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18, no 1, 45 – 55
Resumo
Definir violência escolar é uma tarefa difícil, pois o que geralmente se entende por violência
depende de aspectos culturais, históricos e individuais. Apesar dessa dificuldade, é possível e
necessária a sistematização do que se considera pertencente ou não ao fenômeno da violência
escolar. Somente com parâmetros bem estabelecidos é que se pode desenvolver pesquisas de
forma a comparar dados de diferentes escolas, regiões e épocas. Assim, este artigo apresenta as
diversas definições dadas por pesquisadores à violência escolar, organizando as diferentes
perspectivas, de modo a viabilizar um panorama amplo do que se entende por violência escolar.
Tal panorama, resumidamente, compreende que a violência escolar incorpora tanto a
perspectiva mais explícita da violência, como agressão entre indivíduos, quanto a violência
simbólica que ocorre por meio das regras, normas e hábitos culturais de uma sociedade desigual.
Ao se utilizar do termo violência escolar é importante indicar o local de ocorrência das situações
de violência, quais são os envolvidos, se estes são autores, vítimas e/ou testemunhas de
violência, a tipologia das ações de violência e se os episódios violentos possuem alguma
especificidade, como o bullying e o cyberbullying.
Palavras-chave: Conceituação de Violência, Bullying, Intimidação por Pares, Violência na
Escola.
Abstract
Defining school violence is a difficult task, as what is generally understood as violence depends
on cultural, historical and individual aspects. In spite of such difficulty, a systematization of
what integrates or not the phenomenon of school violence is possible, and much needed. Only
with well established parameters of what school violence is, will it be possible to develop
studies comparing results among different schools, regions and periods. With this end in mind,
this paper presents definitions of school violence proposed by researchers, organizing the
different points of view. A conceptual model of what is accepted as school violence is
suggested. This model, in summary, comprehends that when discussing school violence one
should define the place where the violent situations occurs, the persons involved, the role they
assumed, how were characterized the episodes of violence and if these events had any
particularities.
Keywords: Violence Conceptualization, Bullying, School Violence.
nela pode ser inserido no conceito. Isso é relacionados que nela ingressam a fim de
importante porque a violência pode ocorrer cometer atos violentos, como quando a
em qualquer relação interpessoal, ainda que escola é assaltada, quando traficantes nela
costume ocorrer com maior frequência e ingressam para intimidar alunos presentes,
intensidade quando há desigualdade de etc. Charlot (2002) também expõe tal
condições de poder entre os indivíduos situação em que a violência ocorre dentro do
(Williams, 2003). Desse modo, cantineiras, espaço escolar, “sem estar ligada à natureza
porteiros, faxineiras, inspetores, diretores, e às atividades da instituição escolar (...)” (p.
recepcionistas, voluntários da escola, pais 434) e em que “(...) a escola é apenas o lugar
e/ou responsáveis pelos alunos podem de uma violência que teria podido acontecer
cometer e/ou sofrer e/ou testemunhar atos de em qualquer outro local” (p. 343). O autor
violência a outros do contexto escolar e não denomina tal situação como violência na
devem ser esquecidos em pesquisas, escola, porém faz-se a ressalva que o termo
intervenções e programas preventivos. Além por si só não é esclarecedor, sendo mais
de pessoas relacionadas ao contexto da simples denominar que os envolvidos são
escola, pode haver outros indivíduos não outros não relacionados à instituição escolar.
causação não fique demasiadamente teórico patrimônio e sexual. O mesmo é válido para
ou abstrato, impossibilitando alterar consequências físicas negativas, como
situações concretas. Deve-se ter em conta sintomas psicossomáticos (sendo alguns
que regras, procedimentos e práticas não são exemplos: gastrite, queda de cabelos,
criados, respeitados e executados por si alergias, cefaleias, etc.), as quais também
mesmos e sim por indivíduos. Portanto, as podem ser em decorrência de violência
intervenções que buscam alterar políticas psicológica, contra o patrimônio e sexual.
