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OS DIFICEIS LACOS DE FAMILIA Nadia Battella Gotlib Professora da Universidade de Sao Paulo RESUMO A leita de contos do volume Lapas de famia, de Clarice Ls- pector,publcado em 1960, leva a0 questonarmanto om tomo {4 um toma riterado nos eseritos itaraiose jomalistices desta ‘escritra: as dicuddades da interelagdo no context familiar. ‘Aguns pontes do construgio estutural © de andlise de perso- rnagone do tr contoe do referdo volume — "Amer", "Os lagos de famita” o “Folz ariversariot — pormitem avaiar somethangas ® diferengas om relagéo a0 modo come experimentam of lagos familiares, A letura eletve-ce apart da andlice da personage fominina que representa a figura matema, que ai apareco em 16s circunsténcias diferentes. Ainda que, nos trés contos, os pa- 6s primem pela combinagdo de elementos posiivos (amor) © egativos (Eco), razdo da Gficuldade da inerelagdo, hd vata- {608 proveniontes do seu grau de predomindncia em cada um dos conto, [A que o que ai 80 ressalta 6 ora a construgdo, ora a horanga, ora a rejlgdo de tals lagos familiares. FAMILIA — MATERNIDADE — IDENTIOADE — CONTO ABSTRACT THE DIFFICULT FAMILY TIES, Reading of the short stores in Clarice Lispector’s Lagos da Familia (family Ties), published in 4960, leads to a questioning of a theme reiterated in the literary ‘and journalistic wriings of this authoress on the dificues of family interrelationing. Some points of structural construction and of analysis of personages of three short stories of the volume being viewed — "Amor, Famly Ties", and “Feliz Aniversavio'— allow us to assess similares and differences in relation to the ‘way family Nes are experienced. The works start with the ‘analysis of the female character that represents the maternal figure that appears in three diferent circumstances, Although the roles in the three stories have as their most important aspect in the combination of postive elements (love) and negative (hate), the reason for the diffcully of the interrelaioning. There are variations stemming from their degree of predominance in each of the stories since what stands out in one story is constuction, in another hertage/nheritance, and in yet another, the rejection Cad: Pesq., Sao Paulo, n.91, p.93-99, nov. 1994 93 Desde os seus primeiros contos, escritos em 1940, quando Clarice Lispector tinha seus vinte anos incom: pletos, nota-se uma preocupagdo fundamental dese- nhada na trama dessas narrativas: a personagem-mu- |her, inserida no meio familiar, passa por contlitos Cujas razdes nao sabe bem explicar, experimentando situagdes que instigam a problematizagdo de aspectos diretamente ligados a sua identidade, nos seus dife- rentes e complexos papéis sociai Essa marca, que pode ser considerada tipica na literatura de Clarice Lispector, e que vai ganhando no- vas configuragées no sentido de um amadurecimento do ponto de vista da técnica do narrer, atinge um sig- nificativo grau de eficadcia literaria nos contos publica- dos no volume’ Lagos de familia, em 1960, que reine contos jé publicados nas décadas anteriores, em vo- lume © na imprensa, além de outros, até entao iné- ditos. Em que consiste esse “amadurecimento” na re- presentagdo da personagem-mulher inserida no con- texto da familia, ao longo desses vinte anos de pro- dugao artistica? E ainda: por que a leitura de tais con- tos provoca no leitor uma espécie de incontido “mal- estar’, certo desconforto, que nem a reflexao analitica e critica, nem 0 embevecimento espontaneo e sem compromissos intelectuais diante do texto conseguem dissipar? ‘SITUAGAO PRIMORDIAL Seria, no minimo, curiosa essa capacidade precoce de representar situagdes que, de certa forma, conti- uardo presentes, ainda que de diferentes modos, nos seus quase quarenta anos de produgao literéria. De fato, quando escreve seu primeiro conto publicado, “Triunfo", Clarice era uma jovem moga, solteira, estu- dante de Direito na entao Faculdade Nacional de Di- , RO Rio de Janeiro. Vivia modestamente em fa- de judeus-russos, vindos da Ucrénia para Ma- oid, de ld para Recife, depois para o Rio, ai entéo, id sem a mae, que morrera em Recife, depois de uma Paralisia progressiva que a afetou por longos anos. A Pequena familia, composta de pai e duas imas, Elisa e Tania, tenta sobreviver pelo trabalho, fazendo pe- ‘quenos servigos. Clarice, além de dar aulas particu- lares @ de trabalhar