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4
Fascículo
OBJETIVOS
1. Refletir sobre a necessidade e a possibilidade da coprodução de
serviços públicos e da gestão participativa no contexto atual;
1.
dadãos. Não assume um modelo único
e nem é solução para todos os proble-
mas sociais. Cada iniciativa envolve
contínua construção e aprendizagem e
implica desafios institucionais, cultu-
Introdução
rais e políticos.
Sua relação com a Gestão Social é
evidente nos modelos respaldados pela
Coprodução corresponde ao enga- descentralização, participação ativa,
jamento de cidadãos e servidores relações dialógicas, envolvimento de
públicos no planejamento (design) e diferentes atores sociais, aprendiza-
na implementação (entrega ou de- gem coletiva e ação colaborativa.
livery) de bens e serviços públicos. Apresentamos os fundamentos
Usuários e profissionais comparti- conceituais e exemplos de coprodu-
lham recursos, conhecimentos e po- ção, sua relação com gestão social,
der na realização do interesse públi- seus limites e potencialidades, e indi-
co e no atendimento às necessidades camos como o leitor pode reconhecer
da comunidade. e promover a coprodução ao seu redor.
públicos
mílias, grupos, partidos e corporações. A desigualdade no acesso a recur-
As incertezas e a insegurança são ex- sos, bens e serviços ainda é imensa. Em
ploradas pelos que desejam se colocar meio à abundância de alimentos, de
como “protetores” ou “salvadores”, e riqueza e de tecnologia, grande parte
assim reproduzem uma cidadania pas- da população mundial não desfruta
siva ou tutelada. plenamente de direitos básicos. Entre
Em contrapartida, as pessoas es- eles, a alimentação, a saúde, a justi-
tão mais interessadas em debater, se ça, a integridade física, a segurança, a
posicionar, influenciar decisões, par- educação e a participação na vida po-
ticipar da vida pública, exercer poder. lítica de cidades e países.
Cresce a intolerância a modelos de Desigualdades que conhecemos
gestão autoritários, centralizados, hie- muito bem no Brasil. País no qual, em
rárquicos, manipulativos, coercitivos pleno século XXI, com toda a rique-
e paternalistas. Rejeitam-se sistemas za da qual desfrutamos, a economia
políticos que desresponsabilizam e to- ainda sofre com baixa produtividade
lhem os potenciais das pessoas. Cresce e competitividade e com debilidade
a intolerância com a corrupção e o da infraestrutura. Vemos, também,
desperdício, desde as nossas práticas vínculos escusos entre o setor privado
cotidianas até o âmbito nacional e in- e o setor público e investimentos es-
ternacional. Crescem as expectativas peculativos. Exploramos de manei-
e as exigências sobre a coerência e o ra irresponsável e pouco inteligente
desempenho dos agentes políticos. As nossa diversidade biológica, cultural,
instituições tradicionais são mais de- climática. A baixa qualidade da edu-
safiadas a dar respostas, a demonstrar cação tolhe o potencial econômico e
seu valor para a sociedade. Há mais e político das pessoas e do País.
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Surgem tentativas de respostas, homicídios, de agressões, de mortes no Como viabilizar modelos de ges-
como as práticas produtivas alter- trânsito, de roubos e furtos são absurdas. tão e governança que aproveitem
nativas, a economia de comparti- E, em sua maioria, ficam impunes. Somos melhor os recursos existentes e distri-
lhamento, a economia solidária e a tolerantes à barbárie e desrespeitamos a bua-os de forma mais justa?
coprodução de bens e serviços pú- vida. A injustiça, em vários sentidos, ain- Como valorizar o potencial das
blicos. As perspectivas produtivistas, da é marca de nosso País. pessoas para gerar bem-estar para si
centralizadas e homogeneizadoras O País também vive rápidas mu- e para os demais?
são rejeitadas, em favor do resgate de danças demográficas, incluindo o Como aprimorar e dinamizar os es-
aspectos ecológicos, endógenos e co- prolongamento do tempo de vida e o paços já existentes de participação ci-
munitários, fortalecendo as especifi- envelhecimento da população. Além dadã, tais como conselhos, conferências,
cidades territoriais. Busca-se mostrar disso, o mundo vivencia novas ondas fóruns e organizações da sociedade civil?
