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INOCÊNCIA, de Visconde de Taunay

Contexto da obra:
- Romantismo brasileiro:
Marco inicial: a publicação do livro de poemas Suspiros poéticos e saudades de Gonçalves de
Magalhães em 1836.
Principais características:
- Negação do classicismo
- Individualismo, subjetivismo e egocentrismo
- Sentimentalismo e Emoção
- Idealização da mulher
- Fuga da realidade, escapismo e evasão
- Natureza expressiva
- Nacionalismo: cores locais
- Exaltação dos valores burgueses: sacrifício, esforço e trabalho
- Originalidade
- Busca da Liberdade
Prosa romântica – Romances: como meio de entretenimento dos moradores do Rio de Janeiro,
que era a capital do império no século XIX, vários romances estrangeiros eram publicados em forma
de folhetins nos jornais da época. Com isso, nossos escritores se aventuraram a imitar os modelos
importados e passaram também a escrever romances, no entanto introduzindo elementos nacionais.
Tal fato vinha a corresponder ao nacionalismo que era uma das marcas principais de nosso
romantismo, pois num país de independência (1822) tão recente era necessário construir uma
própria cultura.
Entre todos os romances publicados durante o nosso romantismo podemos observar algumas
tendências que predominaram, a dizer:
- Romance urbano que tinha na representação dos costumes da elite brasileira e a divulgação de
valores morais estavam entre seus principais projetos. Daí ele também ser chamado de romance de
costumes.
Nossos principais romancistas de tendência urbana foram:
- Joaquim Manuel de Macedo:A Moreninha, O moço loiro
- José de Alencar: Senhora Lucíola, Diva, Cinco Minutos
- Manuel Antônio de Almeida: Memórias de um sargento de milícias
- Romance indianista que tinha a escolha do índio como representante da cultura americana, em
protagonistas que apresentavam características da natureza exuberante e em narrativas que
remetiam ao passado histórico e ao processo de constituição do povo brasileiro seus principais
projetos.
Nessa tendência romanesca destaca-se:
- José de Alencar: O Guarani, Iracema, Ubirajara
- Romance regionalista ou sertanista que tinha a idéia de mostrar o Brasil aos brasileiros, criar a
imagem de um país grandioso, descrever espaços e costumes desconhecidos estabelecendo o
confronto entre tipos rurais e urbanos amplificando assim o conhecimento do Brasil que se tinha
naquela época, buscar o formação de uma identidade nacional foram os seus principais projetos.
Nosso principais romancistas de tendência regionalista foram:
- José de Alencar: Til, O Tronco do Ipê, O Gaúcho, O Sertanejo
- Bernardo Guimarães: A Escrava Isaura, O Garimpeiro, O Ermitão de Muquém, O Seminarista,
A Filha do Fazendeiro
- Fraklin Távora: O Cabeleira, O Matuto, O Sacrifício, Um Casamento no Arrabalde
- Alfredo d”Escragnole Taunay ou Visconde de Taunay: Inocência
Características da obra:
Publicado em 1872, já num declínio do romantismo, Inocência tornou-se o melhor dos romances
românticos regionalistas ou sertanistas de nosso romantismo.
Pois, em Inocência destaca-se uma visão do patriarcado do interior do mato Grosso onde as
pessoas ainda viviam de acordo com os costumes feudais e, portanto, o pai era a figura máxima da
família, o soberano. E sua vontade individual valia mais do que os códigos sociais. No romance, o
personagem Pereira vai representar essa condição de Pater Famílias e através dele outros temas
serão apresentados ao longo da narrativa, tais como:
- a hospitalidade em relação aos forasteiros e viajantes,
- a preservação da honra familiar,
- o dever de obediência,
- o casamento acordado,
- a visão da leitura e da escolarização como ameaça à formação da mulher,
-o exercício da vingança individual,
- o confronto entre o mundo rural e o urbano, entre o rústico e o civilizado,
- o conhecimento íntimo da natureza,
- a noção de pequeno proprietário rural,
- traços da escravidão no sertão,
- o valor da palavra empenhada
O romance Inocência está organizado em 30 capítulos e um epílogo. Todos apresentam um
título. E sempre após o título do capítulo está inserida uma ou mais citações de outros diversos
escritores que servem de introdução ao que será narrado. Podemos entender aqui uma relação de
intertextualidade ou de paródia entre o assunto narrado e as citações apresentadas. Uma
curiosidade é que todas as citações apresentadas são de autores estrangeiros e tal situação causa
um refinamento ao romance, pois marca a posição de homem de grande leitura por parte do escritor
inserindo o seu leitor nesse universo rico da literatura universal.
