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161012017 |Alé que ponto a hstéra nos torna mais humanos? Ler Historia 70 | 2017 A policia e as policias no mundo ibero-americano, séculos XIX e XX Espelho de Clio. Até que ponto a historia nos torna mais humanos? How can history make us more human? ‘Comment histoire peut-olle nous rendre plus humain ? SERGE GRUZINSKI p. 185-197 Resumos Portugués English Francais A interrogacdo sobre se « historia nos pode tornar mais humanos constitui um pretexto para uma reflexio sobre o que é hoje a historia, como é que ela é escrita, ensinada, divulgada e, sobretudo, como € que ela é entendida por diversos piblicos. Neste ensaio exploram-se os caminhos que ‘podem levar a eserita da historia a ultrapassar uma perspetiva que é ainda predominantemente nacional ou eurocéntriea, para corresponder & realidade de um mundo globalizado, no qual os europeus ndo sao os tinicos atores e no qual as trajetdrias e as narrativas so méltiplas. Defende- se uma historia global que nos possa ajudar a desenvolver um olhar eritico, com o objetivo de compreender melhor as dindmicas da globalizacio, de nos tornar mais capazes de circular entre ‘os mundos e de aprender a viver com povos e culturas diferentes, ‘The question of whether history ean make us more human is a good starting point for a reflection ‘on what history is today, how it is written, taught, disseminated and, above all, how it is understood by different audiences. This essay explores the ways in which historical writing can definitely go beyond a national or eurocentrie perspective, in order to match the reality of a globalized world in which Europeans are not the only actors and in which the trajectories and the narratives are multiple. We advocate a global history that can help us in developing a eritial eye, allowing us to better understand the dynamics of globalization, to become better able to move between worlds and to learn how to live with different peoples and eultures. La question de savoir si Vhistoire peut nous rendre plus humain est un prétexte & une réflexion sur ce qu’est maintenant l'histoire, comment elle est écrite, enseignée, diffusée et, surtout, comment elle est comprise par les différents publics. Quel type d’écriture de Vhistoire peut-il ‘permettre de surmonter une perspective qui reste essentiellement nationale ou eurocentrique, afin de mieux correspondre a la réalité d'un monde globalisé oit les européens ne sont pas les, seuls acteurs et dont les trajectoires et récits sont multiples ? Cet essai défend une histoire globale qui peut nous aider & développer un regard critique, afin de mieux comprendre la dynamique de la mondialisation, nous rendre en mesure de mieux nous déplacer entre des mondes et apprendre A vivre avec des cultures et des gens différents, hitp:Merhistoria,revues.org2768 ano 16/1012017 |Alé que ponto a histéra nos torna mais humanos? Entradas no indice Mots-clés : histoire globale, éoriture de Vhistoire, théorie de histoire, globalisation Keywords : global history, historical writing, theory of history, globalization, early modern history Palavras chave: moderna historia global, historiografia, teoria da historia, globalizagdo, histéria Texto integral Neste pequeno ensaio pretendo fazer uma reflexio sobre se, e como, a histéria nos pode tornar mais humanos.! Refiro-me a Histéria, enquanto passado, mas sobretudo & historia, enquanto narrativa e conhecimento desse pasado. Naturalmente, esta questo nao pode ser formulada em termos abstratos ou, pelo menos, sem definir alguns pardmetros. Nomeadamente, é necessario saber de que tipo de histéria falamos, e, em iiltima andlise, o que é a historia hoje. Antes, porém, de abordar esse tema, quero explicar como cheguei a colocar-me a questio que serve de eixo a reflexio que desenvolvo neste ensaio. As razdes que me levaram a refletir sobre a mesma nao nasceram propriamente dos debates académicos, antes se me impuseram como verdadeiros desafios pessoais. O primeiro diz respeito & possibilidade de ensinar os ‘mesmos temas a estudantes de trés paises distintos, como faco attalmente: estudantes europeus em Paris; americanos ¢ latino-americanos em Princeton; brasileiros da Amazénia na cidade de Belém do Paré, no Brasil. A questo pode ou deve ser colocada em termos mais precisos: haverd uma metanarrativa chamada historia que possa ser desfrutada pelas ¢ pelos estudantes que vivem em diferentes partes do mundo ¢ em. condigées tao dissemelhantes? Outra razo, ou desafio, ndo tem que ver diretamente com a minha atividade de professor ¢ investigador, mas sim com experiéncias de ensino da historia em contextos sociais e