que é possível: integrar-se globalmen- migratórias e mudanças nos padrões Como ir além desses espaços e
te sem destruir as capacidades locais; familiares. Estes se tornam mais flexí- inovar nas relações entre governos e
conviver com os limites ambientais; veis e heterogêneos, o que faz crescer a cidadãos, e entre organizações públi-
atender a diversas necessidades das importância das comunidades de ami- cas e privadas?
pessoas sem depender somente de gos e vizinhos, por exemplo. Uma das possibilidades é a copro-
empresas, governos, partidos e outras Em meio ao crescente fluxo de in- dução de serviços públicos, que deta-
instituições tradicionais. formações, pessoas e mercadorias no lharemos a seguir.
As mudanças tecnológicas, os mundo globalizado, há revalorização
ganhos de produtividade e as mu- das comunidades e da proximidade
danças nos padrões produtivos afe- entre as pessoas. Tanto no interior de
tam o mundo do trabalho. Crescem o uma comunidade como nas suas rela-
desemprego, a precariedade e a falta ções com outras, o capital social e as
Questões:
de qualificação para novas funções. conexões em redes são reconhecidas 1. Quais as principais
Volta-se a debater a criação de uma como elementos de identidade e de mudanças políticas,
renda básica universal e a redução da desenvolvimento. socioculturais e
jornada de trabalho, como partes de A estrutura social está mais frag- econômicas que
um novo contrato social. mentada e complexa, tornando as você observa no
No âmbito sociocultural, há mu- exigências sociais heterogêneas e es- seu contexto?
danças de valores em curso. Ao tem- pecíficas. Isso exige respostas mais
2. Como as tensões po-
po em que celebramos a diversidade individuais, concretas, contextuali-
líticas, econômicas
e a interculturalidade, são reforçados zadas. Os sistemas de governo e go-
e socioculturais da
aspectos de identidade e pertença a vernança são desafiados a dar conta
atualidade influen-
comunidades específicas. Há certa ho- dessa nova realidade.
ciam mudanças em
mogeneização global e o convívio com Uma vez que a informação e o co-
seus hábitos e das
intolerâncias de ordem religiosa, étni- nhecimento são mais distribuídos na
comunidades das
ca e cultural. Em meio a novos confli- sociedade; que mais pessoas querem
quais você faz parte?
tos, medos e tensões, emergem novas participar da vida pública e definir
formas de reciprocidade e solidarie- seus rumos na vida privada, podería- 3. Quais alternativas
dade. Estas desenvolvem a confiança, mos perguntar: para lidar com
elemento essencial do convívio social, Quais os desafios para os modelos desafios coletivos
da civilização, da sustentabilidade. tradicionais de regulação e controle, você percebe
O Brasil, em particular, ainda é um na família, no trabalho, na escola, nos ao seu redor?
país muito violento. Nossas taxas de mercados, nos governos?
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3.2 A centralidade
da participação cidadã
na coprodução
A participação abrange todos os aspec-
tos da vida social. O ser humano vive em
grupo desde a sua origem. Sente, assim,
a necessidade de participar da vida en-
tre outros seres humanos. Seja por ques-
tões econômicas (garantir a sobrevivên-
cia), seja por questões políticas (exercer
o poder, estabelecer controles, regular
conflitos), seja por questões afetivas
(partilhar, cooperar). No entanto, a con-
cepção de participação como discurso
e como prática varia de acordo com os
períodos históricos e conjunturais.
A participação tem sido discutida
como um conceito central do debate processos eleitorais, mais democrá- e política. Nesse sentido, está na es-
teórico e prático sobre a democratiza- ticas seriam as sociedades. O termo sência da democracia, a faz funcio-
ção da sociedade, sem que haja, no en- é usado, ainda, como categoria pro- nar melhor e espelha a vitalidade cí-
tanto, um conceito único e consensual. cedimental, quando a participação vica de uma sociedade, comunidade
Está presente nas reinvindicações his- é defendida pela sua capacidade de ou grupo. Incluem-se, nessa corren-
tóricas dos movimentos sociais, das produzir consequências julgadas im- te, as formas de democracia direta e/
organizações sociais e políticas e vem portantes ou valiosas. ou deliberativa.
