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Mito, do grego (mýthos), designa uma seqüência de palavras que têm sentido, propósito,
discurso. Na Odisséia de Homero, o mito aparece associado a “épos” que designa palavra,
forma. A mitologia, como produto da função criativa e simbólica, própria da constituição
humana, apreende o ser e suscita os mitos, inspirando interpretação.
O nível arcaico da cultura -“arché”, linguagem peculiar do mito, traz uma narrativa que satisfaz
a profundas necessidades religiosas, aspirações sociais, pressões e imperativos de ordem
social, exigências práticas previstas pelo instinto.
Todos esses temas relacionados existem como conteúdos que nos abrem para o conhecimento
de nós mesmos, ao conferir significado ao nosso existir e não se encontra num signo verbal ou
pictorial, mas é atestado pela “experiência de um sentimento” que um signo ou saber evoca.
Sendo o mito um ingrediente vital da civilização humana, configura-se como uma realidade
viva com a qual os símbolos e tudo que conhecemos como criações humanas primordiais são
capazes de eternizar, materializando diversas manifestações culturais, das religiões, filosofias,
artes e complexas formas sociais.
Laço que une o homem de todos os tempos ao homem da antiguidade, o mito é um firme
ponto fixo fora de nossa cultura, a partir do qual, é possível ganhar compreensão de seus
fundamentos.
Experiências narradas por temas míticos, situações humanas que existiram desde os
primórdios: juventude e velhice, nascimento e morte, filhos e filhas, pais e mães,
acasalamento, são experimentadas pela consciência individual pela primeira vez, mas não pelo
sistema inconsciente. Desta forma, ele localiza o inconsciente como espaço do mito.
Entendido como fundamento psíquico de caráter universal, este inconsciente pode ser
compreendido como algo pré-ordenado à consciência individual, como os limites ocultos do
ser humano apenas não revelados, porém disponíveis à experimentação da consciência
individual.
Do grego arkhétypos, significa modelo primitivo, idéias inatas. A etimologia do termo deriva do
grego, “arché” e “typos” que quer dizer “impressão original”, numa tradução livre, tipos
arcaicos.
Quer nos sonhos, quer nos delírios do homem moderno, em diferentes culturas e épocas, a
linguagem dos arquétipos, conteúdos do inconsciente coletivo, é mítico-arcaica. Tal
simbolismo é encontrado no folclore, nos mitos e lendas populares e na sabedoria proverbial.
Os arquétipos compõem a matriz que forma os símbolos para estruturar a consciência. São
essencialmente a fonte que os alimenta. Sendo assim, é através desta matriz que os conteúdos
míticos são manifestos com o objetivo de recriar, transformar, estruturar.
É importante reconhecer que o inconsciente não é somente a origem da consciência, mas,
também sua fonte permanente de reabastecimento. A interação do consciente com o
inconsciente coletivo resulta num relacionamento dinâmico e extraordinariamente criativo.
O mito do herói, por exemplo, simboliza o ser humano na aventura da vida. Ele é o centro dos
acontecimentos por sinalizar o ser humano em sua etapa evolutiva. O ser humano é o herói,
alguém que ficou sozinho para enfrentar monstros e dragões, expressões simbólicas das
ameaças físicas ou psíquicas que envolvem os inúmeros impulsos contraditórios do
conhecimento; paixões, sentimentos, virtudes, tentações, ascensões e quedas- a vida e sua
complexidade.
O Herói é uma constante em todas as civilizações, tribos, sociedades ou culturas. Dos grupos
mais primitivos às amplas engrenagens da sociedade industrial, a figura do herói sempre foi
uma representação constante, um símbolo, uma necessidade. As experiências com as
narrativas heróicas nos ligam a vivências anteriores a nós, de modo que sempre podemos
aprender algo a respeito da essência do significado do ser humano.
Esse arquétipo, tido como imemorial, nos une a pessoas de todas as épocas e lugares, na
função de impulsionar dos limites do conhecido para o desconhecido. Representação do
homem na “peripécia” da vida, que exige esforços vultosos para enfrentamento e vitória; o
herói incorpora a aspiração central de todas as culturas. Inerente ao ato de crescer, o herói é a
própria expressão do determinismo e desenvolvimento individual.
Na tentativa das marcas em oferecer experiências profundas ao consumidor, uma marca com
identidade arquetípica evoca experiências a nível profundo da mente humana, podendo ativar
no consumidor um senso de reconhecimento, transportado até a marca. Na busca pela
diferenciação num mercado competitivo e repleto de marcas, as empresas prometem
experiências cada vez mais motivadoras.
Tudo o que se relaciona com criação de valor agregado à marca envolve atributos, sentimentos
e percepções, tornando-a um corpo vivo. Num mercado onde o valor intangível da marca é o
grande diferencial e não mais o produto físico, torna-se necessário oferecer a ela um DNA,
credibilidade e consistência. Marcas fortes são ricas em forma e substância e costumam evocar
associações de caráter fecundo.
Determinadas marcas tornaram-se valiosas por possuírem uma identidade que se comunica
diretamente com o seu público. Seja através das imagens de comerciais, personagens, ações e
apoios a idéias de cunho ideológico, as suas identidades vão sinalizando através da
comunicação atitudes e encarnando características de alguns arquétipos.
O arquétipo do herói ativa nas pessoas a tendência a agir de modo a causar impacto no
mundo. O herói tem o poder de deixar impressões, mobilizar pessoas a fim de destruir ou
transformar estruturas rígidas que nos desvitalizam. No momento em que essa figura se
ausenta da vida pessoal, o que ocorre é uma vontade subjacente pela sua presença no
mercado e na mídia, suprindo carências essenciais a nível simbólico.
Ao comunicar a expressão “Just do it”, por exemplo, uma marca exerce e reitera suas
intenções em tornar-se uma marca que enaltece o sentido de maior propósito à existência,
seja o desafio de dar o melhor de si nos esportes e nos exercícios físicos.
O diálogo entre os arquétipos e identidades de marcas como esta promovido aqui tenta trazer
interpretações de alguns conteúdos do inconsciente coletivo, prestes a serem ativados e
despertos. Porém, é importante reforçar que esses conteúdos simbólicos podem sim atingir o
cliente na relação de consumo com uma imagem de marca, apesar de não poder vivenciá-la
sob uma perspectiva mítica, por exemplo.
Tais interpretações ganham valor quando analisamos os contextos e cenários que envolvem
diretamente o consumidor, suas relações de consumo e a criação de valor para uma marca.
Investigar e conhecer os anseios e motivações diante deste capital intangível que se
transformou a marca é uma forma de aprofundar novos conhecimentos sobre as noções e as
expectativas do consumo na atualidade.
O significado ou a identidade que uma marca representa está entre as vibrantes expressões do
imaginário coletivo contemporâneo, capazes de reverberar os diversos panoramas atuais da
modernidade. Refletem os contextos culturais, os espaços e os ideais de uma época, por isso
as marcas podem e têm o poder de projetar os anseios e as motivações das pessoas, desde
quando os humanos são seres de busca, faltantes numa perspectiva psicanalítica, vivendo em
um cenário simbólico limitado.
Klein, Naomi. Sem logo. A tirania das marcas num planeta vendido. RJ, SP,