Você está na página 1de 5

O que uma marca significa?

Simbologia no consumo de marcas

Por Maryjane Oliveira

A marca, como expressão de fenômenos culturais e comportamentais de nossa época, abarca


as manifestações de desejo e motivação dos indivíduos. A relação de consumo através da
imagem da marca se configura como cenário para projeções de conteúdos do imaginário
coletivo. Esta imagem criada e concebida é o terreno fértil para conduzir o conjunto de
atitudes motivadoras, íntimas e subjetivas que ela comunica.

Analisar e descobrir inter-relações entre variadas formas da humanidade expressar


sentimentos, percepções, realidades, foi o que possibilitou a abordagem do inconsciente
coletivo e seus conteúdos, os arquétipos. Os estudos da psicologia profunda, citando Freud e
Jung como precursores, identifica os símbolos utilizados para revelar pontos comuns, capazes
de representar o psiquismo humano.

Em civilizações separadas por séculos ou mais próximas da atualidade, os arquétipos do que se


denomina “Inconsciente coletivo”, estão presentes sob diferentes formas. Neste inconsciente,
o homem carrega uma espécie de memória da humanidade e caracteriza as experiências
ancestrais da espécie. São símbolos presentes nas diversas manifestações da mitologia, nos
rituais religiosos, pintura e signos gráficos representativos da civilização através do tempo.

Mito, do grego (mýthos), designa uma seqüência de palavras que têm sentido, propósito,
discurso. Na Odisséia de Homero, o mito aparece associado a “épos” que designa palavra,
forma. A mitologia, como produto da função criativa e simbólica, própria da constituição
humana, apreende o ser e suscita os mitos, inspirando interpretação.

O nível arcaico da cultura -“arché”, linguagem peculiar do mito, traz uma narrativa que satisfaz
a profundas necessidades religiosas, aspirações sociais, pressões e imperativos de ordem
social, exigências práticas previstas pelo instinto.

Ao concebermos como formas de apreensão do ser as diversas formas de manifestações


humanas encontradas na ciência, nas artes, linguagens e mitos é possível reconhecer um
modo e tendências originais de expressão. Sob esse ponto de vista, o mito, a arte, a linguagem
e a ciência aparecem como símbolos: não no sentido que designam, indicam e explicam um
real existente, mas sim no sentido de que cada uma delas gera e parteja seu próprio mundo
significativo.

Todos esses temas relacionados existem como conteúdos que nos abrem para o conhecimento
de nós mesmos, ao conferir significado ao nosso existir e não se encontra num signo verbal ou
pictorial, mas é atestado pela “experiência de um sentimento” que um signo ou saber evoca.

Sendo o mito um ingrediente vital da civilização humana, configura-se como uma realidade
viva com a qual os símbolos e tudo que conhecemos como criações humanas primordiais são
capazes de eternizar, materializando diversas manifestações culturais, das religiões, filosofias,
artes e complexas formas sociais.
Laço que une o homem de todos os tempos ao homem da antiguidade, o mito é um firme
ponto fixo fora de nossa cultura, a partir do qual, é possível ganhar compreensão de seus
fundamentos.

Há um inconsciente individual pertencente ao indivíduo e forma parte essencial de sua vida.


Este repousa sobre uma camada originada em experiências e aquisições pessoais. A camada
posterior a esta é o “inconsciente coletivo”. É inata e configura um fundamento psíquico
universal de natureza supra pessoal.

Experiências narradas por temas míticos, situações humanas que existiram desde os
primórdios: juventude e velhice, nascimento e morte, filhos e filhas, pais e mães,
acasalamento, são experimentadas pela consciência individual pela primeira vez, mas não pelo
sistema inconsciente. Desta forma, ele localiza o inconsciente como espaço do mito.

Entendido como fundamento psíquico de caráter universal, este inconsciente pode ser
compreendido como algo pré-ordenado à consciência individual, como os limites ocultos do
ser humano apenas não revelados, porém disponíveis à experimentação da consciência
individual.

O inconsciente coletivo manifesta conteúdos e contextos de todo ser humano, contém


disposições típicas da dimensão humana- o arquétipo. Este, por sua vez, dá vida a uma cadeia
de conteúdos dotados de autonomia representativa. Suas expressões se encontram nos mitos,
nas concepções religiosas e em todo artefato da cultura.