institucionais precisam, obrigatoriamente, Além dessa divisão, pode-se separar a
envolver pessoas, as quais deverão agir violência escolar em duas categorias:
diferentemente. agressões verbais, que compreendem
Após esses apontamentos, há que se xingamentos, desrespeito, ofensas, modos
descrever a caracterização dos atos grosseiros de se expressar e discussões
violentos. Segundo a Organização Mundial (Abramovay, 2005) e violência não verbal
de Saúde (2002) há uma tipologia da (agressões físicas, destruição de material,
natureza dos atos violentos, a qual se refere roubo, etc.). Uma outra maneira comum de
à violência em geral, sem ser exclusiva ao categorização é por violência direta ou
contexto escolar, porém relevante, e tal violência indireta e emocional (Neto &
tipologia relaciona-se às consequências que Saavedra, 2003). A violência direta engloba
os atos violentos comumente produzem. Tal ações que podem ser físicas (como chutar,
organização menciona a violência física, bater, empurrar, roubar) ou verbais
psicológica, sexual e a negligência. Pode-se (apelidos, insultos). Já a violência indireta
entender como violência física atos diz respeito a ações com o objetivo de fazer
buscando ferir a integridade física da pessoa com que uma pessoa seja discriminada e/ou
(tais como tapas, empurrões, chutes, socos, excluída de seu grupo social, como por
beliscões, atirar objetos, etc.); como rumores ou disseminação de boatos.
violência psicológica, ações que têm como A configuração dos atos violentos é
provável consequência danos psicológicos outro aspecto importante para ser discutido
ou emocionais a outros (tais como ameaças em relação à definição de violência escolar.
de uso de violência física contra a pessoa ou Os atos violentos são únicos em si, pois cada
entes queridos, criar situações a fim de um tem uma configuração em relação aos
provocar medo, degradar verbalmente a envolvidos, duração, motivos, espaço
personalidade, crenças e atitudes da pessoa, geográfico ocorrido, características das
ridicularizar ou inferiorizar os esforços da ações violentas, data e horário de ocorrência
pessoa); violência sexual, que se refere a e desfecho. Contudo, quando determinados
atos contra a sexualidade do indivíduo (sem atos violentos tendem a ter características
o consentimento do outro, acariciar, semelhantes, eles costumam ser agrupados
manipular genitália, mama ou ânus, atos em categorias específicas a fim de que
pornográficos e exibicionismo, praticar ato obtenham destaque pelos pesquisadores,
sexual com ou sem penetração, com ou sem instituições escolares e sociedade.
o uso de força física); e negligência (que se Dentre essas categorias, têm-se a do
refere à omissão diante das necessidades de bullying na escola e a do cyberbullying.
outro indivíduo ou o fato de não evitar Segundo Runyon, Kenny, Berry, Deblinger
situações de perigo a outro). Pode-se, ainda, e Brown (2006), o bullying está relacionado
adicionar a essa categorização a violência à situação em que uma criança ou estudante
contra o patrimônio ou violência material é exposto repetidamente e ao longo do
que envolve atos como quebrar, danificar tempo a ações negativas, que podem tanto
materiais de instituições ou de pessoas e ser físicas, psicológicas ou sexuais, por parte
roubar. de outra(s) criança(s) ou aluno(s), o qual tem
Apesar de didática, tal divisão da intenção de realizar tais ações. Os autores de
Organização Mundial da Saúde (2002) é bullying, em geral, compreendem uma
artificial, uma vez que as consequências pessoa ou grupo de pessoas em condição
emocionais negativas, tais como medo, desigual de poder com relação à vítima, que
ansiedade, tristeza, podem ser ocasionadas pode tanto ser características quanto à
tanto por atos de violência psicológica, popularidade, força física ou estatura física,
quanto de violência física, contra o competência social, extroversão,
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