alcançando o local de trabalho, a es- Mas, afinal, quais as diferentes Entre os teóricos da democra-
cola, a família, o clube, a igreja etc. Ao formas de participação social? Todos cia representativa, há os que veem
mesmo tempo, convivemos com o fe- podem participar ao mesmo tempo e a participação com certa descon-
nômeno da apatia ou formas de parti- da mesma maneira? Quais os efeitos fiança e os que, reconhecendo seus
cipação fragmentadas e difusas. da participação nos assuntos de in- limites, a relegam aos aspectos mais
Na literatura específica, o concei- teresse público? Como ampliar os es- procedimentais, como ao momento
to de participação tem sido utilizado paços nos quais se pode participar? O do voto, por exemplo. Para estes, a
tanto como categoria prática quan- que faz crescer ou diminuir a apatia? participação direta ou deliberativa
to teórica. Ora para referir-se à ação Essas questões nos ajudarão a refletir dos cidadãos nos assuntos públicos é
das classes populares, dos militantes, sobre os fundamentos e os objetivos dispensável ou deve ser mantida sob
e dos excluídos, quando lutam por di- da coprodução dos serviços públicos. controle. O que importa são as “re-
reitos e buscam emancipação. Ora Do ponto de vista conceitual, po- gras do jogo”.
como categoria teórica que subsidia demos delimitar duas grandes corren- Em cada uma dessas abordagens
o debate na teoria democrática, evo- tes: a democracia participativa e a existem diferenciações internas que
cando a participação como o termô- democracia representativa. não aprofundaremos neste fascículo.
metro da democracia. Ou seja, quanto De forma geral, os estudiosos da Importa perceber que há um relevante
mais numerosos e efetivos forem os primeira enxergam a participação debate conceitual e prático quanto ao
espaços participativos, para além dos como um valor em si mesmo, próprio entendimento do papel e da forma de
da condição humana, mobilizador participação dos cidadãos nos assun-
das ações coletivas em busca dos in- tos de interesse público. Esse debate
teresses coletivos. Entendem que a muda de acordo com o contexto his-
participação constitui um processo tórico, a conjuntura política e as ver-
pedagógico de aprendizagem social tentes ideológicas.
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Quadro 1: Tipologias de participação
Tipologias de Participação Descrição
Não participação ou Participação passiva, “o cidadão é manipulado para participar de forma passiva porque
participação por convenção Participação nominal assim o Estado demonstra que faz algo em benefício da sociedade.”
As diferentes formas de participação Social, ela precisará lidar com as ten- de produção dos bens e serviços públi-
na coprodução dos bens públicos variam sões e as potencialidades teórico-prá- cos (SALM, 2014, p. 43)
de acordo com os objetivos e as caracte- ticas dos processos participativos.
rísticas das organizações envolvidas e do Sobre essa questão, Salm (2014) O pressuposto é que apenas proces-
modelo de gestão no qual está inserido. esclarece: sos participativos amplos são poten-
O marco da Gestão Social agrega A gestão social e a coprodução dos cialmente capazes de dar maior legiti-
valores e práticas que abrangem as bens e serviços públicos apresentam midade à coprodução de bens públicos.
duas últimas tipologias definidas no múltiplas interfaces. Ambas têm, entre Promover a transparência nos processos
quadro – Participação representativa as suas premissas básicas, a participa- decisórios; evitar burocracias; prevenir
com sustentabilidade e Participação ção do cidadão como agente político o paternalismo e o patrimonialismo; ga-
do cidadão no controle sobre o Estado. na comunidade; a multidimensionali- rantir direitos; construir uma nova cul-
A participação, entendida como dade humana; a primazia do interes- tura política; ampliar a cidadania; for-
valor humano e prática social, é um se público sobre o interesse privado; talecer laços sociais e manter o foco no
conceito-chave para a gestão social e o empoderamento da comunidade; a interesse coletivo. Trata-se, em última
um instrumento indispensável para a responsividade que torna plena a ac- instância, de contribuir com processo de
coprodução de bens públicos. Vai além countability dos agentes públicos; a democratização da sociedade, enfocan-
dos mecanismos institucionalizados na ênfase na autorrealização humana e do a importância das redes de relacio-
vida política, e, nesse sentido, não se na sustentabilidade da biosfera; além namento e os valores intangíveis que se
resume ao ato do votar ou dar opinião. da superação do modelo burocrático constroem nas interações entre indiví-
Onde quer que se pretenda a Gestão centralizador pouco eficiente e eficaz duos, organizações e governo.