culturais particulares, ambos na Europa, de que tive conhecimento, Hé alguns anos atrés, um jovem professor espanhol levou-me a descobrir os campos da regio de Marcia, ainda repletos de vestigios da Espanha muculmana, Nas turmas em que Jecionava, conviviam lado a lado castelhanos dali e jovens imigrantes de origem magrebina e equatoriana. Em setembro de 2012, a provincia de Méreia contabilizava 45 000 equatorianos. Como ensinar histéria, ou, formulando noutros termos, que passado apresentar aos jovens que sio descendentes, respetivamente, ora dos espanhéis vencedores da Reconquista (face ao Islio) e da conquista (da América), ora dos vencidos destes acontecimentos fundamentais da historia ibérica? Como explicar a expulsio dos moriscos a um piiblico que se divide entre cristios e mugulmanos? Como apresentar a conquista da América a alunos portadores de memorias inconciliaveis? A dentincia do “genocfdio indigena” na América, para lé dos seus fundamentos histsricos, no casa bem com uma tradigdo espanhola que, durante muito tempo, se satisfez com a exaltagio da “missio civilizadora” dos eonquistadores do Novo Mundo. Aliés, ainda hé uumas poucas semanas atrés, o diretor da televisao pibliea espanhola pode afirmar que os astecas eram como os nazis e que @ conquista e a liquidagio daquela sociedade amerindia tinham sido absolutamente necessrias: “Chorar o desaparecimento do império asteca’, cito, “é como apresentar as condoléncias pela derrota dos nazis na Segunda Guerra Mundial”.* Acrescento outro exemplo, Ha quatro anos, um professor de uma escola secundaria francesa utilizou o meu livro sobre a Aguia e o Drago (Gruzinski 2012) no ambito da disciplina de hist6ria oferecida no primeiro ano do liceu.# Este professor da aulas numa cidade pés-industrial do norte de Franga, Roubaix, numa escola secundaria de ensino téenico. O programa de historia daquele nivel de ensino prevé o estudo das relagies entre a Europa ¢ o resto do mundo. Ora, o meu livro nao tinha sido concebido a priori para os estudantes do liceu, mas, por via dos temas abordados, ele respondia as indicagdes do programa escolar relativamente aos “novos horizontes geogréficos e culturais dos europeus na época moderna”. De facto, a obra narra dois acontecimentos que se desenvolveram paralelamente no inicio do século XVI: a conquista do México hitp:Merhistoria,revues.org 2768 210 16/1012017 [6 que ponto a histéia nos torna mais humanos? por parte dos espanhéis e a tentativa de penetragéo dos portugueses na China. ‘Naquelas terras longinquas, um punhado de europeus “descobre”, entdo, sociedades que se contam entre as grandes civilizagGes mundiais. A expedigao portuguesa ‘traduziu-se num fiasco, terminando no esquecimento da Historia. Ao invés, a expedigio espanhola abrit caminho a conquista a partir da qual nasceria uma América latina e mestiga. ‘Na sua maioria, os jovens de Roubaix sio filhos de imigrantes e, em grande parte, so mugulmanos, Hé razées vélidas para nos perguntarmos como é que 0 contar destas acgdes europeias despertou, a tal ponto, a sua curiosidade e até o seu interesse apaixonado, Isto ao passo que, indubitavelmente, dois mil anos de historia nacional francesa -~ para nao falar de uma meméria europeia ainda esquiva ~ nio hes diz grande coisa, Acresce que viver em Roubaix nao € coisa facil. Considerado o mais pobre de Franca, este centro urbano detém uma posi¢do singular no conjunto das cidades com grande densidade de populacio imigrada no pais. A antiga capital téxtil do século XIX nunca conseguiu recuperar do declinio industrial. A experiéncia pedagogica levada a cabo na Escola Secundéria Jean Rostand desenrolou-se, por conseguinte, no quadro de um contexto urbano muito alterado, Bairros inteiros so habitados por uma populagéo maioritariamente mugulmana. Ha que notar que Roubaix, em tempos a “Meca do socialismo revolucionério”, a cidadela do movimento operdrio de Jules Guesde, se tornou no muniefpio mais mugulmano de Franga. A crise social afeta em especial os segmentos da populagéo francesa de origem magrebina, os quais muitas vezes procuram no Isléo uma identidade que j nao encontram na ago sindical nem nos ideais republicanos. Como é que o contar destes empreendimentos europeus ~ a conquista do México por parte dos espanhéis e a falhada invasio da China pelos portugueses -, péde despertar de tal forma a curiosidade dos rapazes e das raparigas da escola secundaria e até o seu interesse apaixonado? A explicacdo é a de que, projetados ora para Canto ora para @ Cidade do México, eles se aperceberam de que alguns acontecimentos do pasado, remotos e desconhecidos, no estavam afinal tfo mortos quanto se