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ESPIRITISMO
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Entendemos como grupo organizado em torno da doutrina codificada por Alan Kardec.
Os conceitos tanto de campo religioso 2 quanto campo intelectual de Pierre
Bourdieu fundamentam nossa análise, considerando que a presença da liderança espírita
num espaço leigo - o Jornal. Dessa forma, o campo intelectual converge para produção
de bens simbólicos, possibilitando problematizar a relação um autor e sua obra, dessa
maneira, tal estrutura tenciona o autor e a sociedade.
Contextualizando Fernando Souza do Ó, inferimos sua pretendida inserção de
intérprete, um tempo subjetivo e geracional. Em nosso trabalho, optamos pela
colaboração junto ao periódico Diário do Interior no contexto de 1930 a 1939.
Envolvendo-se nos assuntos da cidade, discutindo questões de seu tempo, permeando
pressupostos ligados à doutrina espírita e a sua formação acadêmica. Inicialmente,
abordaremos aspectos biográficos e contextuais, e por fim apresentaremos o debate em
torno de ciência e espiritismo alvos de seu entusiasmo e debate por parte do agente
espírita.
Quanto ao corpus documental, o recorte de 1930 a 1940 é bastante variado.
Torna-se um desafio buscar uma espécie de epistemologia que norteou o pensamento e
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os combates assumidos por Fernando do Ó. Tal variedade engloba tanto escritos
relacionados ao mundo espiritualista quanto de cunho sociológico que, em termos
gerais, revelavam a compreensão mais ampla de ciência, peculiar aos meios espíritas.
Da mesma forma que envolve a confluência do duelo da compreensão de si, transitando
entre o sujeito intelectual e o agente e representante espírita. Nesses termos, o que
fazemos aqui é uma espécie de categorização a partir de temáticas e posicionamentos,
considerando a produção variada e complexa, norteados pela problemática da crença de
transformação engendrada pela ciência e espiritismo.
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Segundo Diniz (2009) o Campo Religioso refere-se à esfera social relativamente autônoma,
especializada, na produção, reprodução, distribuição e controle dos bens (simbólicos) de salvação,
estruturada a partir da divisão do trabalho religioso entre produtores e consumidores desses bens
religiosos. Tal campo é constituído por agentes especializados (sacerdote, mago e profeta), que disputam
interna (relação de concorrência - entre si - e relação de transação – com os leigos – e, externamente,
com as classes dominantes e classes dominadas, a oferta de bens de salvação e a função de legitimação da
ordem social estabelecida (“efeito de consagração”), respectivamente.
A cidade de Santa Maria localiza-se no centro do Estado do Rio Grande do Sul.
Sua origem está relacionada ao signo das missões jesuíticas. Com a instalação dos
dormentes da Viação Férrea, entre 1880 a 1885, Santa Maria passou a ser um
importante entroncamento ferroviário, condição essa que permitiu uma pluralização do
espaço e dos grupos sociais.
É importante mencionar ainda segundo Marta Borin (2010) processo de
restauração católica em Santa Maria dentro de um contexto nacional. Assim, segundo a
autora, é possível perceber a difícil situação do clero católico santa-mariense no final do
século XIX, tendo em vista a existência de outras confissões religiosas. Porém, a partir
dos episódios de 1930, a devoção mariana a Nossa Senhora Medianeira de Todas as
Graças consolidou-se no cotidiano das famílias devotas desta importante cidade sul rio-
grandense. E, partindo dos conceitos de capital de bens de salvação elaborados por
Bourdieu, afirma que o incentivo e o triunfo desta devoção mariana e sua promoção à
padroeira do Rio Grande do Sul situam-se no plano das estratégias do clero a favor da
legitimação da identidade católica no Estado e seu viés político. Assim, a Igreja católica
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em Santa Maria delineava seu plano de conquista de fiéis e esforçava-se para o seu
reconhecimento como preponderante no espaço da cidade.
Fernando Souza do Ó nasceu em 30 de maio de 1895 na cidade de Campina
Grande no estado da Paraíba. Diante desses fragmentos, nos remontamos a 1911,
quando Fernando contava 15 anos de idade, e, como voluntário, ingressou na
companhia de Caçadores no estado do Mato Grosso, escolhas que o colocaram em
situação migratória, deixando Campinha Grande e chegando a Santa Maria na
graduação de 3º Sargento em 1913, sendo designado para a tradicional Organização
militar – o 7º Regimento de Infantaria. Ao mesmo tempo, um outro aspecto, de sua
vida, seria de suma importância no contexto de redes de afetividades e afinidades.