gestão social 83
Estudos pioneiros sobre o tema, um serviço; ii) os cidadãos cooperam se torna mais saudável ou menos, a
na década de 1980, distinguiam a co- com agentes públicos, a partir de uma depender de como se envolve no pro-
produção individual – quando um oportunidade criada pelos agentes pú- cesso. Ou seja, quando o objetivo de
cidadão interage com o profissional blicos; e ocorre ajuste mútuo entre ci- um serviço envolve a transformação
para realizar um bem ou serviço de dadãos e agentes públicos, havendo de pessoas, sempre envolverá algum
seu interesse; em grupo – quando a in- envolvimento direto de cidadãos e ser- grau de coprodução.
teração ocorre por demanda e benefí- vidores públicos tanto na concepção Nos anos 2000, novas tipologias
cio de um grupo específico; e coletiva da ideia e seu planejamento como na foram analisadas. Uma delas, pro-
– quando a interação envolve um con- sua execução. posta pelo pesquisador britânico Tony
junto mais amplo de cidadãos e bene- Já nessa época observava-se que Bovaird, considera oito diferentes
ficia o coletivo, em certo contexto. alguns serviços, como educação e possibilidades de provisão de servi-
Também se considerava que a saúde, não podem ser produzidos sem ços, a partir da análise dos papéis de
coprodução poderia se referir a situa- algum grau de participação do cida- profissionais e de usuários e suas co-
ções nas quais: i) cidadãos requerem dão ou usuário. Por mais que a respon- munidades no planejamento (design)
assistência aos agentes públicos sabilidade recaia sobre o profissional, e/ou na implementação (delivery) dos
– por exemplo, ao preencher um for- por exemplo, o professor ou o médi- serviços públicos. O Quadro 3 mostra
mulário, fazer sugestões ou demandar co, o estudante se educa, o cidadão essas diferentes combinações.
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Tratando especificamente de edu- 3. coprodução na concepção e houver outra alternativa para o cida-
cação, Victor Pestoff (2012) identificou implementação da essência (core, ou o dão, não se trata de coprodução.
quatro tipos de participação cidadã na coração) de um serviço – os usuários são Entretanto, assim como acontece
coprodução de serviços: considerados essenciais para planejar e com a participação cidadã, pode haver
• econômica, que envolve tempo implementar o serviço que lhes é presta- manipulação e iniciativas de coprodu-
e materiais para manter ou auxiliar o do individualmente – como, por exemplo, ção usadas apenas para sossegar os
funcionamento de um equipamento em situações nas quais alunos definem ânimos dos cidadãos. Não se trata de
da escola; objetivos e atividades de aprendizagem efetivo compartilhamento de poder,
em projetos participativos; e como mostram os dois primeiros mode-
• política, como o processo em
los observados por Salm e Menegasso
que indivíduos se envolvem nas dis-
4. coprodução na implementação (2010), abordados no início do item 3.3.
cussões e tomadas de decisão sobre o
da essência (core) do serviço – os cida-
processo pedagógico e sobre a gestão
dãos estão ativamente envolvidos na
de uma escola;
implementação, mas não na concep-
• social, como contribuição a ção de um serviço individual em que a
eventos sociais e festas em datas co- coprodução pode não ser inerente, mas
memorativas relacionadas à escola; e deliberadamente incluída como parte
• específica do serviço, na qual o da concepção – por exemplo, no caso de
Questões:
usuário, ou um familiar, ou outro mem- alunos que seguem as lições definidas 1. Na sua cidade,
bro da comunidade auxilia a gerir ou rigorosamente, pois sua contribuição é você conhece ou
manter uma instalação da escola. Ou, fundamental para aprendizagem. está envolvido
ainda, quando substitui um profissional A partir dos vários tipos e exemplos em um serviço
que está doente ou em capacitação. abordados, pode-se observar que há prestado por
Recentemente, Brandsen e Honingh casos de coprodução que são simples e meio da relação
(2015) desenvolveram uma tipologia exigem pouca formalização. Outros são direta entre a
baseada em dois critérios: i) envolvi- mais complexos e envolvem diferentes comunidade e o
mento dos cidadãos em aspectos cen- instrumentos legais e financeiros. Isso governo local?
