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Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC)
THE DIGITAL SINGLE MARKET (DSM) AS AN ALTERNATIVE TO ENHANCE THE EUROPEAN INTEGRATION
PROCESS / Lucas Baggi de Mendonça Lauria (UnB) e Saphíria Aoi Shimizu (UnB) Pág. 166
UNIVERSALISTAS E RELATIVISTAS: POR UMA ORDEM PÚBLICA (INTER)NACIONAL / Emily Garcia (UEL) e
Bruno Ferreira de Souza (UENP) Pág. 180
Artigos convidados
Artigos premiados no I Congresso Brasileiro da ANET (realizado nos dias 10 e 11 de novembro de 2016)
RESUMO
ABSTRACT
This article aims to analyze the criteria for determining refugee status, with emphasis on the
possibility of granting refuge to members of the institute of LGBTI group. We will analyse
which protective instruments can these sexual minorities have in the XXI century and what
procedural mechanisms can guarantee their rights. The research will be bibliographical, based
on legal documentation and statistics available in official documents published by
governments, governmental and nongovernmental organizations that have the scope to
protection of sexual minorities and refugee protection.
Keywords: Refugees. Sexual Minorities. LGBTI. Human Rights.
1 INTRODUÇÃO
1
Artigo alterado no dia 18 de dezembro de 2016, devido ao pedido de inclusão do nome do autor Dionathan
Ysmael Rodrigues da Silva no corpo de referências utilizadas. A autora encaminhou arquivo com a retificação e
pediu perdão pelo equívoco incorrido. A Comissão Editorial da Revista Diplomatize republica o texto com a
alteração solicitada. Reiteramos que a ANET e os integrantes do periódico (Comissão Editorial e Conselho
Editorial) em comento se eximem de responsabilidade acerca do conteúdo publicado nesta edição.
2
Aluna do Curso de Especialização em Direito Processual Penal na Escola do Ministério Público de Santa
Catarina. Graduada em Direito e em Relações Internacionais pela Universidade do Sul de Santa Catarina
(UNISUL). Advogada. E-mail: silvestre.manoela@gmail.com
8
compreensão de tal fenômeno exige uma profunda reflexão que abrange diversas áreas do
conhecimento (RAMALHO, 2013).
A migração contemporânea é motivada por diferentes circunstâncias e fatores ligados
a uma sociedade globalizada, marcada pelos desequilíbrios sócio-econômicos, pela violência
e intolerância (MILES; CARLET, 2016).
A perseguição e a hostilidade por questões sexuais e/ou de gênero não é um novo
fenômeno. Temendo ofensas, torturas e até mesmo a própria vida, milhares de indivíduos
LGBTI3 (Lésbicas, Gays, Bisexuais, Transexuais e Intersexuais) são obrigados a deixar suas
casas, fugindo de governos que não são capazes ou não as queiram proteger desta
estigmatização social. Em solicitações baseadas na orientação sexual 4 ou identidade de
gênero5, é importante fazer uma análise das formas de discriminação perpetradas pelo Estado
ao não proteger os indivíduos contra certos tipos de violência.
Verifica-se, portanto, que em muitos Estados ainda inexiste vontade política para
instituir mecanismos de proteção à estas pessoas. Em grande parte dos países, o governo
tolera a violação reiterada de direitos das minorias sexuais, isso quando não assume, ele
próprio, o papel de violador de direitos dessas minorias, permitindo legalmente a
discriminação e deixando-os nesse limbo de pessoas sem asilo e sem proteção jurídica. Dessa
forma, muitos dos indivíduos LGBTI (sobre)vivem com tratamentos desumanos e graves
discriminações no seu dia-a-dia.
É nesse contexto que se insere o presente estudo, que busca analisar a possibilidade
da concessão do refúgio àqueles que sofrem perseguição em razão de sua orientação sexual,
bem como averiguar quais políticas protetivas legais estes tem na condição de refugiados no
século XXI.
Os moldes da ação internacional em prol dos refugiados foram estabelecidos pela
Liga das Nações e conduziram à adoção de um conjunto de acordos internacionais. Hoje, o
principal instrumento de proteção jurídica aos refugiados é a Convenção relativa ao Estatuto
dos Refugiados de 1951, a qual, apesar de não tratar expressamente das minorias sexuais, vem
3
O ACNUR adotou a expressão “pessoas LGBTI”, com o objetivo incluir uma ampla gama de pessoas que
temem ser perseguidas por motivos de sua orientação sexual e/ou identidade de gênero. (ACNUR, 2011).
4 Considera-se “orientação sexual” como “[...] uma referência à capacidade de cada pessoa de ter uma profunda
atração emocional, afetiva ou sexual por indivíduos de gênero diferente, do mesmo gênero ou de mais de um
gênero, assim como ter relações íntimas e sexuais com essas pessoas”. (Yogyakarta Principles in Action, 2007).
5
Considera-se “identidade de gênero” como “[...] estando referida à experiência interna, individual e
profundamente sentida que cada pessoa tem em relação ao gênero, que pode, ou não, corresponder ao sexo
atribuído no nascimento, incluindo-se aí o sentimento pessoal do corpo (que pode envolver, por livre escolha,
modificação da aparência ou função corporal por meios médicos, cirúrgicos ou outros) e outras expressões de
gênero, inclusive o modo de vestir-se, o modo de falar e maneirismos;” (Yogyakarta Principles in Action, 2007).
9
sendo interpretada a incluir certos grupos de indivíduos não imaginados pelos autores da
Convenção à época.
Trata-se de orientação da ACNUR (Alto Comissariado das Nações Unidas para
Refugiados), que homossexuais e outras minorias sexuais podem ser elegíveis para o estatuto
de refugiados com base em perseguição devida ao seu pertencimento a um grupo social
particular. Todavia, tal entendimento não encontra-se pacificado em decisões de tribunais
administrativos estrangeiros, eis que sujeita-se à interpretação particular dos países
signatários.
Logo, este estudo também busca apresentar esta divergência, mostrando quais os
contornos das principais políticas protetivas a refugiados LGBTI no séc. XXI. Portanto,
investigar-se-á promoção destes direitos não apenas de um ponto de vista formal (análise dos
dispositivos normativos vigentes), mas também sob um plano material (estudo da existência
de políticas protetivas efetivas e suas questões procedimentais). Cuida-se não apenas dos
direitos de liberdade, mas também dos direitos sociais, econômicos e culturais, sempre com
enfoque nas especificidades do grupo LGBTI, em situação de refúgio.
A pesquisa será de natureza bibliográfica, com base em documentação jurídica e
estatística. Também será utilizada a técnica do estudo de caso, através do contato com
documentos oficiais publicados por governos, organizações governamentais e não
governamentais que tenham como escopo a proteção de minorias sexuais e a proteção do
refugiado.
2 REFÚGIO
A situação dos refugiados e refugiadas é, sem dúvida, uma das mais precárias a que
fica sujeito o ser humano. Extremamente vulnerável, distante de tudo o que
habitualmente sustenta as relações e a estrutura emocional e afetiva de uma pessoa,
o refugiado se depara com os desafios de quem só tem a alternativa de recomeçar a
própria vida, com a força das boas lembranças e da terra de origem, com a
experiência dos difíceis momentos que o expulsaram de sua pátria e com a
esperança de que alguém, um país, uma comunidade, o acolham e lhe protejam, pelo
menos, o grande bem que lhe restou, a própria vida. (SOARES, 2012, p. 36).
Mesopotâmia. Segundo Bezerra (2013), em épocas alhures, o refúgio era marcado pelo
caráter religioso, em geral concedido nos templos e por motivo de perseguição religiosa.
Jubilut (2007) cita exemplos de refugiados ao longo também da Idade Média:
para os países que aceitassem recebê-los, providenciar trabalho e prestar socorro e assistência
consonante às sociedades filantrópicas (IKMR, 2014).
Em 1922, como muitos refugiados de origem russa haviam sido “desnacionalizados”
e se encontravam apátridas ou sem documentos nacionais, o “Ajuste Relativo à Expedição de
Certificados de Identidade para os Refugiados Russos”, mais conhecido como “Passaporte
Nansen”, lhes devolveu personalidade jurídica, sendo o primeiro documento internacional de
identidade destinado a refugiados. Porém, o Ajuste de 1922 ainda não definia o conceito de
refugiado e não permitia aos portadores do Passaporte Nansen o retorno incondicional ao país
que o expedira (IKMR, 2014).
Segundo dados do IKMR (2014), no ano de 1924, o “Plano Relativo à Expedição dos
Certificados de Identidade para os Refugiados Armênios” estendeu a este grupo o direito de
usufruir do Passaporte Nansen e de ser objeto da proteção jurídica da qual os russos já se
beneficiavam. Todavia, somente em 1926, após a promulgação do “Ajuste Relativo à
Expedição de Certificados de Identidade para os Refugiados Russos e Armênios”, definiu-se
o que se deveria entender por refugiados russos e armênios, como forma de destaca-los dos
demais, por conta da sua extrema vulnerabilidade. Aos poucos, instrumentos legais mais
elaborados foram assinados, como em 1928, durante a “Conferência Intergovernamental
Relativa aos Refugiados Russos e Armênios”. Dentre os documentos, destacam-se: o “Ajuste
Relativo ao Estatuto Jurídico dos Refugiados Russos e Armênios”, “Ajuste Relativo à
Extensão a outras categorias de Refugiados de Certas Medidas Tomadas em Favor dos
Refugiados Russos e Armênios”, para abranger refugiados turcos, assírios e assimilados, que
passaram, então, a ser conhecidos como “Refugiados Nansen”; e o “Acordo Relativo às
Funções dos Representantes do Alto Comissariado para Refugiados da Liga das Nações”.
Mesmo não dotando de força jurídica vinculante, estes documentos foram a primeira tentativa
de se formular, em termos jurídicos, um estatuto legal para os refugiados (IKMR, 2014).
Conforme Soares (2012), o ano de 1938 foi marcado pela criação do Alto
Comissariado da Liga das Nações para os Refugiados, que tinha como objetivo ampliar e
centralizar em um único órgão a proteção aos refugiados à nível global. Entretanto, com a
eclosão da Segunda Guerra Mundial, o Alto Comissariado da Liga não conseguiu cumprir
todos os seus objetivos de proteção aos refugiados. Em 1946 tem-se a extinção da Liga das
Nações e, consequentemente, do Alto Comissariado da Liga.
No ano de 1950 é criado o Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados
(ACNUR), uma instituição apolítica, humanitária e social que, de acordo com o seu Estatuto,
12
teria como função assegurar a proteção internacional dos refugiados e buscar soluções
duradouras para essa problemática (ACNUR, 2016).
Mundial e as convulsões verificadas no mundo, a Guerra Fria e os movimentos de
libertação nacional provocaram o deslocamento de milhares de pessoas em busca de um país
onde o regime político-econômico fosse-lhes favorável. Uma das consequências da
confrontação entre a Europa Ocidental e a Europa Oriental foi precisamente a adoção pelos
países do Ocidente de instrumentos destinados a garantir proteção legal àqueles que
conseguissem emigrar em busca de refúgio.
Conforme Soares (2012, p. 46), esse desejo dos Estados ocidentais de proteger os
novos indivíduos resultou na Conferência de Bermudas, que ampliou a proteção internacional,
definindo como refugiados “[...] todas as pessoas de qualquer procedência que, como
resultado de acontecimentos na Europa, tiveram que abandonar seus países de residência por
terem em perigo suas vidas ou liberdade, devido a sua raça, religião ou crenças políticas”.
(BARRETO, 2010, p. 14).
Não se pode olvidar também dos esforços feitos pela então recém criada Organizacão
das Nações Unidas (ONU), que em dezembro de 1949, decidiu, por 36 votos a favor, 5 contra
e 11 abstenções, criar o Alto Comissariado para os Refugiados (ACNUR), que iniciou suas
atividades em 1º de janeiro de 1951, com prazo inicial de três anos.
As funções primárias do ACNUR foram estabelecidas em duas vertentes:
proporcionar proteção internacional aos refugiados; procurar soluções permanentes para o
problema dos refugiados, colaborando com os governos para o repatriamento voluntário ou a
integração local. Embora tenha sido garantido à agência o direito de angariar contribuições
voluntárias, os EUA conseguiram com que estas ficassem sujeitas à aprovação prévia da
Assembleia Geral, tornando o ACNUR dependente de um reduzido orçamento administrativo
do órgão e de um pequeno fundo de emergência. (IKMR, 2014).
Assim, dependente de contribuições voluntárias, principalmente dos Estados
participantes, e não dispondo de recursos extras para implementar um programa de
repatriamento, o orçamento anual do ACNUR de cerca de 300 mil dólares era escasso ao
ponto de seu primeiro Alto Comissário Gerrit Jan van Heuven Goedhart afirmar que corria-se
o risco do trabalho de seu comissariado restringir-se a “administrar o sofrimento” dos
refugiados. (IKMR, 2014). Até que em 1954 foi criado o Fundo das Nações Unidas para os
Refugiados (UNREF), a fim de custear os projetos em países críticos como Áustria,
República Federal da Alemanha, Grécia e Itália, com contribuição financeira dos EUA. A
rígida oposição inicial da URSS com o ACNUR também começou a mudar em meados dos
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crianças refugiadas fogem por sua conta, ou se separam das famílias durante a fuga, tornam-se
altamente vulneráveis e também são abrangidas pelo mandato da agência. (IKMR, 2014).
Destaque também foram as guerras de independência dos países africanos, que
originaram crises de refugiados e ampliaram a atuação do ACNUR no decorrer da década de
1960. Refletindo a percepção da comunidade internacional quanto ao caráter mundial do
problema dos refugiados, foi elaborado um novo Protocolo em 1967, removendo a imitação
temporal e, assim, estendendo o âmbito da Convenção de 1951 aos “acontecimentos ocorridos
antes de 1º de janeiro de 1951”. (MULLER, 2012).
Em 1969, a Organização da Unidade Africana (atual União Africana), com a
participação do ACNUR, elaborou a sua própria convenção relativa aos refugiados do
continente africano. Em vigor desde 1974, estabeleceu a chamada definição ampla de
refugiado, ao considerar como tal “qualquer pessoa que, receando com razão, ser perseguida
em virtude da sua raça, religião, nacionalidade, filiação em certo grupo social ou das suas
opiniões políticas, se encontra fora do país da sua nacionalidade e não possa, ou em virtude
daquele receio, não queira requerer a proteção daquele país.” (ADUS, 2016).
No ano de 1984, a definição ampliada da OUA foi acolhida também pela Declaração
de Cartagena, ao contemplar como refugiados as pessoas que fugiram dos seus países porque
a sua vida, liberdade ou segurança foram ameaçadas pela violência generalizada, a agressão
estrangeira, os conflitos internos, a violação maciça dos direitos humanos ou outras
circunstâncias que tenham perturbado gravemente a ordem pública (BARRETO, 2010).
Ainda, conforme Barreto (2010, p. 16), a Declaração de Cartagena foi responsável
por estender o conceito não só para aquela pessoa que em razão da raça, nacionalidade, sexo,
grupo social ou opinião política tenham temor fundado de perseguição, mas também àquelas
cujos países de origem tenham entrado em processo de grave crise política e social e tenham
permitido violência generalizada, violação de direitos humanos e outras circunstâncias de
perturbação grave da ordem pública. Em Cartagena, segundo o autor “se deu um caráter atual
ao tema do refúgio, que hoje está mais vinculado aos temas tratados nessa Declaração do que
aos previstos na Convenção de 1951, porque tornou a Convenção mais ampla e flexibilizou de
maneira positiva o conceito de refugiado.”
Toda pessoa tem o direito de buscar e de desfrutar de asilo em outros países para
escapar de perseguição, inclusive de perseguição relacionada à orientação sexual ou
identidade de gênero. Um Estado não pode transferir, expulsar ou extraditar uma
pessoa para outro Estado onde esta pessoa experimente temor fundamentado de
enfrentar tortura, perseguição ou qualquer outra forma de tratamento ou punição
cruel, desumana ou degradante, em razão de sua orientação sexual ou identidade de
gênero. (ACNUR, 2011, p. 184).
Esses documentos, entretanto, não possuem caráter vinculante, cabendo aos Estados
acatar ou não as recomendações à sua legislação interna. Dentre os países que seguem as
sugestões do ACNUR e dos Princípios de Yogyakarta, concedendo refúgio por orientação
sexual e identidade de gênero, estão, entre outros: Alemanha, Argentina, Brasil, Bélgica,
Canadá, Dinamarca, Espanha, Estados Unidos, Holanda, Reino Unido e Suécia. (ANDRADE,
2016).
3 MINORIAS SEXUAIS: QUEM SÃO?
[...] capacidade de cada pessoa de sentir uma profunda atração emocional, afetiva e
sexual por pessoas de um gênero diferente do seu, ou do seu mesmo gênero, ou de
mais de um gênero, assim como a capacidade de manter relações íntimas e sexuais
com essas pessoas. (ACNUR, 2011, p. 184).
[...] vivência interna e individual do gênero como tal e como cada pessoa sente
internamente essa vivência, a qual pode ou não corresponder com o sexo que foi
determinado no momento do nascimento, incluindo uma vivência pessoal do corpo e
outras expressões de gênero, como roupas, o modo de falar ou de se portar
(ACNUR, 2011, p. 185).
Uma mulher lésbica é aquela cuja atração física, romântica e/ou emocional é
direcionada de modo permanente a outras mulheres. De fato, lésbicas estão mais propensas a
sofrer violência por parte de atores não-estatais, sendo comuns relatos de agressões com fins
17
de “estupro corretivo”, retaliação violenta por parte de seus antigos companheiros ou maridos,
casamento forçado e diversos crimes cometidos em nome da “honra” dos seus familiares,
principalmente em países com forte cultura religiosa e opressora aos direitos das mulheres
(ACNUR, 2011).
O termo “gay” é utilizado para descrever um homem que possui uma atração física,
romântica e/ou emocional permanente por outros homens. Todavia, o termo também pode é
utilizado para descrever tanto homens quanto mulheres gays (lésbicas), os denominados
homossexuais em um sentido lato. Segundo dados da ACNUR (2011, p. 185), os homens
gays preponderam numericamente dentre as solicitações de refúgio baseadas na orientação
sexual e identidade de gênero. Geralmente, homens gays são mais visíveis que outros grupos
LGBTI na vida pública de diversas sociedades e podem se tornar o alvo de campanhas
políticas negativas. Por conta da sua orientação sexual, homens gays estão propensos ao risco
de serem agredidos nas prisões, no exército e em outros ambientes ou postos de trabalho
tradicionalmente dominados por conceitos machistas.
Bissexual diz respeito ao indivíduo que é fisicamente, romanticamente e/ou
emocionalmente atraído tanto por homens quanto por mulheres. A bissexualidade é uma
identidade única que requer um exame em seus próprios termos. Em alguns países a
perseguição pode ser dirigida expressamente contra condutas gays ou lésbicas, mas abranger
ao mesmo tempo atos de indivíduos que se identificam como bissexuais. Os bissexuais
costumam descrever a sua orientação sexual como “fluida” ou “flexível”. (ACNUR, 2011).
Transgênero diz respeito às pessoas cuja identidade de gênero e/ou expressão de
gênero diferem do sexo biológico ao qual lhe foi atribuído ao nascer. O transgênero é uma
identidade de gênero, e não uma orientação sexual, de modo que o indivíduo transgênero pode
ser heterossexual, gay, lésbico ou bissexual. Indivíduos transgêneros se vestem ou agem de
formas que geralmente são distintas daquelas que a sociedade esperaria de uma pessoa com o
sexo que ela recebeu ao nascer. Por não se enquadrarem na percepção binária de ser um
homem ou uma mulher, eles podem ser percebidos como uma anormalidade perante as
normas e valores sociais. E é essa não-conformidade que os expõe ao risco de sofrerem
violência e discriminações. (ACNUR, 2011).
Em geral, os indivíduos transgênero são marginalizados e suas narrativas podem
revelar experiências de violências e grave ameaças físicas, psicológicas e/ou sexuais. Quando
a sua autoidentificação e aparência física não combinam com o sexo especificado nos seus
documentos de identidade oficiais, as pessoas transgênero correm ainda mais riscos de
preconceito. A depender do país de origem, a retificação dos registros civis com fins de
18
De fato, a Convenção de 1951 optou por não conceituar o que entende por
“perseguição”, apenas afirmando ser o refugiado a pessoa que “temendo ser perseguida”
cruza uma fronteira internacional. Feller (2001 apud REIS e MENEZES, 2014) sustenta que
não existir, na Convenção, uma definição de se termo “perseguição” é indicativo do fato de
que suas formas são variadas.
O elemento “temor” – que é um estado de espírito e uma condição subjetiva – é
limitado pelo requisito “fundado”. Isso significa que não basta averiguar apenas a situação de
medo do solicitante para que seja reconhecida a condição de refugiado, mas se esse estado de
espírito amendontrador encontra fundamento em uma situação objetiva. A expressão
“fundado temor” contém, portanto, um elemento subjetivo e um outro objetivo e, para
determinar se esse receio fundado existe, ambos os elementos deverão ser levados em
consideração (ACNUR, 2011).
Uma avaliação do elemento subjetivo é inseparável de uma apreciação da
personalidade do requerente, já que as reações psicológicas dos diferentes indivíduos podem
não ser as mesmas em condições idênticas. Algumas pessoas podem ter convicções políticas
ou religiosas tão fortes que, se viessem a delas abdicar, suas vidas se tornariam intoleráveis.
Outras pessoas, por outro lado, podem não possuir convicções tão marcantes. Umas podem
tomar uma decisão impulsiva para fugir, outras podem planejar cuidadosamente a sua partida.
(ACNUR, 2011).
Quanto ao elemento objetivo, é necessário avaliar as declarações feitas pelo
solicitante. Segundo a ACNUR (2011), as autoridades competentes para determinar a
condição de refugiado não estão obrigadas a avaliar as condições existentes no país de origem
do requerente. No entanto:
tenham conhecimento sobre a sua orientação sexual e/ou identidade de gênero antes da fuga
do país de origem
Não existe uma definição universalmente aceita de “perseguição” e as diversas
tentativas de se formular essa definição obtiveram pouco sucesso. Do Artigo 33 da
Convenção de 1951 pode-se inferir que a ameaça à vida ou à liberdade em virtude da raça,
religião, nacionalidade, opiniões políticas ou pertencimento a um grupo social específico é
sempre caracterizada como perseguição. Outras violações graves aos direitos humanos – pelas
mesmas razões – também poderiam caracterizar perseguição. (ACNUR, 2011).
Ademais, o solicitante pode ter sofrido várias medidas que, por si só, não constituem
perseguição (por exemplo, diversas formas sociais de preconceito), as quais podem estar
combinadas com outros fatores adversos (como ambiente de insegurança generalizada no país
de origem ou uma crise política instaurada). Em tais situações, os diversos elementos
envolvidos podem, se considerados conjuntamente, levar o solicitante a um estado de espírito
que pode justificar o fundado temor de perseguição por “motivos cumulativos”. Logo, não é
possível estabelecer uma regra geral quanto aos motivos cumulativos que podem tornar válido
o pedido de reconhecimento da condição de refugiado. Isso dependerá necessariamente de
todas as circunstâncias, incluindo os contextos específicos em termos geográficos, históricos e
culturais (ACNUR, 2011).
No caso específico dos indivíduos LGBTI, menções a ameaças de grave abuso ou
violência são comuns. Violência física, psicológica e sexual, inclusive estupros, em geral
preenchem o requisito da constatação de uma perseguição. O estupro, em particular, já foi
identificado como uma ferramenta de “intimidação, degradação, humilhação, discriminação,
punição, controle e destruição da pessoa. Assim como a tortura, o estupro é uma violação da
dignidade humana (ACNUR, 2011, p. 191).
Ainda, países com forte valoração à normas sociais e religiosas, inclusive a chamada
“honra familiar”, geralmente estão dentre as maiores origens de indivíduos LGBTI que
solicitam refúgio. Apesar de a “mera” desaprovação familiar ou comunitária não constituir
uma perseguição, ela pode ser um fator importante no contexto geral que fundamentou a
solicitação. Quando a reprovação familiar ou comunitária, por exemplo, se manifesta na
forma de ameaças de violência física grave ou de assassinato por parte de membros da família
ou da comunidade em geral, cometido em nome da “honra”, aí então as ações poderiam
claramente ser classificadas como perseguições (ACNUR, 2011).
Outras formas de perseguição incluem o casamento forçado ou de crianças e
adolescentes, gravidez forçada e/ou estupro conjugal. Na maioria dos casos relativos à
22
orientação sexual e/ou identidade de gênero, essas formas de perseguição são utilizadas como
um meio de negar ou “corrigir” a não conformidade. Lésbicas, mulheres bissexuais e pessoas
transgênero sofrem ainda mais risco de sofrer esses tipos de violência em razão de
persistentes desigualdades de gênero que restringem a autonomia na tomada de decisões sobre
sexualidade, reprodução e vida familiar. (ACNUR, 2011).
Segundo Andrade (2016), o fundado temor de perseguição também influencia no
próprio pedido de refúgio. Isso porque muitos solicitantes não conseguem revelar sua
orientação sexual logo no início, relacionado ao fato da dificuldade de falar sobre o tema. De
acordo com Oliva (2012, p. 25) “Nem sempre os solicitantes de refúgio sentem-se
confortáveis para tratar abertamente do assunto, o que dá ensejo a uma aparente ausência de
credibilidade”. Esse receio em falar sobre o assunto pode vir a dificultar o processo de
solicitação de refúgio:
[...] a dificuldade que para muitos dos requerentes é falar da sua orientação sexual,
pois é sentida por muitos como um “segredo bem guardado” que terá sido a origem
de muita discriminação e violência. Efectivamente, o tempo e o modo no qual o
requerente refere a sua orientação sexual é um dos elementos de análise no processo
que provoca dificuldades no processo (VIEIRA, 2011, p. 55 apud ANDRADE,
2016, p. 8).
Tal diretriz, ainda, refere que outras razões podem ser aplicáveis, o que vai depender
do contexto político, religioso e cultural da solicitação. Por exemplo, ativistas e defensores de
direitos humanos LGBTI (ou pessoas percebidas como ativistas/defensores) podem vir a
solicitar refúgio com base na opinião política ou religião se, por exemplo, o ativismo
promovido por eles for visto como uma manifestação contrária às visões e/ou práticas
políticas e religiosas dominantes. (NASCIMENTO, 2016).
Por fim, insurge mencionar que informações específicas e relevantes a respeito da
situação e do tratamento de indivíduos LGBTI no país de origem muitas vezes inexistem. Isso
não deve levar automaticamente à conclusão de que a alegação do solicitante é infundada ou
de que não existe perseguição aos indivíduos LGBTI naquele Estado. A capacidade das
organizações internacionais e de outros grupos em monitorar e documentar os abusos contra
indivíduos LGBTI permanece limitada em muitos países. O aumento do ativismo tem sido
repelido em ataques contra defensores dos direitos humanos, o que os impedes de conseguir
aumentar a capacidade de documentar as violações, eis que muitos países evitam mencionar
esses acontecimentos por conta de estigmas relacionados às questões que envolvem
orientação sexual e/ou identidade de gênero. Portanto, é fundamental evitar tirar conclusões
automáticas tendo como base informações sobre um ou outro grupo; entretanto, elas podem
servir como indicação da situação do solicitante em certas circunstâncias. (ACNUR, 2011).
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
A temática dos refugiados e sua proteção jurídica vem sendo cada vez mais discutido
no campo do Direito Humanitário Internacional. Entretanto, no interior do centro dos estudos
das migrações internacionais, um tema comumente marcado pela invisibilidade é o que
tenciona a questão das minorias sexuais e de gênero, eis que tratadas de forma tão divergente
pelos governos a fora. (SILVA, 2015).
Em geral, é comum observar relatos de integrantes do grupo LGBTI que sofreram ao
menos algum tipo de ameaça, violência ou coação física e/ou psicológica, além de tentativas
de “estupros corretivos” ao redor do mundo, principalmente países árabes e africanos, sendo
24
relatado casos em que tal perseguição é muitas vezes institucionalizada e permitida pela
própria legislação do país, além de ser cominada penas cruéis e/ou de morte (SILVA, 2015).
Buscando fugir desta realidade é que muitos optam por migrar para outros países, em
anseio a uma vida mais digna, ao respeito à seus direitos humanos básicos e à sua segurança
física. Entretanto, ainda que haja ampla discussão no espaço acadêmico sobre a inclusão dos
direitos das minorias sexuais, pouco enfoque jurídico recai sobre o instituto do refúgio com
base nessas discriminações.
Apesar de uma tendência generalizada de reconhecimento da população LGBTI no
acesso facilitado à possibilidade de pedido do refúgio, existem resistências institucionais
fortes, bem como dificuldades diversas na persecução real dos pedidos de asilo para esta
população.
Porém, verifica-se que em muitos Estados, com destaque àqueles do ocidente
europeu e do continente americano, já possuem casos de concessão de refúgio por motivos de
fundado de temor de perseguição a indivíduos LGBTI, mesmo que em pequenos números. No
entanto, a aplicação da definição de refugiados ainda é inconsistente nessa seara.
Insurge como fundamental o papel do ACNUR no reconhecimento das minorias
sexuais como elegíveis para o Estatuto do Refugiado com base na perseguição por seu
pertencimento a esse grupo social tão particular. Suas orientações são essenciais para o
reconhecimento dessas pessoas como sujeitas a ofensas, tratamentos desumanos ou a grave
discriminações por conta da sua orientação sexual ou identidade de gênero e, assim, possível é
a concessão de asilo.
REFERÊNCIAS
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<http://www.cartaforense.com.br/conteudo/entrevistas/direitos-dos-refugiados/5551>. Acesso
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RAMOS, Andre de Carvalho. Curso de Direitos Humanos. São Paulo: Saraiva, 2014.
26
REIS, Rossana Rocha; MENEZES, Thais Silva. Direitos Humanos e Refúgio: uma análise
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Polit., Curitiba, v. 22, n. 49, p. 61-83, Mar. 2014. Disponível em:
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VIEIRA, Paulo Jorge. Mobilidades, migrações e orientações sexuais. percursos em torno das
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em: <http://www.scielo.mec.pt/scielo.php?script=sci_arttext&pid=
S0874-55602011000200005>. Acesso em: 26 ago. 2016.
Resumo
Esta pesquisa está situada no campo da Análise da Política Externa e dos direitos humanos
voltados para o coletivo LGBT. Ancorada pelo método exploratório, o presente artigo irá
examinar como vem ocorrendo o processo de inserção internacional do Brasil no que tange a
temática LGBT, principalmente nos mecanismos da ONU. Para tal, pretende-se analisar quais
atores domésticos estão envolvidos nesse processo e como eles contribuem para os avanços
dessa agenda. A fim de alcançar o objetivo proposto, dividiu-se o presente trabalho em três
seções. Inicialmente será feita uma exposição breve do regime internacional de direitos
humanos, com ênfase no recente tratamento para o público LGBT que é conferido pela ONU.
Buscar-se-á apresentar como a atuação brasileira no Conselho de Direitos Humanos da ONU,
assim como em conferências onusianas de direitos humanos, fortalecem o protagonismo
brasileiro no tema em questão. Em seguida, serão identificados os principais atores, oficiais e
não-oficias, impulsionadores ou inibidores dessa agenda, que influenciam no protagonismo
internacional brasileiro. A partir dessa apresentação, buscar-se-á entender na terceira seção
sobre quais fundamentos se constrói o posicionamento do Brasil nessa matéria. Por último,
serão feitas as considerações finais, delineando-se alguns possíveis interesses que favoreçam a
atuação do Brasil frente à luta por esses direitos na arena internacional.
Abstract
This research is situated in the field of Foreign Policy Analysis and in the studies of Human
Rights of the LGBT. Anchored by an exploratory method, this article will examine the
process of international involvement of Brazil with respect to the LGBT agenda, specially in
the UN mechanisms. For this, it is intended to analyze which domestic actors are involved in
such process and how they contribute to the progress of that agenda. In order to achieve the
proposed objective, this work is divided into three sections. First it will be made a brief
presentation of the international regime of human rights, emphasizing the recent recognition
1
Mestrando e graduado em Relações Internacionais na Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). E-mail:
renanjark@gmail.com
28
for the LGBT people addressed by the United Nations. It will be presented how the Brazilian
initiatives in the UN Human Rights Council, as well as in the UN conferences of Human
Rights, strengthen Brazil’s leading role in the issue at hand. In the next section it will be
identified the key players, official and non-official, drivers and inhibitors of this agenda,
which may influence in the Brazilian international leadership in this subject. Based on this
presentation, in the third section it will be sought to understand on what grounds the Brazilian
position in this matter is built. Finally, the final considerations will be made, outlining some
possible interests that favor the performance of Brazil regarding such rights in the
international arena.
1 INTRODUÇÃO
valores sociais produzidos por “[...] crenças religiosas, valores morais, princípios legais e
posições políticas.” (CARRARA, 2012, p. 185).
Internacionalmente, a proteção jurídica das minorias sexuais4 se origina de
instrumentos como a Carta Internacional dos Direitos Humanos5, o principal instrumento
jurídico internacional em questão de direitos humanos, o qual estabelece, por exemplo,
proteção normativa contra discriminação6 e tratamentos desumanos7. Todavia, uma parcela de
indivíduos da comunidade internacional, normalmente conhecidos por LGBT, ainda são
perseguidos por seus Estados, inclusive aqueles que já assinaram e ratificaram pactos de
direitos humanos. Como assevera Donnelly (2011), apesar dos direitos humanos terem sido
amplamente internacionalizados, a sua aplicação e cumprimento são de responsabilidade dos
Estados. Ainda em 2016 são 74 os Estados que possuem leis que criminalizam essas minorias.
Nos casos mais extremos, as penas podem ser prisões perpétuas ou até a morte (CARROLL,
2016).
Regionalmente, nas Américas são ainda 11 países8 que ainda adotam alguma forma de
criminalização contra homossexuais. Apesar disso, as Américas e a Europa são as regiões do
mundo onde há maior avanço em termos de proteção legal para os LGBT. Merece ser
sublinhado um recente avanço alcançado na Organização dos Estados Americanos (OEA)
pela aprovação, em 2013, da ‘Convenção Interamericana contra toda forma de discriminação
e intolerância’. Quando em vigor, esse será o primeiro instrumento jurídico internacional de
caráter vinculante a condenar a discriminação baseada em orientação e identidade de gênero.
Dentre os países que atuaram ativamente para a sua aprovação, notabiliza-se o Brasil
(CARROLL, 2016; PATRIOTA; BAIRROS; NUNES, 2013).
No Brasil, apesar de não haver leis criminalizantes para as minorias sexuais, a
violência e o cometimento de crimes contra os LGBT é preocupante9 (BRASIL, 2012).
4
Em 2007, um grupo de especialistas militantes e juristas em direitos humanos lançou os Princípios de
Yogyakarta, uma compilação de direitos humanos voltados para a Orientação Sexual e Identidade de Gênero.
Apesar de se caracterizarem como um importante instrumento jurídico referente às minorias sexuais, tais
princípios não têm caráter vinculante (O’FLAHERTY; FISHER, 2008).
5
O instrumento jurídico denominado Carta Internacional dos Direitos Humanos é composto pela Declaração
Universal dos Direitos Humanos e dois Pactos de direitos humanos: o Pacto Internacional dos Direitos Civis e
Políticos e o Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais (ONU, 2001).
6
Artigo 2o da Declaração Universal dos Direitos Humanos (ONU, 2001).
7
Artigo 5o da Declaração Universal dos Direitos Humanos (ONU, 2001).
8
01 na América do Sul e 10 na América Central, principalmente no Caribe anglófono. São eles: Antígua e
Barbuda, Barbados, Belize, Dominica, Granada, Guiana, Jamaica, São Cristóvão e Neves, Santa Lúcia, São
Vicente e Granadinas e Trindade e Tobago (CARROLL, 2016).
9
No Relatório sobre violência homofóbica no Brasil, a Secretaria de Direitos Humanos aponta que em 2012
houve pelo menos 3.084 denúncias de 9.982 violações relacionadas ao público LGBT. Entre esses, os números
apontam para 4.851 vítimas e 4.784 suspeitos. É importante frisar que esses são apenas os números registrados
pelo poder público e que as estimativas indicam que o número de indivíduos violentados pela sua condição
30
Sublinha-se também a ausência de legislação doméstica para proteger esse coletivo em vários
assuntos. Além disso, no Brasil
LGBT seja maior (BRASIL, 2012). Além disso, de acordo com o Trans Murder Monitoring (TMM) Project, o
Brasil ocupa a liderança num ranking de países como o que apresenta o maior número de crimes reportado
contra pessoas transexuais e transgêneras, que entre 2008 e 2014 foi 689 (TGEU, 2015).
31
Sociais e Culturais - oferecem proteção de caráter vinculante aos Estados do sistema onusiano
(ONU, 2001). Contudo, os direitos humanos são responsabilidade principal dos Estados e,
portanto, a falta de coerção dos mecanismos internacionais remete a essas instituições o papel
de apenas monitorar e fazer recomendações (DONNELLY, 2011).