poderia imaginar. Os adolescentes exploraram sociedades cujos destinos continuam a exercer a sua influéneia no mundo contemporaneo. Aquilo que estes casos tornam claro é que uma resposta questo de partida deste ensaio ~ se a histéria nos pode tornar mais humanos ~ depende, em larga medida, do tipo de conteddo que associamos a etiqueta “historia” e & palavra “pasado”, Nesse sentido, o texto que se segue comeca precisamente por uma breve reflexdo sobre o que é hoje a historia e como 6 que ela é entendida por diversos piblicos. Na segunda parte, exploro duas vias possfveis para ultrapassar aquilo que considero ser o impasse atual ¢ os limites de uma historia que se mantém ainda demasiado nacional e eurocéntrica. No final, procuro articular essas propostas de renovagio historiogréfica com uma resposta a interrogacao de partida. 1. O que é hoje a historia? Muitos pensam que, hoje em dia, o presentismo triunfou por todo o lado, isto é, que vivemos num presente omnipresente e omnipotente, que priva os nossos contemporineos de qualquer meméria. Parece-me, pelo contririo, que nos encontramos atualmente face a uma abundancia de expressGes e narrativas do passado, algumas tradieionais, outras mais reeentes, ¢ outras inspiradas pela indistria do turismo. Por isso mesmo, parece-me também que uma reflexio sobre o conteido da hist6ria e o seu papel atual nao poderd ignorar a proliferagdo de todos os passados e futuros que nos rodeiam. Entre estes passados encontramos formas muito diversas. Por exemplo, a meméria nacional, periodicamente renovada por celebragdes, como o relato oficial da T Guerra Mundial; a meméria “patrimonial”, ou seja, territorial e ligada aos bens culturais e ambientais, que alimenta incessantemente a indiistria do turismo; ou a literatura histériea, Isto sem esquecer as minisséries que invadem todos os eeras (por exemplo, Roma, Os Borgia, Os Tudors, Guerra dos Tronos, etc.). hitp:Merhistoria,revues.org2768 30 16/1012017 6 0 e [6 que ponto a histéia nos torna mais humanos? Em relagao a estas formas de histéria, nao creio que elas nos tornem mais humanos. ‘Na verdade, apenas fazem de nés consumidores cada vez mais vidos, mais integrados no proceso de comercializago das memérias e dos passados, mais imersos nos universos virtuais que monopolizam a nossa ateng&o, transformando-nos em escravos dos nossos ecras portateis. Por outro lado, sabemos que a expansio colonial e a dominagio ocidental do globo impuseram por todo o lado o modelo histérico europeu e eurocéntrico, Da Espanha a China, dos Estados Unidos ao Japao, faz-se, aprende-se ¢ ensina-se a mesma forma de historia. Uma historia que comega com a Antiguidade e o Egito, que privilegia a Idade Média enropeia, que prossegue com o advento da modernidade e que culmina com a ocidentalizagio do mundo a partir do século XIX. No entanto, ha novas narrativas que procuram substituir a grande saga do passado ocidental imposta ao resto do mundo. Por exemplo, comega a tornar-se claro que nao se pode escrever a historia sem fazer referéncia & China, Hé alguns anos atras, em 2010, eu pude visitar em Mildo a exposigao I due imperi. Laquila e il dragone [0s dois impérios. A dguia e 0 dragao}, que apresentava e colocava em confronto o império romano ¢ o império chinés. Escrevia a época o disrio italiano II Giornale que ali se exibia, lado a lado, 0 melhor das duas civilizagdes: “Tinham dimensdes iguais, populagGes iguais, burocracias semelhantes, sistemas militares eficientes: a dguia e 0 dragio, o império romano e 0 império chinés, tao longinquos e, no entanto, to proximos.”* Sera bom considerar 0 contexto em que se insere esta exposi¢ao ¢ o modo em que, pela parte italiana, se procura agarrar o gigante chinés, que exporta uma histéria-mundo na qual o império celeste desempenha um papel central. Ha que lembrar, a este respeito, a impressionante série de filmes historicos, difundidos a partir da China para todo o planeta, que visa contar os grandes, episédios da respetiva saga imperial. Basta citar alguns titulos entre os mais famosos: 0 Tigre e 0 Dragao, de Ang Lee; ou Hero e A Floresta dos Punhais Voadores, de Zhang Yimou. Deste mesmo realizador, refira-se ainda The Great Wall, filme no qual se pretende sugerir que s6 a China podera salvar a humanidade ameagada pelos monstros que atacam a grande muralha. ‘Zhang Yimou, alids, tinha j4 sido o responsavel pela realizagio das ceriménias de abertura dos Jogos Olimpicos de 2008, em Pequim. Muito mais eficaz.do que os livros ¢ 08 artigos produzidos pelo nosso pequeno mundo académico, o espeticulo realizado em Pequim no “Ninho de Passaro” valeu-se de todos os meios possiveis para ambientar e