em escritério de advocacia, ini- lava uma atividade jomalistica a que iria se dedicar 20 longo da sua vida’, Apesar de muito jovem, no entanto, esse primeiro conto publicade no jomal Pan, no Rio de Janeiro, no dia 25 de maio® e nao reunido posteriormente em li- vio, traduz, jé, com perspicdcia, o ceme de uma re- lagao conjugal. Constréi uma situagao amorosa de cri- se, entre esposa e marido: num dia de calor, a mulher experimenta a dor mal definida e irequieta da sepa- ago, quando acorda e se vé sozinha, j4 que o ma- Fido decidira sair de casa no dia anterior. Esperava ele, ja livre dela, encontrar o ambiente adequado para concentrar-se @ escrever o seu livro. Estava, assim, tragado 0 isco do bordado narrativo de tantas histo- 94 fias que Clarice haverd de escrever: de um lado, solidao da mulher; de -outro lado, a pretensa, mas frustrada, competéncia intelectual do homem, $6, @ personagem feminina de “Triunfo” passa pela necessidade de reunir forgas no sentido de en- frentar essa situagao dificil, mediante recursos que so varios. Dedica-se aos afazeres domésticos: vai Para o tanque lavar roupa, com ardor. Mergulha em ago inusitada e revigoradora, que possa mudar seu estado de espirito: de repente, decide tomar banho de gua fria no tanque. Alimenta esperangas de uma re- conciliagao: afitma que terd 0 seu triunfo, ou seja, a volta do amado, porque “ela era a mais forte’ Produto de uma adolescéncia literdria, é certo que esse conto traz certas insuficiéncias narrativas. Algu- mas, por um descrtivismo um tanto ingénuo, como Por exemplo: “A clara mancha de sol se estende aos oucos pela relva do jardim”. Ou na cena da briga ‘com 0 marido, em que pesa certo artifcialismo, na fala do narrador: “Ele, 0 intelectual fino e superior, vo- ciferando, acusando-a, apontando-a com 0 dedo”. E ha 0 uso arfticial de pronome, num “ih’o fazia enxer- gar" que tira a espontaneidade da frase. Em contrapartida, 0 narrador mostra aguda suti- leza na percepgao do comportamento das persona- gens. Da mulher, Luisa, ressalta-se um fluxo de cons- ciéncia em que pequenos detalhes compdem 0 con- junto, elaborado em reagdes diante da tomada de ‘consciéncia do que paulatinamente vai the acontecen- do: antes da partida dele, “irdnica e segura de si"; de- pois, mostrando ‘tal palidez e loucura no rosto", ou “uma calma exagerada’, ou um estado de “meia in- consciéncia’, com imagens que lhe chegavam “ape- nas esbogadas e jd fugidias”. E é através dela que se delineia a imagem dele, Jorge, homem erudito que cita Shopenhauer e Plato, mas que também escreve ‘num papel que se considera mediocre, palavras que ela, sem querer, Ié, e, por isso © depois, chora. Esse narrador tem especificidades. O leitor pode até presumir que se trata de uma possivel narradora, dada a intima relagao que ai se estabelece no seu modo de contar com a realidade do contexto e da per- cepedo feminina da sua personagem, ald, tal como ‘em outros tantos textos dessa autora. E também por- que a narradora acompanha sua personagem respei tando as experiéncias pelas quais ela vai passando, de modo a quase compartilhar explicitamente do que lhe sucede. Por isso, 0 que se narra é 0 que acaba se conciuindo a respeito do conto, sinal de que nar- rador (ou nartadora?) ¢ personagem encontram-se no mesmo partido, ou seja, traduzem uma mesma pro- posta. 1. Seis dos contos publcados em Lapos de familia foram an- toriormente publicados em Lispector (1952). 2 Para uma biografia de Clarice Lispector, ver: Gotlib (no prelo). 3 A listagem de parte da produgdo jomalisica de Clarice Lis- ppector, bem como a reprodugao xerografada do alguns textos ppublcados na improna carioca foram reunidos em Aparecida M. Nunes, 1988, Os dificeis lagos... E que proposta 8 essa? Na relagdo conjugal, os papéis do homem e da mulher aparentam ser 0 Gon- trério daquilo que, na realidade, efetivamente séo. O homem, aquele que “sabe”, se desespera, porque néo consegue realizar a sua “obra” e atribui’ a mulher a azo de tal fracasso. Embora ateste a sua propria mediocridade, nao a enfrenta diretamente, A mulher, embora se encontre, pelo menos explicitamente, au: sente desse mundo da teoria e da erudigao, ‘percebe” © mundo através de varios canais, por sensagdes, in- tuigdes, dedugées, e ao apreender a verdade, ainda ‘que temendo néo saber viver sem o marido, investe na crenga de que realmente tem a forga necesséria para esperar a volta