Exemplo:
Capítulo XV – Histórias de Meyer
Grande felicidade é ter um filho prudente e instruído, mas, quanto a filhas, é para todo pai carga
bem pesada.
Menandro, Os Primos
Capítulo XXII – Meyer Parte
Adeus, pois, amigos, bela companhia! Aos lares distantes cada qual de nós, por caminhos
diversos, deve um dia chegar.
Catulo. Epigrama XLVI
Outra marca importante da organização da narrativa de Inocência é a presença de vários
vocábulos ou expressões que aparecem em itálico ou com notações no rodapé e que servem para:
- fazer “o esclarecimento a respeito do significado de termos usados por personagens, notações
lingüísticas”, ou seja, “ traduzir o código do sertão” tanto o linguísitico como o ético
- dar “testemunho pessoal do autor sobre a verdade objetiva de passagem do texto que poderia
parecer inverossímel”, ou seja, “apresentar com fidelidade documental a realidade narrada”
- estabelecer “distanciamento em relação aos comportamentos e valores narrados, pois o
narrador marca assim sua condição de homem culto”.
Exemplos:
Capítulo V – Aviso Prévio
“ – Boa dúvida, aprovou Cirino, dou-lhe toda a razão, era do seu dever.
- Pois bem, o Manecão ficou ansim meio em dúvida; mas quando lhe mostrei a pequena, foi
outra cantiga...”
Veja o autor mantém a palavra ansim com sua variação lingüística no sertão ao invés de
escrevê-la assim.
Capítulo I – O Sertão e o Sertanejo
“Uma coisa é mapiar (1) à toa, outra andar com tentos por este mundo de Cristo”
Explicação no rodapé: Termo peculiar aos sertões do mato Grosso – quer dizer parolar,
tagarelar. (N. A., ou seja, Nota do Autor)
Capítulo XVI – O Empalamado
“- Então, continuou Cirino com pausa, acabados os dias de sossego, há de o senhor engolir uma
boa data de leite de jaracatiá.
- Jaracatiá! Exclamaram com assombro o doente e Pereira.
- Jaracatiá! Gaguejou por seu turno Meyer, arregalando os olhos, que é jaracatiá.
- Mas isso vai queimar as tripas do homem, observou o mineiro.
Cirino replicou um tanto ofendido:
- Não sou nenhum criançola, Sr. Pereira. Sei bem o que estou dizendo. Este remédio é segredo
meu, muito forte, muito daninho; mas não é nem uma, nem duas vezes, que com ele tenho curado
emapalamados. A coisa está no modo de dar o leite e na quantidade; por isso, é que não faço
mistério, avisando contudo que com uma porçãozinha mais do que o preciso, o doente está na
cova...”
Explicação no rodapé: A receita de leite de jaracatiá para a cura da hipoemia intertropical é
verídica e causou-nos grande admiração, quando a ouvimos aconselhada por um médico do sertão.
Pareceu-nos tão absurda e violenta, que dissuadimos a pessoa que devia, conforme a sua
resolução, pô-la em prática daí a dias. Entretanto, um profissional abalizado a quem contamos o
caso, declarou-nos que fora de proveitosa aplicação naquela moléstia. (N.A.)