colocar 0 passado, o presente ¢ o futuro chinés no palco planetério. O realizador inspirou-se nas obras de Gavin Menzies, 0 controverso autor inglés de best-sellers (1421 € 1434). Trata-se de textos que tiveram uma difustio mundial, com milhdes de leitores, € que foram e so ainda vendids em todos os aeroportos do planeta. Como se sabe, Menzies defende que foram os chineses a descobrir a América e que também eram chineses os viajantes que chegaram a Florenga no século XV para af introduzirem os preeiosos germes do Renascimento. Estamos, assim, face a uma historia de tendénci que reintroduz. a China como motor principal da hist6ria do mundo e desclassifica a Itélia renascentista, colocando-a numa posigao de recetora passiva. Na realidade, este revisionismo histérico modifica a grande narrativa imposta a partir da Europa ocidental, transformando a Italia e a Europa renascentista em periferias do mundo chinés. Nao devemos perder de vista a importancia de fenémenos de massas - como a fruicdo dos Jogos Olimpicos, o impacto dos best-sellers, ou a extensdo hoje ilimitada do mundo virtual® — na desestruturagio da grande narrativa ocidental ¢ na difusio das novas grandes narrativas. Tais fenémenos ocupam jé um espago gigantesco no imagindrio dos nossos contemporineos e nas culturas de massas da atualidade, desenvolvendo-se muito mais rapidamente do que as ideias e os programas de investigagdo que possamos oferecer a partir do interior do mundo académico, onde, a0 invés, predomina ainda uma visao nacional da histéria. ‘Voltemos entdo & questao inicial — que tipo de historia temos (ou queremos ter) hoje? Nos iltimos anos, muitas foram as eriticas formuladas em relago & natureza totalizante das chamadas “grandes narrativas”, tipicamente caraterizadas por uma ino-céntrica, a uma metanarrativa hitp:Merhistoria,revues.org2768 40 16/1012017 6 6 w 6 [6 que ponto a histéia nos torna mais humanos? qualquer forma de verdade transcendente ou universal. A critica pés-moderna e, sobretudo, as transformagdes de um mundo globalizado, esto a debilitar de uma forma irreversivel o velho “grande relato” da historia ocidental como a historia de uma civilizago destinada a dominar e a civilizar 0 resto do mundo. Uma das consequéncias locais dessas criticas so, por exemplo, os ataques em Franga contra o “romance nacional”, manifestacdo tipiea de um discurso francocéntrico que pretende explicar ‘tudo na base de uma historia nacional, em larga medida construfda no século XIX. No entanto, parece-me que, apesar de tudo, temos necessidade de uma grande narrativa, assim como é oportuno considerar a necessidade de elaborar uma meméria historica europeia coletiva que possa ser partilhada pelos velhos e pelos novos habitantes da Europa. ‘Trata-se, porém, de empreendimentos dificeis. A principal dificuldade decorre em grande parte da tradigdo, e sobretudo das rotinas instaladas, de uma historia nacional, nascida no século XIX, que jé ndo responde aos desafios de um mundo globalizado. Um mundo globalizado ¢ aquele no qual, por exemplo, o vizinho que nunca tirou estudos superiores ¢ que nao acumulou experiéncias internacionais pode agora encontrar-se a trabalhar na periferia de Xangai, a abrir um supermercado para uma multinacional francesa. Um mundo globalizado é um mundo no qual, de um. dia para o outro, descobrimos que os chineses estio a comprar grande parte das, riquezas da Amazénia, Neste sentido, torna-se necessario superar os limites da historia nacional. Mas, como fazé-lo? Parece-me que hé pelo menos duas possibilidades, duas vias: a primeira reside na tentativa de construir pega a pega mosaico de um patriménio comum que serviria de meméria histériea europeia. A outra via leva a pensar a historia global a partir do espaco local, que j4 no é 0 espaco nacional imposto desde 0 século XIX, mas um. espaco existencial, definido pelo conjunto das suas conexdes com outras partes do mundo. 2. Por uma historia comum da Europa Comecemos por examinar a primeira via. Desde hé mais de meio século que os historiadores tentam elaborar e definir uma historia europeia. Entre os muitos projetos realizados, considero que a Storia d’Europa, publicada na altura pela editora Einaudi (Anderson et al 1993-97) continua a ser uma tentativa interessante, ainda que lamentavelmente nao tenha produzido muitos efeitos. Na realidade, ha que reconhecer que hoje em dia, infelizmente, esta historia europeia comum nio existe.” Apesar disso, no creio que possamos renunciar ao nosso patriménio europeu nem ao propésito de construirmos uma meméria histériea comum. Este patriménio poderia alimentar um grande relato, uma visio de conjunto que fosse