do homem, e, mais do que isso, investe nessa forea superior que Ine permite resistir, esperando. Dificeis relagées familiares, em que os lagos se embaralham num verdadeiro né de ordem existencial Como chegar a uma harmoniosa relagéo a dois? Por que 0 irremediavel estado de solidéo? © que, atinal, inviabiliza a vida social do casal? Seria a necessidade de, primeiro, proceder & construgéo de si, de modo a assegurar 0 vigor de uma identidade pessoal, e, as- sim, social? Se 0 universo desse conto ndo permite conclu- ses a respeito dessa questo, observa-se que ela terd desdobramentos. Alids, a histéria da literatura de Clarice Lispector pode ser considerada como uma rei- terada tentativa de expioracdo dessas relacdes de fa- miia, a partir da problematizacao da alteridade, num movimento de didlogo entre “eu” e “outro, em que sempre esses dois lados de cada um, num complexo movimento de indagagées, por espelhamentos, se contrapéem e se complementam. € 0 que acontece nos seus futuros contos: “Amor’, “Os lagos de fai @ "Feliz aniversério” ‘A CONQUISTA DOS LAGOS Uma das titimas cenas do conto “Amor (Lispector, 1960. p.21-33) 6 a de um jantar em familia, quando © casal recebe em casa alguns parentes. A narradora nao da maiores destaques a esta cena, que é narrada de modo até ligeiro, sem se deter em pormenores sig- nificativos. Sob essa perspectiva, funciona, na estru- tura narrativa, até como lugar de passagem, répida, fentre 0 que aconteceu antes — a preparago do jan. tar © 0 que vird depois — a saida dos convidados @ © recolhimento do casal, no quarto, quando, entao, Personagem “como se apagasse uma vela, soprou a Pequena fama do dia’. No entanto, trata-se de cena fundamental se con- siderada na seqiéncia das demais, @, sob esse as- ecto, climax de um processo em que a personagem Principal, Ana, atinge um nivel maximo de liicida e agora equilibrada comproensao do seu papel nesse lugar social da familia. Para chegar, no entanto, a este estagio de amadurecimento, teve de enfrentar al- guns obstéculos aparentemente até banais, mas ex- Cad. Pesq. 1.91, nov. 1994 tremamente penosos, de que destaco momentos mais, significativos. Num primeiro momento, o narrador que, em al- gumas passagens, confunde-se, na sua terceira pes- 50a do singular, com a primeira pessoa do singular Vivido pela personagem — esse narrador acompanha ‘Ana, que, cansada das compras que fez para o jantar em familia, com o embrulho dos ovos no colo, aco- moda-se no bonde, “procurando conforto, num suspiro de meia satisfagao". Inicia, entéo, um curioso proces- so de rememorago. Ana recorda-se de como tem sido a sua vida, cuidando, sempre, dos afazeres do- mésticos, €, ao recordar, 0 narrador, usando uma es- pécie de discurso biblico, reforga-the duas constata- Ges: 1. as coisas assim aconteciam porque “assim éla 0 quisera e escolhera", 2. “Estava bom assim”. Mas ao afirmar que as coisas assim aconteciam, e bem, deixa entrever nessa vida de rotina uma leve inquietagao, que gradativamente cresce. Essa “intima desordem’ até entao abafada, sem que ela mesma perceba, vai aumentando, inclusive graficamente, no espaco da narrativa. Trata-se de “uma exaltacao per- turbada que tantas vezes se confundira com felicidade insuportavel”. E tanto cresce que, a certa altura, essa camada da “instabilidade instaurada’ domina a expe- riéncia da personagem, passando da condi¢ao de ele- mento reprimido e disfargado a forga definitivamente incontroldvel, ainda que a personagem tente se de- fender e 0 narrador arremate 0 pardgrafo com a in- cisiva afirmacdo: “Assim ela 0 quisera e escolhera’. S6 que, a essa altura, 0 leitor ja ndo acredita mais no que 18. E 16 0 contrario do que 0 narrador lhe afirma. Esté instaurado 0 proceso narrativo tipi- camente clariceano: dizer algo querendo dizer justa- mente 0 contrario do que se afirma, Repete-se, assim, ‘no plano do narrar, © procedimento que se segue no plano do narrado: assim como a personagem, de re- pente, vé-se levada por uma inquietagao antes repri- ida e téo bem “apaziguada’, 0 narrador, de repente, encontra-se a narrar uma outa verdade contraria aquela que suas palavras, aparentemente, traduzem.. Eis 0 movimento do processo de desrecalque dese- nhado na propria trama narrativa A passagem dessas duas realidades — da ordem (doméstica) e da desordem (selvagem) — representa- se pela disparidade dos espacos, polarizados no de dentro e no de fora