trais ou em aspectos complementares exige flexibilidade e abertura dos go-
2. Se houver, de qual
do serviço; e ii) envolvimento dos cida- vernos e cidadãos para certo grau de
modelo ela mais se
dãos no design e na implementação do risco. Risco que sempre está presente
aproxima?
serviço, ou apenas na implementação. quando há experimentação e inovação.
Combinando esses dois critérios, Há também iniciativas pontuais, 3. Qual o papel
os autores chegaram a quatro tipos: sem continuidade, ainda que tenham dos usuários, da
alcançado bons resultados. Outras comunidade e
1. coprodução complementar na são mais duradouras, contínuas e vão das organizações
concepção e implementação do ser- sendo transformadas. E há setores em públicas e privadas
viço – envolvimento dos cidadãos em que a coprodução é inerente à nature- nesse processo?
atividades que são complementares za do serviço. Como em saúde e edu- 4. Busque um
para a prestação de um serviço por cação, nas quais o objetivo do serviço exemplo bem ou
uma organização, por exemplo, plane- só é alcançado com algum envolvi- malsucedido de
jar e plantar um jardim em uma escola; mento do usuário. Ou seja, a natureza coprodução de
do serviço envolve transformação de serviços públicos e
2. coprodução complementar na comportamentos. o observe a partir
implementação do serviço, como no Outro ponto importante é que só dos fundamentos
caso de um hospital, cidadãos colabo- cabe falar em coprodução se o envol- conceituais
ram com a limpeza, algo necessário e vimento dos usuários e da comunidade abordados no texto.
importante, mas que não é a atividade é voluntário. Se houver qualquer forma
principal do hospital; de coerção ou manipulação, ou se não
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Quadro 4 – Âmbitos de participação no município
Iniciativa Ação Descrição
Administração Indireta
do Estado: autarquias, Têm relativa autonomia de gestão em relação ao governo. A depender do setor
Organizações
fundações públicas, empresas em que atuam e do estilo de gestão, podem ser mais permeáveis a práticas
Públicas
públicas e sociedades de colaborativas e parcerias com usuários e comunidades.
economia mista
Individual Algumas iniciativas partem de um único indivíduo que, de uma ideia inicial
O cidadão ativo voltada para o bem comum ou público, desencadeia um conjunto de ações e
mobiliza uma rede em torno da consecução do objetivo.
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O ideal-típico do cidadão ativo é potencial de promover transforma- todos os envolvidos – cidadãos, profis-
aquele que: ções. Por isso, é considerada perigosa sionais, comunidades e gestores.
a. Percebe a conexão entre a sua por apáticos, por aqueles que preferem • As ações de coprodução são
vida particular e as decisões de cará- manter status quo. Ou pelos que têm orientadas para o serviço e insistem
ter político mais amplo e é capaz de se muito a perder com os avanços do bem em relações de igualdade e recipro-
mobilizar em torno delas. comum e da justiça social. É perigosa cidade. Porém, no ajustamento mú-
também porque exige exposição do seu tuo entre servidores e cidadãos, a
b. Pratica a solidariedade e se
agente quando participa de forma di- interação não ocorre entre iguais. Os
preocupa com o próximo. Não lhe in-
reta, denuncia e cobra. servidores normalmente têm melho-
teressa conquistar direitos sozinhos.
res recursos e o ajuste necessário nem
Acredita que interesses públicos e pri-
sempre é possível.
vados não são inconciliáveis. O ganho
• O engajamento da administração
coletivo produz também um ganho in-
pública exige certas habilidades pro-
dividual e vice-versa.