Constituídos como atemporais e universais, expressam preocupações elementares. Seus temas


e situações em geral refletem nossas realidades e lutas interiores, sendo, portanto, expressões
do drama íntimo do ser humano no inconsciente coletivo.

Do grego arkhétypos, significa modelo primitivo, idéias inatas. A etimologia do termo deriva do
grego, “arché” e “typos” que quer dizer “impressão original”, numa tradução livre, tipos
arcaicos.

A expressão “Arquétipo” já era existente na Antiguidade, sinônimo de “idéia” no sentido


platônico. A concepção de arquétipo é referente à idéia original de Platão, segundo o qual a
“idéia” é como supra ordenada e preexiste a todos os fenômenos.

Quer nos sonhos, quer nos delírios do homem moderno, em diferentes culturas e épocas, a
linguagem dos arquétipos, conteúdos do inconsciente coletivo, é mítico-arcaica. Tal
simbolismo é encontrado no folclore, nos mitos e lendas populares e na sabedoria proverbial.

Como possibilidades herdadas, os arquétipos são formas a priori ou típicas de apreensão da


realidade e de reação a ela, disposições inerentes à estrutura da psique. Apesar das diferenças
na maneira de retratar interiormente seu mundo, o homem traz uma uniformidade em relação
a seu comportamento instintivo.

Os arquétipos compõem a matriz que forma os símbolos para estruturar a consciência. São
essencialmente a fonte que os alimenta. Sendo assim, é através desta matriz que os conteúdos
míticos são manifestos com o objetivo de recriar, transformar, estruturar.
É importante reconhecer que o inconsciente não é somente a origem da consciência, mas,
também sua fonte permanente de reabastecimento. A interação do consciente com o
inconsciente coletivo resulta num relacionamento dinâmico e extraordinariamente criativo.

O mito do herói, por exemplo, simboliza o ser humano na aventura da vida. Ele é o centro dos
acontecimentos por sinalizar o ser humano em sua etapa evolutiva. O ser humano é o herói,
alguém que ficou sozinho para enfrentar monstros e dragões, expressões simbólicas das
ameaças físicas ou psíquicas que envolvem os inúmeros impulsos contraditórios do
conhecimento; paixões, sentimentos, virtudes, tentações, ascensões e quedas- a vida e sua
complexidade.

O Herói é uma constante em todas as civilizações, tribos, sociedades ou culturas. Dos grupos
mais primitivos às amplas engrenagens da sociedade industrial, a figura do herói sempre foi
uma representação constante, um símbolo, uma necessidade. As experiências com as
narrativas heróicas nos ligam a vivências anteriores a nós, de modo que sempre podemos
aprender algo a respeito da essência do significado do ser humano.

Esse arquétipo, tido como imemorial, nos une a pessoas de todas as épocas e lugares, na
função de impulsionar dos limites do conhecido para o desconhecido. Representação do
homem na “peripécia” da vida, que exige esforços vultosos para enfrentamento e vitória; o
herói incorpora a aspiração central de todas as culturas. Inerente ao ato de crescer, o herói é a
própria expressão do determinismo e desenvolvimento individual.

Na tentativa das marcas em oferecer experiências profundas ao consumidor, uma marca com
identidade arquetípica evoca experiências a nível profundo da mente humana, podendo ativar
no consumidor um senso de reconhecimento, transportado até a marca. Na busca pela
diferenciação num mercado competitivo e repleto de marcas, as empresas prometem
experiências cada vez mais motivadoras.

Tudo o que se relaciona com criação de valor agregado à marca envolve atributos, sentimentos
e percepções, tornando-a um corpo vivo. Num mercado onde o valor intangível da marca é o
grande diferencial e não mais o produto físico, torna-se necessário oferecer a ela um DNA,
credibilidade e consistência. Marcas fortes são ricas em forma e substância e costumam evocar
associações de caráter fecundo.

Determinadas marcas tornaram-se valiosas por possuírem uma identidade que se comunica
diretamente com o seu público. Seja através das imagens de comerciais, personagens, ações e
apoios a idéias de cunho ideológico, as suas identidades vão sinalizando através da
comunicação atitudes e encarnando características de alguns arquétipos.

O arquétipo do herói ativa nas pessoas a tendência a agir de modo a causar impacto no
mundo. O herói tem o poder de deixar impressões, mobilizar pessoas a fim de destruir ou
transformar estruturas rígidas que nos desvitalizam. No momento em que essa figura se
ausenta da vida pessoal, o que ocorre é uma vontade subjacente pela sua presença no
mercado e na mídia, suprindo carências essenciais a nível simbólico.