de casa, ou seja, no apartamento no Jardim Boténico. E no trajeto de um a outro ha estégios que assumem tom ritualistico de paulatino in- {gresso no mundo novo e até entao desconhecido, Num primeiro momento, a personagem se encon- tra imersa no devaneio rememorador, que a leva a experiéncia do instavel e, de repente, tem uma visdo: “Um homem cego mascava chicles”. O homem que no vé, que tem as maos estendidas para a frente, sem saber 0 quo Ihe espera, voltado que esté para (© que Ihe passa no de dentro, recupera, na sua pré- pria postura fisica, a experiéncia por que passa a per- sonagem que ov. Num segundo momento, quando ‘Ana vé 0 nao ver, 0 bonde dé um solavanco, inter- rompendo a linha de continuidade do seguir os trilhos, 95 ‘Jogando-a desprevenida para trés", quando, entao, 0 Pacote com as compras que fez para o jantar, o em- brulho com 0s ovos, "despencou-se do colo, ruiu no chao". € quando 0 mundo compartimentado rompe as, barras dos limites: “Gemas amarelas e viscosas pin- gavam entre os fios da rede”. ‘A mulher vé-se diante do seu “outro”, perdido seu primeiro “eu”: “A rede perdera o sentido e estar num onde era um fio partido; ndo sabia o que fazer com ‘as compras no colo”, Imersa num espago de identi- dade que nao 6 mais a identidade pessoal, etiquetada pelos papéis de esposa, mae © dona de casa, mer- gulha na identidade dos nao limites, que se caracte- Fiza pela disponibitidade diante do “vir a ser’, tal como a propée Gilles Deleuze (1974. p. 1-3) em que hd o deslizamento do sentido, em diregio ao tudo que é possivel Tal como Alice, no Pais das Maravilhas, criada por Lewis Carroll, Ana desioca-se para fora do tempo @ do espago dos controles, enfrentando o estado de “tisco", que marca a “cris ‘© mundo se tornara de novo um mal-estar.(...) Expulsa de seus proprios dias, pareciaihe que as pessoas na rua eram pericitantes, que so mantinham por um minimo equilibrio & tona da escurido — e por um momento a falta de sentido deixava-as tao livres que elas nao sabiam para onde ir. Perceber uma au- séncia de lei foi téo subito que Ana se agarrou ao banco da frente, como se pudesse cair do bonde, ‘como se as coisas pudessem ser revertidas com a mesma calma com que nao 0 eram’ (p.26-7) E assim, atravessando 0 vértice em dirégdo 20 outro mundo, que se encontra, tal qual Alice, num Iu gar que nao sabe qual é: “Parecia ter saltado no meio da noite’, E atravessou os portées do Jardim Botéri co, andando "pela alameda central, entre os coquel ros", e, sozinha, entre animais e plantas, ou seja, ma- téria viva entre outras, vive o imaginario, que, ines- peradamente, 6 mais verdadeiro que 0 supostamente Feal: “Ao mesmo tempo que imaginério — era um mundo de se comer com os dentes, um mundo de volumosas dalias e tulipas”. Na seqiiéncia do conto, com tantos recursos de representacao dignos de nota, efetiva-se esse ingres- 50 no mundo da invengdo, em que se cria esse “ou- tro” ilimitado, em que tudo cabe, tanto o melhor quan- to 0 pior de si, até seu ponto maximo, na figura do paradoxo: “O Jardim era tao bonito que ela teve medo do Inferno”. Equivalem-se, nesse estagio, o fascinio © 9 nojo, © amor e 0 ddio, 0 claro e 0 sombrio, e, tam- bém em graus extremos, a vida plena, esgotada até a ultima gota, ou seja, até a morte, e este seu oposto que ai é também paradoxalmente seu igual, a propria morte, ‘Também ¢ de repente que se rompe essa expe- riéncia do deixar-se levar, ou deslizar, pelo novo sen- tido, 0 que se da a partir da meméria: “Mas quando se lembrou das criangas, diante das quais se tornara culpada, ergueu-se com uma exciamagao de dor’. E iniciou o percurso de volta, ingressando nesse mundo de antes, mas que ela vé, agora, com estranhamento: 96 “A sala era grande, quadrada, as maganetas brilha- vam limpas, 0s vidros da janela brihavam, a lampada brithava — que nova terra era essa". Também es- tranha até 0 proprio filho: “O menino que se aproxi- mou correndo era um ser de pernas compridas @ rosto igual ao seu, que corria e a abragava”. E toda a casa: “Ao redor havia uma vida silenciosa, lenta, insistente. Horror, horror’. Efetiva-se a consumagao do oposto: “E por um instante a vida sadia que levara até agora pareceu-the um modo moralmente louco de viver’. [Até que se consuma a volta. RecompGe-se 0 am- biente familiar, por ocasido do jantar, espécie de a0 mesmo tempo santa ¢ trivial cela, contada num tom biblico j4 usado na