4.3 Limites e obstáculos à fissionais dos servidores públicos. Algo
c.Conhece as instâncias participa- coprodução que exige investimentos, capacitação
tivas do seu município, procura parti- e vontade política das lideranças e dos
cipar e aprimorá-las. Embora se considerem os potenciais da próprios servidores que atuam na ponta.
d. Tem um senso ético, crítico e de coprodução, cabe relembrar que esta • Os saberes dos cidadãos e dos ser-
justiça. Não aceita assistencialismo, não constitui uma panaceia para resol- vidores públicos que atuam na ponta
nepotismo, clientelismo, corrupção e ver todos os problemas. Também não costumam ser ignorados pela burocra-
outros vícios da política. Atua para que cabe para qualquer tipo de serviço pú- cia. Alguns profissionais acreditam que
sejam mínimas ou não existam. blico. É uma estratégia que se combina e seu conhecimento e experiência são
e.É capaz de dedicar tempo e complementa outras formas de provisão mais importantes do que os do usuário.
outros recursos a causas sociais, polí- de serviços públicos, seja pelos gover- Muitos profissionais e gestores conti-
ticas, ambientais e humanitárias nas nos, seja por empresas e organizações nuam acreditando que especialização e
quais acredita. da sociedade civil. Os modelos de copro- autoridade são as melhores bases para
f. Sabe que algumas formas de dução podem ser testados, aprimorados governar e relutam em compartilhar
participação social são limitadas e de- e adaptados em cada contexto, utilizan- seu poder. Assim, pode haver resistência
turpadas; portanto, é capaz de discer- do variados instrumentos e processos. dos profissionais, que não confiam nos
nir onde, quando e como atuar. O que funciona em um lugar pode não usuários e na comunidade para lidar
funcionar em outro. Ainda, há barreiras com essa responsabilidade e não que-
g. Prefere estratégias colabora-
sistêmicas e culturais que não permitem rem compartilhar seu trabalho. Se não
tivas do que confrontativas na conse-
que a abordagem seja utilizada mais levados a sério, esses problemas podem
cução dos seus objetivos. Usa o diálogo
amplamente nos serviços públicos. levar o processo a resultados ruins na
como forma de resolução de conflitos,
Entre os limites, obstáculos e de- coprodução, com a piora da qualidade
sem perder a capacidade de confronto,
safios à coprodução, estão: do serviço, ao invés de melhorá-lo.
quando necessário.
• O financiamento das ações de co- • A administração pública é, muitas
h. Faz a conexão entre o respeito produção, que envolve recursos gover- vezes, incapaz de substituir sua ação
às diferenças identitárias e a universa- namentais, dos cidadãos e de organiza- de produtora do bem público por uma
lidade da condição humana, evitando ções parceiras. Isso exige mecanismos ação de agente responsável em coo-
reproduzir sectarismos e preconceitos. legais e de governança e prestação de peração com outros atores.
Características essas que não es- contas mais flexíveis do que os utilizados • Há, de fato, certas tarefas da ad-
tarão reunidas em um único indivíduo. na administração pública tradicional. ministração pública que são mais com-
Embora seja uma característica indivi- • Os recursos são necessários tanto plexas, com as quais os cidadãos podem
dual, a função da cidadania é coletiva. para planejar e executar os serviços como não ter habilidade ou recursos suficien-
Como tal, deve ser preservada, prote- para avaliar os resultados, verificando se tes para lidar. Além disso, os cidadãos,
gida e estimulada. A cidadania ativa é a coprodução gera ou não valor. O valor quando convidados a coproduzir, nem
uma construção cotidiana e tem o real gerado nem sempre é equilibrado para sempre sabem como fazer. Outras
gestão social 91
Para os autores, a coprodução pode
gerar benefícios diferentes para atores
Questões
1. Quais os instrumentos disponíveis
Perfil dos
diferentes. O tipo de efeito também va-
ria – alguns são de caráter sociopolítico,
no seu município que favorecem a
coprodução de serviços públicos? Autores
outros de natureza econômica. Alguns 2. Como você, a partir do seu grupo
são mais tangíveis e diretos, outros são de vizinhos, de amigos, colegas de Paula Chies Schommer
intangíveis e indiretos. O quadro nos dá trabalho e diversas comunidades, É professora de Administração Pública
uma noção aproximada disso. pode participar da coprodução dos na Universidade do Estado de Santa
As análises dos efeitos não devem serviços públicos no seu município? Catarina, Udesc; líder do grupo de pes-
se restringir ao uso de métodos quan- quisa Politeia – Coprodução do Bem
3. Para além dos resultados diretos da
titativos. Olhar não apenas para os Público: Accountability e Gestão; pro-
coprodução dos serviços públicos,
resultados imediato dos serviços, tam- fessora colaboradora do Programa
quais seus efeitos potenciais no que
bém para o impacto que pode gerar a de Desenvolvimento e Gestão Social
diz respeito à cultura política?