mais aberta sobre o resto do mundo e, por isso mesmo, menos eurocéntrica, Nao vou aqui desenvolver plenamente este t6pico. Limitar-me-ei a algumas observages sobre aquele periodo que corresponde a primeira modernidade, que os historiadores ingleses ¢ norte-americanos denominam de “Early Modern History”, ea que nés, nas linguas latinas, chamamos geralmente “Idade Moderna’. © que nos dizem a nés, europeus do século XXI, os dois primeiros séculos da modernidade? O que nos ensina em especial aquele “século ibérieo” que corresponde ao século XVI das grandes descobertas e da colonizagio espanhola do continente americano, um século no qual a Europa estabelece as primeiras relagdes diretas com a Africa negra, com a india e o Extremo Oriente, ¢ em que 0 oceano Pacifico se torna num ago espanhol? Um século no qual, como sabemos, a Ttélia desempenha também um papel determinante. O século ibérico deveria ser parte integrante, para nao dizer a base, de uma meméria europeia ligada ao resto do mundo, apesar do facto de os europeus do Norte tenderem sempre a olhar com um certo sentimento de superioridade para os seus irmaos do Sul. Parece-me, de facto, que a chamada expansio ibérica é absolutamente crucial para compreender ¢ explicar 0 nascimento da Europa e de uma modernidade global que ja nao seria um fruto exclusivamente local, europeu — um fruto estritamente autdctone que passa das mos dos italianos as dos franceses, holandeses, ingleses ¢ hitp:Merhistoria,revues.org2768 510 16/1012017 ~ 2 2 [6 que ponto a histéia nos torna mais humanos? alemaes -, mas antes o produto dos encontros e dos desencontros entre os europeus € os outros mundos. © pensador alemao Carl Schmitt, em O Nomos da Terra, foi um dos primeiros autores a reconhecer a importincia e a globalidade da historia que espanhéis ¢ portugueses estavam a construir no século XVI. Ele introduzit: na narrativa histérica a palavra global, que hoje em dia tanto usamos, ao escrever que o pensamento linear global ~ conceito por si desenvolvido ~ “representa um capitulo no desenvolvimento da consciéncia espacial, tendo comegado com a descoberta do Novo Mundo ¢ o infcio da ‘era moderna’, e depois prosseguido com a elaboracdo de mapas geograficos do proprio globo”. Schmitt acrescentava ainda: “A nova imagem global resultante da circum- navegagio da terra ¢ das grandes descobertas dos séculos XV e XVI requeria a constituigao de uma nova ordem espacial” (Schmitt 1950).* Poderfamos também inspirar-nos nas propostas do filésofo alemao Peter Sloterdi sobre a globalizacio terrestre, incluidas na sua iiltima esfera (Sloterdijk 2006). Muito melhor do que tantos académicos que se interessaram pela expansio ibérica, Sloterdijk conseguiu identificar as carateristicas fundamentais desta globalizacdo, propondo uma narrativa articulada numa série de dimensdes: a “mobilizagio infinita”, ou a circulagdo incessante das coisas, das ideias e dos homens; o aparecimento da categoria de “local” rho momento em que a terra se tornava num globo que podia ser explorado em todas as diregdes; ou a conviegdo de que o resto da terra estava, fatalmente, a espera de ser descoberta e tomada pelos europeus. Parece-me que todos estes temas se configuram como elementos histérieos chave para entender as origens da globalizagao contempordnea. Sloterdijk considera que a revolugio magalhinica — que, pela primeira vez, fez circular 0 dinheiro e os investimentos a volta do globo ~ tera sido mais importante do que a revolugio de Copérnico, que proclamava a rotago da terra. A circulagéo dos navios, e por conseguinte do capital, representou uma etapa decisiva em diregdo A globalizagio financeira, ¢ as dindmicas assim criadas anteciparam 0 mundo no qual hoje todos ‘vivemos. O que é essa globalizagao que parte da Europa ocidental? f, parafraseando o autor, a contragéo da terra sob o efeito do dinheiro em todas as suas manifestagdes. & deste modo que a modernidade se define a partir de um acontecimento externo e jé ndo interno & Europa ocidental. Além disso, este passado, relido a partir de uma perspetiva global, dé-nos a entender a importancia da viragem para ocidente delineada pelo nosso continente europeu @ partir do século XVI. Por via dos processos de colonizacio e ocidentalizagao do Novo ‘Mundo, toma forma, deste modo, a propria fundagao do Ocidente, do mundo ocidental. Aatrair a atencao dos europeus jé nao esta apenas o Oriente de Alexandre, das eruzadas ou dos mongéis, mas também o continente do outro lado do Atlantico, que viria a receber milhdes de emigrantes europeus e eseravos africanos entre 0 século XV € 0 século XIX. Por que é que, para nés ¢ nos dias de hoje, este passado