estatutos e leis criados e aprovados pela sociedade. Essas normas definem quem
será o superior pelos subordinados que terão plena consciência de que deverão
obedecer essa liderança. Neste caso a autoridade não se remete a uma liderança
carismática, ou a questões de tradição, e sim está embutida no cargo ao qual a pessoa
é posta. No caso do nosso governo, a autoridade não pertence a figura do Michel
Temer, e sim ao cargo que ele ocupa, ou seja, o cargo de Presidente. E esse cargo
não é dotado de poder ilimitado, ele é limitado conforme o estabelecido em estatuto
pela sociedade. Em tese o poder é aplicado de forma impessoal dentro dessa
sociedade. O funcionário público tem que obedecer às exigências estatutárias, com
suas competências e salários também subordinadas ao estatuto. E se exercerem de
forma correta tem a chance de subir na hierarquia, uma vez que ninguém está preso
a um cargo de forma “mágica” ou obrigatória de alguma forma. A impessoalidade que
Weber trata na questão da dominação lega relacionada aos funcionários públicos
pode ser enxergada em como ele trata o trabalho como professor, buscando uma
neutralidade, não exibindo posturas ideológicas, o que não implica que o professor
não tenha uma ideologia, mas que quando ele ocupa um cargo na universidade ele
deve fazer somente o que foi designado a fazer, buscando sempre uma neutralidade
cientifica. Esse tipo de dominação só foi possível com o avanço do sistema capitalista
de produção, com o fim do sistema tradicional de valores, com a criação de regras e
controles racionais da sociedade.
Foucault rompe com essas ideias. Para ele ( , pag.103) não devemos buscar
entender o poder como algo centralizado como Hobbes entendia: “Portanto, em vez
de formular o problema da alma central, creio que seria preciso procurar estudar os
corpos periféricos e múltiplos, os corpos constituídos.”. Dessa forma se tem outra
noção de como o poder é transmitido, quem exerce o poder, como se exerce tal poder.
O poder não se estabelece apenas como um mecanismo de força, de uma
macroestrutura para uma microestrutura. Ou seja, o poder não vem de cima para
baixo, e sim se estabelece em micro relações de poder que permeiam toda sociedade.
Sua casa, família, trabalho, escola, igreja. Onde existir interação social vai existir uma
relação de poder.

Em tese o poder, para Foucault, seria transmitido pelos indivíduos em cadeias.


Não seria algo que uma pessoa pudesse se apropriar, muito menos dividir com outras
pessoas. Na contramão da análise do poder central que se ramifica para as bases,
ele busca entender como esse poder se dá de forma ascendente; nos organismos
moleculares da sociedade. O indivíduo não estaria alheio ao poder; nem totalmente
submetido a ele; nem somente impondo ele a outros. O indivíduo é um efeito do poder
tal como o poder é um efeito do indivíduo.

Para ele grande parte do nosso conhecimento está diretamente ligado ao poder
de determinada época. Da mesma forma que a filosofia do direito produzia um
conhecimento, uma verdade, para justificar o poder absolutista de um monarca nós
produzimos hoje um discurso que legitima o poder. E isso aconteceria em todas as
sociedades, em todas as épocas. Seria impossível exercer o poder sem antes ter uma
produção da verdade. Estaríamos então obrigados pelo poder a produzir a verdade
tal qual produzimos riquezas.

Com isso podemos perceber por que a análise do poder empregada pelo
Foucault teve um caráter inovador. Ao contrário do Weber e outros teóricos que
centralizavam o poder em um tipo de estrutura rígida, Foucault traz para o centro da
discussão o poder em suas formas mais periféricas. Coloca no centro da sua análise
o indivíduo, que passa de súdito, alguém que transfere o poder ou alguém que o
detém, para alguém que o transmite em suas relações sociais de formas distintas.

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