primeira parte do conto: “Depois © marido velo, vieram os itmaos @ suas mulheres, vie- ram 08 filhos dos irmaos”. E, paulatinamente, a mulher recupera certa paz interior, javada que é pelo cuidado fem relacao ao marido, nao querendo que nada de mal lhe acontega, a0 que ele responde, com ironia fina € ‘ranquilidade: “Deixe que polo menos me acontega 0 fogo dar um estouro”. E segurando-ihe a mao, leva-a para 0 quarto, “afastando-a do perigo de viver” Ai, entdo, a mulher, que “atravessara 0 amor © 0 seu infemo, penteava-se agora diante do espelho, por um instante sem nenhum mundo no coragao”. Como interpretar essa cena, final de percurso e final do con- to? Diante do espelho, 0 qual ela jd atravessara, a mulher enxerga-se no Seu outro @ como se apagasse ainda a ultima luz, a “pequena flama do dia’. Pode enfrentar 0 escuro do quarto, da casa, da cidade, do mundo, condico para bem se enfrentar a relagéo com este outro ser, até entéo estranho — fantasmé- tico? —, que 6, numa das suas mittiplas configura- 60s, a vida em familia j4 desmitificada. ‘Ao chegar a este terceiro estagio de uma identi dade, meciante o enfrentamento da imagem do vazio @ do nada, a personagem espelha-se num outro agora Fefletido bem no interior da casa, justo na penteadeira do seu quarto, que, finalmente, he 6 proprio. Neste onto, situa-se o vértice de um ‘terceiro momento, do qual a personagem pode divisar os dois momentos anteriores, ©, assim, mediante tals desiocamentos, perceber 0 seu lugar pessoal ja inserido num lugar social: estar com s6 & possivel, nesses lagos familia- res, quando a consciéncia da personagem experimen- tou a abdicagéo de poder pelo desiizamento através cde um nao lugar de sentido, ou, como anuncia Clarice na epigrafe do romance A paixdo segundo G.H., de- pois de se atravessar 0 oposto daquilo de que se vai aproximar. Dificeis caminhos esses, ¢ 4s vezes enga- noses, aqueles em que, pela liberdade da invengao de si, num outro, se atinge uma relagao mais verda- deira, e livre, enredada justamente nos lagos de fa- mia. (A HERANGA DOS LAGOS Se, antes, em “Amor", o estar com @ sem a fami leva a um estagio de sintese, em que o vazio, numa je de estado neutro, garante certa imunidade Os dificeis lagos... pela consciéncia da realidade dibia — a da domes- ticago pela obediéncia a lei e & ordem e, ao contré- Tio, a da desobediéncia com o ingresso no mundo do ‘ca0s e do acaso achistérico —, no conto “Os lagos de familia” (Lispector, 1960. p.111-22), que dé titulo a0 volume, tais lagos séo representados a partir de tum outro eixo narrativo: a heranga da linhagem a par- tir da figura matemna, enquanto a figura do Pai obser- va, ausente, ainda como mantenedor da seguranca da preservagao dos fios da rotina histérica. Persiste, neste conto, a situagao de mal-estar ex- perimentado’em situagdes de relagao social em fami- lia, que se movimenta numa estrutura narrativa carac- terizada por trés tempos, tipica, aliés, dos contos des- ssa escritora, conforme ja observou 0 critico Benedito Nunes (1989. p.83-95). De fato, num primeiro momen- to, a filha acompanha a mae até a estagdo e percebe © caréter dessa relapao que se faz “pela metade’, num misto de culpa ¢ lamento diante das coisas que poderiam ser ditas, mas ndo so. Aliés, essa atrapa- lhragao se da entre todos: filha e mae, sogra e genro, marido e mulher, 0 que se intensifica pela presenca da crianga, 0 neto, ¢ aplacada pela partida da avo da ctianga, em que todos recuperam certa integridade antes interrompida. E no percurso até a estacao, quando o taxi da uma freada sibita e as malas despencam, que a filha 6 langada contra a mae, acontecendo a “catastrofe’, no sentido de “desastre” e também no sentido de vol- ta a uma situagdo anterior: "Porque de fato sucedera alguma coisa, seria initl esconder: Catarina fora lan- gada contra Severina, numa intimidade de corpo ha Muito esquecida, vinda do tempo em que se tem pai me. Apesar de que nunca se haviam realmente abragado ou beljado”. Na seqiiéncia da cena da partida, a narradora detém-se com perspicacia nos detalhes da descri¢&o dessa interagao: “Também a Catarina parecia que havia esquecido de alguma coisa, e ambas se olhavam aténitas — porque se realmente haviam esquecido, agora era tar- de demais. Uma muller arrastava uma crianca, a cerianga chorava, novamente a campainha da Estagao soou... Mamae, disse a mulher. Que coisa tinham es- quecido de dizer uma