nos diz coisas importantes? Porque nos faz compreender melhor as palavras de Martin Heidegger quando escrevia: “O aspeto fundamental do Mundo Moderno ¢ a conquista do mundo revelada em imagens” (Heidegger 1950). Constantemente, entre nés ¢ a realidade interpem-se imagens. A bem dizer, a produgao intensiva de mapas geogréficos de todas as partes do mundo, a toponimia imposta em todo o lado, a realizacio das primeiras contagens estatisticas — isto é, a redugdo dos povos e das riquezas encontradas a mémeros © a valores -, remontam aos primeiros tempos da modernidade. Basta pensar na produgao das oficinas cartogréficas de Lisboa e de Sevilha, ou nas famosas relagbes geogréticas escritas em Espanha ¢ no Novo Mundo ibérieo nos anos 80 do século XVI. Talvez, sgracas as novas tecnologias, essa conquista do mundo revelada em imagens seja a que culmina atualmente na proliferagdo de eerds que nos cireundam por todo o lado e que agora se tornaram apéndices dos nossos corpos. Ha também uma outra razio para nos ocuparmos dos tempos ibéricos. f& que, para compreendermos os mundos misturados nos quais vivemos, teremos que mudar as dimensoes de escala e de época. De facto, foi mesmo a partir do séeulo XVI que, pela primeira ver, individuos origindrios da Europa, da Africa, da América e da Asia se encontraram, desencontraram e misturaram. E com eles, ¢ muitas vezes apesar deles, hitp:Merhistoria,revues.org2768 610 16/1012017 26 [6 que ponto a histéia nos torna mais humanos? fizeram as coisas, as ideias, as crengas e os sonhos de que todos estes seres humanos eram portadores, conscientemente ou nao. Iniciaram-se entdo as grandes mestigagens planetirias. Os mestigos do século XVI prefiguram, sob dois pontos de vista, os fenémenos que vivemos atualmente. Por um lado, so sinerénicos, recorrentes despontam em espagos tdo diversos entre si como as Américas, as costas de Africa e da india, as zonas litorais do Japao, até as longinquas Molueas. Por outro, respondem aos confrontos de todo 0 tipo provocados pela irrupco dos navios ibéricos, ou, por outras palavras, daquilo que se viria a tornar a Europa ¢ 0 Ocidente. Hé4 ainda uma outra dimensdo sobre a qual poderemos refletir. Interrogo-me sobre que tipo de consciéneia podemos nds ter nao s6 do processo de globalizacao, mas também dos seus progressos. Ora, esta historia moderna global permite-nos compreender 0 modo como emerge uma “consciéncia global”, ou seja, uma consciéncia atenta as relagdes que se estabelecem entre as vérias partes do mundo. Podemos detetar este fendmeno tanto no México colonial, quando os espanhéis nascidos naquela regio americana escreviam a propésito das primeiras relagGes entre a Nova Espanha ¢ © Japao dos Tokugawa, como nas prises de Népoles, quando Tomasso Campanella deserevia a monarquia universal do rei catélico. © passado ibérico pode, em suma, servir-nos de espelho para relermos 0 mundo contempordneo. Pode, nomeadamente, explicar-nos 0 papel do Novo Mundo como laboratério para a ocidentalizagdo, ou seja, para o nascimento do mundo ocidental, quando alguns paises europeus se projetaram no espaco continental americano para ali se reproduzirem sob outras formas. 3. Pensar uma historia global a partir do espaco local A outra via de superagao dos limites da historia nacional, de que falava acima, leva- nos, como disse, a pensar a hist6ria global a partir de um espaco local que ja nao é mais © espaco nacional, mas sim um espaco existencial, definido pelo conjunto das suas conexGes com outras partes do mundo, O que é que isto significa concretamente? Um olhar eritico sobre o arco romano de Tazoult, na Argélia, constitui um bom exemplo e uma base de resposta. Os monumentos ruinas conservam a meméria de todas as colonizagdes que sucederam ao longo dos tempos no solo norte-afticano. Nas fotografias da artista francesa Kader Attia, pode ver-se a reciclagem de um vestigio - 0 arco romano de Tazoult - representado como a baliza de um campo de futebol. A dindmica é dupla: por um lado, é um gesto de apropriago por parte dos jovens que jogam a bola; por outro, regista-se um movimento de integragio numa das formas mais invasivas da slobalizagZo, o futebol. Esta fotografia permite-nos pensar a historia global relacionando o Império Romano, que é um passado comum europeu, com uma das priticas mais difundidas da globalizagao, o futebol. A experiéncia do Império Romano configura-se como uma ligagio indelével que une a Africa do Norte ¢ a historia mediterrénica e europeia. Um pasado comum. O futebol evoca a omnipresenca da FIFA no mundo, mas lembra-nos também que 0 “Estado Islimico” (ISIS) proibiu completamente esta atividade desportiva: no inicio de 2015, foram mortos 13 rapazes que estavam a ver na televisdo um jogo da Taca Asistica de Futebol. Por que é que tomei como exemplo esta fotografia de Kader Attia? Porque muitos artistas contemporineos chamam a nossa atengdo para estes lugares, que nos dizem tanto sobre 0 pasado como sobre o presente. Neste caso, sobre a colonizagio romana ¢ outras colonizagoes sucessivas, sobre a dominagao mental, cultural e material imposta pela FIFA, por exemplo, ou ainda sobre a violéncia do Estado Iskimico. Um mesmo documento, a fotografia, fala-nos do arquétipo da civilizagao — 0 império romano ~, das relagées entre a Africa e a Europa, ¢ do poder evocativo e critico das ruinas. Desta forma, a criagdo artistica fornece-nos alternativas as metanarrativas canénicas. ‘Vou ainda acrescentar um segundo exemplo desta historia local que dialoga com um horizonte global. Eu ensino histéria no norte do Brasil, na regio a que chamamos hitp:Merhistoria,revues.org2768 7H0 16/10/2017 [6 que ponto a histéia nos torna mais humanos? Amazénia. Com os estudantes locais, tentei construir uma historia global da sua regio (Gruzinski 2014). O que é que esta histéria nos ensina? Ensina-nos que, longe de constituir uma zona isolada, cheia de povos sem historia ou fora da historia, a Amazénia da época moderna ocupava um espago importante no contexto da slobalizagao ibérica. De facto, j4 na primeira metade do século XVI a regio e as suas Tiquezas equatoriais estavam sob o olhar atento dos espanhéis da Tha de Santo Domingo e dos humanistas de Venera, como Pietro Bembo. O espanhol Oviedo, um colonizador ¢ historiador estabelecido na Ilha de Santo Domingo, escrevia aos seus amigos de Veneza para Ihes explicar as riquezas naturais que um conséreio de empresas formado por eles poderia extrair da Amaz6nia. 31 Nos séculos seguintes, a regio desenvolveusse progressivamente por entre as pressdes da monarquia catéliea hispano-portuguesa, as investidas de franceses, ingleses, holandeses ¢ irlandeses ou a intervencao e resisténcia constante dos povos indigenas (Guzman 2012). Com os meus estudantes, construimos uma histéria local incessantemente inserida num contexto continental ¢ transatlantico, Era necessério destruir o mito das populagdes indigenas isoladas do resto do mundo, e demonstrar que © espago amazinico se constréi e se desconstréi através das suas relagdes com o mundo exterior, com um horizonte global que se modifica ao longo do tempo. se Num livro meu recente (Gruzinski 2015), tentei precisar, no plano metodolégico, quais & que poderiam ser os préximos passos de uma historia global e quais as articulagoes entre este tipo de historia e outras abordagens mais classicas. f ébvio que no existe uma resposta vilida para todo o lado. Da mesma forma que é dbvio que esta resposta deve ser sempre concebida, modulada, redefinida em relagdo ao lugar no qual nos encontramos, partindo das suas conexGes atuais e passadas com o resto do mundo, virtual ou real. A historia global que é escrita ou ensinada nas cidades do norte de Franga nfo pode repetir aquela que se impde na Amaz6nia, ou na provinefa espanhola de Marcia, ou na regido de Lisboa. No entanto, todas estas perspetivas so apenas declinagdes de uma histéria comum, concebida como produto das interagdes entre pressées, impulsos, modelos globais e realidades locais 4. Em conclusao 38 Para coneluir, voltemos agora a Roubaix, essa cidade do norte de Franga com os seus estudantes filhos de imigrantes. Por que & que o passado sino-ibero-mexicano os fascinou tanto, suscitando debates e reflexes? Porque, de um modo muito concreto € pessoal, as raparigas ¢ os rapazes foram confrontados com uma série de questdes fundamentais relacionadas com o chamado encontro de civilizagdes — tanto as suas diversas modalidades, como os destinos contraditérios da expansdo europeia que, por um lado, levou & conquista da América e, por outro, ao fracasso absoluto da conquista da China. Foi como se isto Thes permitisse concluir qualquer coisa como: “Os brancos cristios nao foram sempre os vencedores, os braneos ndo foram sempre os civilizados.” 