Assevera Donnelly (2011) que, num contexto de término da Guerra Fria, a década de
1990 presencia avanços importantes no regime de direitos humanos, como a criação de um
Alto-Comissário da ONU para Direitos Humanos, a mudança nas práticas de intervenção
humanitária e o estabelecimento de Tribunais ad hoc para o julgamento de crimes de guerra
(Iugoslávia e Ruanda). Pode-se destacar também que, nesse contexto, é evidenciado um
crescimento da presença de temas relacionados à questão de gênero e sexualidade nos fóruns
da ONU e em conferências sociais (CORREA, 2014). Dessa forma,
[...] nos últimos 20 anos, as questões de gênero e sexualidade têm sido cada
vez mais debatidas em arenas das Nações Unidas, sendo este um dos
principais efeitos do ciclo de conferências sobre as questões sociais da
década de 1990, em particular a Conferência de Viena de 1993 sobre os
Direitos Humanos, a Conferência do Cairo de 1994 sobre População e
Desenvolvimento e a IV Conferência Mundial sobre a Mulher em Pequim,
em 1995, e suas revisões periódicas (CORREA, 2014, p. 175).
Em 2006 é criado o CDH, órgão da ONU que sucede a antiga Comissão de Direitos
Humanos. O CDH, que responde diretamente à Assembleia Geral da ONU, tem como
objetivo a promoção da proteção universal dos direitos humanos. É encarregado pela
elaboração de recomendações acerca de situações graves de violação desses direitos e também
segue a premissa de auxiliar na incorporação dos direitos humanos em todo o aparato
institucional onusiano. Suas reuniões são periódicas e sua composição é de 47 Estados-
membros (UNITED NATIONS, 2016b).
32
O Brasil foi eleito membro da Comissão dos Direitos Humanos pela primeira vez em
1977. Destaca Alves (2008) que a motivação inicial para participar dessa Comissão, ainda em
um contexto de ditadura, foi defensiva e com o intuito de lidar com problemas de imagem
devido às acusações proveniente de ONGs e de outros Estados do ocidente de que o Brasil era
um Estado violador de direitos humanos. Ao mesmo tempo, ela contribuiu para uma
reorientação política do Brasil que se mostrava necessária (ALVES, 2008). Assim,
10
A organização Conectas (2010, p. 74 apud MILANI, 2011, p. 48) sublinha alguns importantes momentos de
participação do Brasil no CDH: “[...] visita ao Brasil do presidente do Conselho de Direitos Humanos e presença
do presidente Lula na sua 11a sessão; reeleição do Brasil para o conselho em 2008, com mandato de três anos,
até 2011; introdução, pelo governo brasileiro, de cinco das propostas levadas a votação e copatrocínio de 36,
além de participação no mecanismo de Revisão Periódica Universal de 48 países, fazendo comentários,
perguntas e recomendações aos países revisados.”
11
Patriota (2013) ressalta a atuação internacional do Brasil na temática em questão do Brasil em uma série de
contextos: o lançamento dos Princípios Yogyakarta na ONU em 2007; a apresentação conjunta do Brasil e
outros 66 países da Declaração sobre Direitos Humanos, Orientação Sexual e Identidade de Gênero na
Assembleia Geral da ONU em 2008; o copatrocínio do Brasil e mais 12 países pelo Painel de Alto Nível sobre o
fim da violência e das sanções penais com base em Orientação Sexual e Identidade de Gênero em 2010; diversas
intervenções conjuntas do Brasil em referência à violência baseada na orientação sexual e identidade de gênero
em sessões do CDH; a proposição, ao lado da África do Sul, da já mencionada Resolução 17/19 no CDH; a
iniciativa brasileira pela aprovação da Resolução nomeada ‘Direitos Humanos, Orientação Sexual e Identidade
de Gênero’ pela Assembleia Geral da Organização dos Estados Americanos (AGOEA); e a adoção Convenção
Americana Contra Toda Forma de Discriminação e Intolerância durante uma AGOEA em 2013.
12
Como a descriminalização da homossexualidade em 03 países, a extensão de leis anti-discriminação para os
LGBT e a possibilidade do exercício da união estável entre casais homoafetivos (UNITED NATIONS, 2015).
34
manutenção de grave violência contra esses coletivos13 (UNITED NATIONS, 2015). Além
disso, uma recente Resolução aprovada pelo CDH em 2016, através da qual se estabelece a
criação de um posto especial independente que atuará com direitos LGBT nesse Conselho
exemplifica outro avanço do tema neste órgão da ONU. O Brasil também foi um dos
proponentes dessa Resolução (UNITED NATIONS, 2016a).
Feita essa breve exposição, segue-se para a identificação dos principais atores
domésticos que interferem na agenda em questão.
13
Assassinatos, tortura, detenções arbitrárias, discriminação nos serviços de saúde e de educação, no emprego,
etc. (UNITED NATIONS, 2015).
35
14
Assevera Santos (2011) que em 1995 ocorre no Rio de Janeiro a 17a Conferência da Associação Internacional
de Gays e Lésbicas (ILGA), em torno do qual aconteceu um debate sobre a legalização da união estável
homoafetiva. No mesmo ano essa proposta foi transformada em projeto de lei por Marta Suplicy (PL no. 1.1151).
36
Assevera-se que,
15
Para Santos (2011, p. 183), “Eles se posicionam contrariamente a qualquer projeto de lei que garanta direitos
aos homossexuais, ou mesmo que mencione estes como ‘sujeitos de direitos’. [...] as igrejas evangélicas vêm se
constituindo como importantes atores na arena política brasileira, principalmente no período pós-constituinte.
Elas provaram grande capacidade de transferir sua influência religiosa para a arena política, haja vista o sucesso
de diversas candidaturas de membros destas ordens religiosas aos cargos de deputados e senadores (a exemplo
da Igreja Universal do Reino de Deus e da Assembleia de Deus). A participação de candidatos evangélicos na
arena política ocorre basicamente no Poder Legislativo e em virtude da grande capacidade de arregimentação de
votos, estes seriam amplamente ‘cortejados’ por diversos candidatos a cargos executivos, de partidos das mais
diferentes matizes ideológicas. Apesar das diferenças existentes entre as diversas denominações religiosas que
compõem o universo das igrejas pentecostais, haveria uma convergência de opiniões e interesses no que
concerne a dois temas de cunho moral: legalização do aborto e o reconhecimento legal das uniões entre pessoas
do mesmo sexo”.
37
16
Não se pretende ignorar o questionamento crítico com que Pinheiro (2003) aponta para o distanciamento do
Legislativo no que tange a política externa. Apontamentos indicam que o processo decisório internacional teria
maior visibilidade se contasse com a maior presença dos parlamentares.
17
O Brasil atingiu um status de protagonista pelos seus programas de saúde no tema HIV/AIDS, como o que
envolve a distribuição gratuita de medicamentos antirretrovirais, desde 1991. A visibilidade internacional foi
bastante positiva para o país e os avanços levaram o país a deixar de ser receptor para se tornar doador de ajuda
desde 2003. É pertinente mencionar que houve campanhas específicas para a comunidade LGBT que indicam
avanços específicos para esse coletivo nas estratégias de saúde (GÓMEZ, 2011). Portanto, outros temas podem
ter influenciado no aparecimento e fortalecimento da agenda LGBT na política externa brasileira.
39
de gênero como base de discriminação dentro os aspectos de proteção nos Jogos Olímpicos
que estavam para acontecer (CORREA, 2014, p. 177).
Em segundo lugar, deve-se frisar a seletividade do Brasil em assuntos de direitos
humanos. Borges (2014) destaca que o Brasil tem uma participação ativa e foi considerado
um ator chave em Resoluções de direitos humanos no CDH. Uma das vantagens do Brasil é
sua capacidade de interlocução com outros países e sua busca pela solução pacífica de
controvérsias. Ao mesmo tempo, a postura do Brasil é vista como bastante seletiva e, em
alguns casos, politizada, evitando interferir em assuntos que dizem respeito à violação de
direitos humanos por outros Estados18. O Itamaraty possui uma tradição da política externa
brasileira de não-intervenção em questões de violações de direitos humanos em outros países
(MILANI, 2011).
Engstrom (2012) assevera que nos Governos recentes (Lula e Dilma), o papel do
Brasil no regime internacional de direitos humanos foi bastante questionando, tanto pela
presença contínua de violações de direitos humanos no âmbito doméstico quanto pela
incerteza do papel das potências emergentes perante esse regime. Apesar da participação ativa
do Brasil para a Resolução do CDH em 2011, o autor aponta que em outros temas de direitos
humanos e em termos de iniciativas para esse regime, o Brasil foi bastante inativo. Isto é, o
avanço com que a questão LGBT vem sendo abordado pelo Brasil não necessariamente
representa avanços em outras áreas de direitos humanos (como a justiça de transição e a
respectiva postura brasileira frente às decisões da Corte Interamericana) (ENGSTROM,
2012).
Finalmente, deve-se tomar cuidado para os perigos do pinkwashing, conceito utilizado
principalmente como crítica ao Estado de Israel que, através de campanhas midiáticas que
investem na promoção de Israel como um país gay-friendly, ‘limpa’ sua imagem de país
violador de direitos humanos do povo palestino (BENTO, 2016). Este trabalho está longe de
assumir que essa seja a posição oficial do Brasil em relação aos LGBT. Além disso, o Brasil
ainda está distante de ser uma referência de país protetor dos LGBT. Todavia, é indispensável
conceber os direitos humanos como amplos e, logo, suas diferentes interseccionalidades
devem progredir de forma conjunta, jamais uma em detrimento de outra. Mais ainda, deve-se
advertir que políticas públicas voltadas para o mascaramento de violações de direitos
humanos contribuem para uma conotação negativa dos movimentos sociais pró-LGBT, mais
os prejudicando do que auxiliando.
18
Borges (2014) se refere a Resoluções do CDH que tratam da Coreia do Norte, Sri Lanka, Irã, República
Democrática do Congo e Sudão, entre 2006 e 2011.
41
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Este artigo teve por objetivo introduzir um debate acerca da atuação brasileira na
agenda LGBT. Ainda se está muito distante de se assumir posturas definitivas acerca de quais
são os interesses por traz do crescimento dessa pauta pelas delegações diplomáticas brasileiras
nos mecanismos internacionais de direitos humanos. Contudo, nessa conclusão, pretende-se
traçar alguns cenários hipotéticos, os quais não necessariamente precisam ser percebidos
como isolados.
Um cenário mais otimista pode ser formulado sob a ótica do interesse brasileiro em se
consolidar como um real promovedor de direitos humanos internacionais, baseado em uma
lógica que já é histórica na política externa brasileira (à exceção da ferida histórica marcada
pelos tempos de ditadura). Mais do que melhorar a posição internacional do Brasil, essa
promoção pode angariar ganhos internos. A atuação promotora desses direitos pode fomentar
uma pressão externa para facilitar a superação de entraves no legislativo. Ademais, uma
forma de se ampliar o arcabouço protetivo doméstico específico para as minorias sexuais é
assumindo compromissos internacionais como a mencionada assinatura da Convenção
Interamericana contra Discriminação. Isto é, num cenário em que o Legislativo dificulta
avanços protetivos nessa pauta, uma possível consequência da inserção brasileira nessa
questão é que a assinatura internacional de tratados de direitos humanos pode ser incorporada,
após a devida aprovação das casas do Congresso, como emenda constitucional (BRASIL,
2004).
Um cenário mais pessimista conduz à percepção dessa agenda como uma forma de
limpeza da imagem brasileira como violadora de direitos humanos, um certo pinkwashing.
Essa agenda possibilita que o Brasil protagonize uma imagem de promovedor de direitos
LGBT, contrabalanceando deficiências em outras áreas de direitos humanos. Mais do que
isso, ela permite que o Brasil consiga ganhos em outras áreas viabilizados pela sua melhor
inserção no sistema multilateral de ideário liberal-democrático. Ademais, ela corrobora com a
ideia de que o Brasil faz um uso pendular da agenda de direitos humanos, utilizando-a de
forma pragmática e de acordo com as demandas estratégicas do governo.
Finalmente, é possível traçar um cenário intermediário, no qual os interesses resultam
de um conflito interno entre posições antagônicas. Politicamente, a disputa social entre
ativistas e religiosos se manifesta no Governo Federal. Essa é uma das razões por que
questões de sexualidade avançam no Executivo e no Judiciário e retrocedem no Legislativo.
42
Esta disputa social não é puramente nacional, visto que ela está atrelada a movimentos
transnacionais (as ONGs de ativistas e as próprias religiões), as quais movimentam suas
pautas de forma transcendental entre o local e o global. A religião e as ONGs são
empoderadas em movimentos transnacionais, ganhando força externamente e sendo
impulsionadas internamente. Em complemento com a hipótese da busca pelo protagonismo
externo, é indispensável destacar que as políticas públicas internas também são importantes
mecanismos para melhorar a imagem externa do país. Contudo, não se pretende diminuir a
força dos militantes da sociedade civil que desejam ter suas pautas assumidas pelo governo.
Por esse ângulo, a política externa representa tanto aspectos da imagem que o Brasil almeja
perante a sociedade internacional (a de um país moderno e promotor dos direitos humanos)
como também reflexos de demandas internas em um contexto em que a sociedade civil
consegue levar suas demandas para o Executivo, principalmente para o Ministério das
Relações Exteriores. Ademais, essa agenda avança com a atuação de partidos de esquerda no
poder, os quais possibilitam maior participação de ideais sociais em sua constituição.
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Resumo
A questão dos refugiados e o comprometimento dos Estados quanto a sua proteção são assuntos
muito aludidos na agenda internacional atual. No entanto, poucas são as reflexões existentes
sobre como essa proteção é falha ao tratarmos das mulheres refugiadas. Com isso, o presente
artigo pretende analisar a simbiose entre direitos humanos e o instituto do refúgio quando
voltados a salvaguarda dessas mulheres. Almeja-se ponderar sobre a atual condição desses
dispositivos jurídicos e tecer uma argumentação que corrobore que, para a maximização da
proteção feminina, é imperativo que se remodele tais dispositivos sob a ótica de uma perspectiva
de gênero. Para isso, duas questões serão abordadas aqui: o escopo de definição do que é ser um
refugiado pela Convenção de 1951 e também as violações de direitos humanos ocorridas no
âmbito dos centros de detenção dos requerentes de asilo.
Palavras-chave: Refugiados; Direitos humanos; Mulheres; Gênero.
Abstract
The issue of refugees and the commitment of States to protect them are very alluded concerns on
the current international agenda. However, there are few existing reflections on how this
protection is defective when dealing with women refugees. Thus, this article aims to analyze the
symbiosis between human rights and the refugee institute when aimed at safeguarding these
women. It intends to reflect on the current condition of these legal provisions and weave an
argument that corroborates that, to maximize protection of women, it is imperative to remodel
such devices from a gender perspective. For this, two questions will be addressed here: the
definition of the scope of what being a refugee by the Convention of 1951 means and also the
human rights violations occurring within the facilities for detention of asylum seekers.
Keywords: Refugees; Human rights; Women; Gender.
1 INTRODUÇÃO
1
Graduanda
em
Relações
Internacionais
pela
Universidade
de
Brasília
(UnB).
E-‐mail:
vivianne.bsoares@gmail.com
47
Após 1945 o instituto do refúgio foi estabelecido. Isso se deu devido a afirmação plena
dos direitos humanos em face dos acontecimentos da Segunda Guerra Mundial, originando uma
percepção por parte dos Estados de que uma cooperação transnacional seria crucial para a
proteção das pessoas que migraram forçadamente (MENEZES; REIS, 2014). Por esse motivo, a
vinculação entre direitos humanos e o instituto de refúgio é incontestável. Esse nada mais é que a
internacionalização lacto sensu daqueles, visto que a responsabilidade da proteção humana passa
a ser compartilhada pela comunidade internacional a partir do momento que um Estado falha em
cumprir tal obrigação. Flávia Piovesan ( 2001, p. 37) define que:
Ou seja, para que haja o entendimento de que os indivíduos necessitam de uma proteção
internacional como a do refúgio faz-se necessário compreender que, a princípio, o indivíduo
possui direitos natos, afirmados historicamente. Isto é, o fenômeno transnacional da migração
forçada, via instituto de refúgio, é um fenômeno que possui em seu cerne os direitos humanos e
suas violações. Corroborando tal argumentação é possível citar dois marcos jurídicos importantes:
Primeiro, a Declaração Universal dos Direitos Humanos (DUDH), que especifica em seu Artigo
14 a garantia do asilo como um desses direitos naturais ao afirmar que “todo ser humano, vítima
de perseguição, tem o direito de procurar e gozar de asilo em outros países” (ONU, 1948, p. 9); e
também, o Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (ACNUR), que entende que
os indivíduos que deixaram seus países de origem em busca de proteção internacional o fizeram
principalmente por terem tido seus direitos humanos colocados em risco naquele território
(ACNUR, 1995)2.
Assim, é imprescindível salientar que as violações de direitos humanos não estão
restritas ao país de origem do solicitante, mas também podem estar presentes em sua jornada de
trânsito e na chegada aos países receptores. Isto é ainda mais verdadeiro quando tratamos de
grupos vulneráveis como mulheres. Quanto à própria afirmação jurídica da condição de refugiado,
2
“Decidir que um indivíduo possui um fundado temor de perseguição é, na verdade, concluir que um ou mais de
seus direitos humanos básicos não estão sendo respeitados” (ACNUR, 1995, p. 2, tradução própria).
48
3
Será utilizado aqui o conceito de gênero exposto por Anker e Lufkin (2003), que afirma que “gênero” no contexto
dos Direitos Humanos refere-se às divisões socialmente determinadas dos papéis entre homens e mulheres, às noções
de feminino e masculino socialmente construídas e às resultantes disparidades de poder que moldam e definem a
identidade da mulher e seu status dentro da sociedade.
4
Estas violações podem incluir, mas não são limitadas a: violência doméstica, escravidão sexual, abortos forçados,
esterilização forçada, mutilação genital, tráfico, violência sexual, abuso e estupros, dentre outros.
50
ainda é um espaço em que o desequilíbrio de poder entre homens e mulheres prevalece, fazendo
com que questões como esta não sejam tão incontestáveis e evidentes como sugerido pelo
ACNUR no documento.
Jubilut (2007) argumenta que a definição de grupo social não é precisa e que sua
inclusão na Convenção visou exatamente essa plasticidade. Isto se deu para que houvesse uma
aplicação homogênea do instituto de refúgio, manejando o conceito quando fosse necessário
proteger indivíduos que não se enquadrassem nas categorias tradicionais. Assim sendo, a autora
ainda afirma que a adoção da classe “grupo social" foi um ato residual, maleável e, por
conseguinte, garantidora da justiça efetiva aos refugiados. No entanto, apesar dessa argumentação
de forma implícita afirmar que a adaptabilidade do conceito teria o poder de se moldar às
necessidades das mulheres quanto às formas de perseguições que lhe únicas, reluta-se a tratar tal
proposição de forma tão otimista e efetiva.
Primeiramente, a categorização generalista das mulheres como um grupo social é
controversa, o que pode resultar no indeferimento das reinvindicações de refúgio. Jubilut (2007)
afirma que, para se definir um grupo social deveríamos nos atentar a três elementos. Um deles diz
respeito à própria identificação do grupo como um coletivo, isto é, a existência de um sentimento
de pertencimento, uma coesão a ele intrínseca. Todavia, isto não acontece. É demasiada a
diversidade existente entre as mulheres, o que as faz não se identificarem uma com as outras e,
por essa razão, entende-se que tratá-las como uma entidade social única é ignorar essas diferenças
sociais e de classe existentes (PHELAN, 1989), rejeitando a noção de interseccionalidade5.
Além disso, situar as mulheres como um grupo social per se reitera a posição de
impotência e marginalização destas (FOOTE, 1994), uma vez que subordina as mulheres a se
adequarem as normas masculinistas de definição de refúgio, ao invés de visibilizar suas vivências
de gênero. Isto implica em atestar que os problemas encontrados pelas mulheres refugiadas são
apenas uma variação dos problemas masculinos, o que não é verdadeiro. Abortos forçados,
estupros, mutilação genital, dentre outros, não possuem paralelos com a experiência masculina, e
5
Interseccionalidade pode ser entendida como a interconectividade, coexistência ou sobreposição de diferentes
identidades sociais e sistemas de opressão, discriminação ou opressão. Kimberly Crenshaw, ao longo de suas obras,
define o conceito como uma maneira de se analisar as consequências da interação entre diversas formas de
subordinação como, por exemplo, o sexismo, o racismo, o patriarcalismo, o elitismo, etc.
51
não nomear tais violações pelo que são trivializa a opressão de gênero, colocando-a como menos
lesiva do que perseguições por motivos de raça ou religião (MACKLIN, 1993).
Para combater tais críticas, muitos defensores dessa tese argumentam que a inclusão das
mulheres como grupo social não deve ser feita de forma a tratá-las genericamente ou por uma
configuração universal, mas sim por meio de conjuntos mais restritos (MACKLIN, 1995) como,
por exemplo, “mulheres togolesas que se opõem a prática de mutilação genital tida como tradição
no país” 6 . Entretanto, entende-se que essa subcategorização provoca uma banalização da
violência de gênero, afastando a questão do cerne da Convenção e ocultando ainda mais o
problema. Sendo assim, o que se depreende é que, a contenção das perseguições de gênero dentro
da categoria “grupo social” conduz sempre a uma negação e invisibilização das mulheres como
requerentes de refúgio. Somente a inclusão de uma nova classe na Convenção de 1951 pode
garantir a eficácia necessária para a proteção dessas mulheres, além de acarretar em uma
mudança global na percepção dessa necessidade. Como expõe SCHENK (1994, p. 303),
Determinações da ONU no campo dos direitos humanos carregam forte
autoridade persuasiva e exercem uma influência considerável sobre as
formulações das leis nacionais. Alterar a definição da ONU de "refugiado" para
incluir uma categoria de gênero iria remover o preconceito de gênero existente e,
provavelmente, criar uma mudança global abrangente no tratamento das mulheres
na lei de asilo.
Outras críticas quanto a essa inclusão enunciam sobre a dificuldade de se alterar a
Convenção de 1951, devido sua característica burocracial. Inegavelmente, a compreensão de um
novo critério para a concessão da condição de refugiado seria uma ação burocrática e complexa,
dado o fato da Convenção ser fruto da cooperação internacional de diversos países, com
interesses heterogêneos, principalmente quando se trata da agenda migratória. Contudo, escolhe-
se contemplar a Convenção e os Direitos Humanos como organismos vivos, em que a nova
incorporação seria uma evolução natural dos institutos de proteção internacional da pessoa
humana. A própria história da Convenção das Nações Unidas sobre o Estatuto dos Refugiados
corrobora isto. Inicialmente esta possuía um recorte de espaço e tempo7 que restringia quem
6
Faz-se referência aqui ao caso da jovem togolesa Fauziya Kasinga, que em 1994 pediu refúgio nos Estados Unidos
por temer ser compelida a mutilação genital em seu país. Seu caso inicialmente foi negado devido a Corte de
Apelação americana nos casos de migração acreditar que todas as mulheres de sua tribo são pressionadas à
circuncisão e que ela não estaria sendo perseguida individualmente. Somente em 1996, em um processo de recurso
jurídico, que a solicitante foi reconhecida como refugiada, nas bases de “um grupo social particular”. O processo está
disponível para consulta em: https://www.justice.gov/sites/default/files/eoir/legacy/2014/07/25/3278.pdf
7
A Convenção de 1951 foi redigida para lidar com a situação pós Segunda Guerra Mundial, o que fez com que o
escopo do documento se restringisse a indivíduos prejudicados por tal evento. A Convenção enunciava que o termo
52
poderia ser abrangido por tal instrumento legal. Somente em 1967 que a criação de um Protocolo
adicional ocorreu, universalizando a proteção dos refugiados.
Outros instrumentos de soft law8 também podem ser aqui citados como evidência dessa
constante necessidade natural de desenvolvimento e aperfeiçoamento do instituto de refúgio. A
Declaração de Cartagena de 1984, por exemplo, ampliou ainda mais a definição de refugiado,
passando a incluir no aparato de proteção indivíduos que sofreram graves e generalizadas
violações de direitos humanos. E, apesar de ser um documento não vinculativo, a Declaração foi
incorporada a legislações de diversos países, inclusive a do Brasil, e hoje é o alicerce jurídico
para o deferimento de diversos solicitantes, principalmente os nacionais da Síria. À vista disso, a
inclusão da nova categoria seria uma evolução natural e não um distúrbio à ordem jurídica
internacional. Conclui-se, portanto, que a adição traria mais benefícios do que uma mera
reinterpretação da Convenção.
“refugiado” se aplicaria a qualquer pessoa que temesse ser perseguida por razões de raça, religião, nacionalidade,
grupo social ou opiniões políticas desde que essa perseguição fosse consequência dos acontecimentos ocorridos antes
de 1º de janeiro de 1951.
8
Soft law, ou direito flexível, são normas sem força vinculativa, ou seja, que não tem caráter obrigatório. Essas
normas são desprovidas de atributos jurídicos em relação aos signatários e, portanto, não acarretam em obrigações de
direito positivo aos Estados. Em suma, essas regras têm valores normativos menos constringentes que o das fontes
jurídicas tradicionais, como o caso dos tratados.
53
referências legais regionais como o Artigo Sétimo da Convenção Americana sobre Direitos
Humanos (1969), o Artigo Quinto da Convenção para a Proteção dos Direitos do Homem e das
Liberdades Fundamentais da Europa (1950) e ainda o Artigo Sexto da Carta Africana dos
Direitos Humanos e dos Povos (1990). Para mais, outros dispositivos de soft law mais específicos
ao instituto do refúgio, como as Diretrizes do ACNUR sobre Critérios e Padrões para a Detenção
de Solicitantes de Asilo e Refugiados (2012), expressam a opinião de que a prática da detenção
deve ser tida como exceção, e não como regra no sistema internacional, por causar danos aos
detidos.
Fica claro, então, que a detenção é prejudicial a todos os migrantes. Porém, no caso dos
refugiados, a privação da liberdade e os aspectos físicos dessa prática, que inclui celas, staff
uniformizado, etc. reascende as vivências de tortura e de abusos sofridos por eles em seus países
de origem, podendo até mesmo afetar a saúde mental desses indivíduos (HASSAN; KATONA;
ROBJANT, 2009). Esses danos são ainda mais graves quando tratamos da experiência das
mulheres refugiadas. Isso se dá devido ao sistema de detenção ter sido projetado dentro de um
imaginário estereotipado de quem seria o típico requerente de asilo: um homem e, de preferência,
jovem (ASYLUM AID, 2002). Com isso, nesses ambientes restritivos, as necessidades
específicas das mulheres são reconhecidas em um grau ainda menor do que na sociedade em
geral, ao mesmo tempo em que o comportamento social e as estruturas de poder se reproduzem
de forma mais intensificada, dilatando o sentimento de impotência (PENAL REFORM
INTERNATIONAL, 2015). Isso se reflete na atualidade quando observamos que centros que
levam em consideração uma abordagem sensitiva de gênero são quase inexistentes. Infere-se,
portanto, que os riscos de maus-tratos, tortura e outras formas de violações de direitos humanos
enfrentados pelas mulheres quando detidas não tem recebido atenção suficiente da comunidade
internacional. É essa deficiência que essa seção do artigo pretende sanar.
Primeiramente, é imperativo abordar a não conformidade com a regra de separação entre
homens e mulheres nesses ambientes9. Muitas das instalações detentivas existentes hoje são
mistas, o que torna o ambiente ainda mais desconfortável e intimidante, sobretudo se pensarmos
9
Esse princípio é proposto pelas Regras das Nações Unidas para o Tratamento de Mulheres Presas e Medidas Não-
Privativas de Liberdade para Mulheres Infratoras (Regras de Bangkok), redigido pelas Nações Unidas em 2010.
Essas regras têm como foco o sistema prisional, não abarcando os centros de detenções específicos para a migração.
Contudo, o ACNUR em seu relatório de Diretrizes para Detenção cita tal documento como parâmetro a ser seguido
no caso da detenção de migrantes, solicitantes de asilo e refugiados.
54
pela percepção das vítimas de perseguição de gênero que estão a buscar asilo. A Anistia
Internacional (2016) expõe que, em alguns centros, todos os detidos compartilham os mesmos
banheiros e salas de banho, e muitas mulheres relataram serem observadas pelos homens
enquanto utilizavam esses espaços. O sentimento de insegurança dessas mulheres era tanto que
muitas tomavam medidas extremas, como não comer ou beber, para evitar ir aos banheiros
(ANISTIA INTERNACIONAL, 2016).
Para mais, em um estudo conduzido nas instalações mexicanas, muitas mulheres
entrevistadas relataram terem sofrido abusos físicos e verbais, além de constarem casos de
assédio sexual (DIAZ; KUHNER, 2008). Também é possível encontrar registros de episódios de
estupros, tanto por parte dos solicitantes homens, quanto pelos funcionários. Em outubro de 2015,
a Austrália concedeu o direito de aborto a uma solicitante vítima de estupro. A refugiada somali
de vinte e três anos havia sido estuprada dentro do centro de detenção offshore do país, na ilha de
Nauru (THE TELEGRAPH, 2015). Uma reportagem do Daily Mail (2015) também versa sobre o
assunto, só que concernente aos centros de detenção na Alemanha: segundo o jornal, uma carta
assinada por diferentes Organizações Não-Governamentais foi enviada ao governo alemão. Nesta
havia referência a inúmeros relatos de estupros, abusos sexuais e um aumento de prostituição
forçada, reforçando que a violência de gênero é um problema sistemático nessas instituições, e
não casos isolados (DAILY MAIL, 2015). É imprescindível evidenciar aqui que a maioria dos
casos de violência não são denunciados, o que não nos permite dominar a real dimensão dessas
agressões. No entanto, mesmo que as provas concretas da existência de tais atos estejam reféns da
cultura do silêncio10, é evidente a presença de agressões verbais, físicas e sexuais nesses locais.
Mais do que isso, as necessidades médicas nem sempre são atendidas, especialmente nos
casos de grávidas e de saúde reprodutiva. O tipo de alimentação e os períodos controlados das
refeições afetam o bem-estar e prejudicam o período gestacional (CUTLER; MCLEISH;
STANCER, 2002). Muitas mulheres não são levadas a suas consultas pré-natais, não têm
ecografias e nem acesso direto a uma parteira ou médico especializado durante o seu tempo em
detenção (GRAHAM, 2016). Além do que, o próprio encarceramento leva a um estresse que
pode ser nocivo ao feto (GRAHAM, 2016).
10
Faz-se referência, aqui, ao problema sistemático de subnotificação de crimes sexuais e de violência contra a
mulher de forma geral. A baixa taxa de denúncia se deve a uma conjuntura social que culpabiliza a vítima desses
crimes, as coibindo de registrarem suas queixas. Quando tratamos de mulheres solicitantes de asilo, a cultura do
silêncio é agravada e reafirmada pelo medo de terem seus requerimentos negados e de, assim, terem que deixar o
país em que buscam proteção.
55
Deste modo, o que se conclui é que essa conduta realizada pelos Estados receptores de
migrantes, principalmente quando feita sem se ater as particularidades de gênero, nada mais é do
que uma violação contínua dos direitos humanos dessas mulheres. Ou seja, a privação da
liberdade desconsidera a simbiose entre direitos humanos e refugiados, ferindo a proteção que se
almejava obter pelo instituto do refúgio (MENEZES, 2012).
Para sanar tal problemática, algumas medidas de caráter urgente devem ser tomadas
pelos Estados: primeiramente, é imperativo procurar alternativas a detenção, especialmente para
as mulheres grávidas, mas, caso esta ainda seja utilizada, é imprescindível que as instalações
sejam segregadas entre homens e mulheres; além disso, todo o quadro de funcionários deve obter
uma educação de gênero, ou seja, um treinamento que lhes proporcione uma visão holística da
experiência dessas mulheres em seus países de origem e suas necessidades específicas;
programas de saúde mental e aconselhamento também devem ser fornecidos, além de cuidados
médicos especializados no caso das grávidas e; Quaisquer alegações de abuso devem ser
investigadas pelas autoridades competentes e as vítimas protegidas, com pleno respeito ao
princípio de confidencialidade. Estas são algumas medidas que podem ser feitas de imediato para
que se cesse a violação de direitos humanos dessas mulheres. É indispensável que se pare de
analisar essas pessoas como criminosas ou como possíveis riscos à segurança nacional e se ater
ao fato que, devido sua história de vida, o encarceramento é um procedimento abusivo e
contraditório com a retórica de Direitos Humanos propagada pelos Estados.
4 CONSIDERAÇÕES FINAIS
REREFRÊNCIAS
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58
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59
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Acesso dia 25 de setembro de 2016.
62
Resumo
Abstract
International legal cooperation expression stems from the idea that the effectiveness of the
jurisdiction, domestic or foreign, may depend on the exchange not only between judicial
courts, but also between administrative agencies, or even between judicial and administrative
agencies of different States. We present legal cooperation and its various mechanisms with
aim to position the reader in the present scenario of assistance between countries. After, we
focus on our main object of study: International Legal Cooperation for Asset Recovery, which
seeks to ensure restoration of heritage sites affected by the most diverse forms of fraud. To
this end, it is predominantly the International and Criminal Law. Given this knowledge, under
the scope of annihilating such illicit activity, it is very important understand the active
participation of various countries and their mutual assistance mechanisms, observing the
nature of the crime, the damage and the specific characteristics of their respective legal
systems. Several institutions, both private law as Public Law, participate in this process, using
technological, intellectual and legal resources, investigative techniques that are improved to
overcome the means employed by criminal agents in money laundering. However, the free
use of resources and actions is restricted due to the respect that the acts of investigation must
provide the fundamental guarantees written in the Constitution and international treaties to
which Brazil signed an agreement. Therefore, the asset recovery involves a myriad of actions
and care that are on the constitutional basis of fundamental rights, preserving them.
Keywords: Asset Recovery; Criminal Law; Fraud; International Legal Cooperation; Human
Rights.
1 INTRODUÇÃO
Viver no século XXI é ter a sensação de habitar um mundo sem fronteiras. Através das
inovações tecnológicas podemos em horas ultrapassar continentes, nos pegar escolhendo
produtos da Ásia no conforto do sofá da sala. O modelo capitalista encurtou espaços
geográficos, tornando o mundo uma pequena arena global. Através do desenvolvimento dos
sistemas de comunicação por satélites aprimoramos a informática, transportes e telefonia.
Hoje há uma grande interligação econômica, política, social e cultural. Criamos um aparato
técnico que intensificou as relações socioeconômicas mundiais.
64
Um fato interessante para a esfera jurídica que se pega frente a um novo desafio é o
aumento da litigiosidade com características internacionais, ligadas à esfera cível e penal.3 É
preciso proteger os brasileiros, que cada vez mais vão ao exterior, e é preciso, também,
combater os crimes transnacionais, cometidos por um grupo ou rede que pratica atividade
ilícita, visando ganhos financeiros particulares e não tendo sua atuação restrita a apenas um
país.4
Torna-se necessário indagar: como garantir o cumprimento da jurisdição, uma vez que
esta está reduzida aos limites territoriais de cada Estado soberano? Como assegurar que as
pessoas possam exercer seus direitos que vão além-fronteiras? Em suma, como afiançar que
não haja impunidade e inaplicabilidade da Justiça no novo paradigma de internacionalização
das relações privadas? Daí a Cooperação Jurídica Internacional, nosso objeto de estudo, que
cuida criar e manter uma rede de proteção mundial para impedir a falta de punição nos casos
de crimes que ultrapassam divisas. No entanto, não só tal proteção está diretamente ligada à
de garantias fundamentais e Direitos Humanos, principalmente após o escopo proeminente
que lhes foi dado pela nossa Carta de 1988, como com valores consagrados desde a
Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948.
A Cooperação Jurídica Internacional surge “como reflexo da preocupação dos Estados
em mitigar os efeitos negativos da globalização no que se refere à concretização da Justiça nas
relações internacionais”.5
3
ARAÚJO, Nadia de. “Importância da Cooperação Jurídica Internacional para a atuação do Estado brasileiro no
plano internacional”. Disponível em: <http://nadiadearaujo.com/wp-content/uploads/2015/03/A-
IMPORT%C3%82NCIA-DA-COOPERA%C3%87%C3%83O-JUR%C3%8DDICA-INTERNACIONAL-
PARA-A-ATUA%C3%87%C3%83O-DO-ESTADO-BRASILEIRO-NO-PLANO-INTERNO-E-
INTERNACIONAL.pdf> Acesso em 08/10/2016
4
REUTER, P. & PETRIE, C., 1995
5
SAADI, Ricardo Andrade; BEZERRA, Camila Colares. “A Autoridade Central no exercício da Cooperação
Jurídica Internacional”.
65
Dado o aumento da prática dos crimes transnacionais em razão dos fatores que
apontamos, são necessárias contramedidas estatais para a efetivação da jurisdição e que os
delitos sejam alcançados pela Justiça. Todavia, antes de prosseguir, devemos salientar que a
Cooperação Jurídica Internacional não é uma prática recente, sendo conhecida pelo nosso
Judiciário desde a época imperial por meio de cartas rogatórias e sentenças estrangeiras entre
Brasil e Portugal.
Dos órgãos responsáveis pela prestação jurisdicional é necessária uma comunicação
constante e ampla troca de informações entre eles, o que leva a um incremento das ações de
66
6
Conceito elaborado em 1939, pelo criminólogo Edwin H. Sutherland, para designar os crimes cometidos por
pessoas com respeitabilidade e de classe social elevada, no curso de suas ocupações ou utilizando-se do know
how de suas profissões. Via de regra, são cometidos em um contexto empresarial, sem violência física e visando
a ganhos financeiros. Para mais informações, consultar SUTHERLAND, Edwin H. White colar crime: the uncut
version. New Haven: Yale University Press, 1985.