a outra? e agora era tarde de- mais. Parecia-the que deveriam um dia ter dito assim: ‘sou tua mae, Catarina. E ela deveria ter respondido: @ eu sou tua filha. Nao va pegar corrente de ar! gritou Catarina. — Ora menina, sou la crianga, disse a me sem deixar porém de se preocupar com a prépria aparén- cia’ (p.116). Diante da mae jé instalada no trem, na hora da partida, a reagdo da filha ¢ ambigua: "Nao, néo se podia dizer que amava sua mae. Sua mae ihe doia, era isso”. E depois que a mae se vai, “o amor dolo- roso Ihe pareceu a felicidade’. E, finalmente, 0 amor, ainda que nao declarado, mas bem experimentado, expande-se em temura, mediante a afirmagao da i Cad. Pesq. 1.91, nov. 1994 nhagem maternal: quando chegou ao apartamento, “parecia disposta a usufruir da largueza do mundo in- teiro, caminho aberto pela sua mae que Ihe ardia no peito", E consuma tal proposta, quando, depois de pela primeira vez ouvir 0 menino Ihe chamar de “ma- mae”, “nesse tom e sem pedir nada", pegou a mao do filho e com ele saiu para um passeio, fora de casa. Esta segunda cena tem como protagonista a mae que leva o filho pela mao. A terceira cena familiar ¢ a que se configura no lago entre mae ¢ filho, mas vistos do ponto de vista do marido, desiocado dessa relagao, ja que os obser- va da janela, logo depois de os dois se Ihe escaparem da vista e descerem 0 elevador. O marido, que pas- sava a tarde de sabado lendo, na tarde que conside- rava “sua”, os vé de fora: “Vistas de cima as duas figuras perdiam a perspectiva familiar, pareciam acha- tadas ao solo e mais escuras @ luz do mar’. A quietagao, agora, domina o marido, ja que os tem “fora de seu alcance’, temendo que “ela transmitisse a0 filho... mas 0 qué?". O narrador explicita o que 0 homem supde que esteja acontecendo: Jem saberia jamais em que momento a mae transteria ao filho a heranga. E com que sombrio pra- zer, Agora mae filho compreendendo-se dentro do mistério partilhado. Depois ninguém saberia de que negras raizes se alimenta a liberdade de um homem.” (Na realidade, vive a inquietagao do vazio desse momento em que, sozinho, percebe a alegria que a mulher vive com 0 filho. © marido ¢ 0 que teme a saida da mulher e 0 que por ela espera, aguardando a retomada da rotina didria e organizando a futura programagio: “Depois do jantar iremos a0 cinema’, fesolveu 0 homem. Porque depois do cinema seria tenfim noite, @ este dia se quebraria com as ondas nos rochedos do Arpoador’ Mais uma ligéo de liberdade da Mae, ao fugir dos limites impostos pela figura paterna, num escape, ain- da que tempordrio, cujo mistério, contudo, ¢ compar- tilhado pelo filho, nessa ligdo herdada, A mae nao sé sai de casa, como no primeiro conto, mas, como se este conto representasse um segundo capitulo do *ro- mance familiar”, leva consigo 0 filho, ensinando-Ine a ligéo de prazer do passeio, em estado de liberdade — ou de invengao. A REJEICAO DOS LAGOS Se em “Os lagos de familia’ ha por parte da perso- nagem-mulher certo enlevo respeitoso na preservago do lago afetivo que resguarda o seu papel de mae, que, por sua vez, lhe fora legado pela sua propria mae @ que & comparihado na sua relagao com 0 flho fe observada, de longe, pelo marido, ou pai do meni ino, no conto “Feliz aniversério” (Lispector, 1960. p.63- 78) 6 outro: hd uma figura central, a da mae, em toro a qual gravitam varias pessoas de uma “grande fa- milia", que se rene numa festa de congragamento social dos 89 anos dessa que é a “mae de todos’. 97 No primeiro conto aqui examinado, “Amor", o mo- Vimento da narrativa faz-se pelo tragado do den- troffora/dentro de casa, mediante mudanga de com- Portamento da mulher-mae-esposa que conquista seu espago de identidade e de liberdade aceitando o risco do desatio da invengéo e da experiéncia de risco, que the assegura maturidade pessoal e social na familia No segundo conto, “Os lacos de familia’, o movimento da nartativa faz-se pela incorporagéo da marca da materidade, que, da mde, passa para a filha, © des- ta, para o filho, numa cadeia que se supée seja su cessiva. Em ambos, a figura patema encontra-se & margem, na condigao de observador atento © que, com mais ou menos ansiedade, acaba conduzindo a ago no sentido da reinstauragao da rotina assegu- rando, assim, 0 dominio da situagao social. Jé neste terceiro conto, “Feliz aniversario', nao hd s6 uma Construgao triangular, jé que muitas so as persona- gens, @ todas