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sidade. A de divulgador, pelo objetivo de Por sua vez, a ética da ciência se apoia
situar a ciência dentro do contexto geral da na honestidade, no sentido de evitar a fraude
civilização, e tentando superar a contradição científica e na precaução de evitar enganos;
entre um sistema de ideias claras que atende na liberdade intelectual, em busca de novas
a normas lógicas e outro de ideias vagas à ideias ou de crítica de outras; na abertura
margem da lógica (Julve, 1999). de compartilhar dados e métodos, de disse-
minar a produção e de estar aberto a críticas;
Ética dos jornalistas e ética dos cientistas no princípio do crédito, com o reconheci-
mento dos esforços alheios e de evitar o
Além das diferenças entre ambas comu- plágio; na responsabilidade social no sen-
nidades profissionais no que se refere à tido de observar as conseqüências da inves-
concepção do que é notícia e de como deve tigação científica para o entorno (Resnik,
ser realizada a comunicação com o público, 1998).
também se pode observar uma diferença com As bodas entre jornalismo e ciência, com
relação ao ethos próprios de cientistas e um maior prestígio social da ciência, mas
jornalistas e que tem por conseqüência re- aumentando também o abismo entre peritos
percussões importantes, na forma de barrei- e o público não especialista, devido ao
ras a superar na atividade divulgativa domínio de técnicas e conhecimentos cada
(Epstein, 1998). Assim, o ethos dos cientis- vez mais complexos, originaram esforços de
tas, se considerarmos as idéias da sociologia adotar a objetividade científica à prática do
clássica da ciência expostas principalmente jornalismo. Neste sentido, prevalecia a visão
por Merton (1973), estaria composto basi- da ciência como uma “base apolítica para a
camente por quatro imperativos institucionais, política pública, um modelo de
que refletiriam e condicionariam as normas racionalidade”, com realizações situadas por
e valores da comunidade científica: o em cima de interesses e de pressões e neste
universalismo, o comunalismo, o ceticismo sentido o jornalismo se propôs a “abordar
e o desinteresse organizado. Embora na o ideal da neutralidade e da reportagem
prática os imperativos do Merton se possam ausente de vieses, balançado pontos de vista
considerar utópicos, se aceitarmos essa con- diversos, apresentando os lados justamente
cepção por um instante damo-nos conta de e mantendo uma distinção clara entre a
que não existe comparação possível entre os reportagem de notícias e a opinião editorial”
imperativos mertonianos e o conjunto de (Nelkin, 1995).
valores éticos e profissionais do jornalismo. Entretanto, esta aproximação supõe uma
Portanto, a relação entre a ciência e os meios contradição, pois a objetividade através do
de comunicação pode derivar em problemas balanço de opiniões não tem sentido na
éticos, já que cada uma utiliza escalas de epistemologia científica, onde a verificação
valores distintas. experimental é o critério de verificação da
Os princípios da conduta ética do jorna- realidade. Resumidamente, em jornalismo, as
lismo se centram na busca da objetividade, provas se obtêm através da busca de múl-
no sentido de cobrir vários aspectos de um tiplas fontes de informação para alcançar o
tema a partir de um ponto de vista neutro critério jornalístico de objetividade, enquan-
e sem a inclusão de comentários de opinião; to que em ciência, não se necessitam mais
na busca da precisão, evitando distorcer fatos fontes de informação, mas sim, provas rigo-
e com apoio em fontes confiáveis de infor- rosas. Dste princípio, resulta que nos meios
mação; na busca do valor informativo da de comunicação são dedicados o mesmo
notícia em quanto a critérios de interesse para espaço à ciência marginal que à opiniões bem
o público e adequação temporária. Outras estabelecidas dentro da comunidade cientí-
questões éticas do jornalismo são a manu- fica, proporcionando autoridade a pessoas que
tenção da privacidade das fontes, a adesão carecem das habilidades e do conhecimento
a critérios de responsabilidade social infor- para opinar informadamente em um debate
mando sobre temas de interesse social pelo científico (Stocking, 1999).