67
4 PRINCÍPIO DA CONFIANÇA
Como antes destacado, a cooperação jurídica entre Estados não se trata de fenômeno
moderno. Os países reconhecem o significado da atuação em conjunto no sentido de conferir
maior eficácia à atividade jurisdicional desenvolvida nos seus respectivos territórios. Nesse
sentido, alguns mecanismos, seja por força do costume ou de tratado, passaram a incorporar-
se, com maior frequência, à prática da cooperação jurídica interestatal. Das modalidades mais
tradicionais de assistência jurídica internacional podemos citar a carta rogatória, a
homologação de sentença, a extradição e a transferência de presos. Falaremos de cada uma
delas a seguir.
não será homologada sentença estrangeira ou concedido exequatur à carta rogatória que
ofenda a soberania ou a ordem pública.
O crescimento do crime organizado global, com ramificações em mais de um país,
passou a ter um combate mais efetivo com o deferimento pelo STJ dos pedidos que contêm
medidas de caráter executório na área penal, bem como na cível. O tribunal utiliza, com
frequência, na sua fundamentação as normas das convenções internacionais multilaterais,
como a das Nações Unidas de combate ao crime organizado e, ainda, outras de caráter
bilateral.
A cooperação na área penal tem sido alvo de grande discussão entre o STJ e o STF, o
qual, apesar de não mais ser o responsável pela Cooperação Jurídica Internacional, tem sido
provocado através de habeas corpus (HC). Como exemplo, podemos citar o caso do
julgamento da CR 1457, em que houve a concessão de exequatur a um pedido proveniente da
França, que continha diligências que importaram na quebra do sigilo bancário do interessado.
Este arguiu a impossibilidade do deferimento da carta rogatória por representar, a seu ver,
violação ao seu direito fundamental de ir e vir. O Supremo Tribunal Federal negou o pedido,
pois, de acordo com o relator, a carta rogatória era um ato de mero auxílio judiciário e que em
nada feria a liberdade de ir e vir do paciente. Tal atuação do STF como sucedâneo do STJ não
fora previsto pela EC nº 45/04, o que poderia fazer ruir a ideia de celeridade dentro da
cooperação e em instância única.
Uma novidade vinda da RES nº 9 do STJ sobre as cartas rogatórias é referente à
permissão expressa para a supressão da oitiva da parte interessada nos pedidos em que a
rapidez da diligência fosse crucial ao seu cumprimento e essa intimação viesse frustrar a
cooperação internacional. Esses casos são, em sua maioria, de natureza penal, quando se está
procurando investigar fatos criminosos e obter informações sigilosas, ou nos quais o prazo
para o cumprimento é pequeno (MINISTÉRIO DA JUSTIÇA, 2012).
O sistema adotado pelo Brasil é o de delibação, pelo qual não se questiona o mérito da
decisão em sua matéria, a não ser para a verificação dos requisitos formais, se há ofensa à
ordem pública, aos bons costumes e à soberania nacional. Estabeleceu-se, portanto, o
processo de contenciosidade limitada, não sendo permitido discutir outras questões fora
daquelas expressamente delimitadas.
Os pressupostos para a homologação das sentenças estrangeiras são:
5.3 Extradição
7
MOTA, Tércio de Sousa; MOTA, Gabriela Brasileiro Campos; SOUSA, José Laércio de. “Tutela de urgência:
análise da efetividade jurisdicional”. Disponível em: <www.ambito-
juridico.com.br/site/index.php?artigo_id=8911&n_link=revista_artigos_leitura>. Acesso em 08/10/2016.
8
TOFFOLI, José Antonio Dias; CESTARI, Virgínia Charpinel Junger. “Mecanismos de Cooperação Jurídica
Internacional no Brasil”. Diponível em: <www.agu.gov.br/page/download/index/id/1070064> Acesso em
08/10/2016.
71
10
JALES, Lycia Cibely Porto. “Transferência de presos em Cooperação Jurídica Internacional”. Disponível
em:<www.ambitojuridico.com.br/site/index.php?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=14557&revista_cade
rno=16> Acesso em 08/10/2016.
11
Idem.
73
cooperação. Os pedidos que saem de nosso território se dirigindo para uma autoridade
estrangeira representam mais de 85% da totalidade.
No Brasil, embora o pedido possa ser transmitido diretamente à Autoridade
Central brasileira, há a necessidade da ordem judicial para seu cumprimento. A intervenção
judicial pode ser dispensada quando a situação não seja de molde a exigi-la, como, por
exemplo, se o requerimento for de informações disponíveis sem a necessidade de intervenção
judicial. Temos exemplos nos casos que estudaremos à frente, em que a cooperação se dá por
via administrativa.
Na área penal, o auxílio direto tem sido utilizado quando previsto em Tratado. Como
exemplo, em um pedido de sequestro de bens em uma carta rogatória, o STJ decidiu que,
como não havia uma decisão na origem, seria desnecessário o juízo de delibação do tribunal e
o cumprimento da ordem poderia ser pela via do Auxílio Direto.
Podemos afirmar que o mecanismo em questão busca um meio efetivo para a razoável
duração do processo, direito fundamental ligado à concretização de um processo justo e
eficaz, em respeito à dignidade da pessoa humana.
Com a previsibilidade legal do procedimento do Auxílio Direto, poder-se-á tornar ágil
o intercâmbio não apenas entre órgãos judiciais, mas também entre órgãos administrativos ou,
ainda, entre ambos, de Estados distintos. O dever do jurista é o de buscar soluções para que
possam ser eliminados, ao menos em parte, os males acarretados pela demora do processo.12
12
JÚNIOR, Márcio Mateus Barbosa. “O auxílio direto como meio de efetividade do direito à razoável duração
do processo”. Disponível em: <www.ambito-
juridico.com.br/site/index.php?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=10333>. Acesso em 08/10/2016.
75
Cunha foi investigado no Conselho de Ética da Câmara dos Deputados após ter
afirmado que não tinha contas no exterior à Comissão Parlamentar de Inquérito que apurava
crimes contra o patrimônio da Petrobras.
Em 12 de setembro de 2016 o mandato parlamentar de Eduardo Cunha foi cassado
pelo Plenário da Câmara dos Deputados. O processo contra Cunha teve origem em uma
representação protocolada pelo PSOL e também pelo partido político Rede Sustentabilidade.
9 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Desenvolvemos o estudo com o objetivo de apurar se a Cooperação Jurídica
Internacional é mecanismo contributivo à repressão das mais diversificadas práticas
criminosas que perpassam múltiplas jurisdições.
Somente através da difusão do conhecimento produzido pela comunidade acadêmica
internacional, bem como pelo estudo das múltiplas realidades que caracterizam as relações
entre soberanias, torna-se possível o desenvolvimento e aprimoramento de instrumentos
eficazes no combate aos crimes transnacionais.
Os criminosos utilizam-se de artifícios tecnológicos, da inventividade advinda da
globalização para atingir seu intento delitivo. É necessário que o Direito acompanhe as
mutações das modalidades criminosas, para que o tempo não torne obsoleta e ineficaz,
principalmente, a lei penal. Daí a importância, inclusive, do Direito Internacional, que
oxigena as relações entre países, permitindo a rápida troca de informações e auxílio mútuo em
investigações.
São diversos os mecanismos que apresentamos, com o fito de apresentar o atual
cenário de colaboração internacional. Focamos na Recuperação de Ativos, principalmente,
por acreditar que os crimes caracterizados como de colarinho branco, que envolvem o
elemento fraude, são potenciais violadores de Direitos Humanos, porquanto muitas vezes
envolvem o desvio de dinheiro público.
Por isto, torna-se imprescindível a colaboração entre países: o descaminho do dinheiro
público favorece as mais diversificadas formas de desigualdades sociais. Operacionalizar a
Cooperação Jurídica Internacional para Recuperação de Ativos, em nossa análise, é garantir a
proteção e efetivação dos direitos mais elementares à condição humana, dentre eles, a vida.
REFERÊNCIAS
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<www.ambitojuridico.com.br/site/index.php?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=1037
5> Acesso em 08/10/2016.
Resumo
A imprensa internacional denuncia milhões de migrantes em situação de vulnerabilidade em
todo o mundo. Na América Latina, identificamos na República Dominicana uma histórica
discriminação de pessoas com ascendência haitiana, que por não terem sua nacionalidade
reconhecida, têm denegado seu acesso aos direitos econômicos, sociais e culturais. Esta
violação de Direitos Humanos e, especialmente, do disposto no Pacto de São José da Costa
Rica, deu origem ao caso Crianças Yean e Bosico versus República Dominicana que, embora
tenha sido exemplarmente sentenciado, ainda está aberto, colocando em questão a efetividade
das sentenças internacionais do sistema interamericano de proteção dos direitos humanos.
Palavras-chaves: Migração; Discriminação; Proteção à criança; Direitos econômicos, sociais
e culturais; Efetividade das sentenças internacionais.
Abstract
The international press denounces million of migrants in vulnerable situations worldwide. In
Latin America, we have identified historical discrimination of people with Haitian descent in
Dominican Republic, which their nationality, was not recognized and then they have denied
their access to economic, social and cultural rights. This violation of human rights and
especially the provisions of the Pact of San José of Costa Rica gave rise to the case children
Yean and Bosico versus Dominican Republic, although it has been exemplarily sentenced, it
is still open, putting in question the effectiveness of International sentences in the inter-
American system of protection of human rights.
Keywords: Migration; Discrimination; Child protection; Economic, social and cultural rights;
1
Mestre em Direitos Humanos pela PUC-SP. Professora assistente da graduação e do programa de pós-
graduação em Direito da PUC SP. E-mail: julianatsuruda@hotmail.com.
80
1 INTRODUÇÃO
O caso “Crianças Yean e Bosico versus República Dominicana” merece especial
atenção não apenas por tratar-se da primeira oportunidade em que a Corte Interamericana de
Direitos Humanos apreciou a violação e o alcance do direito à nacionalidade, como também
há que ser estudado pela importância e atualidade de seu tema de fundo, que é a discriminação
sofrida pelos migrantes, que penaliza, mais gravemente, mulheres e crianças.
Nossa exposição se guiará para alcançar a compreensão da sentença da Corte,
seguindo a lógica da cronologia dos fatos, isto é: do recebimento da petição pela Comissão
Interamericana de Direitos Humanos, providências adotadas e envio do caso à Corte, até a
última resolução de supervisão de cumprimento da sentença proferida pelo órgão julgador do
sistema interamericano de proteção dos direitos humanos.
Nesse percurso, buscaremos compreender quais os artigos da Convenção
Americana sobre Direitos Humanos foram violados e, para além deles, sob quais fontes
normativas e materiais des droits de l’homme que amparou-se a Corte para construir sua linha
de argumentação e condenar não somente a República Dominicana, como também a prática
de denegar direitos fundamentais a migrantes e grupos vulneráveis.
Ademais, no exame deste caso, ao verificar o lapso temporal entre a prolatação da
sentença e o seu cumprimento, encontramos fortes razões para questionar se os atuais
mecanismos de execução dos julgados da Corte Interamericana contribuem ou não para a
efetividade dos direitos humanos no continente, como veremos a seguir.
registro tardio de nascimento, os quais a Oficial do Estado Civil considerou que as famílias
das crianças Yean e Bosico não haviam cumprido.
Em princípio, da decisão da autoridade registral caberia recurso à Promotoria, que
levaria o caso ao conhecimento de um juiz de primeiro grau de jurisdição. Tal possibilidade
fora observada pelas vítimas, que recorreram ao Promotor em 11 de setembro de 1997. Em 20
de julho de 1998, ele confirmou a decisão da Oficial do Estado Civil, pautando-se, desta vez,
não mais em 11, mas sim em 12 requisitos para realização do registro tardio.
Como não cabia recurso da decisão do Promotor e, no caso em tela, apenas ele
teria legitimidade para acionar o juízo de primeira instância, não havia possibilidade das
famílias recorrem ao Poder Judiciário. Também não seria efetivo nenhum recurso para a Junta
Central Eleitoral que, em outras oportunidades, confirmara a negativa do registro tardio para
crianças indocumentadas. Ademais, as decisões da Junta Central Eleitoral, de acordo com a
lei dominicana, são irrecorríveis.
a) Dilcia Yean
Dilcia Oliven Yean nasceu em 15 de abril de 1996 no posto de saúde do
município de Sabana Grande de Boyá, na República Dominicana. Sua mãe, Leonidas Oliven
Yean era dominicana mas tinha ascendência haitiana por parte de pai. O pai da menina Dilcia,
que até à época da sentença não mantinha contato com a filha era, também, haitiano.
Em 2003, quando a Comissão Interamericana de Direitos Humanos encaminhou o
caso à Corte, Dilcia já frequentava o “Colégio Alegría Infantil”, em Sabana Grande de Boyá.
A menina, durante o processo na Corte, narra em suas declarações prestadas ao tribunal, seu
sonho de ser advogada, quando crescer, a fim de poder ajudar as pessoas que precisem desse
tipo de auxílio.
Até a data da sentença Violeta havia mudado de residência duas vezes com sua
irmã, Teresa Tucent Mena: a primeira para o “Batey Verde” ou “Batey Enriquillo”, onde
ficaram até 1993, e finalmente para o “Batey Palavé”, que é fora da Capital do país. Foi nessa
última cidade que a menina frequentou escola, mas só pôde estudar até a terceira série do
ensino básico: no final de 1998, teve a matrícula na quarta série negada, por não apresentar o
registro de nascimento que, de fato, não tinha.
Assim, entre os anos de 1998 e 1999 Violeta acabou frequentando o ensino
noturno, que é dirigido à adultos, onde conseguiu estudar a quarta e a quinta séries. Em que
pese ter continuado seus estudos, a metodologia da escola noturna não era adequada para sua
faixa etária, não apenas por estudar com adultos maiores de 18 anos e não ao lado de crianças
de sua idade, mas também porque a jornada escolar, em geral, contava apenas com duas horas
e meia de aula de aula. Ademais, no ensino noturno duas séries eram feitas em um ano, em
condições de aproveitamento, portanto, muito inferiores àquelas do ensino diurno.
Em 2005, Violeta iniciou os estudos no ensino secundário. Na época da sentença
cursava o segundo ano no “Colégio Monoguayabo. Fato relevante é que, além da qualidade
inferior de ensino a que teve acesso, na contagem total, Violeta Bosico não pôde frequentar a
escola ao longo de um ano, devido ao fato de não possuir documentos. Um dado marcante é
que em seu depoimento à Corte, declarou que “espera ser a primeira de sua família a ir à
universidade” (OEA, Corte Interamericana, 2005).
Dominicana, no século XX, houve grande estímulo para que os haitianos imigrassem para o
país a fim de trabalhar como mão de obra na colheita da cana de açúcar (OCDE, 2010).
Muitos dos quase 100.000 imigrantes haitianos que foram a trabalho à República Dominicana,
sobretudo até a década de 30, acabaram constituindo família no país, vindo a ter filhos e netos
nascidos em solo dominicano (OEA, Corte Interamericana, 2005).
Estes imigrantes e sua prole de ascendência haitiana, passaram a erguer moradias
ao redor das zonas de plantação de cana de açúcar, regiões muito precárias em serviços
estatais que, durante os períodos de fortes chuvas, chegam a ficar dias a fio isoladas das
cidades. Ademais, o conjunto de suas moradias, os chamados “batey” ou “bateyes”,
constituem verdadeiras favelas construídas com restos de materiais dos canaviais
(VATICANO, 2015).
Para o julgamento do caso a Corte levou em consideração o Relatório de
Desenvolvimento Humano do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento -
PNUD, de 2005, que apontou as precárias condições de vida dos imigrantes haitianos e seus
descendentes, na República Dominicana, para os quais sobravam apenas os trabalhos mais
pesados, precários e perigosos.
Além da dramática exclusão social sofrida pelos dominicanos indocumentados de
origem haitiana, nesse caso em particular, o Estado denegou o registro tardio de nascimento
para crianças que nasceram em território dominicano, fato que, segundo o Artigo 11 da
Constituição da República Dominicana, seria suficiente para lhes assegurar a nacionalidade
com base no preenchimento do critério do ius solis.
Sem o reconhecimento da nacionalidade dominicana, Dilcia Yean e Violeta
Bosico ficaram em situação de apatridia. A proteção das pessoas apátridas, dos refugiados e
dos deslocados internos é um tema de preocupação do Departamento de Direito Internacional
da Organização dos Estados Americanos, a OEA, impulsionado a adoção de 12 resoluções
sobre a temática, desde o ano de 1999, pela Assembleia Geral da Organização dos Estados
Americanos (OEA, Departamento de Direito Internacional, 2015).
Outro destaque sobre o direito de imigrantes e grupos vulneráveis aos seus
documentos é o “Programa de Universalização da Identidade Civil nas Américas”, que atende
pela sigla PUICA e tem como objetivos: a) universalização e acessibilidade do registro civil e
direito à identidade; b) fortalecimento das políticas instituições públicas e legislação dos
países; c) participação cidadã e sensibilização; d) identificação de melhores práticas; e, e)
promoção da cooperação internacional e regional através do “Conselho Latino-americano e do
84
juntadas: aquela apresentada, pelo Estado, perante a Comissão; aquela em que o Promotor
apoiou-se para denegar o encaminhamento do caso ao Poder Judiciário; aquela que os
representantes obtiveram e levaram à Comissão, além de outras estabelecidas por Resoluções
da Junta Central Eleitoral.
Assim, verificando o conteúdo das listagens, podemos elencar como requisitos
para o registro civil tardio de pessoas maiores de 13 anos, na República Dominicana, a
apresentação de: a) certidão de batismo da criança; b) declaração de nascimento expedida pela
clínica ou hospital onde o parto foi realizado, ou ainda, a certidão do Prefeito indicando o
local do nascimento; c) cédulas de identidade dos pais ou certidão de óbito, em caso de
falecimento; d) certidão de casamento dos pais, caso sejam casados; e) certidão de não
inscrição em outros registros civis do local onde nasceu; e, f) fotos 2X2. Para os menores de
13 anos, além das fotos, costuma-se requerer: a) declaração da clínica ou hospital do
nascimento, ou do Prefeito, indicando onde a criança nasceu; b) documentos dos pais: cédula
de identidade, cédula eleitoral ou passaporte; e, c) certidão da Igreja, atestando o batismo ou
não batismo do menor.
Ainda, a leitura da sentença demonstra que os requisitos acima mencionados
podem variar, acrescentando a declaração juramentada de testemunhas de mais de 50 anos de
idade, em se tratando do registro tardio de menores de 13 anos e, também, deixando brechas
para que o Estado denegue o direito ao registro, ainda que todos os requisitos sejam
cumpridos. Não há clareza, portanto, de quais são os documentos necessários para realização
do registro tardio. As listas apresentadas no processo não são unificadas.
Com requisitos não uniformes, não é difícil para o Estado implantar política
discriminatória, criando dificuldades para o registro das crianças de ascendência haitiana e,
em alguns casos, chegando a deportar suas famílias.
Este caso evidencia que na República Dominicana, o procedimento do registro
tardio, ao menos até à época da sentença, era um fim em si mesmo e não um mecanismo
instrumental para o gozo de direitos.
Refutando a alegação da Oficial de Estado Civil que denegou o registro tardio às
crianças Yean e Bosico afirmando que seus pais, trabalhadores haitianos imigrantes, eram
estrangeiros em trânsito no país, a Corte também usa como fonte para sua sentença o
“Relatório sobre a Situação dos Direitos Humanos na República Dominicana” de 1999,
elaborado pela Comissão Interamericana de Direitos Humanos, que contabilizava, naquela
época, mais de 500.000 trabalhadores haitianos indocumentados, sendo que a maioria já
86
2
Corte Interamericana de Direitos Humanos. Caso das crianças Yean e Bosico versus República Dominicana.
Sentença de 08 de setembro de 2005, p. 76/77. Disponível em: <http://www.corteidh.or.cr/index.php/mapa-
interactivo>, conforme consulta em 05 de abril de 2015.
90
8 CONSIDERAÇÕES FINAIS
O caso das crianças Yean e Bosico versus República Dominicana merece destaque
por trazer à tona a violação do seu direito a ter direitos. Sem o reconhecimento da
nacionalidade, a relação jurídica dos direitos humanos e também a dos direitos fundamentais
fica incompleta, pois, se de uma lado, a pessoa é sempre credora das abstenções ou prestações
que caracterizam as obrigações tanto no campo dos direitos humanos, quanto no campo dos
direitos fundamentais, como exigir que seus direitos sejam respeitados se não há um polo
passivo bem definido do outro lado do liame obrigacional? É o que acontece nos casos de
apatridia, a efetividade dos direitos humanos e também dos direitos fundamentais fica
comprometida.
Enquanto crianças indocumentadas, seu acesso à direitos básicos como educação e
saúde também foi prejudicado, além das famílias terem de conviver com o temor de, a
qualquer momento, serem deportadas, isto é, levadas contra sua vontade ao país de origem de
seus ascendentes.
O direito à nacionalidade deveria ser reconhecido pelo Estado sem o
estabelecimento de condições tão difíceis e custosas de serem cumpridas, que parecem existir
94
para impedir o preenchimento de seus requisitos, especialmente neste caso, em que o Estado
dominicano, em sua Constituição, estabelece o critério do ius solis.
O Estado, no caso das crianças Yean e Bosico, fez do procedimento para o
registro do nascimento e, portanto, do reconhecimento da nacionalidade um fim em si mesmo,
violando o direito ao reconhecimento da personalidade jurídica das vítimas e perpetuando atos
discriminatórios contra a população de origem haitina.
Depois de condenado pela Corte Interamericana de Direitos Humanos, o Estado
continuou olvidando seu dever de boa-fé e o cumprimento do pacta sunt servanda, isto é, sua
obrigação de cumprir a sentença proferida pela Corte Interamericana de Direitos Humanos.
Quando os países não cumprem as sentenças, em todo ou em parte, o caso não é
arquivado, gera o procedimento de supervisão de cumprimento de sentença que funciona
através da sistemática de relatórios que, se não atendidos, não geram maiores consequências
para os Estados e, tampouco, efetividade para as decisões em favor das vítimas. Isto porque a
Convenção Americana prevê que os casos de não cumprimento sejam levados à Assembleia
Geral da OEA que se reúne anualmente e nem sempre se pronuncia sobre os relatórios da
Corte. Há, assim, muito o que se conquistar em termos de efetividade para o processo
interamericano de direitos humanos.
REFERÊNCIAS
<http://www.cidh.oas.org/basicos/portugues/d.Convencao_Americana_Ratif..htm>, conforme
consulta em 06 de abril de 2015.
Corte Interamericana de Direitos Humanos. Caso das crianças Yean e Bosico versus
República Dominicana. Sentença de 08 de setembro de 2005. Disponível em:
<http://www.corteidh.or.cr/index.php/mapa-interactivo>, conforme consulta em 05 de abril
de 2015.
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apresentados pelos Estados Partes de acordo com o Artigo 44 da Convenção. Observações
Finais do Comitê dos Direitos da Criança. República Dominicana. UN DOC.
CRC/15/Add.150, de 21 de fevereiro de 2001, pars. 22 e 26 apud Corte Interamericana de
Direitos Humanos. Caso das crianças Yean e Bosico versus República Dominicana. Sentença
de 08 de setembro de 2005. Disponível em: <http://www.corteidh.or.cr/index.php/mapa-
interactivo>, conforme consulta em 05 de abril de 2015.
Resumo
Recentemente, a questão dos Direitos Humanos e, especialmente, dos direitos da criança tem
ganhado cada vez mais espaço entre os assuntos abordados pelas Relações Internacionais e
pela Segurança Internacional. Sobretudo na segunda metade do século XX e início do século
XXI, temas como proteção de civis em conflitos armados, garantia do direito à liberdade de
expressão, direito à alimentação, à saúde e a uma vida segura ganharam maior repercussão no
cenário internacional. Mesmo assim, observamos que atualmente ainda existem muitas
violações a esses direitos e garanti-los a todos os cidadãos é um desafio para a comunidade
internacional. Diante desse cenário em que as crianças sofrem diversas violações a seus
direitos todos os dias e em diferentes países, o objetivo deste texto é mostrar que, apesar da
preocupação com os direitos da criança no campo das Relações Internacionais e da Segurança
Internacional ser recente, suas raízes estão nos princípios liberais que lançaram as bases dos
Direitos Humanos e, posteriormente, se desenvolveram e se aprimoraram de acordo com a
realidade internacional. Destacamos aqui a importância que tais princípios tiveram para trazer
a preocupação com os Direitos Humanos e com os direitos da criança para o cenário
internacional, porém não esquecemos que ainda há muito o que se fazer para que tais direitos
sejam, de fato, assegurados e que os princípios liberais sejam seguidos à risca.
Palavras-chave: Direitos Humanos; direitos da criança; Relações Internacionais.
Abstract
Recently, the issue of human rights and especially children’s rights has gained more and more
space among the issues addressed by the International Relations and International Security.
Especially in the second half of the twentieth century and twenty-first century, issues such as
protection of civilians in armed conflict, guaranteeing the right to freedom of expression, right
to food, health and a safe life gained greater impact on the international scene. Still, we note
that currently there are many violations of these rights and guarantee them to all citizens is a
challenge for the international community. In this scenario in which children suffer many
violations of their rights every day and in different countries, the aim of this paper is to show
that, despite the concern for children's rights in the field of International Relations and
International Security is recent, its roots are in the liberal principles that laid the foundations
of human rights and subsequently developed and improved according to the international
reality. Here we highlight the importance of such principles had to bring the concern to
1
Mestre e Doutoranda em Relações Internacionais pelo Programa de Pós-Graduação em Relações Internacionais
“San Tiago Dantas” (UNESP/UNICAMP/PUC-SP). Graduada em Relações Internacionais pela UNESP. E-mail:
giovanna.aap@gmail.com.
97
human rights and children’s rights to the international scene, but we do not forget that there is
still much to be done so that such rights are indeed assured and liberal principles are followed
to the letter.
Keywords: Human Rights; Children’s rights; International Relations.
1 INTRODUÇÃO
complementam e são essenciais para entendermos como os Direitos Humanos são atualmente
entendidos em um cenário tão complexo e diverso como é o sistema internacional. Dessa
forma, o grande desafio da sociedade internacional – composta por atores tão distintos quanto
ONGs, Estados, grupos armados, indivíduos – é traçar valores e princípios que sejam
respeitados mundialmente.
A fim de concretizar a análise pretendida, o estudo de princípios liberais, teoria das
RI e documentos sobre Direitos Humanos e direitos da criança serão de grande importância.
O tema dos Direitos Humanos na área de Relações Internacionais tem suas origens
nas concepções da natureza humana que se criaram e que depois embasaram as primeiras
teorias clássicas das RI. Kant (1989) e Locke (2002) trazem postos-chave para se pensar o
liberalismo político, influenciando assim a concepções liberal e neoliberal. A noção kantiana
do direito à dignidade humana como um dos passos para se alcançar a “paz perpétua” faz
parte das ideias básicas que, anos mais tarde, culminariam no estabelecimento dos Direitos
Humanos. Ademais, o autor reforçou a ideia de um “direito cosmopolita”, no sentido da
hospitalidade entre os povos, lembrando que, mais do que cidadão de um Estado, o ser
humano é cidadão de uma “sociedade cosmopolita”.
Kant não chega a propor um Estado mundial, mas uma aliança entre povos livres,
organizados em Repúblicas, visto que essa forma de governo priorizaria a liberdade dos
membros dos Estados, a dependência da lei e a igualdade entre os cidadãos. A proposta
kantiana de uma “federação de Estados” inspirou a noção de uma “sociedade mundial” capaz
de unir-se em prol da liberdade humana. É essa ideia que influencia, pelo menos em tese, a
criação de organizações como a Liga das Nações e, posteriormente, a Organização das Nações
Unidas. Mesmo que Kant escreva com um formalismo notável, os pressupostos que ele
lançou serviram de base para concepções liberais da sociedade e tentativas de colocar em
prática algumas de suas ideias. Portanto, o autor deixa sua contribuição ao mostrar que é
possível existir um direito universal através de um envolvimento jurídico entre as nações e
seguindo certos preceitos que evitem futuras guerras.
Não só Kant, mas também Locke tem um papel relevante na consolidação de
pressupostos liberais. O autor defendeu que “os homens são por sua natureza livres, iguais e
independentes” (2002, p. 68) e que:
99
privado, a não ser quando a necessidade pública legalmente comprovada o exigir e sob
condição de justa e prévia indenização”(1789, art. 17º ).
Não é de se surpreender que, mais de cem anos depois, o ex-presidente
estadunidense Woodrow Wilson reavivasse alguns desses princípios morais para legitimar as
ações estadunidenses e que estes pontos traçados pelo presidente influenciariam fortemente os
chamados Direitos Humanos.
Wilson foi o vigésimo oitavo presidente dos EUA, eleito em 1912 e reeleito em
1916. Como presidente, ele liderou o país durante a Primeira Guerra Mundial e formou um
discurso à favor da Liga das Nações, embora o próprio Senado estadunidense tenha sido
contra o ingresso dos EUA na Liga.
O ex-presidente exaltava uma comunidade de paz que, no lugar do equilíbrio de
poder, priorizaria a “segurança coletiva internacional”, na qual os governos democráticos
possuiriam um conceito de ameaça em comum e concordariam quanto às sanções impostas ao
Estado que contrariasse a paz mundial (NASSER, 2010).
Conforme Wilson ressalta em seu discurso:
Nós falamos agora, com certeza, em termos muito concretos para admitir
qualquer outra dúvida ou pergunta. Um princípio evidente atravessa todo o
programa que delineei. É o princípio da justiça para todos os povos e
nacionalidades, e seu direito de viver em igualdade de condições de
liberdade e de segurança com os outros, sejam eles fortes ou fracos (THE
WOODROW WILSON PRESIDENTIAL LIBRARY & MUSEUM,
tradução nossa)2.
Três anos após sua criação é lançada a Declaração Universal dos Direitos Humanos,
que em seu preâmbulo afirma:
Com essa expansão da área abrangida pelos Direitos Humanos, as Nações Unidas
ainda criaram o cargo de Alto Comissário da ONU para os Direitos Humanos em 1993 e o
Conselho de Direitos Humanos em 2006 (ONU, on-line).
Não só a Segunda Guerra Mundial provocou uma maior cobrança da sociedade
internacional sobre os Direitos Humanos, mas também muitos conflitos que emergiram na
década de 1990 – como o da Bósnia-Herzegovina, Somália e Ruanda – reacenderam a
discussão sobre a proteção dos civis em conflitos e fizeram com que a questão dos Direitos
Humanos, Direito Internacional Humanitário, terrorismo e crianças-soldado entrassem para a
agenda de segurança da Organização como temas prioritários que, até então, não eram
tratados como questões de primeira importância para a Segurança Internacional.
Foram tomadas medidas como a criação dos Tribunais Penais ad hoc para a antiga
Iuguslávia e para Ruanda, ambos criados por demandas do Conselho de Segurança como
forma de julgar crimes de guerra e dar uma resposta às vítimas. Isso tudo em uma época em
que emergiu uma preocupação maior para garantir a segurança do ser humano. Em 1994, por
exemplo, o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) utilizou o termo
Segurança Humana para se referir às ameaças cotidianas – como o subdesenvolvimento, a
pobreza, a fome, a falta de acesso à saúde – que acabam afetando negativamente a vida do ser
humano e violando seus direitos básicos. Assim, confere-se maior grau de importância aos
Direitos Humanos, pois aquilo que os ameaça é considerado um problema de Segurança
Internacional que merece especial atenção por parte da comunidade internacional, legitimando
até mesmo intervenções em nome da proteção de tais direitos.
Portanto, as consequências da Segunda Guerra Mundial, a legislação internacional da
ONU sobre Direitos Humanos e a inclusão do tema na agenda de Segurança Internacional
foram fatores que fizeram com que questões ligadas aos Direitos Humanos ganhassem uma
proporção inédita.
103
internacional de proteção da criança. Desse modo, a criança passou a ser vista como uma
categoria humana especial que merece uma proteção diferenciada que é assegurada por
determinados documentos internacionais.
A Declaração de Genebra de 1924 anunciava a necessidade de garantir uma proteção
especial às crianças, no entanto consistia mais em um documento que expressava a intenção –
e não a obrigação – de protegê-las (LEAGUE OF NATIONS, 1924). Somente com o término
da Segunda Guerra Mundial e a posterior criação da ONU e do UNICEF é que a proteção da
criança foi reforçada. Em 1948, as Nações Unidas haviam garantido na Declaração Universal
dos Direitos Humanos os direitos e liberdades dos seres humanos sem nenhuma distinção
(ONU, 1948), e a Declaração dos Direitos da Criança, de 1959, complementou essa ideia,
reafirmando alguns meios básicos para garantir o desenvolvimento da criança, tais como
alimentação, saúde, proteção e assistência, além de conclamar a sociedade internacional a
reconhecer e ajudar a garantir tais direitos. Segundo a Declaração:
[...] a criança, por motivo da sua falta de maturidade física e intelectual, tem
necessidade de uma proteção e cuidados especiais, nomeadamente de proteção
jurídica adequada, tanto antes como depois do nascimento. (ONU, 1959,
Preâmbulo).
3 CONSIDERAÇÕES FINAIS
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.
111
Resumen
Uno de los conceptos que es objeto de los debates contemporáneos del Derecho Internacional es
la “Responsabilidad de Proteger” (R2P). El presente trabajo de investigación pretende explorar en
qué medida la R2P permite una nueva explicación de la soberanía y la interacción de los sujetos
de la comunidad internacional. En este marco, se analizará, en primer lugar, el concepto de
soberanía responsable y, en segundo lugar, la colaboración de los sujetos del Derecho
Internacional para el fortalecimiento de la R2P del Estado. Para el presente estudio, se emplearán
las resoluciones y documentos del Secretario General, la Asamblea General y el Consejo de
Seguridad de Naciones Unidas, que estén relacionados a este concepto.
Resumo
1
Magíster en Ciencia Política y Gobierno con mención en Relaciones Internacionales por la Escuela de Gobierno y
Políticas Públicas de la Pontificia Universidad Católica del Perú. Asesor legal en el Ministerio de Relaciones
Exteriores de Perú. E-mail: pablo.rosalesz@pucp.pe
112
1 INTRODUCCIÓN
el orden […] hace referencia a un estado ideal de las cosas, a un realidad idónea
para mantener el equilibrio […] [;] el orden social es aquel estado de la sociedad
en el que existe una norma en virtud de la cual esta se encuentra organizada […].
El orden de una realidad está emparentado con un alto nivel de organización destinado a
un funcionamiento adecuado de sus elementos. El Derecho juega un papel fundamental en esta
configuración. Siguiendo el razonamiento de este autor, en el plano internacional, el orden se
definiría por aquellas normas que son expresión jurídica de los valores de la comunidad
internacional. Sería ese “estado ideal de las cosas” el que predica una interacción pacífica entre
los miembros que alberga esta comunidad. En ese sentido, con orden internacional, se hace
referencia, fundamentalmente, a aquellos principios jurídicos bases del Derecho Internacional
que atañen a todos sus sujetos y que permiten una interacción pacífica2.
Desde tal lectura, deben destacarse dos valores esenciales del Derecho Internacional
para la R2P. El primero es la protección del ser humano y, el segundo, el respeto a la soberanía.
Ambos valores constitucionales del Derecho Internacional (CARRILLO SALCEDO 1995, p. 13
– 22), plasmados en la Carta de Naciones Unidas, no necesariamente aparecen en sintonía, como
advirtió en su momento el ex Secretario General Kofi Annan (2000, párrafo 217). Y es que, por
un lado, los Estados tienen obligaciones internacionales de protección de derechos humanos,
pero, cuando las incumplen, al punto de permitir la comisión de crímenes internacionales, la
soberanía basada en el principio de no intervención se alza como un límite.
En este contexto, la R2P participa de la humanización del Derecho Internacional3, que
refiere al proceso ciertamente revolucionario de considerar nuevamente al ser humano en todo su
valor y dignidad en el plano internacional, reconociéndosele la calidad de sujeto de Derecho
Internacional. Desde el plano de la obligatoriedad internacional, supone la relativización de los
límites impuestos por la positivización voluntarista del Derecho - centrado únicamente en el
Estado -, a la construcción de un Derecho Internacional general a partir de la Carta de Naciones
Unidas, tratado que tiene, entre sus finalidades centrales, “reafirmar la fe en los derechos
2
Tomuschat (1999, p. 161) señala que el orden internacional puede aparecer, a primera vista, como un conjunto de
principios sin ninguna relación entre sí. No obstante, si se ve con más detalle, se observará que se trata de “(…) a
true system, which has its axiomatic premises from which most rules of detail are derived”. Por su parte, Dupuy
(2002, pp. 59 - 66) maneja una concepción de orden internacional que admite este aspecto pero incluye, entre otros
elementos, la presencia de tratados multilaterales y organizaciones internacionales.
3
Es un proceso del que han dado cuenta varios importantes juristas, entre ellos, el profesor T. Meron (2003) y el juez
de la Corte Internacional de Justicia y expresidente de la Corte Interamericana de Derechos Humanos, A.Cançado
Trindade (2006).
114
4
También conocida como « Declaración relativa a los principios de Derecho internacional referentes a las relaciones
de amistad y a la cooperación entre los Estados de conformidad con la Carta de las Naciones Unidas ».
5
En adelante, CIISE.
6
Ver Resolución 1199 (1998) del Consejo de Seguridad de las Naciones Unidas.
115
justificable desde un punto de vista ético, sin que ello salve su disconformidad con el Derecho
Internacional al vulnerar el sistema de seguridad colectiva.
Como demuestran estos ejemplos, la estrategia y respuesta del Consejo de Seguridad ha
dejado mucho que desear y, en esta línea, refuerza la idea de que es necesario alcanzar una
reforma integral de este ámbito de la Carta. En esta línea, el derecho de veto y el peso de los
intereses nacionales de cada uno de los miembros permanentes se han erigido como los
problemas de fondo en la invocación del Capítulo VII para hacer frente a tragedias humanitarias.