elas parecem estar, de alguma forma, fem estado de conflto umas com as outras. © espago da sala onde se instalam as visitas — as familias dos filhos da aniversariante — recupera a ‘ago do conto: assim como as cadeiras, colocadas em volta da sala, acomodam as pessoas que vao chegando de diferentes bairros e de diferentes condi- ges sociais (a familia de Olaria, a familia de Ipane- ma, por exemplo), funcionando como palco de toda Sorte de conflitos, ¢ que se dispdem em torno de um ‘espago central vazio, assim também a grande mae paira como figura central e como niicleo desse vazio: “Os muisculos do rosto da aniversariante no a in terpretavam mais, de modo que ninguém podia saber se ela estava alegre. Estava era posta & cabeceira. Tratava-se de uma velha grande, magra, imponente @ morena. Parecia oca.” Nao se nota ai nem a inquietagéo ansiosa que moveu Ana até o jardim, @ de Id até o seu aparta- ‘mento para servir o jantar, nem a incapacidade de confessar 0 afeto pela mae, que est de partida, e que estimula a fiha a assumir a sua propria materi- dade em relagao ao seu filho. Nota-se, nessa mae de prole numerosa e diversificada, um total descaso por todos. E descaso bem justificado. Afinal, a velhice, tal ‘como a maturidade da mulher e mae, também des- concerta, Nestes, amor ¢ édio se fundem, ou pelo pa- radoxo, no primeiro conto; ou por uma falta de jeito da personagem que acaba se ajeitando, em alivio pro- missor, no segundo conto. Mas neste, a amargura e © pessimismo, que a idade vai gerando, instauram-se de modo irremediavel. Como, entéo, manifestar amor onde ha tanto ddio? A construgao dessa também antolégica persona- gem de Clarice, D. Anita, viabiliza uma reiterada pro- osta de representacao da condicao humana: hd afeto @ desafeto, comunicacao e siléncio, quando as per- ‘sonagens passam por experiéncias intensas. E 0 caso do passeio de Ana ao Jardim e de volta para casa E 0 caso da ida de Catarina até a estagao e do sou asseio pela rua com 0 filho. No entanto, outro é 0 pas ‘seio no interior dessa casa-ldpide onde habita a ani- 98 versariante, Dona Anita, cercada de seres que mal a ‘suportam. Dai que cada detalhe do conto reforga esse mal- querer, ainda que com a intengao de agradar a ani versariante. Nem mesmo Zilda, a filha que dela cuida, consegue distargar sua aflicéo, diante dos preparati- vos e providéncias que toma como dona da casa em que se celebra a data Tendo em vista a analogia entre a vida e a morte, patente na imagem da aniversariante j& com quase hoventa anos, a vela do bolo atende a duas celebra- (ges: a do aniversério, de mais um ano de vida, e a do enterro, com a cetiménia por ocasiéo da morte. Sao varios os pormenores que constroem tal analogia, sobretudo os referentes aos gestos de D. Anita ao, ortar 0 bolo, que 0 narrador explora com aguda ‘cruel perversao: “Dada a primeira talhada, como se a primeira pa de terra tivesse sido langada, todos se aproximaram de prato na mao, insinuando-se em fin- gidas acotoveladas de animacao, cada um para a sua azinha’. E mais adiante: “e se de repente nao so ‘ergueu, como um morto se levanta devagar © obriga mudez e terror aos vivos, a aniversariante ficou mais dura na cadeira, e mais alta’ De todos os parentes, D. Anita elege apenas um: “Rodrigo, 0 neto de sete anos, era o unico a ser a came de seu coracao", afirma ela. No mais, o tronco dera “aquoles azedos e infelizes frutos, sem capaci dade sequer para uma boa alegria’ (Os dados de caracterizagdo, embora perambulem por todos, recaem, sempre, nessa grande mae e me- gera, alimentada pelo rancor, patente, por exemplo, na hora do brinde: "Me dé um copo de vinho! disse. O silencio se fez de stibito, cada um com 0 copo imobiizado na mao. — Vovozinha, nao vai the fazer mal? insinuou cautelosa a neta roliga © baixinha. — Que vovozinha que nada! explodiu amarga a aniversariante. Que 0 diabo vos carregue, corja de maricas, cornos @ vagabundas! me dé um copo de vinho, Dorothy!, ordenou” (p.72). Mas a velha surpreende: logo em seguida, quan- do todos esperam por uma “tempestade’, ela parece ‘que se esquece do pedido, imersa em siléncio, Fando 0 que se passa.