bem da sociedade e a liberdade de publi- Como última advertência, os códigos
cação sem temor à censura. deontológicos jornalísticos tradicionais não
DIREITO E ÉTICA DA COMUNICAÇÃO 239
lidam com valores sociais ou culturais, pois Entre os grandes temas que afetam a
suas afirmações sobre liberdade de expres- prática jornalística em especial a difusão do
são, alcance da verdade e objetividade se dão processo da ciência e a tecnologia, podemos
em um contexto dado por certo. Por outro destacar a conversão da informação e
lado, observa-se que os valores éticos e tecnologia em capitais, entendidas como
profissionais não podem ser separados do mercadorias, sujeitas a sistemas de controle
ambiente cultural circundante. Em um mun- com vistas a garantir privilégios. Dentro deste
do cada vez mais globalizado podem surgir cenário, operam as estratégias de relações
conflitos éticos na divulgação científica, públicas das grandes empresas, a politização
devido a conflitos do entendimento do que e atribuição de ideologia a temas científicos
é ciência ou de que medida a prática jor- e tecnológicos e algumas vezes os meios de
nalística deve estar comprometida com o comunicação pela falta de preparo ou inge-
desenvolvimento económico ou ecologica- nuidade atuaram como porta-vozes de inte-
mente sustentável, segundo estas concepções resses políticos econômicos e comerciais
variem em vários países (Lewenstein, 1997). (Bueno, 2001). À medida em que a infor-
mação científica assume um valor econômico,
Ética e tecnociência também se pode questionar a atitude ética
de jornalistas científicos, que ao possuírem
Nas últimas décadas do século XX, informação privilegiada e capacidade de gerar
emerge a “tecnociência”, entendida como a grandes expectativas na população, poderi-
fusão de investigação científica e de inova- am tirar proveito económico de acordos
ção tecnológica para gerar uma ciência editoriais (Revuelta, 1998).
puramente utilitária e instrumental. Produz-
se na atualidade então, uma tensão entre a Falhas da divulgação científica
investigação pós-acadêmica – dominada por
critérios tecnocráticos, dependente de finan- A este cenário da ciência e da tecnologia
ciamento público e privado e com enfoque dominado por interesses de grandes reper-
em capacidades instrumentais – e a desva- cussões económicas ou políticas, também
lorização das normas e valores acadêmicos temos que somar às fontes de problemas
tradicionais (Ziman, 2002). Este novo pano- éticos da divulgação científica algumas
rama da ciência afeta a comunicação cien- deficiências observadas em sua prática. Desta
tífica na medida em que se observam sigilo forma, a informação desqualificada, com a
da informação científica, em troca da exclu- aceleração das notícias em detrimento da
sividade de aplicação ou de obtenção de precisão; com a precisão afetada pela incom-
patentes, com a violação de um dos prin- petência no apuro dos fatos ou maximizada
cípios fundamentais da ciência que é o intencionalmente pelos proprietários e patro-
intercâmbio livre de ideias. A situação, cinadores, com o objetivo de manipulação
entretanto é de dois sentidos, pois ao mesmo da opinião pública.
tempo em que se observa a restrição ao acesso Também se observa a convivência não
ao conhecimento, por um lado, também se pacífica entre a ciência e outros saberes, como
realiza a promoção de informações que seriam a religião e crenças alternativas, originando
favoráveis a estes grandes interesses, em um uma disputa entre o conhecimento científico
tipo de interferência que deriva em uma e pseudocientífico, este último na forma de
dissolução entre o marketing e a ciência2 explicações fantasiosas ou de uma atitude
(Bueno, 2000a). Frente à emergência desta francamente contrária à ciência (Bueno,
tecnociência, demanda-se também uma nova 2000b). Assim, a integridade jornalística se
postura do jornalismo científico frente à vê balançada quando a mídia dedica o mesmo
complexa rede de interesses e compromissos espaço à ciência que aos temas
que circundam à ciência e a tecnologia, pseudocientíficos, ‘alternativos’ e ‘esotéricos’,
principalmente através do resgate do caráter dando credibilidade aos mesmos por meio de
crítico-pedagógico do jornalismo científico uma linguagem sensacionalista e acrítica” e
(Bueno, 2001). não marcando claramente a distinção entre
240 ACTAS DO III SOPCOM, VI LUSOCOM e II IBÉRICO – Volume III
aquele conhecimento que provem claramente tíficas se enviesem em direção àqueles tra-
de uma base científica e outros tipos de balhos que melhor se adaptarem às neces-
saberes (Sabbatini, 1997). sidades dos meios de comunicação mais do
Porém, um dos principais problemas se que por seus critérios científicos (Ribas,
dá em função da orientação do jornalismo 1998). Além disso, a tendência em depender
em retratar resultados alcançados, mesmo que de comunicados de imprensa, comunicados
sejam contraditórios com outras informação de conferências e outros tipos de informação
publicadas anteriormente, em outras palavras “empacotada” e pré-selecionada reduz as
pela “falta de compromisso do jornalismo possibilidades de investigação cética, além
científico com a contextualização dos resul- de resultar na adoção da linguagem e con-
tados no momento de sua publicação” teúdo próprias do emissor da informação,
(Christofoletti, 2001). A falta de contexto se criando uma relação de dependência e
reflete, por exemplo, na ausência de preo- vulnerabilidade (Dunwoody, 1999).