La respuesta ha sido el concepto de R2P que, en esta perspectiva, solo puede concebirse como un
intento tímido de reforma en el plano del mantenimiento de la paz y seguridad internacionales,
porque no es propiamente una norma internacional que modifique la Carta, pero que no debe
descartarse, porque es una oportunidad para evaluar la relación de fuerzas en el plano de la
sociedad internacional.
El concepto de R2P ha ido incorporándose gradualmente en el discurso de Naciones
Unidas a través de diversos documentos. Y esta evolución debe observarse con cuidado. Primero,
recaía, de acuerdo a CIISE (2001), en causas como “grandes pérdidas de vidas humanas” y/o
“depuración étnica a gran escala”. Luego para el Grupo de alto nivel sobre las amenazas, los
desafíos y el cambio (2004, párrafo 203), la R2P recaería en el genocidio y otras matanzas a gran
escala, la depuración étnica y las graves infracciones del Derecho Internacional Humanitario.
Hasta aquí, esta evolución revela que se estaba buscando un mínimo común sobre el cual haya un
consenso en materia de protección. Posteriormente, en el informe Un concepto más amplio de
libertad: desarrollo, seguridad y derechos humanos para todos de 2005, se reemplazaría las
matanzas a gran escala por crímenes de lesa humanidad; se mantendría el genocidio y la
depuración étnica; y se dejaría de mencionar a las graves infracciones del Derecho Internacional
humanitario.
En septiembre de 2005, con el Documento Final de la Cumbre Mundial, se llega al
consenso actual que es el de genocidio, crímenes de guerra, crímenes de lesa humanidad y
depuración étnica frente a lo cual el Estado es responsable de prevenir. Como señalan los
párrafos 138 y 139 de este documento de la Asamblea General,
Cada Estado tiene la responsabilidad de proteger a su propia población del
genocidio, los crímenes de guerra, la depuración étnica y los crímenes de lesa
humanidad. […]
116
7
Artículo 5.1 del Estatuto de Roma.
117
crímenes no solo son preocupación aislada de un Estado, sino que su relevancia abraza a toda la
comunidad internacional.
Por este motivo, desde una perspectiva histórica, el consenso sobre la R2P no hubiera
sido posible sin la entrada en vigor del Estatuto de Roma el 1 de julio de 2002. La razón de la
mención de crímenes internacionales en el concepto del R2P de septiembre de 2005, se debe a
que los Estados han identificado el carácter de aspiración universal que tiene el Estatuto de Roma
que parte de reconocer, en su preámbulo, que “esos graves crímenes constituyen una amenaza
para la paz, la seguridad y el bienestar de la humanidad”.
No obstante, un aspecto del discurso que no queda desadvertido es que la depuración
étnica se mostraría como el único elemento que se mantendría a lo largo de la evolución de la
R2P, pese a poder ser subsumido por cualquiera de los otros crímenes atroces (BELLAMY, 2014,
p. 3).
Si se hace el contraste entre los párrafos 138 y 139 del Documento Final de la Cumbre
Mundial y el Estatuto de Roma se descubre que, aparentemente, el segundo no consideraría como
crimen internacional a la depuración étnica y por ello podría sostenerse que no hay una correcta
asimilación del Derecho Penal Internacional en la R2P, además de no mencionarse el crimen de
agresión. Sin embargo, la depuración étnica es una categoría histórico política que rememora
sucesos como los de Srebrenica y que, jurídicamente, puede ser asimilada a tipos penales que sí
se hayan plasmados en el Estatuto de Roma, como el de “deportación o traslado forzoso de la
población”, hecho individual del crimen de lesa humanidad (artículo 7.1.d) y también del crimen
de guerra, sea en un conflicto armado no internacional (artículo 8.2.e.viii), o en uno internacional
(artículo 8.2.b.viii).
Respecto al crimen de agresión8, la falta de consenso sobre este crimen a nivel del
Documento Final de la Cumbre Mundial condujo a su ausencia. Sin embargo, no puede decirse
que la prohibición del acto de agresión no tenga ninguna relación con la R2P. En primer lugar, la
R2P parte de un contexto que es el artículo 2 párrafo 4 de la Carta de Naciones Unidas, en el que
se plantea la prohibición general al jus ad bellum. La R2P como tal no supone, por tanto, la
autorización irrestricta del empleo de la fuerza, sino que encomienda al Consejo de Seguridad
que sea este órgano quien autorice las medidas coercitivas (BELLAMY, 2014, pp. 13 - 14). De
8
Presente también en el Estatuto de Roma, pero respecto al cual la competencia de la Corte no funcionará sino con
el cumplimiento de las disposiciones del artículo 15 bis de la enmienda RC/Res. 6 sobre el crimen de agresión,
adoptada en Kampala el 2011.
118
esta manera, la prohibición del acto de agresión se erige como el marco apropiado en el que se
autorizan las medidas de la comunidad internacional para responder a los crímenes atroces.
Teniendo en cuenta estas nociones, se pasará a analizar las consecuencias teóricas de la
R2P para con el Estado y la comunidad internacional.
Por su parte, los Estados deben cumplir con sus obligaciones de Derecho Internacional
Humanitario (SECRETARIO GENERAL, 2013, párrafo 7) y prevenir, por tanto, la comisión de
los crímenes de guerra, que son aquellos actos que van en contra el Derecho Internacional
humanitario en el contexto de un conflicto armado internacional o no internacional. El problema
no solo es que se considere si el escenario en específico ha dado lugar a un conflicto armado, sino
que el Estado sería responsable de prevenir los crímenes de guerra en ese contexto13.
En suma, la falta de prevención de los crímenes atroces supondría la vulneración de
normas perentorias del Derecho Internacional general.
tenía el jus ad bellum, ahora solo el Consejo de Seguridad puede emplear la fuerza o
autorizarla15. Ello alberga un desequilibrio que no puede dejar de observarse: la actuación del
Consejo de Seguridad depende de la decisión de sus miembros permanentes. Los intereses
políticos juegan como una variable en contra de la independencia del Consejo de Seguridad
frente a sus miembros permanentes (y no permanentes) e impiden que la R2P se beneficie de una
mejora estructural del sistema de seguridad colectiva.
La R2P, al no haber logrado impulsar una reforma del Consejo de Seguridad, no parece
generar un cambio a la hora de considerar la igualdad de los Estados. Ahora bien, en base a la
advertencia del Secretario General de leer la R2P a la luz del Derecho Internacional, este
concepto no debería servir como excusa para considerar que unos Estados son más responsables
que otros, porque esto conllevaría a un fácil rompimiento de la prohibición de la amenaza o el
uso de la fuerza.
Respecto a la segunda sub-interrogante, el hecho que un Estado no tenga un gobierno
efectivo no podría ser usado como subterfugio para considerar que son “incapaces” de proteger a
su población y, por tanto, una autorización a otros Estados para “protegerla”, vulnerando otros
principios del Derecho Internacional. En este sentido, este supuesto parece conducir a una posible
vía de intervención armada, cuestión que parece alejarse de la idea de la R2P, según la cual la
comunidad internacional buscaría reforzar la soberanía antes que ir en contra de ella
(SECRETARIO GENERAL, 2009, párrafo 10.a).
Que la R2P parta de la prevención estatal de los crímenes atroces demuestra que, en esta
concepción del orden internacional, el Estado no deja de ocupar un sitio relevante en este orden.
Sin embargo, la R2P no resuelve, pero sí advierte sobre la necesidad de algún tratado en el que se
plasme, por ejemplo, la prevención de crímenes de lesa humanidad.
Si bien el concepto de R2P toca un punto neurálgico del Derecho Internacional como es
el de la soberanía, su impacto no termina ahí. El Documento Final de la Cumbre Mundial
menciona a “la comunidad internacional”. En esta medida, esta también participa de la R2P, al
contar con la responsabilidad de “ayudar a proteger a las poblaciones del genocidio, los crímenes
de guerra, la depuración étnica y los crímenes de lesa humanidad”16.
15
Salvo los casos de legítima defensa (artículo 51 de la Carta) en los que el Estado que recibe el ataque deberá
notificar inmediatamente al Consejo.
16
Ver el párrafo 139 del Documento Final de la Cumbre Mundial.
121
[…] una vez más su más profunda preocupación por las constantes
informaciones de que en Rwanda se han cometido violaciones sistemáticas,
generalizadas y flagrantes del Derecho Internacional Humanitario, incluidos
actos de genocidio.
Estos ejemplos muestran que la R2P ha servido al Consejo de Seguridad para tratar las
categorías penales internacionales más asiduamente en sus resoluciones.
Otro de los grandes problemas de la R2P en la relación Estado y comunidad
internacional bajo el tercer pilar es su propia definición para efectos del principio de no
intervención. La literatura y los Estados han confundido a la R2P con la intervención humanitaria
o con la intervención para el rescate de nacionales en el extranjero. La intervención humanitaria,
a veces, se asimila a una especie de lienzo al cual cada autor le da los colores que quiere. Sin
embargo, existe un cierto consenso en la doctrina que la intervención humanitaria es una
intervención contraria al Derecho Internacional, es decir, aquella intervención unilateral o sin
autorización del Consejo de Seguridad para proteger a una población de otro Estado frente a
violaciones masivas de sus derechos humanos esenciales (KOLB, 2003, p. 208).
Por su parte, si la intervención se invoca en base a la nacionalidad se considerará que es
un rescate de connacionales en el extranjero sin autorización del Consejo de Seguridad. Un
ejemplo de ello ha sido que Vladimir Putin justifique intervenir, a comienzos del 2014, para
123
rescatar a las comunidades ruso hablantes en Crimea (SALMÓN y ROSALES, 2014, pp. 190 -
192).
El tercer pilar de la R2P va más allá de estas dos figuras. Sin embargo, en la práctica, no
solo puede ser confundida, sino mal empleada o distorsionada por miembros permanentes del
Consejo de Seguridad. Esta actuación no solo afecta las intenciones positivas que se refugian en
la R2P para con el plano del mantenimiento de la paz y seguridad internacionales, sino que
demuestra que la institución en la cual se apoya, el Consejo de Seguridad, sufre una crisis que
relativiza los esfuerzos de encontrar un consenso para una respuesta adecuada frente a los
crímenes atroces.
Por último, en relación a los otros sujetos pertenecientes a la comunidad internacional,
estos no son nombrados por el Documento Final de la Cumbre Mundial, lo que puso en duda
sobre quiénes estarían comprendidos bajo el segundo pilar. El Secretario General (2014, párrafos
20 - 27) ha identificado algunos de los sujetos de la comunidad internacional que participarían en
fortalecer la capacidad de prevención del Estado desde sus respectivas funciones. Así se tiene,
además de las Naciones Unidas, a la Unión Africana, la Corte Penal Internacional, el Banco
Mundial, entre otros. Cada una de estas organizaciones internacionales se relacionaría con los
Estados de acuerdo a sus propios tratados o normas, pero también previniendo y respondiendo a
situaciones que involucran crímenes atroces.
Ahora bien, este intento de congregar a la comunidad internacional a partir de la R2P
puede resultar problemático, dado que las dinámicas existentes de los tratados constitutivos de las
organizaciones internacionales citadas pueden estar pensadas bajo lógicas distintas; y, en segundo
lugar, que la R2P, al no necesariamente tener contacto con el quehacer diario del sujeto
específico, debilitaría los avances en la prevención en el marco de la R2P.
4 REFLEXIÓN FINAL
comprender a partir de la prevención de crímenes atroces que recoge la R2P, la cual expresa un
consenso básico de qué se entiende por intraspasable para los Estados en relación a la protección
del ser humano.
La R2P no solo brinda la posibilidad de reflexionar sobre una soberanía “humanizada”,
sino que también permite un acercamiento a cómo se configura la comunidad internacional en
pro de la protección del ser humano. Ahora bien, este concepto no logra alterar las dinámicas de
poder al interior del Consejo de Seguridad y deja, por tanto, en la misma situación de siempre al
principio de igualdad al interior de Naciones Unidas, mostrándose aún insuficiente para una
protección adecuada de las poblaciones. Es una aspiración, no una práctica. La R2P muestra, por
tanto, un camino hacia el cual parece apuntar el Derecho Internacional y que requiere
urgentemente el compromiso de los Estados: la consideración del individuo como destinatario de
normas internacionales y su protección eficaz y adecuada por encima de cualquier interés político
particular.
5 BIBLIOGRAFÍA
CASSESE, Antonio. Ex in iuria ius oritur: Are We Moving towards International Legitimation of
Forcible Humanitarian Countermeasures in the World Community? European Journal of
International Law, Vol. 10, No. 1, 1999, pp. 23 – 30.
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international public (2000). Recueil des cours, tomo 297, 2002, p. 9 – 496.
HAFNER, Gerard. The Emancipation of the Individual from the State under International
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KOLB, Robert. Ius contra bellum: Le droit international relatif au maintien de la paix. Précis.
Bruylant : Collection de droit international public, 2003.
MERON, Theodor. International Law in the Age of Human Rights. Recueil des cours, tomo
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(Asamblea General de Naciones Unidas). Un mundo más seguro: la responsabilidad que
compartimos, A/ 59 / 565, 2 de diciembre de 2004.
SIMMA, Bruno. NATO, the UN and the Use of Force: Legal Aspects. European Journal of
International Law, Vol. 10, No. 1, 1999, p. 1 – 22.
127
TOMUSCHAT, Christian. International law: ensuring the survival of mankind on the eve of a
new century: general course on public international law. Recueil des cours, tomo 281, 1999, p. 9
– 438.
Resumo
Este ensaio procura observar as interações complexas na problemática dos refugiados que,
num mundo de hegemonia global dos direitos humanos como sinónimo de dignidade humana,
são na atualidade absolutamente contestáveis. As adversidades existentes no complexo do
atual Médio Oriente, atuam nesse sentido. Na verdade, temos de compreender os efeitos de
um conjunto de poderes, alianças e influencias, temos de ter em conta a luta pela supremacia
disputada pelas potências da região e correspetivos regimes: o Maxerreque que se estende à
parte oriental do Mundo Árabe, complementar a Magrebe (desde o Egito até ao Iraque e a
Península Arábica) e que compreende todos os países árabes situados a leste da Líbia, a
Arábia Saudita, monárquica, muçulmana e alauita, a Turquia republicana, muçulmana e
sunita, o Irão, uma teocracia muçulmana (não árabe), xiita, e Israel, republicano e judeu,
próximo da ortodoxia. Ou seja, por outras palavras, neste evidente cenário de permanentes
conflitos, deparamo-nos com os povos desta grande região africana, esses manipulados ao
sabor dos interesses estratégicos ou apenas locais, entregues ao autoritarismo de regimes
fortemente repressivos da liberdade e da cidadania onde impera a subjugação, o desemprego,
a pobreza extrema, e a ausência de infraestruturas públicas, geram no seu seio os radicalismos
extremistas que o fracasso da primavera árabe veio acentuar.
Abstract
This workpaper demand to observe the complex interactions in the problem of refugees that in
a world of global hegemony of human rights as a synonym for human dignity, they are in
absolutely contestable today. Existing adversities in the complex of the current Middle East,
they act accordingly. In fact , we have to understand the effects of a set of powers , alliances
and influence , we have to take account of the struggle for supremacy disputed by the powers
1
Artigo escrito em português lusitano. Autora portuguesa.
2
Mestre e Doutoranda em Direito na Universidade de Coimbra/Portugal. E-mail: patriciacolaco75@gmail.com
1
129
of the region and correspectives regimes: the Mashreq extending to the eastern part of the
Arab world , complement Maghreb ( from Egypt to Iraq and the Arabian Peninsula ) and
comprising all Arab countries east of Libya, Saudi Arabia, monarchical , Muslim and Alawite
,Turkey Republican , Muslim and Sunni , Iran, a Muslim theocracy ( non-Arab ) , Shia , and
Israel , republican and Jewish , close to orthodoxy. That is, in other words, in this obvious
scenario of permanent conflicts, we find the people of this great African region, manipulated
by the taste of the strategic interests or just local interests, delivered to authoritarianism
strongly repressive regimes of freedom and citizenship which reigns subjugation,
unemployment , extreme poverty, and the lack of public infrastructure, generate within it the
extremist radicalism that the failure of the Arab spring has widened.
Keywords: Irregular Migration; Refugees; European Union; Africa; Middle East
1 INTRODUÇÃO
A questão dos refugiados especifica que é aquela em que nos sentimos mais à vontade
para falar tem por vínculo os países do Maxereque. Tem a ver com o Médio Oriente e é um
assunto onde ainda não existe muita produção científica, muito trabalho feito sobre estas
questões, não só pelo facto de haver muito recato em torno das mesmas, como também pelo
facto de estarmos a lidar com uma sociedade com realidades em permanente mudança, e isto
torna muito difícil esta mesma avaliação.
Lidando com a questão dos refugiados, há um conjunto de coisas que nos entram todos
os dias pelos meios de comunicação, e que, embora muito filtradas, normalmente, tendem a
dar-nos a reconhecer três questões fundamentais:
a) A questão dos números: quotidianamente temos que lidar com números e é assim
que se olha tendencialmente para o problema dos refugiados. Numa lógica eurocêntrica de
olhar para a perspetiva dos refugiados, há sempre um limiar para tentar perceber o que são
números sustentáveis e insustentáveis.
Estamos muito presos a algumas imagens nas quais somos uma espécie de atores que
simplesmente observam, mas que não se assumem como partes integrantes nestes problemas
que vão emergindo. Apesar da instabilidade se dever a razões de escolha politicas, de vontade
politica, continua-se a perspetivar o problema no domínio das fronteiras. Para muitos se ele
está nas fronteiras não temos que lidar com ele!
Aconteceu assim com os fluxos de África Subsaariana (WOOD, 2014) e agora com os
fluxos do Médio Oriente ou países do Maxereque, e em particular a questão Síria, que
também tem ajudado a tapar muitas outras situações que são igualmente dramáticas.
Sabemos que hoje temos 60 milhões de refugiados no mundo, que a população de
refugiados sírios ultrapassou a maior população de refugiados que conhecíamos na história,
que era a Palestiniana, e sabemos que hoje já ultrapassa os 6 milhões de refugiados.
130
de números e uma extraordinária ausência de análise qualitativa, para além da ausência até
mesmo das questões mais básicas de metodologia, que nos levaria seguramente a um melhor
entendimento de como nos chegam os números na atualidade e porque não chegam outros.
Seja em que contexto for e quando analisamos a realidade dos refugiados, devemos ter
sempre em conta quais os mecanismos de produção que estão inerentes à informação a dados
que se recebe. Igualmente os factos classificatórios assumem aqui um papel predominante.
Não descuremos que estas classificações não são inocentes, nunca o foram, não será agora
que o irão ser.
Entende-se a ideia dos factos classificatórios na questão dos refugiados, quando por
exemplo entramos no Líbano e criamos incidentes diplomáticos de cada vez que usamos a
palavra refugiados. Observe-se que neste território a palavra que deve ser usada é a de
«deslocados» e não refugiados (ABREU, 2006). Entra-se numa questão não apenas de
semiótica mas também numa questão cultural enraizada, e por isso, para além de todas as
definições jurídicas que possamos ter, leva-nos ao impedimento de dissociarmos daqui as
questões culturais e de vivência em sociedade, nomeadamente de como estas sociedades
interpretam e como assimilam estas populações.
Interrogamo-nos novamente, o que é que faz a distinção entre um refugiado e um
deslocado? Será atravessar a fronteira?
Independentemente da questão jurídica, uma vez que esta nos obriga a pensar que
refugiado é aquele que requerer asilo, a maior parte destas pessoas nem requerem
rigorosamente nada, fogem simplesmente. Portanto, se não ficarmos vinculados a uma
definição jurídica muito restrita, conseguimos uma outra dimensão, que é como as sociedades
percecionam e assimilam estes fluxos de população (parlamento europeu, 2006).
Uma das batalhas que se trava permanentemente entre as autoridades libanesas e as
autoridades europeias, é a própria questão da classificação das populações em questão. Depois
existem outras questões que têm a ver não apenas com estas massas de população, mas
também com as especificidades dentro de cada uma das comunidades, e da imensa
heterogeneidade que existe no contexto da população refugiada.
Desde logo, nós não estamos habituados a olhar para o Médio Oriente e ver
comunidades católicas, estamos sim, habituados, a olhar para o Médio Oriente e ver uma
massa de população muçulmana. Neste plano, podemos até falar de uma disputa de linguagem
relativamente às minorias, que se verifica nomeadamente quando falamos sistematicamente
nos cristãos do Oriente (que nos causa alguma impressão) dos orientais cristãos (já aqui não
nos cria tanta interrogação e dúvida).
133
existirem circunstâncias específicas e haver uma sujeição a constrangimentos, não quer dizer
com isto, que as escolhas e as decisões não sejam tomadas no contexto onde claramente
existem constrangimentos e onde há circunstâncias específicas.
Outro ponto importante é quando se ignora que estamos a falar de pessoas que têm
aspirações na vida como qualquer pessoa. E, mais silenciada ainda, é a questão da estratégia.
Nenhuma destas pessoas tem uma definição de estratégia para a sua vida como qualquer
comum dos mortais. A estratégia é uma coisa que está eliminada a partir do momento que
decidem deixar o seu território e abandonar a sua casa, seja porque circunstância ou por que
razão for.
Há muitas perguntas possíveis num mar de perguntas que deveriam ser
sistematicamente colocadas quer do ponto de vista da investigação ou da pesquisa, quer do
ponto de vista de quem faz trabalho politico.
Desde logo, perceber nestas comunidades por muito numerosas que sejam, dado que
são heterogéneas e diferenciadas, se estas se compõem de realidades diferentes, e em que
medida as pessoas ou os grupos que as integram, podem ou não podem exercer uma escolha
no que toca não só à temporalidade (destino de chegada, seja ele temporário ou definitivo)
como também à decisão que é tomada.
Não ajuda em nada a forma como os próprios mídia constroem os fluxos, seja em
resultado daquilo que é uma intervenção direta das instituições públicas, seja mesmo os
caminhos que são pré-definidos ou de certa forma condicionados pelas organizações
internacionais que estão no território, tais como a ACNUR (1992; 2011), UNICEF, entre
outras.
Predomina aqui um conjunto de fatores que nunca são tidos em conta, nomeadamente
como se opera a escolha do destino num contexto de guerra, quais os tipos de alterações que
existem, ou como são as relações existentes do ponto de vista das relações de género e das
relações intergeracionais. Se afetam ou não as decisões das pessoas, ou como é que elas são
alteradas em função das decisões que são tomadas. Também como é que as relações de género
intergeracionais afetam os próprios movimentos das pessoas, das famílias ou das
comunidades.
2 UNIÃO EUROPEIA
muito diferentes.
Do nosso lado, sobredeterminamos o desfecho mesmo que não encontremos nenhuma
solução para os problemas. Não precisamos de ter nenhuma resposta, nenhuma solução para
sobredeterminar aquele que vai ser o desfecho de muitas histórias, seja ele temporário ou
definitivo.
Sobredeterminamos o desfecho em função de várias questões, nomeadamente em
função dos regimes que vigoram nos países de entrada/receção. O facto de se ter ou não ter
legislação ou estatutos consagrados de refugiado, ou estatuto de asilo, ou seja o que for, faz
toda a diferença, antecipa ou pode forçar um desfecho que é só um meio de caminho, mas
pode forçar esse desfecho.
A forma como os regimes políticos do lado dos países de acolhimento vigoram e se
organizam, caso do Líbano, da Jordânia, da Grécia, da Macedônia, da Dinamarca, ou da
Suécia, e apesar de podermos encontrar padrões que nos sejam comuns, determinam também
se vão ser criadas diferenciações ou não, se vão criar mais hierarquizações ou não, bem como
a forma como serão percecionadas as comunidades e as populações que nos procuram.
Ao criar diferentes categorias de migrantes, e isto é uma coisa que é comum a todos os
países recetores, independentemente da sua cultura e do regime politico, a verdade é que
todos criam estas categorias e impõem diferenciações entre o que são os refugiados, os
deslocados, os económicos, e por aí adiante.
Qualquer categoria que seja feita é uma categoria que acaba por produzir novas formas
de estratificação e diferenciação social. Sabemos que nas comunidades de acolhimento ou de
rejeição, infelizmente há uma regularidade social, ou seja, são aquelas que têm menos
condições económicas que têm que se adaptar mais às regras que são impostas, e que têm que
desistir mais dos seus projetos migratórios.
Esta teoria prevalece porque não consideramos que independentemente da condição
socioeconómica possa existir um projeto de vida das populações refugiadas. Para os
esmagadores pensamentos quem não tem dinheiro não tem vícios.
A Europa faz esta diferenciação continuamente, e reproduz um conjunto de divisões
que já existem na sociedade, e que não deixam de existir, mesmo quando não estamos a lidar
com comunidades que estão deslocadas ou que são refugiadas em resultado de contextos de
guerra ou de privação total de condições materiais.
No meio disto tudo, entra sempre a questão jurídica, andamos sempre com a
burocracia ao lado, o que é ótimo. Ainda melhor é eurocracia, porque ajuda sempre a apanhar
tempo para não fazer nada, e para ter todas as desculpas para a inércia.
Perdemos muito tempo a debater coisas, e nisto estamos a falar de asilo, ou percurso
temporário, ou de trânsito (há muitos países que são de transito e não são de acolhimento). Há
definições múltiplas de trânsito, onde se incluem as definições dos próprios autores, dos
próprios agentes que se deslocam, e ainda as definições dos países onde chegam as pessoas.
Se não tivermos uma ideia comum, princípios mínimos comuns que permitam ter
ferramentas para lidar com estas situações, iremo-nos sempre deparar com uma situação como
aquela que vivemos atualmente, em que a esmagadora maioria desta população é considerada
refugiada e entendida como tal, quanto mais não seja por definição.
Podemos até não ter uma base jurídica ou outra para aceitarmos a maior parte desta
população, contudo deverá existir um estatuto comum, perante o qual, haja um
reconhecimento e condições específicas de sobrevivência para este tipo de população.
A realidade mostra-nos o inverso. A sua situação é permanentemente reversível.
Este carater reversível de refugiado que justifica-se pela ausência de ferramentas,
instrumentos, definições concretas, sejam boas ou más. Até podíamos criticar o estatuto
europeu de asilo (TRIANDAFYLLIDOU, 2014), ou o estatuto europeu de refugiado, mas
infelizmente não o podemos fazer, porque não existe. Portanto, não existindo definições
concretas que permitam a porosidade dos próprios conceitos, das terminologias, das
classificações que nós fazemos das pessoas, originamos uma faça uma cama perfeita para o
medo.
A reversibilidade do estatuto de refugiado, é de tal ordem, que nós não temos nenhum
pudor em achar normal que se possa confundir o debate entre refugiados e terroristas. A falta
de porosidade vai até esse ponto e a reversibilidade do estatuto também.
Se não há direitos associados, se não há o mínimo de direitos, de condições para que
os possamos questionar ou não, toda a fronteira estará aberta para mudar de uma categoria à
outra, consoante seja o discurso dominante ou a verdade do discurso dominante.
permitia ainda assim o convívio entre vários sectores: o sector da sociedade laica; dos
movimentos feministas, existentes em poucos países da região.
Por isto, se pensava que na altura, os conflitos se tivessem resolvido por si mesmos,
através de uma resolução encontrada dentro da própria Síria pelos diferentes atores, de forma
democrática.
Um país assente num regime democrático, que não é muito comum, em que se tem um
Presidente legitimado por eleições, havendo manifestações, havendo oposição, tudo nos
levava a crer que se poderia resolver de forma democrática.
Contudo, as instituições europeias com o intuito meramente obsessivo e ideológico,
acabaram por concentrar na Síria todos os problemas, e daí a primeira decisão e a mais
fundamental no processo da Síria foi a decisão europeia de enviar orçamento para todos os
grupos de oposição, desvalorizando completamente o carater desses grupos de oposição, e
aqui claro está, que houve um processo de ingerência direto.
Não foi criada uma guerra no sentido tradicional, mas foi criada uma guerra civil por
outros meios, denunciando desta forma, a total irresponsabilidade na forma como decisões
umas atrás das outras foram tomadas no sentido de armar as chamadas forças democráticas
sírias ou de oposição democrática.
Acabou-se, por se armar as ditas forças de oposição democrática como também os
grupos que vinham do Iraque e que se haviam deslocado do Iraque, e que, por sua vez,
estavam concentrados na Síria. Atualmente se encontram concentrados na Jordânia e na Líbia.
Através de uma lógica de califado, estes grupos tinham interesse em fazer uma disputa
territorial muito para além daquilo que nós conhecemos, tendo acabado por dar origem a
conflitos direcionados para as próprias populações.
Elencamos a título de exemplo o ISIS – um grupo militar jihadista, que se aproveitou
da confusão politica e social para ganhar força e poder. Motivados pelo objetivo de criar um
califado islamita, totalitário, rapidamente se tornou num dos grupos terroristas com maior
impacto dos últimos tempos.
Utilizando com mestria as modernas técnicas de propaganda, publicita as torturas,
execuções em massa e sucessivos ataques letais e civis, criando uma onda de terror e
ganhando enorme visibilidade.
Face a isto facilmente chegamos à conclusão que fomos os maiores promotores da
criação do auto proclamado Estado Islâmico, armámos estes grupos quando eles tinham a
força, a vontade, a estratégia e o plano, mas não tinham armamento necessário.
Depois também acabámos por armar até a própria Al qaeda do Levante e a Al-Nusra,
138
um grupo que tem o mesmo tipo de intervenção que tem o Estado Islâmico ou o auto
proclamado Estado Islâmico.
Do que se pensou, que poderia supostamente ser resolvido por vontade e determinação
do povo sírio, acabou por se tornar numa enorme guerra civil, à qual, se veio a juntar,
posteriormente, a ocupação de grande parte do terreno dos grupos terroristas.
A população da Síria ficou encurralada entre o exército do regime de Assad, grupos
radicais e extremistas.
Com uma população de quase 22 milhões de pessoas em 2011, assistiu desde essa data
à deslocalização de mais de 12 milhões de pessoas, sendo que dessas, mais de 4 milhões
foram forçadas a abandonar o país, ao que se soma 95% dos refugiados que fugiram para os
países vizinhos: Turquia 1,5 milhões; Líbano 1,1 milhões; Jordânia 600 mil e o Egito com
142 mil.
Confrontados com o enorme fluxo de refugiados (PARLAMENTO EUROPEU,
2013), muitos países europeus recusam-se a aceitar e fecham os olhos à situação que eles
próprios criaram. Em 2014, toda a União Europeia aceita 420 mil refugiados. No início de
2015 a Alemanha face à crise que tinha entre mãos, aceitou receber 800 mil refugiados,
contudo, e só no final de setembro deste mesmo ano, é que se chegou finalmente a acordo
(sem unanimidade) para receber cerca de 120 mil refugiados.
Aprova-se também o investimento no apoio aos países vizinhos da Síria, e o reforço
com cerca de mil milhões de euros para o ACNUR e Programa Mundial Alimentar, para
fazerem frente ao drama humanitário.
Em 2016, os líderes da União Europeia chegaram a acordo com a Turquia sobre o
mecanismo de apoio a refugiados. Todos os migrantes que entrassem ilegalmente na Grécia
regressariam à Turquia. A agência de refugiados da ONU diz que um acordo provisório
fechado entre a Turquia e a União Europeia para por fim à migração descontrolada para a
Europa violaria leis internacionais.
Sob o acordo, a Turquia receberia de volta migrantes ilegais (BBC, 2016) chegando a
ilhas gregas, em troca, a União Europeia acolheria refugiados sírios que estivessem em
campos na Turquia. A implementação deste acordo viria a começar posteriormente à Amnistia
Internacional ter levantado o dedo às autoridades turcas, com a acusação das mesmas estarem
a enviar sírios de volta para o seu país em guerra, transformando tudo isto numa clara e grave
violação do direito internacional.
Por sua vez, o governo turco no seguimento do seu acordo com a Grécia já garantiu
que todos os refugiados que não fossem sírios seriam reenviados, enquanto os sírios seriam
139
3
Sobre o referido princípio, conferir: CORTE EUROPEIA DE DIREITOS HUMANOS. A jurisdição
extraterritorial da CEDH. 2011. Disponível em: <http://www.refworld.org/docid/4e31312d0.html>. Última
visita: 21 nov. 2016.
CORTE EUROPEIA DE DIREITOS HUMANOS. Caso Hirsi Jamaa e outros v. Italy (Aplicação n.º
27765/09). Parágrafos 85, 87, 90, 139, 140 e 141.
SUPREMO TRIBUNAL DOS ESTADOS UNIDOS. Caso Shaughnessy v Mezei, 345 US 206 (1953). 1953.
Disponível em: <http://www.refworld.org/docid/4152e10024.html>. Última visita: 21 nov. 2016.
4
Artigo 3.º, parágrafo 1 da Convenção de 1984 contra a Tortura e Outros Tratamentos Cruéis, Desumanos ou
Degradantes, também proíbe explicitamente devolver quando houver razões substanciais para crer que a pessoa
esteja em perigo de ser sujeito a tortura.. ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS. Convention Against
Torture and Other Cruel, Inhuman or Degrading Treatment or Punishment. 1984. Tradução nossa.
140
Entre os Estados-membros não há acordo em criar estratégias mais eficientes devido também
à situação mercantil com os refugiados e aos concorrentes interesses e compromissos
históricos dos diferentes países europeus em relação a África. A Inglaterra não participa na
Frontex (BALDACCINI, 2010).
4 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Por isto, num quadro das respostas urgentes, em primeiro lugar está obviamente a
premissa de que temos que perceber questões muito básicas do funcionamento da
Humanidade.
Nenhuma arma que matou seja em Londres, Bagdad, Beirute, Damasco, Alepo,
França, é uma arma que não seja de marca europeia ou americana. Talvez aqui esteja a raiz
mais urgente do problema que ninguém quer lidar com ele.
A outra questão urgente tem a ver com o próprio papel da Turquia neste processo. Nós
podemos falar com as diferentes autoridades destes países e até com muita regularidade,
sejam autoridades do ponto de vista organização do território do Estado, sejam autoridades
religiosas, que todas elas dirão “Afastem lá a ideia de que isto é uma guerra dos Muçulmanos
contra os outros, ou dos Muçulmanos contra os católicos ou cristãos”.
Portanto, é uma guerra que não se pode dizer que seja de potências regionais, está
mais generalizada dado que cada uma das potências regionais tem os seus aliados, e onde a
Turquia desempenha um papel fundamental, nomeadamente de agente duplo no escoamento
do crude que é explorado por 12 poços de petróleo situados na Síria e no Iraque pelo auto
proclamado Estado Islâmico, e que é obviamente a seguir ao armamento, a maior fonte de
financiamento.
Os países europeus compram este crude a preços baixíssimos e contribuem dessa
forma para o financiamento. Outra urgência, passa pelo acolhimento das pessoas que nos
procuram. Quando começamos a questionar se temos ou não temos capacidade na União
Europeia, em 28 países, para acolher um milhão de refugiados, é porque já perdemos o chão
na maior parte das coisas. Nem sequer em termos comparativos se pode justificar a falta de
capacidade de absorção. O Líbano tem 2 milhões de pessoas, e se nós fossemos a fazer a
comparação em termos da população, seria a mesma coisa que ter 5 milhões em Portugal. Ou
se fossemos a fazer a comparação em termos da área do território era a mesma coisa que ter
20 milhões de refugiados em Portugal.
Portanto, já nem é pela questão territorial ou pela questão da população ou de
comparação com estes países que tudo se justifica. A Jordânia tem 30%, o resto à volta não
141
existe (convínhamos), a Turquia que tem quase 3 milhões de refugiados mas que é uma
população maior e mais diluída, não tem o mesmo peso como tem a sociedade libanesa ou
jordana. De facto, a questão em causa e à qual se deve dar atenção, é ao processo que de
fronteiras que está fechado. A União europeia tem de perceber que a esmagadora maioria das
pessoas que sai, sai para fugir à guerra, ao terrorismo, ou até para tentar encontrar uma
solução de vida, não tendo nenhum gosto em ser estranho na terra dos outros, porque ninguém
os quer, a verdade é esta.
O acordo último da Turquia sob este ponto de vista, é absolutamente vergonhoso,
porque é a assunção clara por escrito e formal, que não os queremos e portanto os
recambiamos para a Turquia, que por sua vez faz jogo duplo, e ainda pagamos para isto.
Pagamos e gastamos muito mais do que gastaríamos a receber os refugiados em
condições minimamente dignas, esta é que é a questão.
A fatura que se paga à Turquia é muito mais elevada do que essa do referido
acolhimento, a primeira tranche é de três mil milhões de euros, a segunda mais três mil
milhões. Ou seja, pagamos todos para recambiar para Turquia. Para um país que não tem
nenhuma obrigação em respeitar os direitos humanos. A única obrigação que tem em matéria
de respeito pelos direitos humanos para refugiados, prende-se com os refugiados europeus,
sendo a única Convenção assinada.
Assim, nós criámos dentro do espaço europeu uma espécie de Guantanamo, para o
qual, viríamos a assumir o pagamento para a sua existência. É grande a hipocrisia para não
aceitarmos estes refugiados com o lema de “ou fica na Turquia ou é recambiado à origem, vão
lá morrer longe, desde que não vejamos está tudo em ordem!”.