curto, médio e longo prazos. Para tal, da Universidade Federal da Bahia; in-
Síntese do
cabe considerar diferentes variáveis. tegrante da Rede de Pesquisadores
A curto e médio prazos, pode-se em Gestão Social, RGS; membro do
Fascículo
avaliar: qualidade da oferta; economia Conselho Diretor da International
de recursos; satisfação dos usuários e Society for Third-Sector Research,
atores envolvidos; efetividade parti- ISTR; membro de conselhos, comitês e
cipativa etc. A longo prazo, podemos Vimos neste fascículo que são muitos e organizações da sociedade civil; dou-
perguntar se tem gerado aumento do complexos os desafios da atualidade. tora em administração pela Fundação
capital social, com impacto na mu- Se, por um lado, nos sentimos impoten- Getulio Vargas; mestre em adminis-
dança da cultura política. Ou, ainda, se tes e desanimados, por outro, vislum- tração pela Universidade Federal da
foi capaz de transformar as dinâmicas bramos alternativas. A tensão entre o Bahia; graduada em administração
institucionais nos setores envolvidos. ideal e o real é próprio da condição hu- pela Universidade de Caxias do Sul.
Os recortes para análise são di- mana. Está presente nas relações polí- Entre seus temas de pesquisa estão
versos. Podem incluir tanto aspectos ticas e sociais como um motivador de coprodução de bens e serviços públicos,
técnicos quanto contextuais e até da ações inovadoras e criativas. accountability, governança, gestão so-
subjetividade dos atores envolvidos. O A coprodução dos bens públicos cial e desenvolvimento socioterritorial.
importante é que a análise não se limite foi conceituada e classificada teorica-
a uma única dimensão de causa e efeito. mente. Foi abordada como prática de Augusto de Oliveira Tavares
A avaliação da coprodução tem gestão social capaz de contribuir para É Cientista Social pela UECE, mestre
muito a revelar sobre seu potencial lidarmos com os desafios da atualida- em Sociologia pela UFCA, doutoran-
transformador e seus limites. A percep- de. Tanto no planejamento e na entrega do em Desenvolvimento Sustentável
ção e a reflexão sobre suas práticas, em de serviços públicos qualificados quan- pelo CDS/UnB. Professor efetivo da
diferentes contextos, gera conhecimen- to no aperfeiçoamento da cidadania. UFCA, no curso de Administração
to para novas experiências e aprimora- As tipologias ajudaram a compreen- Pública. Coordenador da Incubadora
mento das existentes, e sua combina- der o papel do Estado, das organizações Tecnológica de Empreendimentos
ção com modos tradicionais de gestão públicas e privadas, das comunidades e Populares Solidários (ITEPS/UFCA) e
e provisão. As metodologias para tal dos cidadãos no aperfeiçoamento dos membro da diretoria da Associação
aproximam-se da área de avaliação de serviços públicos e da democracia. Os Nacional de Ensino e Pesquisa do
políticas públicas, medição de impac- exemplos permitiram refletir sobre os Campo de Públicas, ANEPCP. Tem expe-
tos e valor adicionado. Estas contam limites, as potencialidades e avaliar os riência no ensino de Sociologia e disci-
com modelos e instrumentos variados, benefícios da coprodução. plinas afins, e interesse principalmen-
em contínuo aperfeiçoamento, combi- Convidamos o leitor a tomar par- te nos seguintes temas: Participação
nando diversas áreas do conhecimen- te nesse processo. Identificar os meios Social, Políticas Públicas, Economia
to. Importante também que usuários, disponíveis e potencialidades em seu Solidária e Gestão Social.
comunidades e servidores públicos que município. Para, a partir do seu con-
atuam na ponta se envolvam na ava- texto local, contribuir com a produção
liação das iniciativas. dos serviços públicos.