cupação por contrastar distintos pontos de As questões acima mencionadas entram
vista e de “chocar teorias” com o objetivo em jogo principalmente na cobertura de
de alcançar uma visão global do assunto. Ao controvérsias científicas, que por outro lado,
tratar a informação científica através do são as que despertam maior interesse no
“prisma da curiosidade, do exotismo, da público e na mídia, justamente devido aos
superficialidade, do sensacionalismo, do possíveis impactos econômicos ou sociais. Os
bizarrismo”, já não há critério de distinção fatores que podem influenciar a cobertura das
entre a importância real e a repercussão dos questões controversas são as rotinas de tra-
avanços científicos noticiados. balho dos meios de comunicação e as de-
Nesta problemática de “discursos contrá- mandas organizacionais como a pressão dos
rios”, esquece-se o dever de informar, sen- anunciantes, critérios derivados da proprie-
tido pedagógico do jornalismo, de auxiliar dade dos meios e a dissolução das barreiras
o leitor na compreensão dos fatos, como entre os aspectos editoriais e de negócio
resultado de que o leitor já não possui critérios (Stocking, 1999). Por último, na cobertura
do que é realmente válido e do que deve ser de controvérsias, uma possível falha da
assimilado. Frente a esta situação Pratico divulgação é a manipulação dos textos
(1998) defende o “esforço de interpretar a jornalísticos, buscando conclusões em temas
ciência relacionando-a com os problemas e nos quais a própria ciência ainda não pôde
com o mundo real. Tentando compreender proporcionar um veredicto (Revuelta, 1998).
suas linhas de desenvolvimento, suas direções Outro tipo de informação científica fre-
potenciais, a força e os interesses que a quentemente sujeita a problemas éticos é a
condiciona, seu significado frente a seus informação em saúde, que está relacionada
resultados e seu impacto sobre a sociedade”. com o conceito de “decisão bem-informada”3,
A prática da divulgação científica tam- por exemplo, saber quando procurar um
bém se vê afetada pela interferência das fontes profissional, que hábitos saudáveis e que
de informação, observando-se uma certa hábitos nocivos abandonar, concordar com
“comodidade” do jornalista científico, ao determinado tratamento médico e seguir
basear-se somente nos comunicados de fielmente as recomendações médicas. Os
imprensa, os chamados “press releases” que perigos da informação científica inadequada
muitas revistas científicas internacionais são “particularmente insidiosos nas ciências
adotaram para buscar seu espaço dentro do da vida já que afetam aos desafios da vida
cenário da comunicação científica e compe- e da morte, da natureza e da artificialidade,
tir pela atenção dos meios massivos. Con- do normal e do patológico”, ainda que tam-
vertidas em agências de notícias, as revistas bém seja importante naquelas disciplinas
científicas proporcionam aos meios a inter- científicas dedicada a analisar as sociedades
pretação dos resultados científicos, propor- e suas culturas, onde certas afirmações podem
cionando os “ganchos” para tornar a infor- ter derivações políticas, económicas e soci-
mação atrativa e interpretando-a segundo um ais (Ahrweiler, 1995).
contexto de valores. Por outro lado, um dos Ao ser considerada uma modalidade
perigos desta tática é que as revistas cien- específica da divulgação científica e
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2
Social Issues Research Centre. Exemplificado contundentemente pela
Guidelines on Science and Health indústria do tabaco e de sua estratégia de
Communication. Royal Society - Royal desacreditar estudos científicos que alertam
Institution of Great Britain, 2001. para os perigos do fumo e por outro lado
Stocking, H. S. How Journalists Deal With de financiar pesquisas científicas cujo
Scientific Uncertainty. S. M. Friedman, S. objetivo seria colocar em dúvida as pesqui-
Dunwoody, & C. L. Rogers (eds.), sas já aceitadas e alimentar controvérsias
Communicating Uncertainty: Media Coverage científicas.
3
of New and Controversial Science. Mahwah: Segundo Sabbatini (2000), no“mundo
Lawrence Erlbaum Associates, 1999, pp. 23-42. complexo da medicina de hoje, e do caráter
Ziman, J. Science and Civil Society. falível dos seus profissionais (que não são
Congreso Ciencia Antel el Público. perfeitos), é imprescindível que as pessoas
Salamanca: Ediciones Universidad de participem nas decisões médicas sobre sua
Salamanca, 2002. própria saúde”.
4
Um exemplo seria uma notícia publicada
pela agência Reuters Health sobre a
_______________________________ “síndrome da mão alheia”, utilizando como
1
Instituto Universitário de Estudos da “gancho” de atenção a comparação com
Ciência e da Tecnologia – Universidade de filmes de horror e utilizando inclusive a
Salamanca. palavra “monstro” no título.