Esta hipocrisia é tão grande que a não-aceitação de um milhão de pessoas, tem em
troca, a flexibilização de oitenta milhões dos vistos para os cidadãos turcos poderem circular
na Europa como cidadãos europeus. A falsidade dos poderes dominantes chega a este ponto,
conseguem convencer as pessoas do despacho de um milhão de pessoas, que constituem uma
ameaça, e que por isso, preferem flexibilizar os vistos de oitenta milhões do que receber um
milhão nos países da União Europeia. Nesta fase, o que aqui se associa à imagem de ameaça e
terrorismo são os refugiados não são os turcos.
Em relação às questões humanitárias, infelizmente continuamos a fazer exatamente o
que sempre fizemos, que é outsourcing. Fizemos outsourcing em relação aos migrantes da
África Subsaariana quando tínhamos amigos espetaculares no Norte de África – Benali,
Kadafi. Mubarak, e portanto concretizava-se as compras de outsourcing. Através destas, não
se calculava quantas pessoas eram mortas, as que não chegavam ao outro lado, e como eram
142
tratadas. Desde que fossem contidas no Norte do Mediterrâneo para os europeus estava tudo
bem. Havia de vez em quando alguns problemas, nomeadamente quando alguém tinha a
ousadia de se atirar ao Mediterrâneo e muita gente perdia a vida neste mar. Paralelamente
continua-se a perder.
Com o fim destes regimes ditatoriais estamos na realidade a dar continuidade ao
sistema da espécie de outsourcing com base nas organizações internacionais. Desde que se
segurem os 2 milhões no Líbano, 1 milhão na Jordânia, o lema é transferir o máximo possível
de apoios comunitários a todas as organizações que operam no terreno, mesmo que as pessoas
já não consigam viver no meio do lixo, da falta de água, da falta do mínimo de condições. E,
estamos a falar de países bastante mais pobres do que qualquer país da União Europeia.
Portanto, desde que se segurasse as pessoas nestes territórios estaria tudo bem, o problema, foi
quando de facto estes territórios começaram a ficar esgotados. Este problema surgiu por
questões de esgotamento do próprio território e da capacidade de absorção, e as organizações
internacionais não sabem viver bem com isto, nem lidam bem com isto. Criou-se uma lógica
de profissionalização e de dependência da catástrofe e do desastre, para a sobrevivência das
organizações. Não se fala com os dirigentes das organizações internacionais, seja a UNRA
que lida com os refugiados palestinianos, seja a ACNUR, seja a UNICEF, e contudo, ninguém
está contente com a presente situação.
Toda esta tragédia humanitária pressupõe ter uma resposta de urgência, temporária,
limitada no tempo e limitada no espaço. Não é suposto imperar a permanência, sendo certo
que o que existe, é o estado de permanência, do caos humanitário.
O que falta aqui é a vontade politica e mais do que esta é rever basicamente os acordos
internacionais que foram feitos, no sentido, de os pôr em prática, e que supostamente devam
vigorar relativamente ao respeito pela vida, pela dignidade humana. Tudo muito esquecido
porque há sempre negócios que falam mais alto do que o respeito por estas premissas,
desvaloriza-se o que é relativo ao ser humano – respeito pelo ser humano.
Em relação às fontes de informação é possível a manipulação das redes. Não devemos
ser provocatórios mas de facto o medo verdadeiro deverá ser tendencialmente mais dirigido
aso mídia do que à manipulação feita pelas redes sociais. O que passa pelas redes sociais, pelo
menos, não tem a chancela de dizer que é a informação oficial rigorosa, e que tem que
corresponder a um conjunto de padrões.
O que nos deve assustar mais na boa verdade, é a manipulação organizada e esta é
muito mais esmagadora, dado que nos permite aceitar numa lógica de medo, que o acordo que
mexe com a Turquia, é razoável. É praticamente a mesma manipulação que aceitou votar o
143
curdos e temos a Turquia que acabou de assinar um acordo com a União Europeia, e mesmo
assim tem quase 3 milhões de refugiados.
Por isto, começam a chegar à Europa. O Iraque está ainda em guerra, e tem mais
refugiados do que tem a União Europeia no seu conjunto.
Por sua vez, o Irão tem duas missões neste momento: 1) reposicionar-se em termos
geopolíticos a partir do acordo nuclear que assinou com os EUA, e portanto, longe de se
meter em grandes complicações. Este reposicionamento resitua-se no contexto da comunidade
internacional, e assim, não intervém grande coisa. Vai tentando e enquanto ninguém vê,
destruir algumas bases. Utiliza-se dessa lavagem de imagem, desse reposicionamento,
mantendo obviamente ligações com o regime de Bashar Al assad. Ainda recentemente nas
eleições para o Parlamento sírio no dia 13 de maio de 2016, não foi surpreendente que o
partido de Al Assad tivesse tido 80% dos votos (70% de participação dos territórios que estão
livres).
Se formos para a Península Arábica e nestes termos se falarmos da Arábia Saudita, ou
se falarmos dos Emirados Árabes Unidos – Qatar a título de exemplo, constatamos que são o
caminho, que traz as armas da França, da Inglaterra e dos EUA, e as faz chegar ao Estado
Islâmico e aos Russos.
Os refugiados por causa deste jogo duplo, começam a vir para a Europa, não têm mais
para onde ir, e portanto o conflito a ser de algum tipo é um conflito regional com ramificações
mundiais. É por isto que não há políticas comuns europeias a este nível. Os próprios países
europeus estão divididos nas suas vinculações regionais e nas opções que tomam, e neste
contexto é difícil encontrar alguma solução a não ser que haja vontade politica e uma posição
de força em relação a quem pode lidar com as causas e com as consequências.
E sobretudo não fazer como a França fez na semana dos atentados, atribuir o
equivalente à ordem do Infante ao príncipe saudita. Razão: deveu-se ao aumento significativo
da colaboração comercial entre os dois países nos últimos dois anos, tendo por base a eventual
venda de armamento e que permitiu equilibrar de certa forma, a balança comercial francesa.
Por outro lado e sob uma visão eleitoral, na Europa radica uma base social de apoio da
extrema-direita francesa, que é muito feita, pelas comunidades de imigrantes. Temos tido um
desvio do ponto de vista ideológico, de tal forma, que se aproxima cada vez mais das
cedências de uma direita conservadora mas que não é tradicionalmente xenófoba e racista
para tratar evitar o crescimento desta corrente, e assim esta cresce e a outra não. Destroem-se
no entanto outros setores de pensamento da sociedade.
Nos espaços de decisão à escala europeia, há uma ausência crónica da democracia, e
145
que é preciso resgatar. Não há nenhuma legitimidade na tomada de decisões, não há nenhuma
transparência. A política é um facto consumado, e os órgãos que têm mais poder, são cada vez
mais degenerências dos órgãos que compõem a arquitetura europeia. Falamos do Eurogrupo e
do Banco Central Europeu, nomeadamente quando este último atua fora do seu mandato, tem
muito mais poder do que o Parlamento ou Comissão Europeia. Isto é um mecanismo muito
perverso que cria dependência e assim quem está no poder não tem interesse em devolver esse
poder a quem deve estar, nas mãos das pessoas e dos cidadãos.
Em Portugal até ao inicio do ano de 2016, tudo o que foram reuniões no Conselho
Europeu em matéria de refugiados, até ao início do ano de 2016, em nada lucraram para que a
posição do Governo português tivesse sido dignificante na integra. Viu-se com muitos bons
olhos o facto a ideia de aceitar não só, o sistema de quotas para a entrada de refugiados em
Portugal, como triplica-las. Este país exige uma imensa quantidade de registos, não se
sabendo na plenitude até para o que servem.
Talvez para resolver esta burocracia e desbloquear a vinda destas pessoas, fosse
favorável passarmos a acolher os núcleos familiares completos, dado que não se podem trazer
as pessoas à força, sobretudo quando estas têm vínculos familiares e de conhecimento de
outros países. A questão da reunificação familiar é fundamental, ou se não for familiar, que
seja de comunidades de pertenças.
Muito menos burocracia e optar por uma lógica que seja distinta desta distribuição
numérica, e tentar construir uma lógica de agregados familiares onde as comunidades inteiras,
ou do que resta destas, tenha a possibilidade de escolha.
Concluindo, continuamos imbuídos numa lógica securitária, de não-aceitação e de
construção mais fácil e agilizada.
Esta tal europa dos valores, europa económica ou dos diretos humanos, neste
momento, não existe. Todos os seus pilares fundamentais podem ser postos em causa.
Apesar de todas as políticas regionais desenvolvidas o epicentro da crise migratória
situa-se no sul do Mediterrâneo e parece reunir o conjunto de fatores que a fará perdurar no
tempo: autocracias e Estados falhados, regimes opressivos e povos ansiosos de liberdade,
guerras religiosas e hostilidades tribais, opulência ofensiva e pobreza extrema, povos
dispersos e perseguições a esmo. Crime e impunidade. Armas. Muitas!
Fogem do Iraque, da Síria, da Líbia, do Afeganistão, do Iémen, de Marrocos, de Mali,
etc. Fogem à guerra, à injustiça e à pobreza. Explorados por quadrilhas traficantes, veem a sua
vida ameaçada até atingirem a cortina europeia da Itália, Grécia, Bulgária ou Espanha.
Chegados a um país europeu vêem-se confrontados com burocracias e costumes estranhos
146
bem como com o receio de parte da população dos países de receção que veem a sua
identidade cultural ameaçada e as finanças locais sobrecarregadas.
É neste cenário que a União Europeia deve tomar a iniciativa (autoproteora) de
persuadir os principais atores da cena política internacional, com diferentes e por vezes
divergentes interesses na região, para a emergência de uma intervenção conjunta no sentido
de pacificar e desenvolver o continente africano sob pena de agudização dos conflitos. E não
criar acordos absolutamente ilegítimos do ponto de vista da dignidade humana, com o fim
único de atender aos demais interesses legítimos dos lobbies políticos.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BBC. ONU critica acordo entre UE e Turquia para conter imigrantes. Publicado em: 11
mar. 2016. Disponível em:
<http://www.bbc.com/portuguese/videos_e_fotos/2016/03/160311_aprenda_refugees_vale>.
Última visita: 21 nov. 2016.
BIGA, Didier. Death in the Mediterranean Sea: The Results of the Three Fields of Action
of Eu Border Controls. In Jansen, Yolande et al. (ed.). The Irregularization of Migration in
Contemporary Europe, Detention, Deportation, drowning Varieties of Irregularization -
Death inthe Mediterranean Sea: The Results of the Tirree Fields of Action of European
Union Border Controls. Londres: Rowman and Littlefield International, 2015.
CASALONE, Manuela. Enfances en Migration, une étude sur les enfants syriens réfugiés
ai Liban. 2015. 109 f. Dissertação de Mestrado em Migrations et relations interethniques
apresentada à Université Paris Diderot – Paris 7. Paris, 2015. Disponível em: <
147
https://www.reseau-
terra.eu/IMG/pdf/MEMOIRE_M2_MIRI_R_Manuela_Casalone_pour_TERRA.pdf>. Última
visita em: 19 out. 2016.
YOUNES, Ilham. Le Statut des réfugiés palestiniens. Les Clés du Moyen-Orient. 2014.
Disponível em: <http://www.lesclesdumoyenorient.com/Le-statut-des-refugies.html>. Última
visita em: 10 nov. 2016.
149
Resumo
A presença atuante do Estado tanto no controle dos limites territoriais quanto nas
construções sociais de nacionalidades e identidades desperta curiosidade pela estratégia
assumida por esta instituição e pelas consequências dessa tentativa de unidade. A
consolidação do elemento territorial e a criação do sentimento de nacionalismo foram
ambos conduzidos pelo Estado, a fim de garantir sua legitimidade e o sucesso no
estabelecimento de um modelo a ser seguido. O processo de consolidação do atual
modelo e sua relação com a esfera doméstica e demais atores perpassou momentos
históricos, sofreu transformações, criações, invenções e sobreviveu a diferentes
contextos, porém sem perder a essência do Estado como agente decisivo.
Palavras-chave: Estado; fronteiras; limites; nacionalismo; identidade
Abstract
The active presence of the State in both boundaries control and the social constructions
of nationalities and identities arouses curiosity by the strategy adopted by this institution
and the consequences of this attempt of unity. The consolidation of the territorial
element and the creation of a sense of nationalism were both conducted by the State to
ensure the legitimacy of this institution. The consolidation process of the current model
and its relationship to the domestic sphere and other actors pervaded historical
moments, has been transformed, created, invented and survived different contexts, but
without losing the idea of the state as the decisive agent.
Key-words: State; borders; boundaries; nationalism; identity
1 INTRODUÇÃO
Em “Policing Borders, Producing Boundaries – The Governmentality of
Immigration in Dark Times”, Didier Fassin expõe a interdependência entre dois
1
Mestranda e graduada em Relações Internacionais pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC).
E-mail: almeida.marianamartins@gmail.com
150
2
Uma possível definição de Estado, para ser compreendida ao longo do trabalho, é proposta por Charles
Tilly, que entende a coerção como elemento que caracteriza o Estado. Tilly o define como uma
organização que faz uso da coerção e exerce uma prioridade manifesta sobre todas as outras organizações
dentro de extensos territórios.
3
KEARNEY, 1991.
151
consequências diretas nas singularidades dos povos e sociedades, uma vez que o
estabelecimento de um padrão fortalecia uma lógica binária, entre o ‘eu’ e o ‘outro’; o
‘certo’ e o ‘errado’; o ‘eu’ e o ‘estrangeiro’.
Naturalmente, essas ponderações datadas e precisas são um exercício de
concentrar dados históricos numa espécie de compilação de eventos, a fim de explicar
determinado processo. Entende-se que essas séries de eventos foram processos
sucessivos, complexos, com envolvimentos de diversas camadas da sociedade. Os
esforços em compilar esses eventos e reproduzir suas grandes conseqüências devem ser
entendidos como uma tentativa de, a partir da organização dos dados, interpretar os
principais elementos e atores que contribuíram nas transições que acarretaram a
formação dessa instituição concebida como Estado. Isto posto, a partir da exposição de
Bobbitt, considera-se que a Paz de Vestfália ‘inaugura’ uma modalidade de Estado
denominada pelo autor como Estado Régio.
O Estado Régio, concebido basicamente após a Paz de Vestfália, compreende
um modelo voltado à alimentação de seu próprio poder. Com o rompimento com a
religião (como forma de exercício de poder direto), dá-se a expansão das fontes de
legitimidade constitucional do Estado, que eram baseadas antes apenas na herança ou na
conquista. As principais características dessa modalidade seriam a existência de um
exército permanente; a centralização da burocracia; o estabelecimento de um sistema de
tributação regular; a conformação de políticas de Estado; a atribuição da liderança da
Igreja ao rei – significando também uma submissão do povo à religião deste rei. Essa
evolução, frente ao modelo de Estado Principesco, demonstra mudanças não só nas
configurações de poder, mas também na centralização de uma instituição já poderosa,
em vias de englobar o território como elemento central (terceiro modelo de Estado),
como bem defendido pelo autor. Essas novas configurações de poder exigiam
legitimidade por parte da população, sendo esta uma das fontes de poder do Estado. Aos
poucos se percebeu que para angariar essa legitimidade era necessário um engajamento
sólido, forte e uníssono, capaz de defender não só o direito de governar de seu líder,
mas também defender seu território. A maneira com que os Estados encontraram para
conseguir esse engajamento será problematizada mais adiante. Por ora, destaca-se
apenas a necessidade de adicionar a este processo de transição a busca por legitimidade
das ações do Estado através do engajamento da população.
A terceira estrutura de modelo de Estado de Bobbitt vem a ser o Estado
Territorial, modelo que mais se aproxima da configuração do sistema de Estados
154
O exercício das regras do Estado passou a ser cada vez mais questionado,
constituindo a hipótese e o desafio de Holsti para o próximo século: o papel da
cidadania e da nacionalidade em definir uma comunidade política e seu direito sobre
ela. Esse papel, de imediato, suscita questões como a legitimidade e autoridade da
sociedade em ser considerada um membro da ordem política. Concomitante a essa
evolução no processo de formação dos Estados, destaca-se a emergência dos teóricos
contratualistas, como bem destacados por Holsti, que trazem elementos como o
individualismo e a cidadania (através do Contrato Social firmado entre o indivíduo e o
Estado). Ainda assim, o cidadão não se torna protagonista nem sujeito, mas sim apenas
parte de uma estrutura hierarquizada – passivo e alheio às definições que tangem as
questões relacionadas aos ‘limites’. A concepção de cidadania, neste contexto de
156
(mais especificamente uma ‘cola’, conforme exposto por Holsti) entre o Estado e o
indivíduo, o meio o qual estes pesquisadores atribuem esse engajamento é através do
sentimento de nacionalismo pautado na cultura e nas tradições, que promovem a noção
de pertencimento.
Isto posto, Hobsbawm diferencia as ‘práticas antigas’ das ‘práticas inventadas’.
As ‘antigas’ seriam caracterizadas por medidas específicas e coercitivas, enquanto as
‘inventadas’ seriam mais gerais, vagas, atreladas a sentimentos (para garantir um maior
alcance). A criação de elementos como bandeiras, hinos, festas folclóricas e a tentativa
de uniformização da língua constituem iniciativas que proclamam uma identidade e uma
soberania, capazes de revelar o passado, pensamento e cultura de uma nação –
contribuindo para a explicitação das diferenças simbólicas e identitárias das sociedades,
contribuindo para o fortalecimento do projeto nacionalista e fortalecendo a lógica
binária do ‘eu’ e do ‘outro’.
6
Nesse contexto, Anderson faz uma crítica mais específica ao Marxismo.
161
artefato foi uma reação a forças históricas que, uma vez criadas, puderam ser
suplantadas em outros contextos e terrenos sociais. A definição de nação proposta pelo
autor seria, portanto, “uma comunidade política imaginada como inerentemente limitada
e soberana” (ANDERSON, 1989, p. 23, tradução nossa). A partir dessa definição,
Anderson explora todos os pontos mencionados (comunidade, imaginada, limitada e
soberana), a fim de entender o fenômeno.
Imaginada porque os membros desta nação, ainda que seja pequena, não
conheceram nem conhecem todos os seus compatriotas, mas tem uma noção de
comunhão e compartilham lembranças (fabricadas, falsas, criadas – ou seja, artificiais),
apesar da ausência de contato direto ou proximidade não só com os membros da
comunidade, mas também com a realidade; limitada porque possuem fronteiras que a
separa de outra nação; soberana porque o conceito nasceu em uma época de
substituição do sistema governamental monárquico para o Estado soberano, sendo o
princípio da soberania um sinônimo de garantia da liberdade buscada; por fim, se
imagina como comunidade porque independente das diferenças, a nação deve se
conceber com um companheirismo profundo, como uma fraternidade – que justificaria,
como bem destaca o autor, o fato de milhões de pessoas matarem e estarem dispostas a
morrer por imaginações tão limitadas.
Anderson aprofunda a origem dessa construção do nacionalismo através de uma
série de processos atrelados à cultura, ao patriotismo, ao imperialismo, à origem da
consciência nacional e à função da memória e do esquecimento. No que diz respeito à
origem da consciência nacional, sua instrumentalização deu-se através da comunicação,
e foi viabilizada através da criação de línguas comuns, atreladas aos processos de
desenvolvimento industrial e dos sistemas de produção em transformação. A condução
desse processo teve participação do Estado (como anteriormente mencionado por
Holsti) e das elites industriais que, juntamente à mídia, como bem destaca o autor,
conformaram as ‘línguas impressas’, que criaram a base da consciência nacional.
A natureza desse processo carrega consigo um caráter de projeto nacional, uma
vez que se dá através da ação de diversas camadas da sociedade, com um foco principal,
e constrói um dos principais pilares que atualmente conformam uma nação: a língua.
Uma vez padronizada e com uma amplitude angariada nos quatro cantos do território
nacional (sendo o próprio território outra etapa do projeto nacional, aceita como pilar da
nação através de mudanças e transformações na própria conformação do Estado), a
língua torna-se um meio comum para difusão de ideias, valores e compartilhamento de
162
4 CONSIDERAÇÕES FINAIS
7
Com o objetivo de atualizar o ‘estado da arte’ acerca das diferentes perspectivas no campo de estudos da
memória e do esquecimento na Antropologia, Ramos faz uso da obra de Paul Connerton (1989), que parte
da premissa de interpretar a memória como a vivência e o conhecimento do presente em relação ao
passado, sustentada através do tempo. Ao interpretar a memória como a arte de transmitir, Connerton
coloca que “a persistência de imagens e conhecimentos do passado, imprescindíveis para nosso
desenvolvimento social, são comunicados através de práticas mais ou menos ritualísticas, e incorporados
como hábitos em nossas ações cotidianas”.
163
REFERÊNCIAS
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TILLY, Charles. Coercion, Capital and European States, AD 990 – 1990. Cambridge
and Oxford: Basil Blackwell, 1990.
Abstract
This paper is concerned with one of the most topical issues in contemporary European integration
framework: how to enhance it in order to foster a greater economic growth? This article will
present a brief assessment of the current European integration model, evaluating its greatest
problems and the commonly suggested solutions to address them. As results, it was found that the
widely suggested policies, such as reduction in public expenditure linked with a pension reform,
and an increase in contributions from members are not enough to mitigate EU’s challenges. The
Digital Single Market, as a multifaceted policy, seems to be a third way to enhance the European
Integration process, making it more deliverable and appealing to the population.
Keywords: Digital single Market; European integration; economic growth.
Resumo
O presente artigo preocupa-se com um dos principais tópicos no quadro de integração europeu
contemporâneo: como melhorá-lo para fomentar um maior crescimento econômico? Esse
trabalho irá apresentar uma breve avaliação do atual modelo de integração europeu, analisando
seus maiores problemas e opções comumente sugeridas para solucioná-los. Como resultado,
concluiu-se que as políticas amplamente sugeridas, como a redução dos gastos públicos ligada à
reforma previdenciária e o aumento das contribuições dos membros não são suficientes para
mitigar os desafios da União Europeia. O Mercado Digital Único, como uma política
1
Graduando em Relações Internacionais pela Universidade de Brasília (UnB). E-mail: lucasbaggi@gmail.com
2
Graduanda em Relações Internacionais pela Universidade de Brasília (UnB). E-mail: saphiria.shimizu@gmail.com
167
multifacetada, parece ser uma terceira via para melhorar o processo de integração europeu,
tornando-o mais palpável e acessível à população.
Palavras-chave: Mercado Digital Único; integração europeia; crescimento econômico
1 INTRODUCTION
Nowadays, Europe is going through a fragile economic and political moment. Challenges
as the Greek financial crisis and Brexit make European Union rethink its policies. Knowing that
the implications of those challenges will certainly affect the European integration process, this
paper is concerned with one of the most relevant issues in contemporary European integration
framework: how to enhance it in order to foster a greater economic growth? The current scenario
makes clear that the answer to this question is not easy to find. In the face of such question, this
article will present a brief evaluation of the current European integration model, its greatest
problems and the commonly suggested solutions to address them.
This study was triggered by the observation that the widely suggested reforms to
overcome the European integration challenges, such as the reduction of public expenditures, or
the increase in contributions by other member-states, have not been enough to create a
sustainable economic stability. Hence, this analysis aims to present an alternative public policy as
a possible solution to mitigate those challenges, the digital single market (DSM).
This paper is divided in two major sections. The first one addresses a historical
perspective regarding the European Union integration process. It addresses the two most
suggested economic policies since the first financial crisis suffered by the EU former countries,
when they were to establish it in 1991 and 1992, during the Maastricht concertations. The
commonly suggested policies presented in this section are all contractionists, such as public
expenditure reduction, pension and labor taxes reform and increase in contributions from EU
members, since they are more divulged as being the most appropriate economic package to be
implemented to mitigate the European financial crisis. The second, in turn, attempts to show that
contractionist measures are not enough to promote a sustainable economic stability, since fiscal
matters are not everything and the public opinion matters. It addresses the DSM as a great
alternative for Europe to mitigate its crisis.
Supposedly, the DSM would boost European competitiveness and promote long-term
growth rates. As a multifaceted policy, it is supposed to help EU to address a wider range of
168
socioeconomic problems, including long-term issues such as problems related to (i) efficiency of
labor markets, (ii) improvement of welfare public policies, which have been hit by the debt
burden and long-term spending pressures, and (iii) demographics control. As a last brief
consideration regarding the DSM, perhaps the most important one, the section presents that the
DSM is expected to transform the European integration in a more deliverable and appeal process
to the population, making them understand the importance of regional integration in its most
everyday actions. If only contractionist are not enough, why and when those sort of policies
started to be suggested?
European integration formally began on April 18, 1951, as the European Coal and Steel
Community (ECSC) was created by the signature of the Treaty of Paris (EUR-LEX, 2010).
Composed by Luxembourg, West Germany, Belgium, France, Netherlands and Italy, the
Community’s main goal was to promote free circulation of coal, steel and also free access to
sources of production among its members. Its creation was motivated by the desire of
establishing peace right in the aftermath of the Second World War II. As the two raw materials
were at the basis of the French and German economies, the realizers of the ECSC believed that it
should abolish the possibility of another war and thus encourage further European integration
(EUR-LEX, 2010).
On March 25, 1957, another hallmark was promoted by the same six countries: the Treaty
of Rome. It aimed to promote a customs union in order to eradicate barriers to the movements of
goods and factors within its territories. In 1979, the participants of the Treaty of Rome alongside
with Denmark and Ireland took another step towards a deep integration. The establishment of the
European Monetary System (EMS) exchange rate mechanism, by which they started operating a
formal network of mutually pegged values, was an important act to attract more economies to the
integration framework. In the subsequent years, some considerable economies were incorporated
to it, such as Spain, Britain and Portugal.
In February 1992, in the middle of a financial crisis, the Maastricht Treaty was
closed with the provision of promoting a supranational structure. As an attempt to address the
economic problems originated in the lack of integration, the agreement provided that a single
European currency and a Central Bank would be established no later than January 1, 1999. By
169
1993, all 12 countries then part of the European Union ratified the Treaty. On January 1, 1999 (as
determined by the Maastricht Treaty), the Euro was introduced to the financial market as an
accounting currency, making the European integration framework reach the economic union
status, undoubtedly the most advanced stage of integration already seen. Since that time,
contractionist and cyclical fiscal policies, such as reductions in public expenditures and increase
in contributions, have been presented as solutions to political and economic challenges regarding
the European Union integration, mainly with respect to mitigation of fiscal imbalances. The
reason for this kind of policy have been widely suggested can be found in two major historical
facts: the crisis of the neoliberal creed and the Asian financial imbalances. Both economic
experiences encouraged the employment of economic cyclical measures, characterized by
contractionist policies and austerity. However, how effective have they been to mitigate the EU
fiscal problems and to enhance its integration framework?
Source: prepared by the authors with data retrieved from Eurostat (2016).
After Brexit, this growth will become even more hindered, since EU may lose part of its
commercial attractiveness and face uncertainties, driving investors away. Furthermore, UK was
the second largest net contributor to the EU’s budget (GLOBAL COUNSEL, 2015). Public
expenditure reduction, or alternatively, higher contributions from other European states would,
thus, become a mandatory action to avoid a generalized stagnation or recession.
Since the 2007-2008 financial crisis, public expenditure in the European Union increased
3,5%, reaching 49% of the GDP in 2013 (EUROPEAN COMMISSION, 2014a). In this period,
only 5 countries could stabilize their spending or managed public accounts to reduce it, namely,
Bulgaria, Lithuania, Hungary, Poland and Romania. It is estimated that, in order to restore its
economic growth, EU will need to reduce its public expenditure by 42% (DJANKOV, 2016).
Being a contractive fiscal policy, public expenditure reduction is expected to lead to a
faster economic growth by increasing private investment. Theory shows that, when there is a
spending reduction (or, alternatively, increase in taxes), real government deficit also diminishes.
The reduction in the government deficit is supposed to decrease the interest rate, leading to a
greater investment in the private sector, which, in turn, counterbalances the public sector public
deficit (BLANCHARD, 2011). Nevertheless, in the EU context, a weak policy coordination and
asymmetric intra-euro adjustment between member-states hamper its effective implementation.
Moreover, this coordination has been difficult since national policymakers have acted in order to
promote their own country’s interests, rather than presenting a collective thinking (DARVAS;
LEANDRO, 2015).
Although an increase in tax levels is also a component of a fiscal policy, Alesina, Silvia,
Perotti, and Schiantarelli (2002) argues that it has a less significant impact than a spending cut.
Additionally, these authors argue that in order to be effective, a contractive fiscal policy must be
linked with the labor market, since changes in the public wage bill and in government transfers
171
Although each member state is responsible for its own pension system, pension reform
has been present in the EU agenda since the 1990’s, mainly due to the increasing population over
64 years old and low birth rates. The changes go towards a better work-retirement balance and
the encouragement of a greater private savings. Therefore, in order to ease the pressure on the 15-
64 years old population group, there is an attempt to enhance the employability of older citizens,
as well as a limitation of early retirement and extension and increase of statutory pension ages
(EATOCK, 2015). In this sense, promoting an environment where labor supply is high (not only
for older workers but also for young persons) is a crucial measure to stimulate the economy,
especially after the late 2000s financial crisis. Hence, the next step is labor tax reduction, as
stated by Europe 2020 strategy: “[...] Member States should seek to shift the tax burden from
labor to energy and environmental taxes" (EUROPEAN COMMISSION, 2010, p. 26).
Where labor tax is high, employers are less willing to hire unskilled people, lowering
employment rates among this group. Additionally, consumption, property and environment taxes
are still low, which represents an obstacle for growth. In order to promote an environment with
high possibility of less experienced or low-skilled people be hired, European Commission
proposed a reduction in labor taxation across the EU states. Labor taxation comprises employer’s
and employee’s social security contributions and personal income tax (PIT) (EUROPEAN
COMMISSION, [s.d.]).
In general terms, it is possible to argue that the level of taxes and unemployment are
positively related. Thus, an increase in taxes leads to an increase in unemployment, since there
will be a reduction in job supply. Who bears the burden of labor taxes are mainly determined by
172
the elasticity of wages to taxes (EUROPEAN COMISSION, 2015). According to Melguizo and
Gonzáles-Páramo (2013), European countries presented a high wage to taxes elasticity (-0,70),
meaning that workers bear 70% of taxes. This elasticity is even higher in Nordic countries, where
wage variations can compensate almost entirely all tax changes.
Empirically, in order to achieve its objectives, European countries have implemented tax
reforms since 1997, when Spain was the first country to cut social security payroll taxes for those
workers affected by long-term unemployment. Soon after, France and Germany also adopted
social contribution reductions, which, in turn, were offset by an increase in value-added taxation
(VAT) (MELGUIZO; GONZÁLEZ-PÁRAMO, 2013). Hence, an employment stimulation is
expected to boost consumption, dynamizing European economy and raising income levels.
Nevertheless, when labor taxes reductions are compensated into an increase in VAT, there
may be some social impacts, since the tax applied has a regressive characteristic, still
representing a heavier burden on the poorest (unemployed or retirees) (EUROPEAN
COMISSION, 2014b). Additionally, an overall consumer goods price hike may be translated into
a short-term inflationary effect. The lack of conformity in the implementation of this policy
across the EU states also hinders its effectiveness. In fact, between 2000 and 2011 only three
countries, namely, Germany, Sweden and Estonia followed the recommendation of reducing
labor tax and, at the same time, increase consumption tax (EUGÉNE et al., 2013). Other
countries reduced both the taxes, or, on the contrary, increased their tax bases.
The effects from the global financial crisis have impacted Europe in two different periods.
From 2007 to 2008, the world witnessed the worsening of the European fiscal imbalances,
originated in 2001. From 2001 onwards, Portugal, Ireland, Greece and Spain, the so called
PIGS, have not been able to comply with the conditions required by the EU economic
convergence criterions, incurring in deficits, which contributed to the generation of a fiscal
crisis.
The Lehman Brothers’ bankruptcy, in September 2008, considerably intensified the fiscal
imbalances, promoting instability in the European banking sector. As the EU economic
reliability on the US financial system was a clear hallmark, the market implosion of short-term
credit securitized subprime mortgages caused a general collapse of the European financial
system (WOODRUFF, 2014 apud VIEIRA et al., 2016). Although the European Central Bank
(ECB) firstly made ample credit available, this sort of measure had insignificant effects in the
mitigation of the problem. The collapse of asset values, which were caused by the mortgage-
backed securities from the US and also by the effects of the property bubble in Ireland and Spain
(WOODRUFF, 2014 apud VIEIRA et al, 2016), continued to grow. In face of the impending
economic chaos, European governments reacted by bailing out their banking sectors, running
out an array of contractionist policies.
The second stage of the financial crisis started in 2009, when the size of the Greek
financial imbalance was made public. This fact is labelled as one of the major hallmarks of the
European financial crisis, since it disseminated an array of uncertainties regarding the
advantages of being integrated. The financial imbalances witnessed by fiscal authorities became
manifest when the attempts of refinancing sovereign debt on acceptable terms became difficult
or even impossible (WOODRUFF, 2014 apud VIEIRA et al, 2016). As a reaction, the ECB,
from 2010 onwards, has expanded bailout programs, intervening in sovereign debt markets in
order to hold down interest rates. That said, it is important to question: were the contractionist
measures and interventions enough to promote sustainable economic stability on PIGS until
today?
Although public expenditure reduction, with a pension reform, and increase in taxes may
work as economic policies to recover an economy, data shows that only contractionist measures
174
were not enough to promote a sustainable economic stability, but only to mitigate the effects
from the European fiscal imbalances. The reason is that is extremely difficult to maintain
contractionist policies in the long run, because there is a significant pressure on public
expenditure.
Taking again the PIGS example, there is the Portuguese recovery, which does not seem to
be permanent due to an array of reasons (LYNN, 2015). Beyond the currently political
instability, caused by ideological conflicts between the center-right government and leftist
opposition, it is possible to see negative foreign trade indicators and the rising of unemployment.
In addition to that, it can be noted that Portugal’s greatest problem is still the government debt-
to-GDP ratio, which has greatly increased from 2012 onwards (OECD, 2016).
Greece, in turn, presents an even worst situation. Although it has received billions in
bailout programs, the crisis scenario persists until today. Greece received two bailout packages
in conjunction with the requirement of an array of austerity policies. However, it quickly
became clear that packages and its required policies would not be enough, on the contrary, the
required austerity, according to Krugman and Stiglitz (BBC, 2015), only aggravated the Greek
situation, promoting a tax increase that, until today, had no significant effect to mitigate the
Greek crisis.
Although the situation in Spain and Ireland is turning better, there is no reason to affirm
that they, promoting only contractionist policies, have reached a sustainable economic stability,
since it has been very difficult to implement this kind of policy. As Greece, these countries are
passing through a transition period, facing population protests regarding those measures and
their effects. What is important to point out is that those populations, from Portugal, Ireland,
Greece and Spain, protest without having clearly defined the advantages of being integrated into
the European Union, promoting a gradual weakening of the integrationist ideal.
The greatest benefits from the EU integration framework, beyond the advantages from the
Schengen area, do not seem to be appealing to most part of EU population. The challenges and
difficulties of integration, on the contrary, appear to be dormant to them, raising the possibility of
another “exit” from the economic union, as it happened to Britain.
According to numerous international medias, Brexit was influenced by a widespread
political ignorance. As stated by the Washington Post journal (2016), in the immediate aftermath
of the vote, Britain presented a massive spike in internet searches asking questions regarding the
175
EU and its benefits, such as “Why should we leave the EU”. The petition on the British
Parliament website calling for a revote has shown a “Regrexit” movement from a great part of
British’ population, since it collected over 3.4 million signatures (FUNG, 2016). This number is
considerable because, although the Parliament does not have to grant it, it is required to consider
any petition that gets over 100,000 signatures. Once again, the advantages of being integrated
into the European Union do not seem to be clear, appeal and deliverable to the public opinion,
fact that, in Britain, promoted the exit, a considerable blow to the EU ideal of an even closer
integration.
Hence, it becomes clear that the EU needs to promote changes on its integration model to
foster a deeper integration, consequently acquiring a greater economic growth. To mitigate
economic challenges related to integration difficulties, those changes should be delineated
beyond the increase in taxes or the implementation of contractionist measures, such as the
reduction of budgets and a pension reform, or since these sort of policies, as presented above, had
only short term effects and, sometimes, negative outcomes. As shown, only the aforementioned
two types of policies are not enough to foster economic growth, being necessary a third way.
Therefore, the EU should promote supranational public policies, changing its integration
framework always bearing in mind the importance of a well-informed public opinion, mainly
about the advantages of being integrated. However, what would be the best way to do so? The
digital single market seems to be a possible solution.
better products and feed the established cycling, contributing even more to the lowering of prices.
Further, this innovation would promote scaling and increase their global competitiveness, leading
European Union to a sustainable increase in growth and jobs. This cycling would feedback by the
good externalities perceived by the population, government and market, since companies in all
sectors, after watching their growth, would be incentivized to invest and exploit the potential of
information and communication technologies, gradually enhancing the DSM`s cycle, as shown
below:
Source: authors
4.1 How to make it feasible and appeal to the population in the short run?
the European Union more challenges to be mitigated. Therefore, transparency should be the most
important policy to be fostered. It is paramount to make the DSM goal widely visibly in order to
achieve companies and citizens’ engagement. To do so, public hearings, educational initiatives
and inclusion programs to the enhancement of e-skills would be the right ways to make the
establish the DSM, a solution constructed by mutual participation of civil society and
government.
Relating the confidence of businesses and citizens to use the platform, European
authorities must create a legal framework to prevent cyber-criminal activities, which would
enforce citizens’ power to require investigations regarding any EU consumer rights’ violations;
establish a set of harmonized consumer rights which would be applicable throughout the EU;
make mandatory for companies and consumers to be transparent online and electronically
contactable, with profiles and respective evaluations about security, quality, payments and other
topics; promote the business environment through tax incentives to the acquisition of ICT
equipment and to the establishment of public-private partnerships between companies and
government, promoting innovation; simplify the tax burden and the payment system for e-
commerce; and, lastly, but not least, establish a single standard for all activities required to
perform e-commerce, such as electronic payments, signatures and contracts (EUROPEAN
POLICY CENTRE, 2016).