A situação solitária, numa cidade distante, implicava no dia-a-dia de Fernando
do Ó. Um exemplo refere-se ao fato que Fernando realizava todos os dias suas refeições
na pensão da Dona Honorina Nunes Pereira. Nesse ambiente, conhece Maria Altina,
uma das filhas da Dona Honorina, que servia as mesas no estabelecimento. Logo, o
casal teria sua vida modificada. Ficamos imaginando a troca de olhares, o nascer dos
sentimentos, da paixão. A conquista. Nada disso podemos ter acesso. Por outro lado,
imaginemos e aguçamos nossa curiosidade a partir dos relatos da memória familiar que
nos contam que a moça, deixava sempre debaixo dos pratos de Fernando declarações de
seus sentimentos. Em 1913, enfim, Maria Altina e Fernando do Ó oficializam o
compromisso mediante o noivado. E, logo após disso, o Fernando deslocou-se para
região do Contestado no intuito de combater tal movimento juntamente com 2º Sgt João
Batista Alburquerque.
O retorno para Santa Maria em 1915 traria novos percursos. Assim, em 31 de
julho de 1915 casar-se-ia com Maria Altina, a moça aquela dos bilhetes românticos.
Surgia assim a Família do Ó. Constituída de uma prole de Onze filhos. Os percursos
difíceis ainda seriam constantes.
O mesmo 1915 também trouxe outro evento marcante de sua trajetória. Ainda
Sargento, passou a fazer parte da Loja Maçônica Luz e Trabalho. Como já destacado
anteriormente a polarização e tensão inseriam-se nessa lógica de atuação movimento
Maçônico de cunho anticlerical. Por fim, outro aspecto da trajetória de Fernando do Ó
incita algumas considerações. Sua formação acadêmica e inserção no cenário intelectual
dos anos de 1930-1940.
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Nesse sentido, algumas constatações reafirmam uma identidade em construção:
“Fernando do Ó não se contentava em trabalhar apenas para sustentar a numerosa
família, tinha ânsia de sabedoria e cultura, por isso estudava com afinco e perseverança.
Era autodidata” (CORRÊA, 2004, p.35). Em outro trecho, em referência ao gosto
literário do autor, Corrêa afirma: Fernando do Ó foi um autodidata. Estudava tudo o que
o podia, sua sede de saber era interminável. Ele gostava de escrever e trazia uma “inata”
propensão a literatura.
Nesse sentido, o 1932 redimensiona sua inserção social no espaço da cidade.
Após a conclusão do curso de direito na faculdade de Pelotas, surgia então, o Doutor
Fernando do Ó. Essas variedades de espaços sociais repercutem sobre a construção em
torno da vida do biografado. Por outro lado, é sua função de propagador de ideias
relacionadas ao moderno-espiritualismo que destacamos nesse trabalho.
Espírita engajado, Fernando do Ó empreendeu um estudo sistematizado da
doutrina elaborada por Allan Kardec, atuando incisivamente na cidade de Santa Maria.
Denominando-se como “propagandista” participou juntamente com Otacílio Aguiar, na
fundação de diversas instituições espíritas, tais como em 1929 (Sociedade Espírita
União Luz e Caridade), 1940 (Sociedade Espírita Discípulos de Jesus), 1949 (Sociedade
Espírita Oscar José Pithan).
Realizou uma produção de sete romances espíritas: A dor do meu destino, E as
vozes falaram, Almas que voltam, Marta, Apenas uma sombra de mulher, Alguém
chorou por mim e Uma luz no meu caminho. Nesse sentido, estamos confrontando
informações aos anos de publicação das primeiras edições a partir do Jornal e dados da
Editora da Federação espírita, O fato de terem sidos editados pela Federação Espírita
Brasileira os colocam em consonância com os pressupostos preconizados pela mesma.
Nessas rápidas considerações biográficas, pretendemos inseri-lo no âmbito
resistência liberal que agia na cidade diante das pretensões católicas de aproximações
com o regime político varguista. E tal disputa envolveu em diferentes estratégias na
tentativa de frear esse avanço. Marta Borin (2010) infere, que apesar do fortalecimento
da presença do catolicismo, a polarização permanecia, e indica tais possibilidades de
análise. Nesse sentido, buscamos entender esse jogo de investidas e “contra-investidas”,
e de como certos agentes foram silenciados e outros passaram ser cada vez mais
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atuantes.
