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ESTETICA DA MUSICA a qualquer outra linguagem artistica. Com efeito, a linguagem da poesia € completamente heterogénea nos seus valores emotivos, sentimentais, no seu poder denotativo das realidades singulares relativamente a arte dos sons que, ao invés, encarna ou espelha uma bem mais elevada ordem racional do universo. O problema das relagdes e do encontro entre mtisica e poesia nao faz parte dos interesses do matemdatico que especula sobre a natureza dos sons; alids, na sua especulacao esté sempre implicitamente presente a ideia de que a miisica deve desvincular-se da sujeigio a poesia e tender a tornar-se uma linguagem auténoma em virtude da sua natu- reza. Qualquer combinagSo com outra arte s6 poderé comprometer € corromper a sua natureza racional e matemitica. As teorias.matematicas sobre a mtisica ¢ as teorias que afir- mam uma origem comum da musica e da poesia excluem-se mutua- mente, no sentido em que se opdem como duas modalidades radi- calmente diferentes de conceber a miisica e a sua funcao. Musica e significado Um outro tema recorrente na hist6ria do pensamento musical € a reflexo sobre o proprio significado da misica. Problema desde sempre debatido e, obviamente, sem solugées definitivas. O debate secular sobre o significado da mtisica ou, em termos mais moder- nos, sobre a semanticidade da mtsica assenta, muitas vezes, no pressuposto de que o modelo da fungio denotativa é o da linguagem verbal. Assim sendo, trata-se de estabelecer em que medida a mtisica se aproxima da linguagem verbal ou se afasta no que con- cerne as suas possibilidades de significar, de denotar acontecimen- tos do mundo exterior, ou emogdes do homem. Evidentemente, 0 problema do significado da misica assumiu as mais dispares formas ao longo dos séculos e, ainda que na subs- tancia se reduza sempre ao mesmo dmago, tenta-se reconhecé-lo frequentemente por detrés das mdscaras usadas consoante 0 con- 28 67 WO) “elsood-volsnur ovsejor up oisea sreu ewojqoid oe sepesy, SWOUTTARIGNpUT WEquIY) OR}so ‘saquareyip soorurdo ap orex ojdure um wormndxe ep wore ‘sepruyopur a sesoroumnu sTeur o}UR}seq gs opepreor eu onb seur ‘seysodxa BuIIOe sogsisod senp se woz “HPAI os suoUROLeWONbso anb “eorsnut ¥P OpeoylUsis 0 a1gos sett “081 SV "BLOSo}eo pues y ayuoUTETAQo UTeoUDUIEd “SOUISOUI Is Ura SUL OU SOpIqeouod soattsodutog sar0feA snos soe “eoTuoydayinbie ogsnysuos ens g ‘Jeut10y ovdrojied ens eg aony ordejsnes ap ‘soz ~eidsop 9 rozead op SagSoval sessou se ul09 ‘osoarou BUIO}SIS Ossou © Woo voIsnuT ep sagsejor se zn] eB WozeN onb “ouzapour opunut OU Opmjaigos sew ‘eAaIpour 9 OSnue Opunu ou ‘settoa} se sepoy ‘epredenuos Wy ‘Wowoy o vied SUBAI[AI 9 DaLvIYiUSIs oJUDUTeD “He BoIsnul B elopIsuos as aonb eolylusis ‘eSuosaid ens e Joavuapuoo No Jaavfosop weuso) anb Sox0[BASAp NO souojeA aTTWISURN ap appro -edeo ens e ‘oaneonpe Japod nos ov “oseo 0 opo} wa “epesiy eyso SPepaisos vu voIsnU ep eSuasaid v og “oulayo Woo :asoy emroutd vu STOUIPTAGO WeIZI@AUOD ‘Teapr opeparsos vu 9p BoIsnur & Moxa © NO IN[lUpe & WeIpue} ‘OSqUe OpunuT ou ‘onb Svl109} se sepoy, “weyussaide onb OdTJOsoyLy OAg|al JOTeUr O OpEp staArooyuooer SHUOUNTFORT STeUU ‘SeUTANXA sags -Isod se oon1ysiy areqap ou Teoynuapr ered [yn Jas apod euranbso 9189 “BIAvpOL, ‘ossiwosdutos ap no SeIPPULIO IU sTUZep sourerrepod anb sagdtsod seymur ows Wroq ‘sasal senp sejsou sozijeur sosuowt 9s-lueoTyNUepy “efas onb 1onb o Jruidxe wou ‘ovseunoyur eumyuou ANqusten ‘oyuourroayuoo Aznpoad ‘oyueyod ‘apeplyeuly ouos Opua} OBU ‘OUISOUT IS WA BIOBsa os wy ofno Jaaysues sozead umn Tiznpoid B ‘steur ap sajue ‘elapuay suos Sop oye & Jenb & opunes ‘eorsnur =p vonsuopay sew ovsdaouos wun 9P sejsIso]Ode sop v ‘onno 10d ‘SO]UOUTHUS sossou so auiedxa “souzepour sreur sodura} ure itp os OUIOS “no sojuaWUas sossou so vrouanygur ‘oyusutewodut0s ossou Ou eplour vorsnw & Jenb ¥ opun3es“nsuas nj] Wa Daa oeSdoo. ~UOd BLN ap seIsTSojode sop v “ope] um Jod :yeorsnur oywawesued Op eHOIsIY vu gjUOUTeszaAIp WejUOTUOS 9 weIUOIUa as sejsodo sasaq senq] ‘oresur as onb uro OOLOSOTLY 2 OOIBOJOApI ‘OoLIOSTY OFxO1 VOISQIN 4G VIECI V 4 OVISTID SLNICIDO O ESTETICA DA MUSICA efeito, os tedricos do formalismo puro geralmente refutam a unido da mtisica com a poesia, na medida em que consideram que a miisica nao é uma linguagem: absolutamente desprovida de poder significativo e expressivo, nao pode de modo algum aproximar-se ou fundir-se com a literatura, que, ao invés, é indiscutivelmente uma linguagem. Quem, pelo contrdrio, acha que a miisica é dotada de poder expressivo e denotativo defende que, por isso, esta pode encontrar a sua realizagao mais adequada precisamente numa sim- biose com a linguagem da poesia: dessa forma os respectivos poderes semAnticos so sem diivida potenciados. Obviamente, s6 uma investigacao histérica circunstanciada pode determinar concretamente as ligagdes entre as varias posigdes filos6ficas e ideolégicas, acima expostas de forma esquemiatica, sobre a mtisica. Neste ensaio quisemos simplesmente fornecer um inventério de alguns problemas que nos parecem fundamentais e recorrentes na histéria do pensamento musical da Grécia Antiga até aos nossos dias. Embora os problemas sejam na verdade mais numerosos ¢, sobretudo, muito mais complexos e indefinidos, se prescindirmos por agora da sua apresentagdo concreta na historia, esta simples e esquematica enumeracdo pode dar-nos um fio con- dutor, um Jeitmotiv que nos ajude a orientarmo-nos na selva de teorias e de ideias. Ideias que, vendo bem, se podem resumir a poucas matrizes comuns, independentemente das diferencas de lin- guagem, de terminologia, de perspectiva com que foram expostas e debatidas ao longo dos séculos e que podem fazer com que paregam ainda mais cadticas e dispersivas do que na realidade sao. Miuisica e afectos A existéncia de uma certa relacao entre a miisica e o mundo dos afectos, das emogées, dos sentimentos é algo que se repete de varios modos desde a mais remota Antiguidade. Mas é completa- mente diferente definir em termos mais precisos em que consiste tal 30 Te Y ‘sfaayssod soyeye so sopoy as-reoqpul wopod jeqraa weSenBur, _® WO) *sojafe SOp Opunu o Woo ejnoned ogSepor ens v ZoATe] : 9 [eqioa Wesensuy ep eorsnur v ojuoUTRAr onsunsip aonb O __\ eIMINY Jeorsnu vongIso ep OBSezIuRTIO & ered [eUOUTEpUNy aseq BUN ninnsuos ovseuNyE ajuByodu Bsa :sojTa0U0d so WHOS \ NO ovzeI & WIOD OjUe} OZU 2 [eUOIOOLA OpuNUT OssoU Oo UCD epEIT | -offaud ogSear eu wis} vorspur e onb seumnye as-sinb ‘osst w109 | \*9 Sag5oule sep 2 soyauues sop ogssaidxa no ogSenun 2 BoIspan [8 enb aqueurestraua8 es-noulye MAX o[no9gs op med y jajouar anb wred soj9afgo so ogs srenb ‘szvaua8 ms vroquia ‘woSensury eum 9 OS F PISO & dovs BJoAar sooIIoadse Soden and {[eqioa WaSenury B WOS Ura} saQgSefar ond gWosensur] eu 9 vOIsNUI v “AX ons OU epure ‘oseoe sod ogu zeae) ‘niZins onb oysea stew eutatqoud umn Paso sogSeSouayU seisop WoSTIO BN {OSST OPM ZaATe] NE gsoj0aJe SO @}{UUT Z9ATR} NO “eJOUOD No ‘ejJOUEp voIsnUI B anb “epure ‘no £8303 -Od a]U9s ‘oJUeLIOd ‘enb 2 OATOoe opunUT nes 0 UOd vIOUgpUOd ~SeH09 BUN BNUOSUS BoIsNUT eB eINOSa WNONb ond {sed5ouD sep 9 sojoaje SOP OpuNUT OF soyUarUT sopeoyTUsTs so eiodsoour vorsnur B ond LOAToaye opunur nos o eperio aja Jod vorsntm eu awisdxa Joysoduios o onb :ogSejar essa reyuryqns voljiusis anb Q ‘soos ~NYJUOd ap 9 sopIpusyue-[eur ap ati9s vu ‘e108 Wo “euTWOpard so} ~S9y8 SOP OpUNUT O 9 woIsNUN v NUD ORdSETOI Op LIRJ Os OPUNd ‘apepiaa ep oyed eu ‘ojoodse. win Bjoasep onb ogsejaidrayur eum equosouder ‘ovjsonb @ vndosd zn] BUN ZEN sofep WN Eped ‘ewtatqord O oxgos soreY[O SOLA 9 sogSeiUoLo SeLA UNIS seu ‘ovSnjos BUN BY OBU ‘o]UAUIEIAGG “eLIO} ~BysHes OBSnjOs wun OpeNUOoUE 10} as voUNU WHOS soqNO9S SOLIRA BY Soxopesuad 0 soonyio ‘sojosoyty opueuoULOW WA anb seUro[q -oid ap opeyuvseure umn ap ‘ojuey0od ‘eSuosoid wo soureysq “eorsnur Bp epeplonuewios ep eula[qoid oyjaA ov sopesy] ojuoweAnTuep ‘syumnSesuoo sod ‘a volsnur ep voysinSury vzommeu ep ogisanb vjod sopedoqeoue ‘sewtafgoid soxno soynur v eperoosse piso O1UaUT ~Hues-vorspurl ogsepar B ‘TeoIsnur OyUTesued op BLIOISTY BN ‘sep ~unjoid sogSeanour sens se wremBiu0s 9s ows opout o 9 ORdETal VOISQIW Ad VICI V A OV.LSIXO A.LNACIOO O ESTETICA DA MUSICA mediante palavras que nada tém a ver com 0s afectos conotados; trata-se, portanto, de uma relagiio absolutamente convencional. Na musica, ao invés, a frase musical assemelha-se, tem uma telagao intrinseca com o afecto que denota ou que exprime, ou a que alude, ou ainda que suscita, no ouvinte. Poderfamos avangar a hipétese de que existe uma espécie de isomorfismo entre a expresséo musical e os afectos. Na linguagem verbal este isomorfismo vem & superficie quando a expresso verbal é exclamada, entoada, gritada, ou seja, quando nela se insinua 0 elemento musical que a pura expressao verbal nao prevé ou que prevé somente como elemento acessério e nao essencial. Neste caso, 0 elemento musical pode n&o s6 aumen- tar consideravelmente a eficdcia do discurso verbal, como pode mesmo, as vezes, contradizé-lo ou frustré-lo. Daqui se pode deduzir que ha uma espécie de autonomia semntica da expresso musical que pode assumir a sua coloragao emotiva e afectiva quer quando é combinada com a linguagem verbal, quer quando é isolada como um elemento auténomo e independente. Evidentemente diferente é © significado ou o sentido da mtisica quando se encontra 86, sem o suporte de palavras. Seja como for, mesmo quando isolada e auténoma em relagao a linguagem verbal, a musica mantém sempre aquela proximidade ambigua e contraditéria com a linguagem e talvez seja precisamente essa proximidade que faz com que se possa falar de miisica, isto é, fazer um discurso sobre musica: vem a luz uma espécie de traduzibilidade metaf6rica, embora nenhum discurso sobre musica Possa esgotar os seus significados, ou alids, © seu sentido. Com efeito, todo 0 discurso sobre musica é uma interpretagio da propria misica, uma tentativa de revelar o seu significado e as interpretacdes so infinitas, no sentido de nunca esgotarem 0 que a musica nos pode sugerir. Nessa perspectiva foi afirmado, e com razio, que «todo 0 discurso sobre miisica é meta- forico [...] e que a forma musical continua a ser uma linguagem puramente virtual em que se elabora uma intengdo de sentido inexprimivel a nivel de palavras e de frases da linguagem verbal. Donde resulta a multiplicidade quase infinita de interpretacgdes Kd te ‘ss. 9¢ “dd “og6r “gan ‘uooyiusig ‘uopousy ‘wong ‘Kuroquat “WW. 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