É no ambiente esportivo que encontramos o Herói, equilibrando princípios, vencendo desafios,


desenvolvendo energia, disciplina, prática, determinação e coragem. O arquétipo do herói
proporciona uma estrutura capaz de liberar a capacidade de se erguer para enfrentar desafios,
arriscar-se. Desenvolve a mestria, exigindo que abracem o risco e a mudança. As mensagens
do Herói ultrapassam muitas vezes contextos históricos, políticos, culturais e normalmente
interagem através de signos e representações muito próprios da nossa condição.

As diversas manifestações do arquétipo do Herói na comunicação podem traduzir a vontade


de transcender, ou até mesmo enaltecer a existência através de propósitos coletivos. São
capazes de envolver diretamente as atividades esportivas como um “motivo arquetípico”
universal, unificador, coletivo. Aí é que o “marketing arquetípico” encontra um espaço rico
para desenvolver a lealdade dos clientes, uma vez que este se encontra imerso no universo do
consumo e do materialismo.

Ao comunicar a expressão “Just do it”, por exemplo, uma marca exerce e reitera suas
intenções em tornar-se uma marca que enaltece o sentido de maior propósito à existência,
seja o desafio de dar o melhor de si nos esportes e nos exercícios físicos.

O diálogo entre os arquétipos e identidades de marcas como esta promovido aqui tenta trazer
interpretações de alguns conteúdos do inconsciente coletivo, prestes a serem ativados e
despertos. Porém, é importante reforçar que esses conteúdos simbólicos podem sim atingir o
cliente na relação de consumo com uma imagem de marca, apesar de não poder vivenciá-la
sob uma perspectiva mítica, por exemplo.

Tais interpretações ganham valor quando analisamos os contextos e cenários que envolvem
diretamente o consumidor, suas relações de consumo e a criação de valor para uma marca.
Investigar e conhecer os anseios e motivações diante deste capital intangível que se
transformou a marca é uma forma de aprofundar novos conhecimentos sobre as noções e as
expectativas do consumo na atualidade.

O significado ou a identidade que uma marca representa está entre as vibrantes expressões do
imaginário coletivo contemporâneo, capazes de reverberar os diversos panoramas atuais da
modernidade. Refletem os contextos culturais, os espaços e os ideais de uma época, por isso
as marcas podem e têm o poder de projetar os anseios e as motivações das pessoas, desde
quando os humanos são seres de busca, faltantes numa perspectiva psicanalítica, vivendo em
um cenário simbólico limitado.

O conhecimento apresentado no presente artigo aplicado à concepção de marca focada em


seu cliente promove o consumo associado à existência de conteúdos do inconsciente do
sujeito, o que traz a perspectiva do sujeito como fonte de análise para os conteúdos da
propaganda e da marca. Ainda sobre o viés simbólico e cultural, o texto analisa o poder da
marca como partícipe de um modus operandi comum a uma escala de nível global,
cosmopolita e contemporânea.
Referências Bibliográficas:

Boechat, Walter. Mitos e Arquétipos do Homem contemporâneo. RJ, Vozes, 1997.

Campbell, Joseph. O Herói de mil faces. SP: Pensamento-Cultrix, 1995.

Eliade, Mircea. Mito e Realidade. SP, Perspectiva, 1994.

Freud, Sigmund. O ego e o Id e outros trabalhos (1923-1925). RJ, Imago, 2006.

Homero. A Odisséia. SP, Cultrix, 1985.

Klein, Naomi. Sem logo. A tirania das marcas num planeta vendido. RJ, SP,

Editora Record, 2003.

Jung, Carl Gustav. Os arquétipos e o Inconsciente coletivo. SP, Vozes, 2000.

Jung, Carl Gustav. Civilização em transição. SP. Vozes, 1995.

Pearson, Carol e Mark, Margareth. O Herói e o fora-da-lei. Pensamento-Cultrix, 2001.

Pearson, Carol. O despertar do Herói interior. Pensamento-1991.

Pinho, José Benedito. O poder das marcas. SP: Sumus, 1996.

Távola, Artur da. Comunicação é Mito. RJ, Nova Fronteira, 1985.

Whitmont, Edward C. A busca do Símbolo. SP, Pensamento- Cultrix, 1969.

Você também pode gostar