& sua volta. Ou reage agres- sivamente, cuspindo de modo inesperado, E 0 que se passa a sua volta e o que o narrador ressalta & a mistura do sublime @ do grotesco de que 6 felta a vida de cada um: “a toalha manchada de coca-cola, 0 bolo desabado”; os filhos, indispostos, ou forgadamente sorrindo, num esforgo bem-intenciona- do; as noras, inadaptadas, mal-humoradas; as crian- {9a5, irequietas, cansadissimas, histéricas. E 0 narra- dor conolui, pelo olhar da sua personagem-mae: “Pa- reciam ratos se acotovelando, a sua famili Embora a visdo seja, predominantemente, a da velha amarga e cética, acompanha-a a presenca de um narrador que deixa transparecer, além dessa ca- mada de significagao, um ar sublime de respeito pela, Os dificeis lagos. vida que ali se revela em toda a sua nudez cruel Quando todos se despedem, a voz da aniversariante surge, baixa, para a nora Cordélia: “E preciso que se saiba. E preciso que se saiba. Que a vida é cura. ‘Que a vida é curta”. Mais uma vez, passa-se 0 cetro de uma verdade, que surge de relance, e que deixa ‘a nora, Cordélia, estarrecida, justamente a que puxa, nessa hora, 0 neto preferido da avé, Rodrigo. Nesse gesto, mais uma vez a escritora traduz uma cena ti- pica dos seus contos de familia: a passagem do cetro da linhagem da matemidade se dé mediante a reve- lagao e delegacao de uma verdade sobre a vida em toda a sua sublimidade em todo 0 seu grotesco, ou seja, a vida na sua cruel e encantadora pungéncia. NO FINAL DAS CENAS Fim do dia, ao vir a noite e se apagar a “pequena fama do dia", depois do passeio ao Jardim Botanico, ‘No primeiro conto; ao se quebrar “com as ondas nos rochedos do Arpoador’, no segundo; e ao se acabar “com 0 crepiisculo de Copacabana’, com luzes “mais palidas que as da tensdo pélida da tarde’, no terceiro. Os trés contos, flagrando a familia de classe média residente na cidade do Rio de Janeiro, traduzem mo- dos de se experimentar a matemidade ndo s6 como lum papel social, mas como: uma experiéncia de or- dem existencial profunda, em que habita o segredo da propria vida — ou da morte. Tratar da familia, na literatura de Clarice, é mais que mapear fungGes, atri- buigdes, encargos. E colocar-se em disponibilidade para a apreensao da dimenséo do Ser em toda a sua grandeza e misétia — ou seja, em todo 0 seu mis- téro. Sob esse aspecto, é enfrentar o agigantamento dos fantasmas e dos mitos que cada figura dessa en- cama, a partir de um lugar social que ocupa. A velha, monstro que “designa” algo que todos desconhecem, & a figuragéo maxima desse desejo e desse temor. Por isso, nesse livro de contos, talvez seja a imagem ‘a mais contundente do poder dessa vida em pericli- tancia: “Mas ninguém poderia adivinhar 0 que ela pen- sava. E para aqueles que junto da porta ainda a olha- ram uma vez, 2 aniversariante era apenas 0 que pa- recia ser: sentada & cabeceira da mesa imunda, com a mao fechada sobre a toalha como encerrando um cetro, e com aquela mudez que era a sua titima pa- lavra. Com um punho fechado sobre a mesa, nunca mais ela seria apenas o que ela pensasse. Sua apa- réncia afinal a ultrapassara e, superando-a, se agigan- tava serena” (p.74). (© narrador constréi, nessa cena final da Mae que elege uns, que rejeita todos os outros, a dura e dificil lei da vida, feita a desconsolo ¢ desesperanga, mas que, justamente por se elevar acima de si, traduz a magnitude dessa pequenez de que todos somos fei- tos, sendo apenas 0 que parece sere nada mais. Pela desconstrugéo do mito, a partir da imagem construlda como se mitficada fosse, a autora mais uma vez nos diz 0 contrério daquilo que aparentemen- te afirma. Mae, como Familia, 6 como todo Ser: tudo e nada, E sua literatura, que pode ser considerada ‘como um “grande romance familiar’, tenta representar esse mito para desmitifcé-lo, deixando, contudo, como os nartadores que inventa para contar essas histérias, além de um retrato 0 mais cruel, um certo ‘tom comovido diante sobretudo daquilo que ela nao nos pode contar: mistério dos lagos, diffceis, intradu- Ziveis, para as personagens e para aquela que as criou. REFERENCIAS BIBLIOGRAFICAS DELEUZE, Gilles. Logica do sentido, Trad. Luiz Salinas Forts. ‘Sdo Paulo: Perspectva, 1974. Primeira série de parodoxos: 10 puro devi. GOTLIB, Nadia B. Clarice - Uma biografia S80 Paul: Atica (no rele), LISPECTOR, Clarice. Lagos de familia str. Cyro del Nero. Rio ‘de Janeiro: Francisco Alves, 1960. Alguns contos. Cademos de Cultura, Rio de Janeiro, fa Educagdo @ Saude, 1952. NUNES, Aparecida Maria. Clarice Lispector: Jomalista’. So Paulo, 1969. Diss. (mest) FFLCH-USP NUNES, Benodito. © Drama da linguagern. 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