Parks; et al., 1981, p. 1002 Mix de esforços produtivos dos produtores regulares e de consumo.
Mix de atividades em que agentes e cidadãos contribuem para a provisão dos serviços
Brudney; England, 1983, p. 62 públicos. Envolve a participação das pessoas, sobretudo aquelas que são beneficiários diretas
do serviço, constituindo-se numa redefinição do padrão tradicional de entrega de serviços.
Levine, 1984, p. 181 A prestação conjunta de serviços públicos por órgãos públicos e consumidores de serviços.
Processo em que insumos utilizados para fornecer um bem ou serviço são entregues por
indivíduos que não estão na mesma organização.
Ostrom, 1996, p. 1073
Implica que os cidadãos desempenhem um papel ativo na produção de bens e serviços
públicos de consequência a eles.
O envolvimento de cidadãos, clientes, consumidores, voluntários e/ou organizações comunitárias
Alford, 1998, p. 128
na produção de serviços públicos, no seu consumo ou na obtenção de outros benefícios.
Prestação de serviços como um acordo e um processo, em que os cidadãos e o governo
Marschall, 2004, p. 232
compartilham uma “responsabilidade conjunta” para produzir os serviços públicos.
Brandsen; Pestoff, 2006, p. 496 Relação potencial que pode existir entre produtor regular e clientes.
Prestação de serviços por meio de relações regulares, a longo prazo, entre usuários de
Bovaird, 2007, p. 847
serviços e profissionais, de forma que ambos contribuam com recursos.
Coprodução significa entregar serviços públicos numa relação igual e recíproca entre
Boyle; Harris, 2009, p. 11
profissionais, usuários dos serviços, suas famílias e seus vizinhos.
Mix de atividades em que agentes de serviços públicos e cidadãos contribuem para a
Pestoff, 2009, p. 22
prestação de serviços públicos.
Coprodução é uma estratégia que permite a produção de bens e serviços públicos por
meio do compartilhamento de responsabilidades e poder entre agentes públicos, agentes
privados e cidadãos. Essa articulação se estabelece por meio da sinergia que ocorre na
Salm, 2014, p.42 realização dos serviços públicos compartilhados entre governo, comunidade e cidadãos
que, obrigatoriamente – assim como o aparato administrativo do Estado – interagem
para a produção dos bens e serviços públicos. Essa interação se efetua por meio de redes e
parcerias ou outros arranjos societários dos quais participa o cidadão.
Estratégia para a produção dos serviços públicos por meio do compartilhamento de
Salm; Menegasso, 2010, p. 3
responsabilidades e poder entre agentes públicos, privados e cidadãos.
Estratégia de produção de bens e serviços públicos em redes e parcerias, contando com o
Schommer; et al., 2011, p. 40 engajamento mútuo de governos e cidadãos, individualmente ou em torno de organizações
associativas ou econômicas.
continua>>
gestão social 93
continuação>>
Autor(es) Conceito
Sinergia entre cidadãos e governos, implicando parceria entre usuários e financiadores, ou
Pestoff, 2012, p. 1103 clientes e fornecedores profissionais de serviços públicos.
Produção entre pares em prol de um resultado compartilhado.
Verschuere; Brandsen; Pestoff, Envolvimento do cidadão na produção de serviços; os serviços não são simplesmente entregues
2012, p. 3 por profissionais ou agências públicas, mas são coproduzidos por usuários e comunidades.
[...] forma de produção do bem público que envolve a participação ativa do cidadão, o qual deve
De Mattia; Zapellini, 2014, p. 574 tomar parte nos processos de definição e geração desse bem conforme suas necessidades e
anseios, que podem assumir diferentes formas e configurações.
Relação entre um profissional remunerado de uma organização e (grupos de) cidadãos
Brandsen; Honingh, 2015, p. 431 individuais que requer uma contribuição direta e ativa desses cidadãos para a realização do
trabalho dessa organização.
FONTE: ADAPTADO DE AGE (2016, P.131-132).
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