All the previous information presented, it is possible to conclude that, with the DSM, the
benefits from the EU integration would be appeal to the population, strengthening the sense of
togetherness in everyday actions, for instance, through a mobile payment. The EU regulation
would be change to a pro-business regulation, transforming states into facilitators of innovation,
growth, and coordination among EU members, reducing the costs to cooperate in order to
promote supranational public policies.
5 FINAL CONSIDERATIONS
In order to restore economic growth, several cyclical policies have been implemented.
The attempt to reduce public spending by creating a link with the labor market did not prove to
be as effective as expected, due to two main reasons that can be applied to all the aforementioned
policies: the weak coordination between member states in implementing the measures, in part
explained by the particularities of each country; the lack of political will in adopting the
178
European Commission’s recommendations, in which the policy makers clearly favors their own
national interests; and the public opinion against the adoption of those policies. The same
ineffectiveness can be noticed to the increase in contributions from the EU members. Therefore,
as presented, cyclical policies are necessary, but are not everything, since the public opinion
matters for the integration stability. The Digital Single Market, as a multifaceted policy, seems to
be a third way to enhance the European Integration process. Bearing in mind all the
aforementioned aspects, if implemented along with the commonly suggested contractionist
policies, the DSM has great potential to promote a sustainable growth to Europe from 2020
onwards or even before. The reason is simple, it sensitizes public opinion, promotes innovation,
sustainable growth, new competitiveness advantages and jobs, making European integration more
deliverable and appealing to the population in its most everyday actions.
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Emily Garcia1
Bruno Ferreira de Souza2
Data de submissão: 04/10/2016
Data de aceite: 21/11/2016
Resumo
Abstract
Public order, understood as the normal legal context, is analyzed in this article, in
relation to their dialogues with national law and human rights. Aiming to demonstrate
the impossibility of an international public order, because of cultural differences.
Keywords: Public Order; Federal Constitution; Human rights.
1 INTRODUÇÃO
1
Aluna do Curso de Especialização em Filosofia Política e Jurídica pela Universidade Estadual de
Londrina (UEL). Graduada em Direito pela PUC-PR. E-mail: emily.eg@hotmail.com
2
Especialista em Direito Constitucional Contemporâneo pela UENP. Graduado em Direito pela
Universidade Estadual de Maringá. Advogado.
181
senão mais, modernos quanto nossos pais e avós’’ (FOLHA DE SÃO PAULO, 2007).
Baumann acrescenta ainda a seguinte observação:
Em vista disso, a ordem pública tem seu conteúdo alterado, pois independente da
discussão sobre a existência ou inexistência da denominada pós-modernidade uma
constatação é unânime: a sociedade passa por mudanças. Dessa forma, as relações
estabelecidas dentro dessa sociedade são diferentes, mais velozes e clamam por um
novo tratamento jurídico para eventuais conflitos. A postura do Estado, com o aumento
das relações internacionais e uso de formas alternativas de solução de litígios, tende a
alterar e o próprio conceito de ordem pública é mitigado, principalmente pelos direitos
humanos. Nesse sentido, alguns autores defendem que a soberania estatal seria mitigada
pelo processo de internacionalização dos direitos humanos (PIOVESAN, 2013, p.191).
A compreensão do contexto atual e suas complexidades são relevantes para
entender a nova dinâmica na qual se insere o direito internacional privado e a
compressão de sua intersecção com o direito interno e os direitos humanos, ambos
tendo como núcleo o respeito à dignidade da pessoa humana.
Durante muito tempo, os Estados, traumatizados com o período de guerras,
buscaram proteger a sua soberania. Nesse panorama, a solução encontrada pelas
sociedades do segundo pós-guerra para superar o positivismo legitimador dos regimes
totalitários, foi o resgate de valores, e o instrumento utilizado foram às constituições
contemporâneas, caracterizadas pelo alto grau axiológico, num fenômeno conhecido
como pós-positivismo (neoconstitucionalismo), caracterizado pela institucionalização
da moral ou moral constitucionalizada.
No direito constitucional contemporâneo discute-se a existência de dois
processos. Um deles é o processo de internacionalidade da Constituição, fenômeno que
decorre da internacionalização das relações jurídicas e sociais compartilhando a ideia de
Constituição para além das fronteiras nacionais. Nesse contexto, enquadram-se temas
como o direito comunitário da União Europeia, direitos internacionais dos direitos
humanos e lex mercatória.
A lex mercatória possui grande relevância para a compreensão da alteração da
sistemática do direito internacional privado, pois se trata de uma lei do comércio
internacional que, em muitos casos, limita a liberdade estatal, tendo em vista que em um
cenário de globalização, os Estados nacionais ao correrem o risco de serem
abandonados por investidores e empresas são muitas vezes forçados a adaptar o seu
183
Art. 17. As leis, atos e sentenças de outro país, bem como quaisquer
declarações de vontade, não terão eficácia no Brasil, quando ofenderem a
soberania nacional, a ordem pública e os bons costumes.
exclusivamente o direito suíço como o direito aplicável ao processo sub judice que corre
no Brasil. Feitas tais considerações, pode-se dar o passo adiante quanto à aplicação do
direito estrangeiro, que pode ocorrer de forma direta ou indireta.
Nos casos em que o elemento de conexão remeter ao direito estrangeiro, as
norma estrangeiras são aplicadas diretamente pelo magistrado brasileiro. A aplicação
indireta diz respeito às homologações realizadas em sentenças estrangeiras. Gustavo
Ferraz afirma o seguinte:
Não há como versar sobre o aludido princípio sem expor a doutrina de Jacob
Dolinger, que afirma ter a ordem pública tríplice nivelação no ordenamento
(DOLINGER, 2005).
O primeiro nível ocorre, pela ordem pública, o impedimento da vontade
individual prevalecente sobre os interesses da maioria. Percebe-se que se trata de um
caráter eminentemente interno.
No segundo nível, tem por fim afastar a expectativa de ter a pretensão julgada no
Brasil de acordo com lei estrangeira. A aplicabilidade diz respeito à análise de que a lei
estrangeira apta a ser aplicada exala valores diversos da sociedade nacional, o que
causaria um choque cultural, ofendendo bons costumes e a soberania.
Para Dolinger, “a lei que choca, que é incompatível, que escandaliza, esta lei é
distante, foge completamente da ideia básica de proximidade, e por isto, não pode ser
aplicada” (DOLINGER, 2005).
Já no terceiro nível, Dolinger afirma que “em grau de natureza gravíssima, a
ordem pública irá ao ponto de impedir a aceitação no foro de situações já consumadas e
consagradas no exterior” (DOLINGER, 2005).
Nesse último nível, chega a se negar até mesmo o direito adquirido, pois há uma
afronta incomensurável ao sistema político-jurídico do Estado, e que, portanto, rejeita o
reconhecimento do direito.
São os casos, por exemplo, como a da já citada cultura muçulmana, que permite
vários casamentos. Outro exemplo ocorria até 1977, em que não se aceitava a
homologação de sentenças estrangeiras que concediam o divórcio, pois, à época,
afrontava a ordem pública em seu terceiro nível.
Recentemente, um novo exemplo a ser dado é a virada jurisprudencial no
referente à cobrança de dívida de jogo de azar contraída no exterior em local em que se
trata de atividade lícita. Com a edição da Emenda Constitucional 45, de 2004, conhecida
como Reforma do Judiciário, a competência do Supremo Tribunal Federal (STF) de
julgar os casos de homologação de sentenças estrangeiras ou de cartas rogatórias passou
para o Superior Tribunal de Justiça (STJ). Havia entendimento consolidado no STF,
encabeçado pelo ministro Sepúlveda Pertence na Carta Rogatória 7.426, relatada em
1996, de que não era possível a cobrança de dívida de jogo contraída no exterior por
ferir a ordem pública, sendo excepcionado por um voto histórico do Ministro Celso de
Mello (exposto mais abaixo). Essa questão se alterou a partir de 2005, com a passagem
de competência para o STJ.
188
Erik Jayme ao ser questionado sobre qual seria a herança do direito privado para
o século XXI respondeu sobre a ‘’necessidade de preservação da autonomia e da
liberdade das pessoas garantindo transparência e informação, as quais considera a chave
da autodeterminação daquele que é sujeito de direito’’ (SCHAEDLER, p.54).
Nesse aspecto, em que o direito é percebido como parte da cultura dos povos,
Flávio Tartuce citando Claudia Lima Marques, ao tratar da teoria do dialogo das fontes
190
O já citado Jacob Dolinger prega a ideia de que a ordem pública caminha para
uma universalidade. Assim, para ele, num futuro próximo, haverá uma ordem pública
internacional. Sua teoria é contestada pela doutrina relativista.
O universalismo impõe certa singularidade na sociedade global, estabelecendo
determinados imperativos para todas as organizações existentes, nacionais ou
internacionais. O relativismo é uma tese filosófica, portanto, que se contrapõe ao
universalismo, pois defende que os sistemas morais não têm validade absoluta, já que
são variáveis de cultura para cultura.
192
De fato não é simples conciliar, mesmo que seja num mínimo ético, várias
culturas. No entanto, o que se busca está nas brilhantes palavras de Boaventura de
193
Sousa Santos, que defende uma concepção multicultural dos direitos humanos inspirada
no diálogo entre culturas a compor um multiculturalismo emancipatório.
O multiculturalismo emancipatório é posterior ao multiculturalismo pós-
colonial. Fundamenta-se, desse modo, em uma relação entre a política da igualdade e a
política da diferença. Essa é a característica que diferencia esse novo multiculturalismo
proposto por Boaventura, em relação às lutas da modernidade ocidental do século XX,
as quais se assentam na busca pela igualdade.
Boaventura explica que há a ideia de que sendo todos igual é fundamental que se
dê uma redistribuição social, sendo através da redistribuição que se alcança a igualdade.
Essa política da igualdade centrada na diferenciação de classe ignorou outras formas de
desigualdade, como as étnicas, de orientação sexual entre outras.
Dessa forma, a emergência, atualmente, está entre essas novas lutas que trazem à
tona a política da diferença, a qual, afirma Boaventura, não se resolve pela
redistribuição, como ocorre com a política da igualdade, mas pelo reconhecimento.
Nesse sentido, conclui Boaventura de que é fundamental que o multiculturalismo
emancipatório tenha por pressuposto o fato de que todas as culturas são diferentes
internamente, permitindo assim que dentro de cada cultura haja resistência e diferença
(GANDIN, p. 12).
Boaventura, em publicação atual, escreve que as teologias possuem importância
na recuperação da humanidade tendo em vista que a memória de Deus faz parte da
história dos povos oprimidos e de suas lutas de libertação (BOAVENTURA, 2013, p.
105-106).
A diferença também faz parte da sociedade, dessa maneira o respeito a cada
cultura é a nova luta no pós-moderno, dentro daquilo que Boaventura denomina por
política da diferença.
Dessa forma, no novo Direito Internacional Privado pós-moderno o
multiculturalismo e o universalismo são valores fundamentais para a pessoa humana,
tendo em vista o respeito a diversidade a todos os tipos de cultura e a aceitação do novo,
preservando como parâmetro a dignidade da pessoa humana como núcleo do sistema
(SCHAEDLER, 2012, p. 43).
O conteúdo da ordem pública, portanto, é construído dentro da sociedade com
todas suas peculiaridades (igualdade e política da igualdade e diferença e política da
diferença). No entanto, corre-se o risco daquilo que hoje é conhecido como
194
Judicialização das demandas, ou ativismo judicial, no qual grandes anseios sociais são
levados ao judiciário para alteração de estado de coisas que caberia a outros poderes.
Nesse âmbito, torna-se importante o estabelecimento de limites para a atuação
do Judiciário tendo em vista que as relações sociais, internas e internacional, permeadas
pela cultura são as definidoras reais do que seja ordem pública, não o judiciário.
7 CONCLUSÃO
uma ordem pública comum e internacional. Tal proposta depende de uma composição
entre as sociedades, pois haveria conflitos criados pelas diferentes visões de mundo, e,
nessa discussão, digladiam-se universalistas e relativistas, aqueles no prélio por uma
ordem global única, e estes na defesa por autodeterminação das soberanias.
REFERÊNCIAS
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Filosofia Política 15, 2/2009.
TARTUCE, Flávio. Manual de direito civil: volume único. 2. Ed. Rio de Janeiro:
Forense; São Paulo: Método, 2012.
Resumo
Considerando o aumento dos fluxos migratórios internacionais com direção ao Brasil a partir
do ano de 2010, bem como a necessidade da atuação estatal em relação a tais fluxos, suas
demandas e problemáticas, o presente artigo abordará sucintamente a agência do Estado
brasileiro em relação às migrações, tendo como base a sua fundamentação teórica (do Estado
em si) e hipóteses sobre o seu papel de agente/agência no fenômeno imigratório
contemporâneo. Este artigo-ensaio é resultado inicial de pesquisa de doutoramento em
Estudos Estratégicos Internacionais, que busca igualmente trazer a discussão da problemática
imigratória na formulação, discussão e ampliação da política externa brasileira nos governos
democráticos de Lula da Silva e Dilma Rousseff, isto é, entre os anos de 2003 e 2015.
Palavras-chave: Estado; Agência; Migrações Internacionais; Brasil.
Abstract
Considering the increase in international migration flows towards Brazil from 2010 and the
necessity of state action in relation to these flows, their demands and issues, this article
summarizes the Brazilian state agency in relation to migrations, based on its theoretical
background (of the state itself) and the hypotheses about its role of agent/agency in the
contemporary immigration phenomenon. This article-essay is an early result of doctoral
research in International Strategic Studies, which seeks also to bring the discussion of the
issue of immigration in the formulation, discussion and enlargement of Brazilian foreign
policy, in the democratic governments of Lula da Silva and Dilma Rousseff, namely between
the years of 2003 and 2015.
Keywords: State; Agency; International Migrations; Brazil.
1 INTRODUÇÃO
1
Mestre em Geografia (UFRGS), Especialista em Gestão Pública (UFSM), Doutorando do Programa de Pós-
Graduação em Estudos Estratégicos Internacionais da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).
Graduado em Economia pela Universidade Federal de Santa Maria (UFSM). Pesquisador do Laboratório de
Estudos Internacionais (LEIn/UFSM) e do Laboratório Estado e Território (LABETER/UFRGS). E-mail:
roberto.uebel@ufrgs.br
199
Internacional. O filósofo e cientista social alemão Friedrich Engels talvez foi o teórico que
melhor compreendeu o papel das migrações na formação das famílias e do próprio Estado na
sua obra principal “A origem da família, da propriedade privada e do Estado” (2009).2
Tendo em atenção a importância das migrações internacionais – sem distingui-las
num primeiro momento entre imigrações, emigrações, refúgios e asilos – a pesquisa intitulada
“A inserção estratégica do Brasil na América Latina como fator de atração dos fluxos
imigratórios em massa durante os governos Lula da Silva e Dilma Rousseff (2003-2015)” e
em fase de qualificação no Programa de Pós-Graduação em Estudos Estratégicos
Internacionais da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, utilizar-se-á dos fundamentos
teóricos do Estado para a compreensão das atuações de dois governos recentes no Brasil, a
saber, de Luiz Inácio Lula da Silva e de Dilma Rousseff.
Esta pesquisa tem como tema principal a inserção estratégica do Brasil na América
Latina e atração dos fluxos imigratórios durante os governos Lula da Silva e Dilma Rousseff,
no período compreendido entre os anos de 2003 e 2015, coincidente com o aumento das
migrações internacionais em direção ao país e com o momento onde se verificou uma nova
demanda e atuação do Estado brasileiro em relação aos imigrantes e à própria política
migratória brasileira – a última vez fora entre o final do século XIX e início do século XX em
relação aos imigrantes europeus e japoneses.
Dentre a problemática que se apresenta nesta pesquisa é o papel do Brasil como
Estado atraente dos fluxos imigratórios de latino-americanos vis-à-vis sua inserção
estratégica, se observada sua política externa integracionista no continente ou por causa dos
questionamentos apresentados no parágrafo anterior.
Problematizar e vislumbrar a questão imigratória neste período específico de 2003 a
2015, então, serve como aporte para a interpretação da integração regional de Estados
estratégicos da América Latina, bem como para a inserção da política externa desses países,
no caso desta pesquisa o Brasil, na grande agenda internacional de migrações e integração, já
que não consegue-se encontrar outra explicação e hipóteses para este fenômeno do boom
imigratório de latino-americanos para o Brasil nas últimas duas décadas.3
2
Cita-se Engels como uma referência a este estudo introdutório, dadas as suas contribuições ao entendimento
sobre o papel das famílias na formação do Estado, seja na sua concepção à época ou nos dias de hoje. Quando se
infere que as migrações familiares compreendem o ínterim dos fluxos migratórios contemporâneos – agora com
outras roupagens, como por exemplo, a liderança das mulheres no núcleo familiar no que se refere à
sustentabilidade econômica doméstica – é essencial o debate trazido pelo filósofo alemão. Se os Estados na
contemporaneidade pensam e buscam a otimização da gestão migratória, como no caso clássico do Canadá e,
mais recentemente do Brasil, com base nos núcleos familiares, a leitura de Engels se faz necessária.
3
A hipótese do boom imigratório foi levantada pela primeira vez pelo brasilianista e pesquisador da
Universidade de Stanford, professor Herbert S. Klein, que em 2013, durante relato concedido ao autor deste
200
artigo para a sua dissertação de mestrado, elencou os indícios que caracterizariam este fenômeno em curso no
Brasil: a diminuição das emigrações de brasileiros, o aumento das migrações de retorno, o aumento acima da
linha de tendência das imigrações, a ocorrência de novos fluxos (principalmente de haitianos e de imigrantes da
costa oeste africana) e variáveis intervenientes internas, como o cenário econômico e laboral favorável do Brasil,
a inserção estratégica do país justamente nestes países emissores de imigrantes e a retomada da discussão da
nova Lei de Migrações. Posteriormente, autores como Rosana Baeninger e Helion Póvoa Neto, autoridades nos
estudos migratórios no Brasil, passaram a discutir este boom em suas pesquisas e obras, além de se tornar termo
corriqueiro na literatura acadêmica, em dissertações e teses defendidas a partir de 2014, como os casos de Uebel
(2015) e Faria (2015) e as obras referenciais de Souza (2015) e Redin e Minchola (2015).
4
As estatísticas tabuladas pelo autor que embasam este aumento dos fluxos imigratórios podem ser conferidas e
baixadas de forma gratuita nesta página: https://www.dropbox.com/sh/fg7dq7xq6gj2049/AAC0bhS-
eurv0vpTHSeBfjIta?dl=0. Os dados foram obtidos junto à Polícia Federal, Ministério da Justiça e Instituto
Brasileiro de Geografia e Estatística por meio da Lei de Acesso à Informação.
201
5
Dentre os autores que sustentam estas mudanças na política externa migratória do Brasil, cita-se Moreira
(2015), Siciliano (2013) e Ventura (2014), esta última uma das principais referências nos estudos de política
imigratória no Brasil voltada às Relações Internacionais.
202
Nesse sentido, nas seções a seguir se fará uma breve discussão sobre a
fundamentação teórica do Estado em si e o papel desempenhando pelo Estado brasileiro em
relação às migrações internacionais na contemporaneidade, por fim, trazendo o debate que se
espera aprofundar nos governos de Lula da Silva e Dilma Rouseff, e sua política externa de
cunho migratório, já que não há no Brasil uma delimitada política (i)migratória
nacional/Estatal.6
2 O ESTADO: CONCEPÇÕES E AS MIGRAÇÕES INTERNACIONAIS
A concepção de Estado tem passado por muitas transformações desde que este
fenômeno político nasceu na pré-modernidade. Para traçar esta linha de transformação é
necessário fazer uma breve digressão desde os seus primórdios para que se possa
compreender o tipo de construção que se possui hoje. O conceito de Estado aparece pela
primeira vez nas obras de Maquiavel7 “O Príncipe” (1513) e “Discursos sobre a primeira
década de Tito Lívio” (1531), sob o termo de stato (status) que falava de um poder central
para a modernidade. Posteriormente, Bodin, no livro “Os Seis Livros da República” de 1576
(BODIN, 1961), acrescenta a este conceito emergente a teoria da Soberania, como sendo “o
Estado-que-legisla”.
O Estado Absolutista, por sua vez, surge nos séculos XVI e XVII, em países como a
França, Espanha, Reino Unido e Áustria. Porém, esta forma de Estado foi sendo desgastada e
transformada por processos políticos de extrema importância histórica como a Revolução
Inglesa (1642-1651), a Revolução Americana (1776) e Francesa (1789), assim como através
da contribuição de diversos pensamentos teóricos desenvolvidos durante o Iluminismo por
Hobbes, Locke, Spinoza, Montesquieu e Rousseau, dentre outros (VALENCIA; 2003).
O Estado moderno, como Estado-Nação, foi surgir apenas no século XVIII,
desenvolvendo-se durante todo o século XIX e na primeira metade do século XX, chegando a
seu apogeu nas décadas de 50, 60 e 70, como Estado de bem-estar social (MARAVALL,
6
De importante relevância aos estudos transnacionais, como se propõe este trabalho, é importante frisar que
vigora no Brasil desde 1980 o Estatuto do Estrangeiro, a legislação oficinal que trata da temática migratória,
construída, portanto, ainda sob o pensamento de securitização nacional vigente à época da Ditadura Militar. Em
relação ao refúgio, a legislação remonta ao ano de 1997, sendo uma das mais modernas do mundo, conforme o
Alto Comissário das Nações Unidas para os Refugiados, contrastando assim a forma como o Estado brasileiro
age em relação a estes dois temas migratórios. Em 2014 tentou-se formular uma “Estratégia Nacional de
Migração” por meio da realização da 1ª Conferência Nacional sobre Migrações e Refúgio, que não logrou
avanço em virtude da instabilidade política que se instalou no Governo Federal e suas instituições a partir do
final de 2014 e a mudança de governo em 2016. Nesse sentido, não se pode falar que há uma “política
(i)migratória nacional” unificada e estabelecida, mas sim ações pontuais por parte do Comitê Nacional para os
Refugiados, Conselho Nacional de Imigração e outros órgãos estatais, como o próprio Itamaraty.
7
Se utiliza como referência para este estudo as edições de “O Príncipe” de 2010 (MACHIAVELLI, 2010) e
“Discursos sobre a primeira década de Tito Lívio” de 2007 (MACHIAVELLI, 2007).
203
1972; FOSSAERT, 1996). Esta forma de Estado, por sua vez, foi construída com base na
formação de uma sociedade nacional, organizada em várias instâncias por um poder político
central e hegemônico. A unidade nacional era mantida através do exercício do poder Estatal
sobre as relações econômicas, sociais e culturais que dela faziam parte, muitas vezes de forma
impositiva e violenta, procurando manter a coesão e a ordem dentro do seu território e a
integração de sua população.
Porém, após séculos de transformações, que o acompanharam concomitantes à
realidade de sua época, o Estado apresenta hoje uma face diferente, por assumir características
que não mais coincidem com as que o definiam, como, por exemplo, a identificação com a
célula da Nação e a busca da satisfação das políticas keynesianas do bem-estar social. Hoje, o
Estado tenta adaptar-se às necessidades de uma realidade política e econômica diferente,
construída principalmente pelas transformações do mercado internacional.
Desde a época em que Hobbes (2003) elaborou a clássica definição de Estado, este
tem passado por uma série de mudanças na sua estrutura social e política. A imigração, pode
ser compreendida como um dos agentes que possibilitou esta transformação, na medida em
que agrega elementos importantes à construção do Estado-nação, elementos estes, contidos na
presença de uma população estrangeira em solo nacional e todas as implicações culturais,
políticas, jurídicas, econômicas e sociais que ela é capaz de suscitar. Portanto, levando em
consideração estas múltiplas dimensões, sobre as quais o fluxo migratório estende seus
efeitos, analisa-se cada um destes elementos à luz do impacto que eles exercem sobre o
Estado Nacional.
A grande mobilidade dos fluxos migratórios internacionais ocasiona a
desterritorialização8 da população que compõe o Estado-Nação, um componente fundamental
para a compreensão do Estado trazido pela Geopolítica e pela Geografia Política. A população
migrante, em seu deslocamento, carrega consigo a bagagem cultural, étnica e religiosa, que
lhe desenha a própria identidade, como também, as heranças sociais e econômicas da terra
natal (possivelmente as causas que impulsionaram a emigração).
Todas estas características, emprestadas do país de origem, o imigrante leva consigo
para a realidade que lhe espera no país de recebimento. Segundo Abdelmalek Sayad (1988), a
imigração pode ser considerada como a presença no seio da ordem nacional de indivíduos
8
Conceito trazido da Geografia que aborda, de forma sintetizada, como uma quebra de vínculos, uma perda de
território, um afastamento dos territórios, havendo assim, uma perda de controle das territorialidades pessoais ou
coletivas, uma perda de acesso a territórios econômicos, simbólicos, espaciais. Este conceito está fortemente
ligado à ideia de transnacionalismo; posto isto, levando-nos inclusive à indagação do uso do termo “migrações
transnacionais” ao invés de “migrações internacionais”. (HAESBAERT, 2003).
204
não-nacionais (i. e., de estrangeiros ou de nacionais de outra nação, de outra ordem nacional)
e a emigração, simetricamente, seria a ausência da ordem nacional, de nacionais pertencentes
a essa ordem, ou seja, o imigrante é aquele que representaria a presença estrangeira no país de
recebimento e o emigrante, por sua vez, é aquele ausente que se encontra no país estrangeiro.
De maneira especialmente complexa, ressalta-se a situação da população estrangeira
irregular, que por sua condição, encontra-se à margem de qualquer cidadania, perfazendo
estatísticas incertas. Esse grupo de indivíduos encontra-se alheio à terra natal e, virtualmente,
deslocados no país de acolhimento, vivendo nele sem, porém, fazer parte dele. Isso não
implica, todavia, que tanto o Estado receptor quanto o de origem não tenha responsabilidades
sobre esta população e não lhe deva a prerrogativa de certos direitos e garantias.
Em contrapartida, a desterritorialização deste grupo de indivíduos, não é motivo para
que estes se furtem de cumprir com determinados deveres e nem evita que o Estado possa
exercer sobre eles seu poder executivo. A duplicidade destas afirmações marca, sem dúvida, a
complexidade decorrente da tentativa do Estado em administrar a situação destes indivíduos e
determinar qual a extensão de sua responsabilidade sobre eles, mesmo sobre aqueles que se
encontram clandestinamente estabelecidos em seu país.
Em relação ao o território, enquanto elemento formador do Estado pode-se
compreendê-lo, de forma simplificada, como o espaço onde o Estado exercita sua jurisdição e
ainda, onde se estabelece a soberania de um país. Isso significa, que pela análise política deste
elemento, conclui-se que sua definição transcende as características da dimensão e limites
físicos geográficos.
Porém, atualmente, as fronteiras mundiais são muito mais difusas e permeadas por
diversos elementos transnacionais diferentes, como as empresas multinacionais, transferências
de bens e valores, deslocamento de seres humanos, etc. A crise atual do conceito de território
deve-se, principalmente, à transnacionalidade característica dos elementos da globalização.
A territorialidade estatal vive um tempo de instabilidade, pois o Estado, apesar das
alterações sofridas pelo sistema internacional, continua em sua posição clássica (centrada no
território), manifestando em razão disto, uma inconformidade com as necessidades imposta
pelo mundo globalizado. Porém, apesar do Estado-Nação estar atravessando um momento
crítico, de questionamento de sua estrutura, pode-se dizer que não é uma situação absoluta. O
Estado ainda é a célula fundamental para assegurar o estabelecimento da ordem jurídica e
social das migrações internacionais.
Talvez o Estado esteja tentando proteger sua capacidade de se autodeterminar e de
manter a independência política (capacidade de tomar as próprias decisões). A estratégia do
205
Antes de tudo, é importante não apenas para esta pesquisa, mas também para a
compreensão do papel e do funcionamento do Estado9, a distinção entre “agência” e
“gerência” estatal no trato das migrações internacionais. Por agência estatal, infere-se um
Estado que atua e possui um papel ativo nas questões migratórias, deste o controle fronteiriço,
concessão de vistos e nacionalidades, até questões mais subjetivas, como a atração do país por
mecanismos convencionais ou não-convencionais, tais como missões humanitárias,
programas de intercâmbio e recrutamento de profissionais, etc. A agência do Estado invoca
uma participação ativa, constante, delineadora e catalizadora das questões e problemáticas que
envolvem as migrações.
Já a gerência do Estado aponta uma atuação muito mais limitada e passiva, que seria
aquela advogada pelos idealizadores do Estado mínimo, tendo este apenas o papel de
controlar os fluxos migratórios e nada mais além disto. É interessante notar que na
contemporaneidade, se analisados os dados trazidos por Arcarazo e Wiesbrock (2015), há
uma clara percepção de Estados que são ora mais agentes, ora mais gerentes das migrações
internacionais.
Um exemplo de Estado agente é o Canadá, que possui uma histórica política
imigratória voltada ao recrutamento de imigrantes e que atua em todas as searas e
circunstâncias desde a seleção do imigrante até a sua total inserção na província acolhedora e
na empresa que trabalhará. Neste diapasão, Hawkins (1998) tornou-se uma importante
referência teórica nas discussões do Estado como um agente das migrações internacionais,
trazendo o modelo canadense como um exemplo que posteriormente foi seguido por outros
países, tais como Austrália e Nova Zelândia e, de certa forma, adotado em partes pelo próprio
Brasil.
De outro lado, quando pensado um Estado gerente das migrações internacionais, os
exemplos são variados e distintos de acordo com a intensidade, finalidade e frequência desta
gerência. Por exemplo, Rocha-Trindade (1995), uma das principais autoras sobre a Sociologia
das Migrações, que também poderia ser categorizada como Ciência Política das Migrações,
coloca que Estados Unidos, Alemanha, França e Reino Unido são Estados gerentes das
migrações, mas com personalidades únicas nas gestões e políticas imigratórias.
O Estado brasileiro estaria, segundo a hipótese da pesquisa, em um meio-termo entre
um Estado agente e gerente, já que apresenta fortes elementos das duas formas, ora
potencializados em determinados casos, como nas migrações de refugiados sírios e de
9
Sobre estes conceitos e suas aplicações em políticas públicas, além de suas personificações recentes na
América Latina, mais especialmente no Brasil, sugere-se a consulta ao artigo de Ranincheski e Castro (2013).
207
4 CONSIDERAÇÕES FINAIS
caso do Brasil, onde na maioria das vezes o Estado sobrepõe-se ao governo nas discussões e
trato das problemáticas e políticas que, originalmente, seriam tratadas pelo governo soberano.
Em períodos de crises institucionais, políticas e de ameaças à Democracia, por meio
de golpes (ou impeachments irregulares), é justamente o Estado que merece maior atenção e
dedicação de pesquisa, pois este é o único garantidor da soberania, da ordem democrática –
quando prevista – e de todas as políticas advindas do governo, seu gestor, dentre elas, as que
agem e gerenciam as próprias migrações.
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Resumo
O presente artigo tem por objetivo analisar a tutela das minorias no ordenamento jurídico
brasileiro e no Sistema Interamericano de Direitos Humanos (SIDH), principalmente na
Constituição Federal de 1988 e na Convenção Americana de Direitos Humanos (CADH) e seu
protocolo adicional em matéria de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais. Para tanto,
adota-se o método de abordagem dedutivo e utiliza-se de técnicas de pesquisa qualitativas. A
pesquisa será dividida em quatro partes: primeira, aborda-se os conceitos de direitos humanos
e fundamentais, com enfoque nesses como instrumentos de garantia dos direitos das minorias;
segunda, analisa-se o SIDH e sua atuação no continente americano em defesa dos direitos
humanos; e terceira, problematizar a efetividade da proteção das minorias e o papel dos
ordenamentos jurídicos nacional e internacional para isso. Com isso, observa-se a
complementariedade entre o ordenamento brasileiro e o SIDH na proteção dos direitos
humanos fundamentais dos grupos minoritários.
Palavras-chave: Minorias; Constituição Federal; SIDH; Brasil; OEA.
Abstract
This article aims to analyze the protection of minorities in the Brazilian legal system and the
Inter-American Human Rights System (IHRS), mainly in the Federal Constitution of 1988
and the American Convention on Human Rights (ACHR) and its additional protocol on
Economic, Social and Cultural Rights. To this end, we adopt the deductive method of
approach and makes use of qualitative research techniques. The research will be divided into
four parts: First, it addresses the concepts of human and fundamental rights, focusing on those
1
O presente artigo é resultado de estudos junto ao Grupo de Pesquisa Sapere Aude, da Faculdade de Direito do
Sul de Minas.
2
Professor do curso de Relações Internacionais da Universidade Federal do Tocantins (UFT) e Doutorando em
Ciência Política pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE). Mestre e Graduado em Relações
Internacionais pela UEPB. Pós-graduado em Direito Internacional pela Estácio. Graduado em Direito pela
Universidade Federal da Paraíba (UFPB). Email: janmarcellacerda@uft.edu.br
3
Graduando em Direito pela Faculdade de Direito do Sul de Minas. Email: erickfmendes@gmail.com
214
instruments as complementary for the minorities rights; second, it looks at the IHRS and its
operations on the American continent in defense of human rights; and third, it debates the
effectiveness of the protection of minorities and the role of national and international legal
frameworks for this. Thus, there is complementarity between the Brazilian legal system and
the ISHR in the protection of fundamental human rights of minority groups.
Keywords: Minorities; Federal Constitution; IHRS; Brazil; OAS.
1 INTRODUÇÃO
Por sua vez, os direitos fundamentais seriam aqueles direitos do homem juridicamente
garantidos, com limitações de tempo e espaço, com vistas a estabelecer direitos, garantias e
deveres aos cidadãos. Ao contrário dos Direitos Humanos, que possuem um aspecto de
validade universal, os direitos fundamentais possuem limitações de tempo e espaço. Segundo
Canotilho (1993, p.517), os direitos fundamentais seriam aqueles objetivamente vigentes em
uma ordem jurídica concreta, seriam os direitos do homem, jurídico-institucionalmente
garantidos e limitados espaço-temporalmente.
A Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 prevê em seu corpo a
existência de diversos direitos e garantias fundamentais que podem ser encontrados por todo o
seu texto, especialmente em seu Título II “Dos Direitos e Garantias Individuais”, capítulos I,
II, e IV. Para além disto, a Constituição incluiu os direitos e garantias fundamentais em seu
rol de cláusulas pétreas, impondo limites materiais ao poder de reforma, de modo que tais
217
direitos não possam ser objeto de deliberações tendentes a aboli-los. Ressalte-se, que dentre as
Constituições brasileiras, a de 1988 é a única em que os direitos humanos foram
expressamente estabelecidos como sendo um dos princípios que regem as relações
internacionais das quais o Estado brasileiro faça parte, conforme inteligência do artigo 4º,
inciso II (BRASIL, 1988).
A CF/88 também traz em seu artigo 3º que: “constituem objetivos fundamentais da
República Federativa do Brasil: IV - promover o bem de todos, sem preconceitos de origem,
raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação” (BRASIL, 1988). Já no
caput do artigo 5º, ela aponta que “Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer
natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade
do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade” (BRASIL, 1988).
Cabe mencionar, ainda, que, além destes dispositivos, existem aqueles que punem a
discriminação dos direitos e liberdades fundamentais, a exemplo do artigo 5º, XLI, da CF/88
(BRASIL, 1988). Assim sendo, são direitos e garantias para a proteção dos indivíduos, quer
seja por ser parte da minoria ou da maioria.
Nesse contexto, pode-se dizer que a doutrina utiliza a expressão direitos fundamentais
para se referir aos direitos do homem incorporados na constituição de um determinado
Estado. Já a terminologia direitos humanos para definir aqueles direitos do homem que
traduzem um sentido universal, contidos basicamente em Tratados ou Convenções
Internacionais, que ultrapassam os limites dos Estados Nacionais, de modo a garantirem uma
proteção internacional.
A proteção dos direitos humanos e as garantias fundamentais são pressupostos
essenciais de um Estado Democrático de Direito, orientando a interpretação de todo o seu
ordenamento jurídico. Desta forma, toda a atuação do Estado deve estar orientada por leis e
no sentido de promover a igualdade para todos os seus cidadãos, ainda que façam parte de
certas minorias. De acordo com Rocha (1996, p. 87), o significado de minoria seria:
Vale ressaltar que, entre os anos de 1964 a 1985 esteve instalada no Brasil uma
ditadura militar, na qual os direitos fundamentais e os direitos humanos foram desrespeitados,
tais como o direito à vida, à liberdade, à intimidade, à manifestação do pensamento, às
ideologias, as convicções políticas, dentre tantas outras formas de violações aos direitos
humanos. O Brasil passava por um momento em que os Tratados de direitos humanos não
eram assinados, sob a alegação de incompatibilidade desses com a ordem vigente no país.
(AGGELEN, 2008, p. 591).
Essa situação somente se encerrou com o fim do regime militar em 1985, que acabou
por ensejar um processo de redemocratização do país, o que tornou a proteção dos direitos
humanos uma política de Estado e com proteção constitucional positivada. Nesse aspecto, é
relevante e notória a importância da Constituição Federal de 1988, haja vista que, além da
proteção que ela trouxe para as garantias e direitos fundamentais, trouxe, também, a
possibilidade de tratados e convenções internacionais que versem sobre direitos humanos
serem incorporados em nosso ordenamento jurídico com aplicabilidade imediata e status
constitucional ou supralegal, conforme for o caso.