34 Os jovens de Roubaix aprenderam e viveram parcialmente 0 que quer dizer @ descoberta do outro, ou melhor, dos outros. Pereeberam o papel que desempenha a religido no processo de conquista e de colonizagao: na cidade de Cantao, os portugueses foram, por exemplo, tratados como mugulmanos. Estes estudantes do secundirio de uma cidade desindustrializada do norte de Franga, com uma grande comunidade de imigrantes, aproximaram-se de uma multiplicidade de formas de discriminagao: as dos europeus contra os indios, mas também as dos chineses contra os portugueses, assimilados a ladrdes canibais; sem esquecer a importincia dos processos de mestigagem, que nfo sio apenas misturas de corpos, mas também misturas de sociedades, de ideias e imagindrios. Os estudantes de Roubaix puderam entio observar, numa forma embrionéria, como se constréi um mundo global no qual os europeus nao sfo os tinicos atores e no qual as trajetorias e as narrativas so miltiplas. Uma historia slobal que nos poderia ajudar a desenvolver um olhar critico com o objetivo de compreender melhor as dinamicas da globalizago, de nos tornar mais capazes de circular entre os mundos e de aprender a viver com povos diferentes. hitp:Merhistoria,revues.org2768 ano 16/1012017 |Alé que ponto a histéra nos tora m 25 Nese sentido, sim, podemos dizer que a historia nos torna mais humanos. humanas? Bibliografia Anderson, Perry, et al (dir) (1993-97). Storia d’Europa, 5 vols. Torino: G. Einaudi. Gruzinski, Serge (2012). Laigle et le dragon. Démesure européenne et mondialisation au XVIe siécle. Paris: fditions Fayard. (trad. port: A Aguia e 0 Dragdo: Portugueses e Espanhéis na Globalizagio do Século XVI. Lisboa: Edigées 70, 2015] Gruzinski, Serge (2014). A Amazénia e as origens da globalizagiio (sées. XVE-XVITD: da hist6ria local @ histéria global. Belém: Estudos Amazinicos. Gruzinski, Serge (2015). L'Histoire, pour quoi faire? Paris: fitions Fayard. Guzman, Décio de Alencar (2012). Guerras na Amazénia do século XVI: Resisténcia indigena & colonizagéo. Belém: Estudos Amazinicos. Heidegger, Martin (1950). Holzwege, Frankfurt am Main: Vittorio Klosterman, [trad. port: Caminhos de Floresta, .* ed. Lisboa: F. C. Gulbenkian, 2012] Menzies, Gavin (2002). 1421: The Year China Discovered the World. London: Bantam. Menzies, Gavin (2008). 1494: The Year a Magnificent Chinese Fleet Sailed to Italy and Ignited the Renaissance. London: Harper Collins. Schmitt, Carl (1950). Der Nomos der Erde im Volkerrecht des Jus Publicum Europaeum. Berlin: Duncker & Humblot. [trad. port: 0 nomos da Terra no direito das gentes do jus publieum europacum. Lisboa: Editora Contraponto, 2014) Sloterdijk, Peter (2006). Im Weltinnenraun des Kapitals: Fir eine philosophische Theorie der Globatisierung. Auflage: Suhrkamp Verlag. [trad. port: Palécio de Cristal. Para uma teoria {filoséfica da globalizagdo. Lisboa: Relégio d'Agua, 2006), Notas 4. Na origem deste ensaio esta uma conferéncia proferida em Pistoia (Itélia), no ambito da 8.4 edigao (2017) dos Encontros Pistoia ~ Dialoghi sull'uomo. O texto foi moderadamente revisto ‘para corresponder aos padroes de estilo da revista, embora se tenha preservado o essencial do seu cardcter coloquial original. Tradugio do italiano: Pedro Cerejo, 2 Ver: _https://www.agenzianova.com/a/s8e4b4d8db8333.89846275/1540547/2017-04- (05/finestra-sul-mondo-la-spagna-non-ha-colonizzato-ma-evangelizzato-polemiehe-sul- presidente-della-tv-pubblica, 13 Equivalente ao 10.° ano de escolaridade em Portugal [Nota do tradutor] 4 Francesca Amé, "Milano, Aquila ¢ Dragone: i due imperi in mostra a Palazzo Reale", Tl Giornale, 11 maio 2010, disponfvel online em http://wwwilgiornale.it/news/milano-aquila-e- dragone-i-due-imperi-mostra-palazzo-reale html. 5 Ver Menzies (2002 e 2008). 6 Onde, por exemplo, ha jogos em que eada jogador dispde da possiblidade de eriar, construire destruir civilizagdes e impérios inteiros. 7 No mea pais, os politicos, sejam de direita ou sejam de esquerda, so verdadeiramente ineapazes de colocar os problemas nacionais numa perspetiva europeia. Em Franca fala-se muito, por estes dias, do ensino do latim e do grego, como se essa fosse uma questo apenas relativa a0 hexgono francés, como se nao se tratasse de um patriménio do todo europeu, 8 Aqui citado a partir da edigéo inglesa, The Nomos of the Barth (..). New York: Telos Press, 2006, p87 Para citar este artigo Referéneia do documento impresso Serge Gruzinski, « Até que ponto a histéria nos toma mais humanos? », Ler Histéria, 70 | 2017, 185-197. Reforénciaeletriniea Serge Gruzinski, « Até que ponto a histéria nos torna mais humanos? », Ler Histéria [Online], 70| 2017, posto online no dia 12 Setembro 2017, consultado no dia 15 Outubro 2017. URL http:tethistoria.revues.org/2768 ; DOI : 10.4000/lerhistoria.2768 hitp:Merhistoria,revues.org2768 90 161012017 |Alé que ponto a histéra nos torna mais humanos? Autor Serge Gruzinski Ecole des Hautes Etudes en Sciences Sociales, France serge.gruzinski@ehess.r Direitos de autor Lor Hist6ria esté licenciado com uma Licenga Creative Commons - Atribuigao-NaoComercial 4.0 Internacional hitp:Merhistoria,revues.org2768 10110

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