Com esse breve panorama, é a partir da figura de Fernando Souza do Ó que
buscamos evidenciar de ressignificação elementos do pensamento liberal e anticlerical,
tais como: liberdade religiosa, livre consciência e ensino laico, e como os insere nesse
jogo de disputas e acomodações do campo religioso e ao mesmo tempo evidencia uma
compreensão do espiritismo em voga. E, partimos da preocupação de como suas idéias
representaram uma estratégia de inserção para o movimento espírita na cidade de Santa
Maria. Para dar conta dessa perspectiva apresentaremos alguns aspectos a que se propôs
defender no jornal.
Luta contra o teu destino, si elle te parecer adverso, ingrato e doloro. Na luta 6
pelo bem e para o bem é que as almas se completam e acrisolam! E a victoria
será tua, e si a morte te surpreender, no combate, o teu exemplo se frutificará
e te dará cem por um. Foge da à duvida, a incerteza, ao si eu pudesse, porque
não há maiores inimigos do homem nem de seu triunfo (Diário do Interior,
26/06/1930).
Tanto tua vida planetária quanto espiritual deve gyrar sobre o eixo dessa
encantadora e suave philosophia da bondade. Dulcifica um pouco a amargura
dos teus dias que correm, fazendo de ti uma fonte do bem e do amor. Faze
com que as vibrações do teu pensamento generoso, mais alto que tuas
ambições, penetre em todos os que te cercam silenciosamente (Diário do
Interior, 15/06/1933).
Não se reforma uma sociedade para melhora-la, sem melhorar primeiro o seu
elemento integrante. E o homem não se melhora senão por inicial-o primeiro
na Sciencia que estuda como ser immortal em constante evolução. Somente
uma cousa salvará o mundo: por que coloca o homem dentro de seus
destinos, de consciência iluminada pela verdade. (Diário do Interior,
5/12/1937).
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A noção de "fluido" foi elaborada no século 17 e no início do século 19, pela escola magnética, com
Mesmer, Puységur, Deleuze, Cachagnet e o Barão Du Potet, pelos investigadores da Reichen Back e
através das experiências de Agenor de Gasparin (1853) e de Marc Thury (1858) sobre as mesas
girantes. Na obra de Allan Kardec, o fluido individual donde provém o "perispírito", elo semimaterial
entre o espírito e o corpo, é uma particularidade do "fluido cósmico universal". Este corresponde ao
que William Crookes mais tarde apelidou de "protyle". É a matéria elementar primitiva "da qual as
modificações e transformações constituem as inumeráveis variedades dos corpos da natureza
(DUMAS, 2009, p. 18).
a nossa alma encontra sympatias que o tempo não pode destruir nem apagar,
nem o espaço nem o tempo pode apagar.[..] As vibrações perispiritais do ente
que se amou na noite longiqua de vidas que passaram no tropel das idades
que morreram, nos impressionam agradavelmente a alma, e, então, o
despertar agradável de uma afeição que os anos não conseguem desvanecer.
(Diário do Interior, 15/10/1932).
Referências Bibliográficas
Cavalcanti, Maria Laura Viveiros de Castro (1996). Oracy Nogueira e a Antropologia no Brasil:
o estudo do estigma e do preconceito racial. Revista Brasileira de Ciências Sociais 31 (11).
BORIN, Marta Rosa. Por um Brasil católico: tensão e conflito no campo religioso da
República. (Tese) Programa de Pós-Graduação em Estudos Históricos Latino-
Americanos, UNISINOS, 2010.
GOMES, Ângela de Castro (org). Escrita de si, escrita da História. Rio de Janeiro:
Editora FGV, 2004. 13
ISAIA, Artur Cesar. Catolicismo e Autoritarismo no Rio Grande do Sul. Porto Alegre:
EDIPUCRS, 1998.
____________. O livro dos Espíritos. Catanduva, São Paulo: Boa Nova Editora, 2007.
SILVA, Fábio Luiz da. Espiritismo: história e poder (1938-1949). Londrina: Eduel,
2005.
Fontes:
Diário do Interior, Santa Maria, 1 de janeiro de 1930 a 1 de dezembro de 1931. In: Casa
Edmundo Cardoso, Santa Maria, RS.