Ademais, é importante salientar para o fato de que, apenas a Convenção Internacional
sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência e seu Protocolo Facultativo (promulgados pelo
decreto 6.949 de 25 de agosto de 2009) foram incorporados com status constitucional
(BRASIL, 2009). Assim, evidencia-se o fortalecimento das garantias fundamentais para uma
minoria representada pelas pessoas com deficiência. Os demais tratados e convenções
internacionais ratificados pelo Brasil possuem status supralegal, por isso a importância do
parágrafo segundo do artigo 5º, da Carta Magna, que permitiu a incorporação de importantes
diplomas na defesas dos direitos Humanos. No mais, tais garantias às minorias podem
também ser institucionalizadas no âmbito regional das Américas, por meio da OEA e do seu
sistema de proteção dos direitos humanos.
com o artigo 1ª, da Carta da OEA, o objetivo da organização é a manutenção de uma ordem
de paz e justiça, de promover a solidariedade, de intensificar a colaboração e de defender a
soberania, a integridade territorial e a independência nas Américas (OEA, 1948). A OEA é
um organismo regional inserido no sistema da Organização das Nações Unidas (ONU), mas
age de forma autônoma.
É composta por 35 Estados membros do hemisfério americano e “constitui o principal
fórum governamental político, jurídico e social do Hemisfério” (OEA, 2015). O Sistema
Interamericano é caracterizado por ser uma rede de disposições e instituições, as quais
objetivam os princípios basilares da democracia, dos direitos humanos, da segurança e do
desenvolvimento (OEA, 2015). Esses são os objetivos essenciais para a organização e foram
estabelecidos por uma estratégia quádrupla, já que se apoiam mutuamente e estão
intrinsecamente interligados. Assim: “por meio de uma estrutura que inclui diálogo político,
inclusividade, cooperação, instrumentos jurídicos e mecanismos de acompanhamento, que
fornecem à OEA as ferramentas para realizar eficazmente seu trabalho no hemisfério e
maximizar os resultados” (OEA, 2015).
A OEA vem elaborando normas jurídicas de direito internacional público e privado,
bem como dando sequência aos ambientes de aplicação dessas normas. Ou seja, a organização
atuam em relações entre os Estados e entre esses e o os indivíduos (ARRIGHI, 2004, p. 89).
Segundo Arrighi (2004, p. 86), dentre as contribuições ao direito, a defesa dos direitos
humanos e dos sistemas democráticos merecem atenção e destaque, pois, mesmo que
recentemente criados, são importantes campos e instrumentos do direito internacional público,
com significativa contribuição significativa desenvolvimento do direito.
Além do mais, a Organização regional não apenas cria as normas, mas também
constitui instrumentos jurídicos para a aplicação eficaz de suas normas, com “a capacitação
dos principais atores implicados em processos desse tipo” (ARRIGHI, 2004, p 91). Sendo
assim, a OEA é o mais alto nível político e técnico, ou ainda jurídico, com um conjunto de
instâncias e uma Carta constitutiva. Em suma, a organização tem aparatos jurídicos
internacionais que criam uma agenda jurídica para a região (ARRIGHI, 2004, p 91).
Esses instrumentos jurídicos são relevantes na aplicação, monitoramento e efetivação
das normas vigentes, com a criação de mecanismos de acompanhamento de cumprimento das
normas, como programas, comissões, comitês consultivos e tribunais (ARRIGHI, 2004, p 92).
Para Arrighi (2004, p. 92): “estes mecanismos podem ser órgãos específicos, instituídos
expressamente, ou meios mais flexíveis, como a apresentação periódica de relatórios por parte
dos Estados e sua avaliação por instâncias técnicas ou políticas”. Isto é, são os casos aqui
221
A Convenção Americana sobre Direitos Humanos ou Pacto de São José da Costa Rica
proporciona a consolidação de um regime de liberdade pessoal e de justiça social, inserida no
continente americano. Nas palavras de Moraes (1997),
Importante ressaltar algumas previsões da Convenção Americana de Direitos
Humanos - Pacto de San José da Costa Rica, de 22-11-1969, que
reafirmaram o propósito dos Estados Americanos em consolidar no
Continente, dentro do quadro das instituições democráticas, um regime de
liberdade pessoal e de justiça social, fundado no respeito dos direitos
humanos essenciais (MORAES, 1997, p. 39).
Ao longo da história nacional, verifica-se que existem diversos grupos de pessoas que
são subjugados em relação a outros, em razão de suas diferenças étnicas, culturais,
linguísticas dentre outras. Os Direitos Humanos e fundamentais – ou ainda Direitos Humanos
Fundamentais – não devem limitar-se ao indivíduo considerado isoladamente, eles devem ser
compreendidos como sendo inerentes aos indivíduos pertencentes aos chamados grupos
minoritários. Uma das funções básicas de uma República Democrática de Direito é garantir o
direito das minorias. Em sentido próximo, Piovesan (2013, p. 98) nos diz que as democracias
precisam proteger os direitos das minorias e assegurar respeito às liberdades civis
fundamentais.
Tanto a Constituição da República Federativa do Brasil quanto o Sistema
Interamericano de direitos Humanos (SIDH) são importantes diplomas na defesa dos direitos
das minorias. Embora não façam menção expressa à terminologia “minorias”, eles asseguram
mecanismos de defesa no caso de transgressões de direitos de grupos minoritários por parte
do Estado.
Ainda que no plano material a realidade fática das minorias careça de efetividade,
pode-se dizer que a Constituição Federal, por meio dos princípios por ela adotados, garante às
minorias tratamento que não as desfavoreça, e assegura a igualdade de todos perante a lei
(artigo 5º, da CF). A exemplo, pode-se citar as ações afirmativas, que são políticas públicas
feitas pelo governo ou pela iniciativa privada com o objetivo de corrigir desigualdades
historicamente acumuladas; garantir a igualdade material aos grupos tidos como minoritários,
valendo-se para tanto, de preceitos constitucionais, como no caso das cotas raciais que
reservam vagas em instituições públicas ou privadas para grupos específicos classificados por
etnia. Sendo assim, agindo de forma complementar à lei, as políticas das ações afirmativas
ajudam na efetivação dos direitos das minorias.
Entretanto, mesmo presentes de forma implícita na Carta Magna, ocorrem
transgressões aos direitos humanos que são garantidos às minorias, o que nem sempre pode
ser resolvido no âmbito do Direito interno. Desta forma, os mecanismos internacionais podem
226
Com isso, pode-se interpretar que, para os intentos do presente artigo, a Convenção
Americana de Direitos Humanos (CADH) garante mecanismos de defesa no caso de
transgressão de direitos dos grupos minoritários por parte do Estado, de modo a permitir que
as partes consigam rever as decisões proferidas pelo Estado ao qual fazem parte ou no caso de
inércia destes.
Como evidenciado por Santili (2008, p. 146-147), podemos destacar direitos
assegurados às minorias em dispositivos da Declaração Americana e da CADH, como:
I. Artigos 2º da Declaração e 1º da Convenção asseguram a igualdade perante a lei
para todos, sem distinção de raça, sexo, língua, crença ou qualquer outro fator;
II. Artigo 24 da Convenção prevê a não discriminação; artigo 3º da Declaração
determina a liberdade de religião, assim como o artigo 12 da Convenção;
III. Artigo 4º da Declaração adota a liberdade de expressão, adicionando ao artigo 13
da Convenção que proíbe apologia ao ódio nacional, racial ou religioso, incitando a violência;
IV. Artigos 5º da Declaração e 11 e 14 da CADH protegem a todos em sua vida
privada;
V. Artigos 8º da Declaração e 22 da Convenção garantem liberdade de circulação e o
direito de escolha do local de residência;
VI. Artigo 12 da Declaração traz o direito à educação. Esse direito não é abarcado na
CADH, mas em seu protocolo adicional, o Protocolo de San Salvador;
VII. Artigo 13 da Declaração e artigo 14 do Protocolo de San Salvador determinam o
direito a participar da vida cultural da comunidade e também protege a propriedade
intelectual;
VIII. Artigos 18 da Declaração e 8º da CADH estabelecem o direito a julgamento justo
e a um tradutor ou intérprete se necessário;
IX. Artigo 20 da Declaração e 23 da Convenção preveem o direito de voto e de
participar do governo;
227
IV. Caso Atala Riffo e filhas versus Chile, com sentença da CorteIDH de 24 de
fevereiro de 2012: o Chile foi responsabilizado por tratamento discriminatório contra Karen
Atala Riffo, pois o judiciário do país determinou que a custódia das crianças ficassem com os
país em virtude da Karen conviver, após o divórcio, com uma pessoa do mesmo sexo dela.
Assim, a Corte atendou com o Chile violou o princípio da igualdade e da não discriminação
presentes na Convenção Americana. (CORTEIDH, 2012; SILVEIRA; ALMEIDA, 2012, p.
270-271);
V. Caso da Comunidade Mayagna (Sumo) Awas Tingni versus Nicarágua, com
sentença da Corte de 31 de agosto de 2001: foi reconhecido o direito sobre as terras, por meio
de um direito coletivo da propriedade, fundamentado na tradição comunitária dos Sumo.
(CORTEIDH, 2001; SILVEIRA; ALMEIDA, 2014, p. 271);
VI. Caso da Comunidade Indígena Yakye Axa versus Paraguai, com sentença de 17
de junho de 2005: a Corte garantiu o acesso ao serviço de saúde do Paraguai, mas a partir de
uma perspectiva cultural, que respeitasse as práticas curativas da Comunidade indígena e a
medicina tradicional. (CORTEIDH, 2005; SILVEIRA; ALMEIDA, 2014, p. 271);
VII. Caso Comunidade Indígena Xákmok Kásek versus Paraguai, com sentença de 24
de agosto de 2010: o Estado Paraguai foi condenado por não respeitar o direito à vida,
propriedade comunitária e proteção judicial dos Xákmok Kásek. O direito à terra de forma
coletiva, como preceituado no artigo 21 da CADH, foi violado, bem como o Estado não
promoveu a proteção dessa comunidade. (CORTEIDH, 2010; SILVEIRA; ALMEIDA, 2014,
p. 271);
alcance dos direitos humanos internacionais devem ser interpretados de forma ampla,
dialogando com outros instrumentos jurídicos internacionais e podendo utilizar também de
outros dispositivos em tratados internacionais de direitos humanos, contudo, a interpretação
mais recente da Corte é que deve-se interpretar em conjunto com a CADH (CHIRIBOGA,
2006, p. 50-51).
Após o esgotamento dos recursos nacionais ou diante da inércia do Estado, quando no
caso de transgressão aos direitos humanos de um determinado grupo minoritário ou de vários
deles, o grupo que teve seus direitos violados no âmbito de proteção do sistema
interamericano poderá peticionar à Comissão, já que o acesso a ela se dá por meio de uma
petição. O peticionamento junto a ela pode ser feito por qualquer pessoa, grupos de pessoas,
entidades não governamentais reconhecidas no território de um ou mais estados que
pertençam à OEA, ou pelo próprio Estado. Todavia, como já foi dito, o pedido feito estará
sujeito ao juízo de admissibilidade da Comissão, que poderá obstar o prosseguimento sem
analisar o mérito. Além disso, a CIDH pode impedir também o prosseguimento do processo
internacional para a CorteIDH, o que pode limitar os direitos dos grupos minoritários, já que a
parte fica limitada ao crivo apenas da Comissão para que sua petição possa ser levada à Corte
para que possa ser julgada.
O SIDH mantém sua comissão e corte, diferentemente do que aconteceu com o
Sistema Europeu de direitos Humanos que, com o advento do Protocolo número 11, de 1º de
novembro de 1998, a Corte e a Comissão daquele sistema regional foram substituídas pela
Corte Única Europeia, que passou a ter a função direta de admissibilidade e de exame quanto
ao mérito ou julgamento dos casos a ela apresentados, podendo o indivíduo peticionar
diretamente à Corte (MAZZUOLI, 2010, p. 38-39). Quer dizer que, para muitos estudiosos do
tema e para o presente artigo, na prática é um avanço para o acesso à justiça dos grupos
minoritários.
Ainda que não possa ser interpretado como um grau de recurso para decisões
proferidas no âmbito dos ordenamentos jurídicos dos Estados, o SIDH é um garantia que se
tornou essencial a consecução da dignidade da pessoa humana, principalmente para os grupos
minoritários dos Estados Americanos. Tornou-se, portanto, um ambiente jurídico que já se
incorporou aos indivíduos e aos atores nacionais e internacionais protetores dos direitos
humanos fundamentais das minorias, como é o caso da atuação recorrente das Organizações
Não-Governamentais (ONGs) protetoras de direitos humanos na proposição de processos aos
SIDH e na denúncia de violações in loco.
230
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
embora sejam paliativos, são muito importantes na defesa contra violações ou ameaças a
direitos. Mesmo apesar de serem recentes e terem problemas de efetividade, os instrumentos
jurídicos apontados no presente artigo, tanto nacionais quanto internacionais, são os
mecanismos existentes para que as minorias possam se proteger do arbítrio ou inércia dos
Estados.
REFERÊNCIAS
ARRIGHI, Jean Miguel. Organização dos Estados Americanos. São Paulo: Manole, 2004.
CHIRIBOGA, Oswaldo Ruiz. O direito à identidade cultural dos povos indígenas e das
minorias nacionais: um olhar a partir do Sistema Interamericano. Sur, Rev. int. direitos
human., São Paulo , v. 3, n. 5, p. 42-69, Dec. 2006. Disponível em:
<http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1806-
64452006000200004&lng=en&nrm=iso>. Acesso em: 13 nov. 2015.
_______. Caso Atala Riffo e filhas versus Chile, de 24 de fevereiro de 2012. Disponível
em: <http://corteidh.or.cr/docs/casos/articulos/seriec_239_esp.pdf>. Acesso em: 2 dez. 2015.
DAVID ARAÚJO, Luiz Alberto; NUNES JR. Vidal Serrano. Curso de Direito
Constitucional. 18. Ed. Editora Verbatim: São Paulo, 2014.
_______. Declaração Americana dos Direitos e Deveres do Homem. 1948. Disponível em:
<https://www.cidh.oas.org/basicos/portugues/b.Declaracao_Americana.htm> . Acesso em: 9
nov. 2015.
_______. Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais. 1966. In:
Direitos Humanos: Carta Internacional de Direitos Humanos. Disponível em:
<http://www.gddc.pt/direitos-humanos/Ficha_Informativa_2.pdf>. Acesso em: 17 set. 2015.
SARLET, Ingo Wolfgang. Eficácia dos direitos fundamentais: uma teoria geral dos
direitos fundamentais na perspectiva constitucional. Porto Alegre: Livraria do Advogado
Editora, 2012.
Resumo
O artigo faz uma abordagem sobre a utilização da cooperação jurídica internacional como um
instrumento indispensável para a investigação dos crimes de corrupção. São abordados
diversos aspectos da cooperação jurídica internacional e seus instrumentos. Em seguida, é
tratada a criação do Departamento de Recuperação de Ativos e Cooperação Jurídica
Internacional (DRCI) e a importância da cooperação internacional no combate ao crime de
lavagem de dinheiro. Finalmente, é feito um estudo de caso a partir da experiência do caso
“Lava Jato”.
Palavras-chaves: Direito Internacional; Globalização; Cooperação Internacional; Cooperação
Penal Internacional; Lava Jato.
Abstract
The article makes an approach on the use of international legal cooperation as an
indispensable tool for the investigation of corruption crimes. In the case, covers various
aspects of international legal cooperation and international criminal cooperation. Then expose
the creation of the Department of Assets Recovery and International Legal Cooperation
(DRCI) and the importance of international cooperation in combating money laundering.
Finally, it made a case study from the “Lava Jato” case experience.
1
Pós-Graduada em Direito Internacional pelo Centro de Direito Internacional – CEDIN e Mestranda em Direito
Internacional pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUC-MG). E-mail:
joicecostadireito@gmail.com
2
Mestrando e graduado em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais. Advogado. E-mail:
bicalho13@hotmail.com
235
1 INTRODUÇÃO
3
O nome do caso, “Lava Jato”, decorre do uso de uma rede de postos de combustíveis e lava a jato de
automóveis para movimentar recursos ilícitos pertencentes a uma das organizações criminosas inicialmente
investigadas. Embora a investigação tenha avançado para outras organizações criminosas, o nome inicial se
consagrou. A operação Lava Jato é a maior investigação de corrupção e lavagem de dinheiro que o Brasil já teve.
Estima-se que o volume de recursos desviados dos cofres da Petrobras, maior estatal do país, esteja na casa de
236
The scale of that activity which forms the subject matter of this book,
international co-operation in civil and criminal matters, has grown quite
dramatically in very recent years. It increasingly engages the attention of
lawyers in private practice, in the offices of corporate legal counsel, and in
government service. […] There is now a set of well-established techniques
and procedures for co-operation in civil and commercial proceedings,
together with a very much more recent growth of international agreements,
bilateral, regional and multilateral, in which those techniques and procedures
are extended and developed for use in the field of criminal investigations,
prosecutions, and to trace and seize the proceeds of crimes. The latter area is
developing so rapidly, and sees so many new initiatives, that its shape is still
bilhões de reais. Soma-se a isso a expressão econômica e política dos suspeitos de participar do esquema de
corrupção que envolve a companhia. (http://lavajato.mpf.mp.br/entenda-o-caso. Acesso: 19 de julho de 2016).
237
relatively unclear and the techniques are still being refined; but they are
firmly based on the much longer experience gained through co-operation in
the civil area. (McCLEAN, 2002, p. 03)
Dessa forma, podemos dizer que a Cooperação Jurídica Internacional nada mais é do
que um acordo realizado entre países, possibilitando que os Estados partes desse acordo
requeiram quando necessário a sua jurisdição interna, diligências, medidas administrativas e
judiciais para instruir seus processos criminais ou cíveis.
No entendimento de Cervini e Tavares (2000), a Cooperação Jurídica Internacional é
denominada de tal forma pelo fato de remeter a ideia de igualdade entre os Estados.
Consequentemente, todo o procedimento é realizado com base nos princípios da igualdade,
cooperação, autodeterminação dos povos e equidade.
Carolina Yumi de Souza refere-se à cooperação jurídica internacional como:
A Cooperação Jurídica Internacional pode ser ativa ou passiva. Será ativa quando o
Estado requerer ao outro Estado um pedido de cooperação, e será passivo quando o Estado
receber esse pedido do Estado requerente.
238
competente. Isso se torna possível porque o instituto dispensa o juízo prévio de delibação do
STJ, direcionando o pedido para o juízo de primeira instância. Paulo Abrão Pires Júnior
(2012, s/p) entende que:
fornecimento desses produtos ilegais. Os valores ilícitos advindos desses produtos eram
convertidos em valores lícitos. Al Capone foi o exemplo mais famoso do crime de lavagem de
dinheiro, ele acabou recebendo uma pena de onze anos e multa de oitenta mil dólares
(SANTOS, 2009).
Com a expansão do crime de Lavagem de Dinheiro, na década de 1980 alguns países
começaram a tipificar o crime de Lavagem de Dinheiro. Isso ocorreu devido à criação do
GAFI6 no ano de 1989 que tinha como escopo integrar e coordenar políticas internacionais
para combater as origens de dinheiro ilícito.
No caso do Brasil, o crime de Lavagem de Dinheiro foi tipificado no ano de 1998 por
meio da Lei 9.613. Posteriormente, com a expansão do combate universal da corrupção, o
Brasil ratificou três convenções internacionais sobre o tema: Convenção Interamericana
Contra Corrupção (Decreto 4.410/2002); Convenção das Nações Unidas Contra Corrupção
(Decreto 5.687/2006); e a Convenção das Nações Unidas contra o Crime Organizado
Transnacional (Decreto 5.015/2004).
A Convenção Interamericana Contra Corrupção foi firmada em Caracas, Venezuela,
no dia 29 de março de 1996. Seu escopo é fortalecer os mecanismos necessários para
prevenir, detectar e punir a corrupção, inclusive, foi o primeiro instrumento que trata tanto de
medidas preventivas como de medidas punitivas consoante ao crime de corrupção.
Quanto a Convenção das Nações Unidas contra o Crime Organizado Transnacional
(Convenção de Palermo), foi realizada pela Organizações Unidas no ano de 2000. Essa
convenção trata-se das medidas necessárias para combater e prevenir o crime organizado
transnacional.
Já a Convenção das Nações Unidas Contra a Corrupção, foi adotada pela Assembleia
das Nações Unidas no ano de 2003. Trata-se de um dispositivo no qual detalha e regulamenta
a cooperação internacional de forma mais extensiva. Um dos pontos mais importantes dessa
convenção refere-se à concordância de que os países signatários terão de cooperar um com os
outros em todos os aspectos em prol do combate a corrupção, por exemplo, no que diz
respeito à investigação e acusação de criminosos, apoio a detecção, congelamento, apreensão,
confiscação de produtos advindos da corrupção e principalmente, a concordância em
recuperação de bens, que são extremamente necessários para o desenvolvimento social.
(MEDEIROS, 2012)
6
O Grupo de Ação Financeira contra a Lavagem de Dinheiro e o Financiamento do Terrorismo (GAFI/FATF) é
uma organização intergovernamental cujo propósito é desenvolver e promover políticas nacionais e
internacionais de combate à lavagem de dinheiro e ao financiamento do terrorismo
(http://www.coaf.fazenda.gov.br/, acesso em 25 de julho de 2016).
242
As investigações do caso “Lava Jato” iniciou-se no ano de 2014. O uso desse termo
consagrou-se porque era usada uma rede de posto de gasolina e de lava jatos de automóveis
para movimentar recursos ilícitos advindos de uma organização criminosa que estava sendo
objeto de investigação.
A primeira fase das investigações ocorreu na Justiça Federal de Curitiba. Foram
encontradas quatro organizações criminosas lideradas por doleiros. Em seguida, o Ministério
Público Federal (MPF) descobriu um gigantesco esquema criminoso de corrupção envolvendo
a Petrobras. Segundo o MPF, grandes empreiteiras organizadas em cartel pagavam propina
para executivos da estatal e outros agentes públicos. O valor da propina variava de 1% a 5%
7
Macrocriminalidade é o crime organizado semelhante a uma empresas que, combina pessoas, capitais e
tecnologia para a consecução de determinados fins, sob a orientação de um chefe, que se equipara a um
empresário próprio.
243
do montante total de contratos bilionários superfaturados. Esse suborno era distribuído por
meio de operadores financeiros do esquema, incluindo doleiros investigados na primeira
etapa. (BIASETTO, 2016)
Logo em seguida, vários escândalos internacionais foram descobertos envolvendo a
estatal. Dentre eles, foi a suspeita de que a Petrobras superfaturou a compra da refinaria de
Pesadena, nos EUA. O caso foi delatado por um ex-diretor, Paulo Roberto Costa.
Esses fatos desencadearam um enorme número de investigações que necessitaram da
participação de vários agentes públicos e empreiteiros em diversos países da América e da
Europa. A investigação só foi possível devido a Cooperação Jurídica Internacional realizada
entre os países envolvidos na corrupção.
De acordo com Biasetto (2016), O MPF registrou 108 pedidos de Cooperação
Internacional com 36 países, alguns deles conhecidos paraísos fiscais. Estima-se que a
operação já recuperou cerca de R$ 5,3 bilhões de reais e que R$ 2,4 bilhões são bens que
estão bloqueados na Suíça na espera de ordem judicial para que esses valores retornem aos
cofres públicos brasileiros.
Mediante esses dados, Sérgio Moro, juiz responsável pelo processo na primeira
instância, citado por Casado (2016), dispõe que a Cooperação Jurídica Internacional é
fundamental na recuperação de ativos:
desviados dos cofres públicos. Conforme indica o Ministério Público Federal (2016): “O caso
Lava Jato foi apresentado como exemplo de sucesso na identificação de dinheiro depositado
em contas bancárias no exterior e na adoção de procedimentos céleres para a devolução
imediata dos valores.” Para a Procuradora Regional Denise Neves Abade, o Brasil ganhou
credibilidade no cenário internacional após da criação da Secretaria de Cooperação
Internacional (SCI), o que facilitou a resposta dos pedidos de cooperação internacional penal.
Contudo, as ações realizadas durante a operação geraram questionamentos por parte de
juristas. Documentos com dados bancários, de contas na Suíça, de um dos envolvidos no
esquema de corrupção foram obtidos de forma que acabou por driblar exigências legais.
Brasil e Suíça são signatários de um tratado de cooperação jurídica em matéria penal. O
Decreto 6.974/2009, que promulgou o tratado, exige que todo pedido e autorização para
cooperação internacional penal, para ser considerado legal, passe, necessariamente, por o
único órgão competente previsto no decreto, qual seja, a Secretaria Nacional de Justiça do
Ministério de Justiça (VASCONCELOS, 2015).
O MPF trouxe os documentos bancários a partir de um pen drive, sem autorização ou,
sequer, pedido ao Ministério da Justiça. O ato só seria legal se seguisse a seguinte rota:
6 CONSIDERAÇÕES FINAIS
REFERÊNCIAS
CASADO, Leticia. Lava-Jato: Com delações, R$ 546 milhões voltam do exterior ao Brasil.
Disponível em: <http://www.valor.com.br/politica/4580865/lava-jato-com-delacoes-r-546-
milhoes-voltam-do-exterior-ao-brasil> Acesso em: 26 jul. 2016
MIRANDA, Francisco Cavalcanti Pontes de. Tratado das Ações, Tomo III — Ações
Constitutivas, São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1972.
VASCONCELOS, Marcos de. Pedalada probatória: Ministério Público driblou a lei para
trazer documentos da Suíça na "lava jato". Disponível em: <http://www.conjur.com.br/2015-
nov-05/documentos-trazidos-suica-mpf-colocam-lava-jato-risco> Acesso em: 29 jul. 2016
248
1
Patrícia Costa Anache
Data de submissão: 09/10/2016
Data de aceite: 21/11/2016
Resumo
O presente estudo tem por objetivo analisar, à luz do ordenamento e da doutrina jurídico-
internacional, os institutos do direito nuclear, o que se fará com ênfase na embrionária
regulação internacional de energia nuclear advinda desde sua primeira atuação, em 1954. A
partir daí, após breves apontamentos da evolução da normatividade internacional que trata
sobre energia nuclear, discorrerá sobre as consequências dos três maiores acidentes nucleares
ocorridos na arena global, notadamente o que ocorreu em 1986 na usina nuclear de
Chernobyl, na então União Soviética, sendo este um importante marco para atual geração de
Nuclear Power, cujas implicações contribuíram para a evolução da regulação internacional de
energia nuclear da atualidade. Neste contexto, este artigo visa descrever a construção da
realidade do ordenamento jurídico atual sem debater controvérsias jurídicas ainda existentes.
Espera-se que o leitor interessado, não familiarizado nesse quesito do sistema internacional
vá, assim, obter uma compreensão mais equilibrada desse sistema regulatório, notadamente
sobre as questões críticas de quais as medidas foram tomadas pela comunidade internacional
para evitar futuros acidentes nucleares e minimizar os danos caso eventualmente vierem a
ocorrer. Busca-se, assim, primeiramente, a compreensão do aparato jurídico internacional
sobre o tema, e na sequência, uma análise mais detalhada e crítica dos diversos fatores que
influenciaram e ainda influenciam o processo, bem como considerações em torno da
sustentabilidade.
Palavras-chave: Direito Nuclear; Energia Nuclear; Regulação Internacional; Panorama
Global; Sustentabilidade Ambiental.
Abstract
This study examine the nuclear law institutes in the planning of legal and international
doctrine which focus in international regulation of nuclear power arising from its first
performance, in 1954. From there after the development of international normativity that
deals with nuclear energy, this article will talk about the consequences of three major nuclear
accidents in the global arena, especially after 1986 at Chernobyl nuclear power plant in the
1
Mestre e doutoranda em Direito pela Universidade de Coimbra/Portugal. Graduada em Direito pela
Universidade para o Desenvolvimento do Estado e da Região do Pantanal/MS. Advogada. E-mail:
pateanache@gmail.com
249
Soviet Union. It was an important framework for the current generation of nuclear power,
which have contributed to the evolution of international regulation of today's nuclear power.
In this context, this article aims to describe the construction of the reality of the current law
without debating remaining legal disputes. It is expected that the interested reader, unfamiliar
in this regard the international system go thus get a more balanced understanding of this
regulatory system, particularly on the critical issues of which measures were taken by the
international community to prevent future nuclear accidents and minimizing if damage may
eventually occur. Search is, therefore, first, the understanding of the international legal
apparatus on the subject, and following, a more detailed and critical analysis of the various
factors that influenced and still influence the process and considerations around sustainability.
Keywords: Nuclear Law; Energy Law; Nuclear Regulatory Systems; Global Overview;
Environmental Sustainability.
1 INTRODUÇÃO
A energia nuclear, cujo fundamento de produção de eletricidade decorre da geração
de uma enorme quantidade de energia em virtude de fissão ou fusão nuclear do urânio ou
tório, tem sido cogitada em substituição de outros tipos de matrizes energéticas alimentadas
pelo fornecimento de combustíveis fósseis. Desde sua primeira atuação, em 1954, essa tem
sido uma das maneiras mais eficazes de contribuição ao desenvolvimento sustentável.
Não obstante, apesar dos inúmeros benefícios decorrentes da utilização da matriz
energética nuclear, sobretudo por ser um meio de produção de energia limpa, enfatizados em
razão da necessidade de redução da emissão dos níveis de carbono e da demanda crescente no
suprimento de energia em proporções mundiais, sua inserção no mix energético de um Estado
requer uma análise ponderada em relação à consonância da estrutura interna institucional,
legislativa, técnica e científica com os desafios inerentes ao uso da energia nuclear.
Por ser um meio de produção que exige elevada técnica e perfeição em seu
funcionamento para que seus altos riscos radiológicos sejam minimizados, o desenvolvimento
da indústria energética nuclear exige cuidado por parte não apenas do país em que dela se
utiliza, como também de todos os atores nela envolvidos, haja vista que os efeitos altamente
nocivos da radioavidade ou da radiação ionizante que por ventura venha dela decorrer,
atingem não só o meio ambiente, como a toda coletividade, e se estendem a curto, médio e
longo prazo o alcance local, nacional e transfronteiriço.
Levando-se em consideração que ainda não há no ordenamento jurídico internacional
um regulamento padrão ou conjunto de jus cogens que sirvam de standarts mínimos a serem
respeitados na atuação da referida matriz energética, é imperioso e urgente que um corpo de
normas internacionais sirvam como base regulatória nuclear. De modo a garantir plena
eficácia a esse meio de produção energética, é de se considerar que o futuro da energia
250
nuclear somente avançará através de uma estrutura jurídica global, robusta e concentrada, que
garanta não só o direito à informação, transparência de atuação das usinas nucleares, uma
ativa administração pública supervisora a inspecionar e revelar atos que eventualmente
possam trazer riscos de funcionamento ou perigos em sua atuação, mas que principalmente,
seja garantidora de uma eficiência energética com riscos minimizados, com standards
internacionais padronizados e vinculativos, e que esteja totalmente alinhada com a
sustentabilidade ambiental.
2 PERSPECTIVA GERAL DAS ATIVIDADES NUCLEARES
O desenvolvimento sustentável, enquanto desenvolvimento que visa satisfazer as
necessidades do presente sem prejudicar a capacidade de satisfação das necessidades das
gerações futuras apresenta-se como o desafio global das sociedades hodiernas. Por seu turno,
o crescente consumo de energia e a alarmante crise ecológica que o mundo atravessa na
atualidade, alertam-nos para urgência de se criar políticas energéticas que visem beneficiar as
fontes de energias limpas em prol as matrizes energéticas habituais, finitas e altamente
prejudiciais, tanto para meio ambiente como para o próprio ser humano.
A energia é a força motora das civilizações modernas, e os serviços energéticos são
essenciais não só para contribuírem a incrementar a estabilidade social mediante a melhoria
na qualidade de vida, mas também a rentabilidade econômica. O setor energético ocupa um
lugar importante na economia mundial e, precisamente com a crise do câmbio climático, há
um revival de possibilidades da matriz energética nuclear como fonte de energia alternativa,
já que é altamente lucrativa e apresenta vantagem inolvidável de, além dos custos de
construção e manutenção das centrais nucleares, não implicar emissão de qualquer tipo de
poluição (LOVERLOCK, 2004).
A energia nuclear, cujo funcionamento consiste, de forma simples, na energia liberada
dos núcleos atômicos (do urânio ou tório) que se desintegram radioativamente num cenário de
fissão ou fusão, foi utilizada para fins pacíficos pela primeira vez em 1954, quando então
entrou em operação a estação comercial de geração de energia nuclear Obnisk, na antiga
União Soviética. Desde então, em razão da instabilidade no fornecimento de combustíveis
fósseis, países como Inglaterra, Estados Unidos, França, Japão e Rússia iniciaram programas
nucleares, que posteriormente foram paulatinamente ampliados. Contudo, tendo em vista que
da ascendente produção energética nuclear advieram acidentes nucleares nas estações de Tree
Miles Island (Estados Unidos/1979), Chernobyl (Ucrânia/1986) e, mais recentemente, em
251
2
Para maiores informações a respeitos de ambos acidentes nucleares, confira respectivamente:
<http://www.worldnuclear.org/info/Safety-and-Security/Safety-of-Plants/ThreeMile-Island-accident/ e
http://www.world-nuclear.org/info/Safety-and-Security/Safety-of-Plants/Chernobyl-Accident/>. Acesso em 15
de setembro de 2016.
3
A obra de Pontier agrega vários contributos que analisam, através de diferentes e enriquecedoras perspectivas,
a relação entre a democracia e o direito da energia nuclear, concluindo, de forma sucinta, que o desenvolvimento
deste, e do respectivo corpo normativo, influencia positivamente o melhor desenvolvimento possível da
democracia ao pugnar, por exemplo, uma participação ampla dos cidadãos, no quadro de uma discussão aberta,
na construção do referido corpo normativo.
4
Tratam-se respectivamente dos Protocolos assinados na Conferência das Partes dos anos de 1997 e 2015. Vide:
<http://www.unece.org/fileadmin/DAM/cefact/recommendations/kyoto/welcome.htm> e
252
tem se baseado em três premissas principais: segurança energética, oportunidade de deter uma
matriz cujo enorme fornecimento de eletricidade requer uma pequena quantidade de
combustível, e dinamização econômica (SILVA, 2014).
A realidade contemporânea da energia nuclear traz indicativo de que 16% da energia
consumida mundialmente é de origem nuclear, provenientes de aproximadamente 442
reatores distribuídos por mais de 30 países que produzem eletricidade nuclear de forma
segura, fiável e com impacto ambiental bem abaixo da média comparado com outras fontes
geradoras de energia. De fato, essa é uma porcentagem considerável, tendo-se em conta que
se trata de uma alternativa energética recente. Não obstante, esses dados poderiam ser ainda
maiores, não fossem as complexidades de aceitação social e os desafios em relação à
estruturação internacional institucional, legislativa e técnica inerentes ao uso da energia
nuclear (COLVIN, 2004).
O desenvolvimento da indústria nuclear exige por parte não apenas do país que dela
alimenta sua fonte energética e respectivos operadores, como também de todos os atores nela
envolvidos, ausência imprescindível de falhas na sua operacionalização. Isso porque, os
efeitos altamente nocivos causados pela radioatividade ou radiação ionizante, em decorrência
de liberação de material radioativo, causada por erros técnicos no procedimento energético
nuclear, em relação á saúde e a vida humana, bem como ao meio ambiente, estende-se a curto,
médio e longo prazo, e são de alcance local, nacional e transfronteiriço (LEAL, 2016).
<http://www.unece.org/sustainable-development/climate-change/unece-at-cop21.html>. Acesso em 15 de
setembro de 2016.
253
5
Para maiores informações, vide Treaties, Conventions and Agreements Related to the IAEA's Work:
<https://www.iaea.org/publications/documents/treaties>. Acesso em 21 de setembro de 2016.
6
A par de tais instrumentos, em matéria de proteção nuclear foram editados outros, como a Convenção de Viena
sobre responsabilidade civil por danos nucleares e a Convenção de Paris sobre responsabilidade de terceiros no
domínio de energia nuclear.
254
radioatividade. Isso, porque consiste na proteção do ser humano e do meio ambiente face aos
riscos da radiação ionizante, bem como em um elevado nível de proteção nuclear das
instalações e consequentes atividades que dão ensejo a tais riscos, cuja presença se dá em
circunstâncias normais e anormais, ou seja, em consequência desses riscos. Deste modo, as
medidas de proteção nuclear, devidamente inseridas na legislação e regulação interna, serão
destinadas a prevenir tais incidentes e a mitigar os efeitos dele decorrentes.
Quanto ao conceito de security, este deverá nortear a prevenção, detecção e resposta
de atos de sabotagem, roubo, acesso não autorizado, transferência ilegal ou a outro ato
malicioso que envolva material nuclear, substâncias radioativas ou até mesmo respectivas
instalações que colocam em risco ou potencialmente possam causar danos ao ser humano.
Em relação a safeguards, trata-se estritamente a respeito do uso pacífico do
combustível nuclear, devendo-se consistir em medidas de verificação por parte do IAEA
acerca do cumprimento dos standarts (dos compromissos firmados) por parte dos Estados que
os obsta de utilizarem material nuclear no desenvolvimento de armas ou arsenais nucleares e
dispositivos explosivos (IAEA, 2005).
Esta visão da atuação de um órgão regulamentador internacional no domínio
administrativo da matriz energética nuclear da arena global alcança um status primordial,
quando se cogitam temáticas transversais à questão do desenvolvimento sustentável,
socioeconômico e cultural de uma nação que adota viés da matriz energética nuclear, tais
como: rentabilidade econômica, política industrial, desenvolvimento científico e tecnológico,
sustentabilidade financeira e ambiental, entre tantas outras (FEDERICO, 2011).
Este fenômeno estrutural, fruto da pós-modernidade vivenciada em rede, permite
minimizar vetores causadores da crise regulatória, papel de ameaça permanente ainda na
sociedade que carece de informações a respeito dos inúmeros benefícios e vantagens que se
extrai da matriz energética nuclear quando esta se encontra fundamentalmente pautada em
diretrizes normativas robustas e fiáveis, e tenha como seus principais reflexos a própria
aceleração do processo de globalização normativo internacional e a ampliação do pluralismo
jurídico tanto no âmbito interno dos Estados como também transnacional.
Nesta propositura, um dos objetivos da regulamentação internacional de energia
nuclear é justamente o de despertar o debate sobre a importância da lógica do Nuclear
Governance, no contexto de cooperação entre Estados, operadores, reguladores,
pesquisadores, fornecedores e demais organizações, exigida na operacionalização de todo o
ciclo de instalações e atividades nucleares, especialmente de normativas e regulamentos das
estações de geração de energia nuclear (KOOIMAN, 2003).
256
4 CONSIDERAÇÕES FINAIS
A partir das premissas supracitadas, é possível sistematizar que, tendo em vista que no
regime nuclear global é em especial direcionado à proteção, segurança e salvaguarda nuclear,
e constituído por uma série de instrumentos e standarts internacionais, códigos de conduta e
orientações normativas cujo cumprimento é preponderantemente voluntário por parte dos
atores internacionais nele inseridos, o principal e mais central ponto a ser levantado é que o
cenário nuclear mundial está pautado nas deficiências do próprio regime que ensejaram tal
evento.
Levando-se em conta a evolução normativa e conceitual nuclear, pautando-se no
desenvolvimento significativo que se sucedeu após os gravames ocasionados pelos acidentes
nucleares mundiais, denota-se ainda que tal estrutura normativa demanda de um constante
aprimoramento, de modo a refletir o cumprimento dos elevados níveis de proteção nuclear
que precisam ser considerados e respeitados e, por conseguinte, de segurança e salvaguarda
nuclear, de modo a assegurar a tutela do ser humano e do meio ambiente face aos
abomináveis riscos causados pela radioatividade.
Com essa premissa, verifica-se que necessário se faz o entendimento da
regulamentação internacional de energia nuclear numa dupla dimensão, enquanto conceito de
257
áreas que integram o conceito de mitigar riscos: proteção, segurança e salvaguarda nuclear.
Logo, a coordenação e cooperação de esforços na dinamização e evolução da ordem nuclear
internacional implicam no aprimoramento da própria instrumentalização institucional desse
ente, isto é, na incorporação harmônica dos standarts internacionais com os princípios de
good governance, promovendo progresso através da utilização pacífica da energia nuclear
através da cooperação internacional dos países terceiros e organizações internacionais.
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Resumo
Abstract
From a historical context can infer that is the prominence of humanitarianism in the
International System that international humanitarian law and humanitarian interventions arise,
bringing together the many other dilemmas and paradoxes. As coercive actions, interventions
are carried out against / in a state for this is infringing a standard or an established principle in
1
Graduando em Relações Internacionais no Centro Universitário de Belo Horizonte. E-mail:
herculeskuster@hotmail.com
2
Graduanda em Relações Internacionais no Centro Universitário de Belo Horizonte. E-mail:
mayragomesjesuino@outlook.com
3
Graduanda em Relações Internacionais no Centro Universitário de Belo Horizonte. E-mail:
thata.eleuterio@gmail.com
264
the International System, aimed at individuals protection to other states, through the use of
military force and have their fundamental rights restricted or cut off. However, these practices
have different characteristics that provoke debates and disagreements about its means and
ends, mainly due to its politicized. In addition, there are big discussions about their
enforcement characteristics and economic influences to which interventions are subordinated.
Thus, this article aims to analyze the humanitarian interventions from the conflict in Biafra -
which is very important in debates on humanitarian crises after the Second World War.
Key Words: Interventions; Coercive; Biafra.
1 INTRODUÇÃO
De fato, como percebeu Elias, até o início do século XX, o conceito de civilização,
como um conceito dinâmico, que implicava a ideia de processo, terminava por
mitigar as diferenças regionais e nacionais a bem da expansão de uma espécie de
autoconsciência europeia ou ocidental representada, sobretudo, pela própria
conduta individual. É essa última acepção que permite relacionar humanitarismo e
civilização; mais que isso, permite relacionar à ação humanitária em seu sentido
moderno, às perspectivas evolucionistas e modernizantes que marcaram o
liberalismo oitocentista (ESTEVES, 2010, p. 13).
E, desta forma, a definição entre barbárie e civilidade foi sendo difundida no interior
dos Estados europeus, reforçando o processo de governamentalização por parte dos Estados
nas questões sociais e na sociedade europeia internacional que se expandia rumo a uma
sociedade internacional (ESTEVES, 2010). Como cita Bellamy (1994), referenciando o
escritor John Stuart Mill, na lógica liberalista de autonomia dos indivíduos e das virtudes do
laissez-faire, as intervenções passaram a serem necessárias por parte dos Estados ou dos
“indivíduos de bem” no intuito de proteger aqueles que não possuem autonomia e liberdades
fundamentais. Desde então, a humanidade cindiu em dois grupos: os indivíduos autônomos e
autogovernados, e aqueles que deveriam ser governados (ESTEVES, 2010).
2 GUERRA DO BIAFRA
A Guerra da Biafra foi uma guerra civil que ocorreu na Nigéria de 1967 a 1970 entre
elites políticas de grupos étnicos, em torno de uma competição sobre recursos econômicos e
políticos. De forma sucinta, o conflito iniciou-se após o golpe arquitetado por um grupo de
oficiais de origem étnica Igbo (cristãos) que mataram o primeiro ministro Sir Abubakar, se
aprofundando com um contra golpe por oficiais mulçumanos que culminou na perseguição
contra os Igbos. Em seguida, como resultado dessa fragmentação interna, após massivas
perseguições e massacres aos Igbos - que se concentravam na região sudoeste do país -, os
biafrenses declararam sua independência da Nigéria. A partir disso, o governo federal
nigeriano se opôs e começou o conflito. O conflito foi liderado – em ambos os lados –
exclusivamente por generais e oficiais africanos (OLIVEIRA, 2014). Instalado o conflito, o
governo central da Nigéria, passou a adotar uma estratégia de completo bloqueio das linhas de
abastecimento da região da Biafra por via terrestre. Cerca de um milhão de pessoas morreram
de fome provocada pelo bloqueio (ESTEVES, 2010).
Os insurgentes conseguiam suas armas principalmente através de grupos
mercenários, e de forma bem mais tímida de países como a França que possuía uma relação
complexa com o governo nigeriano. Contudo, ao final, depois dos bloqueios e do massacre
que os Igbos sofreram, a expectativa das lideranças da Biafra era encerrar o conflito pela via
diplomática (ESTEVES, 2010). Apostaram no reconhecimento internacional para a solução
do conflito. Isso fez com que o conflito passasse a ser apenas uma tensão já que os briafenses
não possuíam mais a capacidade de manter operações militares. A situação atingiu certo
limiar no que diz respeito aos confrontos (CICV, 2008).
O conflito em Biafra é de suma importância às crises humanitárias e as ajudas
humanitárias após a segunda guerra mundial na periferia do sistema internacional. Na
verdade, até os anos de 1970 tais questões eram tratadas apenas por canais bilaterais
promovendo agenda dos governos envolvidos. Não que ate os dias atuais não tenham
finalidades parecidas. Sendo assim, a partir de Biafra, como também de Bangladesh, Etiópia e
Camboja, é possível perceber a proeminência principalmente das organizações não
governamentais no alivio de desastres humanos, sociais e ambientais (ESTEVES, 2010).
268
3 SEGURANÇA HUMANA
270
Para muitos autores, como Silva (2011); Donnelly (2003); Bellamy e Wheeler (2008)
e Valença (2009), com a nova ordem mundial estabelecida ao final da Guerra Fria, as
intervenções humanitárias passaram a ser cada vez menos legítimas e mais violentas. No
decorrer da Guerra Fria, as intervenções eram mais ideológicas do que, de fato, questões de
segurança internacional, porém, já apresentavam o uso da força como instrumento.
Entretanto, é no pós-Guerra Fria que o uso da força passa a ser intrínseco às práticas dos
Estados intervenientes, a partir da articulação de duas instâncias discursivas, a estratégica
(para benefício do próprio Estado interveniente) e a humana (para benefício da pessoa
humana), que legitimam a ação humanitária. Sendo assim, é notório que o quadro de
inseguranças existentes no sistema internacional passou a ser visto algo com maior
complexidade e profundidade, abandonando-se a discussão entre poder e paz, apresentadas
pelas teorias realistas e idealistas. Este é um problema que perpassa diferentes esferas das
relações internacionais, desde o indivíduo até sistema internacional (BUZAN, 1984).
Com maior amplitude, pode-se dizer que a ideia de construção da paz foi acrescida
ao conceito de segurança internacional, ou seja, a dimensão dos direitos humanos foi
incorporada às operações de manutenção da paz (DONNELLY, 2008). É importante destacar
que outros temas foram incorporados aos direitos humanos na busca pela paz mundial.
Dentre estes temas estão a democracia, a cooperação e a integração, a prosperidade e o
desenvolvimento. Passou a existir, então, um vínculo entre direitos humanos, democracia,
desenvolvimento e segurança5 (ESTEVES, 2010).
Desta forma, pode-se dizer que o fim da Guerra-Fria alterou os paradigmas relativos
à segurança internacional. Como afirma Buzan (1984), além da alternância de paradigmas,
houve um movimento de mutação em relação a concepção do que seria segurança, sendo que,
a partir disso, começa-se a se falar de segurança humana. O conceito de segurança humana,
assim como o de desenvolvimento humano, foi cunhado nos relatórios produzidos pelas
Nações Unidas no interior do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento
(PNUD), em 1993 e 1994, por Mahub ul Haq. Inicialmente, pode-se dizer que o conceito de
segurança humana, como afirma o próprio Mahub ul Haq (2007) apud Esteves (2010),
presumia que poderia haver uma tensão entre as aspirações individuais e a estrutura política
dos Estados, que são caracterizados por uma diversidade étnica e cultural imensa. Esse
5
Segundo Esteves (2010), o estabelecimento desses vínculos se encontra no documento intitulado “Uma agenda
para a paz”, que trata da democracia liberal, bem como no documento intitulado “Uma agenda para o
desenvolvimento”, que trata do nexo da segurança com o desenvolvimento. Para maiores informações vide:
http://funag.gov.br/loja/download/916-Comissao_das_Nacoes_Unidas_para_
Consolidacao_da_Paz_Perspectiva_Brasileira.pdf
271
conceito foi construído sem qualquer concordância formal da ONU. Entretanto, ao longo da
década de 1990, ele sofreu algumas mudanças (ESTEVES, 2010).
A ONU, atualmente, possui uma comissão específica para segurança humana, o que
demonstra, na prática, a realocação dos direitos humanos com ponto central da agenda de
segurança mundial. De acordo com esta comissão, a segurança humana é necessária, pois é
uma resposta à pobreza crônica, à violência étnica, ao terrorismo internacional, às crises
financeiras, às alterações climáticas e ao tráfico humano. A comissão, ainda, defende que
ameaças à dignidade humana não podem ser combatidas através de mecanismos não
convencionais (como na atuação de Organizações Não Governamentais), por isso a
necessidade de ser criar relações de interdependência entre o desenvolvimento, os direitos
humanos e segurança internacional (CHS, 2003). É de suma importância apresentar o que se
entende como segurança humana na atualidade, principalmente para os órgãos internacionais.
Segundo a comissão de segurança humana da ONU, sua definição é:
A segurança humana significa proteger as liberdades fundamentais - liberdades que
são a essência da vida. Significa proteger as pessoas de ameaças críticas (graves) e
penetrante (generalizada) e situações. Significa usar processos que construir sobre
os pontos fortes e aspirações das pessoas. “Isso significa a criação de sistemas
políticos, sociais, ambientais, econômicos, militares e culturais que, juntos, dão às
pessoas os blocos de construção de sobrevivência, subsistência e dignidade” (CHS,
2003, p.4)6
A partir disso, como afirmam Bellamy e Wheeler (2008), os anos 1990 passaram a
ser chamados de os “anos de ouro para o ativismo humanitário”. Os autores argumentam que
a noção de que os assuntos humanitários são mais importantes do que a soberania passa a
comandar a política internacional. Isto significa dizer que, nos anos 1990, as intervenções
passaram a ser identificadas como imprescindíveis à proteção de estrangeiros, diferentemente
da conotação anterior, como apresenta Esteves (2010), ao contextualizar a história da
emergência do humanitarismo moderno até o período da Guerra Fria. Em contrapartida, esse
mesmo período foi, também, o período em que ficou evidente a utilização dessas mesmas
intervenções humanitárias como instrumento de balança de poder, caso dos genocídios de
Ruanda, em que o mundo permaneceu alheio ao ocorrido. Com isso, fica claro que, no pós-
Guerra Fria, os Estados ocidentais tomaram a liderança no avanço de uma nova forma de
intervenção armada (BELLAMY; WHEELER, 2003).
6
Human security means protecting fundamental freedoms – freedoms that are the essence of life. It means
protecting people from critical (severe) and pervasive (widespread) threats and situations. It means using processes
that build on people’s strengths and aspirations. It means creating political, social, environmental, economic,
military and cultural systems that together give people the building blocks of survival, livelihood and dignity.”
(Tradução Própria).
272
É necessário destacar que, durante os anos de 1990, alguns Estados, como Rússia,
China, Índia e outros membros do movimento não alinhado às ideias ocidentais imperialistas,
foram contrários às práticas humanitárias, da forma como se desenvolviam, e à interferência
de assuntos internos, que infringia a soberania dos Estados. Contudo, ao final da década,
esses mesmos Estados relutantes passaram a aceitar as intervenções, desde que autorizadas
pelo Conselho de Segurança da ONU ou em casos de genocídios em massa. Porém, é
pertinente considerar que o Conselho de Segurança da ONU é uma instituição extremamente
politizada e é difícil a afirmação de que haja imparcialidade nas suas decisões (BELLAMY;
WHEELER, 2003).
Nesse contexto, surge uma das primeiras preocupações acerca da temática, como
retratado por Bull (2002), que se centra na ideia de que as intervenções em assuntos internos
não necessariamente terão um propósito claro. A ação pode advir de um objetivo obscuro de
uma potência com a finalidade de influenciar ou restringir a influência de outra potência em
um determinado lugar. Alguns exemplos dessa afirmação de Bull (2002), sobre possíveis
abusos, são a intervenção francesa em Ruanda, em 1994, e a intervenção no Iraque, em 1991,
pelo exército americano, britânico, francês e holandês. Existem evidências de que motivos
políticos dos Estados podem ser considerados seus grandes motivadores, trajados de práticas
humanitárias e, em casos em que não houve interesses nacionais em jogo, a opinião pública
pode ser considerada o grande estopim. Com isso, uma análise aprofundada sobre os reais
motivos das efetivas intervenções, principalmente as articuladas por líderes ocidentais, de
maneira alguma podem ser apontadas como um impulso exclusivo, embora haja evidências
de humanitarismo (BELLAMY; WHEELER, 2003).
Pode-se dizer que os direitos humanos, a democracia e o desenvolvimento passaram
a estar mais fortemente conectados, a partir do momento em que se tornaram pautas de
segurança de segurança internacional. As transformações sistêmicas fizeram com que esses
temas, presentes nas chamadas políticas soft, ganhassem destaque na agenda internacional de
segurança no contexto pós-guerra (BARROSO, 2006). O caráter securitizado dos direitos
humanos, da democracia e do desenvolvimento, bem como os temas ambientais, após a
Guerra Fria, surgiu com o início das discussões de revisitação da conceituação de segurança.
Nesta época, havia a necessidade em se afastar as questões de segurança internacional das
premissas realistas, que as restringiam a aspectos apenas militares e estratégicos. Assim,
ficou evidente que assuntos tangentes à segurança internacional são construídos pelas relações
sociais.
273
Para Buzan (1991), o debate sobre segurança colabora para a emancipação humana,
pois as ameaças à segurança não se originam apenas na esfera militar, mas também nos
setores políticos, econômicos, societais e ambientais (TANNO, 2003). Como evidência tem-
se a Conferência de Viena, de 1993, onde nota-se que o Conselho de Segurança passou a
conferir aos direitos humanos um papel de influenciador da manutenção da segurança
(HERNANDEZ, 2010). Assim, esses elementos cederam espaço à ocidentalização e têm sido
propagados como ideais universais. O direito de ser independente e soberano passou a
nortear os Estados, extirpando a miragem em um dia pertencerem à sociedade europeia
civilizada (BUZAN, 2014). Compreende-se que o universalismo passou a ser uma prática
discursiva de ideais, supostamente universais, apresentados como pensamentos hegemônicos,
sendo o principal debate ideológico do século XXI (SANTOS, 2013). De fato, o
universalismo se apresenta como uma prática de alguns Estados, que se colocam em posição
de superiores, em uma prática imperialista, que impõe ao resto do mundo seus códigos de
conduta, suas intepretações de mundo, de modo muito similar à conduta de padrão
civilizacional da chamada sociedade europeia internacional, durante o século XIX (BUZAN,
2014; GONG, 1984).
4 CONSIDERAÇÕES FINAIS
REFERÊNCIAS
Resumo
A realidade brasileira confronta com o cenário mundial em relação ao crescente aumento do
número de migrantes internacionais. O Brasil não está caracterizado como um país que dispõe
de uma legislação oportuna aos fluxos migratórios, mas sim como um país que burocratiza o
processo de chegada de novos imigrantes. Além de um ordenamento jurídico carente, as
políticas de compartilhamento dos dados referentes a matérias de Migrações e
Desenvolvimento são limitadas e dificultam o entendimento dos pesquisadores da área. O
presente artigo pretende abordar a temática da insuficiência legislativa frente às necessidades
jurídicas do estrangeiro, além de demonstrar as consequências da atuação do estrangeiro na
economia brasileira. Para tal foram traçados o perfil desses imigrantes, bem como suas
disposições no território brasileiro.
Palavras-chave: Migração; Política migratória; Economia brasileira
Abstract
The Brazilian reality confronts the international numbers regarding migration, Brazil is not
characterized as a country that has a convenient legislation to migratory flows, but as a
country that bureaucratizes the arrival process of new immigrants. In addition to a poor legal
system, the limited data sharing on Migration and Developments hampers researchers’ work.
This article aims to analyze the issue of legislative failure regarding the foreigners needs in
Brazil, and it demonstrates the impacts of immigrants in the Brazilian economy. In order to
achieve better results, the profile of these immigrants in Brazilian territory was drawn.
Key words: Migration; Migration Policy; Brazilian economy
1
Artigo produzido a partir da pesquisa desenvolvida no Programa de Iniciação Científica da ANET, edição
2015/2016.
2
Graduanda em Direito na Universidade Federal de Alagoas (UFAL). E-mail: viviannewat@gmail.com
278
1 INTRODUÇÃO
As questões que envolvem matérias como Migração e Desenvolvimento apontam para
a necessidade da adoção de políticas governamentais que proporcionem maior bem-estar para
a sociedade. Independente do estatuto legal, indivíduos, sejam estrangeiros ou não, devem ter
seus Direitos Humanos Fundamentais assegurados e protegidos, de acordo com os tratados
internacionais vigentes.
O cenário do século XXI em contexto mundial, revela uma segunda fase da
globalização, intitulada pelo atual secretário-geral da Organização das Nações Unidas(ONU)
como a “Era da Mobilidade”( BAN KI-MOON, 2009).
Refugiar-se de situações conflitantes, como ambientes terroristas proporcionados por
guerras civis, ou tão somente para buscar melhores oportunidades de vida, associados a uma
maior liberdade de circulação entre territórios são alguns dos motivos que levam as pessoas a
saírem de seu país de origem ou residência habitual e optarem por novas realidades. Essa
inserção, em comunidades distintas, provoca tensões sociais e exige aparatos político-
jurídicos para regular tal situação. Ban Ki-moon ressalta então a importância de promover os
direitos dos migrantes 3.
Apesar da configuração internacional apontar dados que indicam o elevado número de
migrantes internacionais, a realidade brasileira indica que apenas 0,3% da população é
composta por estrangeiros, cifra pouco significativa tendo em vista que a média mundial é de
3% (MARTIN, 2016). O Brasil não está caracterizado como um país que dispõe de uma
legislação favorável à imigração. A burocratização proporcionada pelo Estatuto do
Estrangeiro, de 1980, então vigente no Brasil, é um impasse para que ocorra um significativo
aumento dos fluxos migratórios para o território brasileiro.
Um ambiente jurídico despreparado acoplado às falhas administrativas do setor
executivo brasileiro caracterizam um cenário de crise que contribui para mascarar a chegada
dos novos fluxos de estrangeiros, além de promover uma dicotomia entre os discursos que
debatem quanto à receptividade, ações xenofóbicas pontuais e a integração dessas pessoas.
Ao longo deste artigo serão feitas breves caracterizações dos perfis dos imigrantes que
dirigem-se ao Brasil, a partir do século XX, apontando números coletados desde 1900 até a
pesquisa mais recente feita em 2012. Isso será feito por meio da coleta de dados
disponibilizados pelo Conselho Nacional de Imigração, Ministério da Justiça, Ministério das
3
O termo migrante deve caracterizar os indivíduos cuja decisão de migrar for tomada livremente por esses, a
fim de melhorar suas condições materiais, bem como sociais (OIM, 2009).
279
Relações Exteriores, Polícia Federal, bem como pelo Instituto Brasileiro de Geografia e
Estatística (IBGE). Uma análise levando em consideração a relação entre a mão de obra
estrangeira e a economia brasileira, teve por base os dados mais atualizados concedidos pelo
Ministério do Trabalho, Emprego e Previdência Social.
Tendo em vista a amplitude do conteúdo e a limitação encontrada diante da frágil
sistematização de dados, foi entendido como necessário restringir as críticas à duas regiões
opostas: Sudeste brasileiro, em especial o estado de Sao Paulo; e o Nordeste, destacando a
zona conhecida como MATOPIBA. Essa terminação é referente a faixas reconhecidas pelo
Governo Federal, em específico pelo Ministério da Agricultura do Brasil como uma das
últimas fronteiras agrícolas do mundo, divisão que compreende os estados do Maranhão,
Tocantins, Piauí e Bahia.
O potencial encontrado, nesses estados do Nordeste, implica no reconhecimento de
áreas que ao longo da historia foram pouco valorizadas, e que agora a partir dos recursos
avançados proporcionados pela globalização em soma com alguns métodos desenvolvidos em
especial por imigrantes, possibilitarão uma nova caracterização da região.
É possível compreender por meio da literatura, que tradicionalmente a região Sudeste
recebe mais imigrantes, enquanto o Norte e Nordestes do Brasil, são compreendidos como
regiões caracterizadas como tipicamente expulsivas.
As duas regiões foram ressaltadas por apresentarem divergências quanto ao estímulo e
receptividade quanto à chegada de grupos estrangeiros, sendo importante compreender que
existe um favoritismo permeando as movimentações para esses locais que recaem diretamente
sobre a economia brasileira. A variedade no setor de serviços e as oportunidades disponíveis
no estado de São Paulo, por exemplo, atraem inúmeros migrantes, enquanto a possibilidade de
expansão de novos projetos com incentivos do Governo Federal, estimulam o direcionamento
de investidores e imigrantes para a área compreendida como MATOPIBA.
O objetivo deste trabalho será realizar um compêndio acerca do panorama da
migração no Brasil, questionando as políticas migratórias adotadas no país e suas relações
com os âmbitos econômicos e jurídicos, estimulando o debate quanto a essas questões, sem
pretender esgotar o tema.
Por políticas migratórias, entende-se que são políticas públicas que discorrem acerca
da regulação de seu vínculo com os estrangeiros que se encontram em determinado território,
bem como com os seus nacionais que estejam sob a jurisdição de outro Estado (SICILIANO,
2001).
280
4
Em 2012, 277.727 era o número de imigrantes portugueses permanentes registrados no território brasileiro.
Fonte: Polícia Federal, 2013.
5
Em janeiro de 2012, criou-se no Brasil o chamado “visto humanitário”, por meio da resolução 97 do Conselho
Nacional de Imigração (CNIg). É expedido pela embaixada brasileira no Haiti, com o objetivo de evitar que os
haitianos busquem rotas de imigração operadas por organizações criminosas. Inicialmente era previsto o limite
de 1.200 concessões de vistos por ano, limite este que foi revogado posteriormente, em abril de 2013, pela
Resolução 102 do CNIg.
281
quase que em totalidade os países dessa região, excluindo apenas Chile e Equador; esses
elementos, por si só, não são suficientes para atrair mais estrangeiros, como aponta os estudos
realizados pelo IBGE(2010), que indicam que aproximadamente dos duzentos milhões de
habitantes, apenas uma porcentagem mínima entre 0,3% e 0,4% correspondem à população
estrangeira que reside no Brasil.
O gráfico 1.2 indica o declínio ocorrido entre os anos de 1900 e 2010 em relação a
porcentagem comparativa entre estrangeiros e naturalizados diante da população total
brasileira, indicando uma tendência em reduzir a quantidade de estrangeiros no território.
Gráfico 1.2
7
PARISE, Paolo. Trânsito Humano e acolhida na cidade de São Paulo. Missão Paz. São Paulo: 2015. Dados
adicionais e estatísticas da Missão Paz estão disponíveis em: <http://www.missaonspaz.org/#!estatsticas/c176s>.
Acesso em 13 mar. 2016.
284
são recebidos novos sujeitos provenientes dos mais diversos países que devem ser amparados
juridicamente e atualizados nos sistemas de catalogação de dados.
Esse novo fluxo migratório já seria uma consequência da superpopulação disposta nas
regiões que são tipicamente destinos dos migrantes. Thomas Malthus(1798), economista
britânico, que pesquisava acerca do crescimento populacional classifica essa consequência
como inevitável da ascensão das imigrações.
imigrantes. No Nordeste, por exemplo, ainda que o governo adote um burocrático processo
para a chegada de imigrantes no território em sua totalidade, nessa região ele estimula a vinda
de imigrantes e faz questão de contabilizar direta e indiretamente as contribuições econômicas
que os estrangeiros proporcionam. A expectativa é que os investimentos estrangeiros diretos
direcionados a zona do MATOPIBA atinjam cifras elevadas, atraindo a atenção do Governo.
Por outro lado a frequente chegada de imigrantes na região Sudeste associada a uma
fragilidade das instituições responsáveis pelas coletas de dados colaboram para mascarar a
influência do trabalho estrangeiro, nessa localidade, em especial nos estados do Rio de
Janeiro, São Paulo e Minas Gerais que acumulam um maior número de imigrantes.
As duas regiões foram ressaltadas por apresentarem divergências quanto ao estímulo e
receptividade de grupos estrangeiros, sendo importante compreender que existe um
favoritismo permeando as movimentações para esses locais que recaem diretamente sobre a
economia brasileira.
Essa atenção oferecida em proporções inversas, que são direcionadas a partir do
interesse governamental, configurando uma arquitetura institucional de acolhimento, o que
indica mais uma das temáticas que são silenciadas pela adoção de uma frágil política
migratória brasileira.
instalada no Brasil desde 2014, ouvida a necessidade da efetiva vigência da nova lei,
protelando sua tramitação pelas casas do poder executivo.
A nova lei que atualiza o Estatuto de Estrangeiro em relação às migrações foi
elaborada pelo senador Aloysio Nunes Ferreira (PSDB-SP), e além de atualizar a
nomenclatura de estrangeiro para migrante, insere a matéria no contexto internacional dos
Direitos Humanos incorporando três princípios gerais: interdependência, universalidade e
indivisibilidade.
O projeto de lei ainda discorre sobre a proteção dos brasileiros no exterior, promoção
do reconhecimento acadêmico e do exercício profissional no Brasil, além de repudiar práticas
de deportação ou mesmo expulsão coletivas. No geral, a nova lei implicará no acesso
igualitário aos bens públicos, segurança, educação, saúde e à jurisdição.
Apesar dos visíveis avanços quanto aos elementos que configuram a nova Lei de
Migração, tanto nas áreas trabalhistas como humanitárias, ela não versa sobre a
responsabilidade da catalogação de dados pelas instituições jurídicas.
A adoção de uma nova lei não esgota a temática de migrações, visto que
constantemente devem ser elaboradas políticas específicas que sejam capazes de discorrer
sobre a atração e retenção do estrangeiro e seus investimentos, por meio de iniciativas sócio-
governamentais que sejam assertivas e devidamente institucionalizadas.
6 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Abdelmalek Sayad (1998) aponta que o entendimento quanto à condição do
imigrante e sua instalação no país escolhido, bem como a classificação temporal dessa
mudança pode ser compreendida por meio de um entendimento dicotômico. A situação do
imigrante portanto, pode ser classificada como um estado provisório ou mesmo duradouro.
Independente da presença do caráter de provisoriedade, os governos de países
receptores devem apresentar políticas públicas assertivas e eficientes que possibilitem a
inserção desses indivíduos na nova realidade sociocultural, além de assegurarem o
cumprimento dos direitos a esses sujeitos, em especial na matéria de Direitos Humanos. Essas
políticas migratórias devem ser capazes de atrair a vinda de imigrantes e proporcionar
estímulos que viabilizem a integração desses grupos no território estrangeiro.
No Brasil, as políticas aqui adotadas são classificadas como insuficientes, tendo em
vista os motivos abordados ao longo do artigo. O principal elemento que dificulta e limita a
descrição e entendimento acerca dos fluxos migratórios que optaram por desembarcar em solo
brasileiro, é justamente a ineficiência presente diante da utilização dos métodos de coleta, por
289
elas assimiladas assim como a sistematização dos dados, dada de maneira desorganizada,
além é claro de uma lei ultrapassada e da ausência de políticas migratórias atrativas para a
vinda de estrangeiros qualificados, que tanto são almejados pelo governo brasileiro.
Diante dessas limitações impostas pela escassez de dados sobre a influência da
atividade migratória tanto no campo sociológico, como também no econômico, o complexo
estudo sobre essa matéria torna-se ainda mais fatigante.
Analisar distintas esferas de incidência da ação estrangeira em regiões
tradicionalmente opostas, como é o caso do Sudeste e Nordeste brasileiros, aponta o quão é
importante a vigência de uma legislação que incida corretamente ao longo do território, com
efeitos legais que correspondam devidamente às demandas sociais, sejam nos aspectos
jurídicos ou mesmo econômicos.
O breve esforço acerca do perfil do estrangeiro, assim como a observação quanto às
estatísticas depreendidas do objeto de estudo por meio da utilização de métodos empíricos,
aponta que políticas migratórias assertivas devem discorrer para além das seguranças
jurídicas, incorporando também medidas que correspondam às necessidades econômicas e
dispondo de estratégias geopolíticas que atuem diretamente nos anseios sociais.
Finalmente é possível inferir que políticas migratórias públicas necessitam de
organização no planejamento e na execução dessas, delimitando as devidas competências a
partir da correta institucionalização dos órgãos, atrelado a uma adoção de eficientes políticas
de atração, integração e compartilhamento de informações; colaborando assim para uma
melhor estruturação social capaz de acolher corretamente os estrangeiros que se destinam para
essas comunidades.
REFERÊNCIAS
BRASIL. Brasil: 500 anos de povoamento.. Rio de Janeiro: IBGE, Centro de Documentação
e Disseminação de Informações, 2000.
EBC. Comissão do Senado aprova nova lei que atualiza o Estatuto do Estrangeiro.
02/07/15. Disponível online: <http://agenciabrasil.ebc.com.br/politica/noticia/2015-
07/senado-aprova-lei-de-migracao-que-reve-legislacao-da-epoca-da-ditadura>. Acesso em: 14
abr. 2016.
MARTÍN, Maria. Atrasado no contexto mundial, Brasil estuda agora como atrair imigrantes.
São Paulo: El país. 2015. Disponível online:
<http://brasil.elpais.com/brasil/2015/05/29/politica/1432914508_370989.html>. Acesso em:
03 mar. de 2016.
PARISE, Paolo. Trânsito Humano e acolhida na cidade de São Paulo. São Paulo: Missão
Paz, 2015.
UNCTAD. World Investment Report – 2015. 25º Ed. Nova Iorque e Genebra: 2015.
292
RESUMO
O presente artigo tem por objetivo discutir de forma crítica a condição jurídica dos
trabalhadores refugiados na Alemanha. Para os efeitos deste artigo, entende-se
refugiado como aquele que se encontra fora do seu país de origem devido a fundados
temores de perseguição, seja política, racial, religiosa, por nacionalidade, participação
em grupos sociais ou opinião política, e que não tenha a possibilidade de voltar ao seu
país de origem. O método utilizado foi o indutivo, com farta pesquisa bibliográfica e
documental. Para tanto, analisar-se-á de forma empírica a perspectiva histórica das
ondas migratórias na União Europeia, a crise migratória no bloco e na Alemanha no
século XXI e os Tratados Internacionais sobre Migração e Direitos dos Trabalhadores
dos quais a Alemanha é signatária, além das perspectivas desses imigrantes para o
futuro.
Palavras-chave: Trabalhadores; Refugiados; Alemanha.
ABSTRACT
This article aims to discuss critically the legal conditions of refugees workers in
Germany. For the purposes of this article, refugee is someone under a well-founded fear
of being persecuted for reasons of race, religion, nationality, membership of a particular
social group or political opinion, is outside the country of his nationality, and does not
have the possibility to return to their country of origin. The method used was the
inductive, with extensive bibliographic and documentary research. The article will
examine empirically the historical perspective of the migratory waves in the European
Union, the migration crisis in the bloc and in Germany during the XXI century and the
International Migration and worker’s rights conventions in which Germany is a
signatory, as well as the perspectives of these immigrants for the future.
1
Artigo produzido a partir da pesquisa desenvolvida no Programa de Iniciação Científica da ANET,
edição 2015/2016.
2
Graduanda em Relações Internacionais na Universidade Federal Fluminense (UFF). E-mail: letícia-
cris@hotmail.com.
293
1 INTRODUÇÃO
atualmente é uma das menores do mundo, além de haver muitas vagas em aberto que
não foram ocupadas pela população. O país precisa de imigrantes para que a queda no
número populacional não afete o mercado de trabalho.
estão na Alemanha não estão interessados em assimilar a cultura alemã e 43% acha que
os estrangeiros são mais violentos que os alemães (BOSWELL; CHOU; SMITH, 2005).
A partir das pesquisas foi possível perceber que a população alemã se mostra
mais preocupada e intolerante com os imigrantes econômicos do que com os refugiados
e solicitantes de refúgio. Dessa forma, observa-se que os alemães estão mais focados
nos desafios do mercado de trabalho. No entanto, pesquisas mostram que o fluxo de
estrangeiros tem pouco ou nenhum impacto nos salários e nos empregos da população
nativa. Esse impacto só ocorreria caso as habilidades dos estrangeiros fossem similares
às dos nativos, ou se esses imigrantes fossem capazes de trabalhar a custos mais baixos
onde há trabalho excedente; e esses fatores raramente acontecem.
Normalmente, os migrantes econômicos e os refugiados têm habilidades
complementares às dos nativos e se ocupam dos cargos que são rejeitados pela
população nativa. Ademais, os sindicatos procuram garantir que os trabalhadores
estrangeiros recebam salários e condições de trabalho compatíveis às dos trabalhadores
nativos.
básicos de saúde. Após, o requerente de asilo será realocado para um Conselho, que é
responsável por conceder benefícios básicos de habitação, alimentação, saúde. O acesso
regular à saúde só será disponível quando o requerente de asilo tiver seu pedido aceito
ou após 15 meses no país, independente de seu status. "Indivíduos no último grupo não
são apenas aqueles que ainda estão à espera de uma decisão, mas também aqueles com
uma decisão negativa que ou não podem ser expatriados por diversos motivos ou estão à
espera de expulsão."
A Lei Federal exige que todos os migrantes recém-chegados façam exames para
tuberculose; e em alguns estados mais populosos também recebem vacinação e uma
primeira avaliação médica, a fim de controlar a propagação de doenças transmissíveis,
como é o recomendado pelo Centro Europeu de Prevenção e Controle de Doenças.
Já com relação ao trabalho, é a autoridade de imigração que decide quando dar a
permissão de trabalho da Agência para o Emprego para o refugiado. Após quatro anos
residindo na Alemanha, não é mais necessário solicitar essa autorização. Todo acesso ao
mercado de trabalho depende do status de residência do refugiado e existem vários
títulos de residência. Os refugiados que vivem em instalações de recepção (entre seis
semanas e seis meses), por exemplo, não tem direito de ser empregado.
Outra organização alemã que trabalha a favor dos direitos dos refugiados é a Pro
Asyl. A organização se diz interessada em proteger os refugiados e os direitos humanos.
Eles se opõem a movimentos racistas e pressionam o governo com relação às políticas
de asilo na Alemanha. A organização destaca a dificuldade dos refugiados de conseguir
emprego, devido à “regra de prioridade” colocada pelo governo, no qual o cidadão
alemão sempre terá prioridade nas vagas de emprego.
4 CONSIDERAÇÕES FINAIS
REFERÊNCIAS
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