Mais uma importante característica apresentada na construção da narrativa é o equilibrado
trabalho com a linguagem, que dá vida ao texto do romance. Para cada personagem foi criado uma
padrão de linguagem que o caracteriza muito bem dentro do contexto do romance. Vejamos esses
exemplos:
“Do interior da habitação, não tardou a sair uma preta idosa mal vestida, trazendo atado à
cabeça um pano branco de algodão, cujas pontes pendiam até ao meio das costas.
—Olá, Maria Conga, perguntou Pereira, que há de novo por cá?
—A benção, meu senhor, pediu a escrava chegando-se com alguma lentidão.
—Deus te faça santa, respondeu o mineiro. Como vai a menina? Nocência?
—Nhã está com sezão.
—Isto sei eu, rapariga de Cristo; mas como passou ela de trasantontem para cá?
—Todo o dia, vindo a hora, nhã bate o queixo, nhor-sim.
—Está bem... É que o mal ainda não abrandou... Daqui a pouco, veremos. E a janta?... Está pronta?
Venho varado de fome. Que diz, Sr. Cirino? indagou, voltando-se para o companheiro.”
Pelas falas de Pereira podemos observar sua caracterização de um homem de fala mais
oralizada enquanto nas falas de Maria Conga podemos ver a caracterização de sua condição de
escrava nas formas de tratamento
Para fazer referências aos patrões (Nhã, Nhor).
“Entrara José com uma canastra ao ombro e, descarregando-a no canto menos escuro do
quarto, julgou dever, sem mais demora, declinar a qualidade e importância da pessoa que lhe servia
de amo.
—O sr. aqui é doutor, disse ele apontando para o alemão e dirigindo-se para Cirino...
—Doutor?! exclamou este com despeito.
— Sim, mas doutor que não cura doenças. É alamão lá da estranja, e vem desde a cidade de São
Sebastião do Rio de Janeiro caçando anicetos e picando borboletas...”
Aqui observa a caracterização de José (Juque) como carioca que é.
“—O sr. é viajante zoologista, não é? perguntou Cirino, depois que viu terminada a operação.
O interrogado levantou a cabeça com surpresa e respondeu todo risonho:
— Sim, senhor; sim, senhor! Como é que o sr. o soube? Viajante naturalista, sim senhor! Eu vejo
que o sr. e muito instruído... Muito bem, muito bem! Muita instrução!
E, abrindo uma carteira de notas, escreveu logo umas linhas tortuosas.
—Ah! este também é doutor, disse Pereira com certo orgulho por hospedar em sua casa sabichão
de tal quilate.
—Oh, doutor? doutor!? Muito bem, muito bem. Doutor que curra ?
—Sim, senhor, respondeu com gravidade o próprio Cirino.
— Ah! ... Ah! muito bem.
Pereira, porém, voltara à carga.
—Mas, como é que o sr. se chama?
—Meyer, respondeu o alemão, para o servir.
—Maia ? perguntou o mineiro.
— Não, senhor, Meyer; sou da Saxônia, da Alemanha.
—Isto deve ser o mesmo que Maia na terra dele, observou Pereira, abaixando um pouco a voz.”
Aqui observa na linguagem a caracterização de Cirino como um homem entendido em estudos
científicos e a de Meyer na caracterização de seu sotaque alemão.
Quantos aos elementos da narrativa podemos observar;
- Narrador
De uma maneira bem simples podemos falar que o narrador é onisciente e seu foco narrativo é
em terceira pessoa, mas apresentando algumas variações para a primeira e às vezes fazendo com
que sua voz se confunda com a voz do próprio autor do livro.
- Tempo
A história se desenvolve entre o dia 15 de julho de 1860 e 18 de agosto de 1863. No entanto,
convém ser lembrado que a principal parte da história se passa num tempo aproximado de um mês.
Pois, a maior parte da narrativa se ocupa do envolvimento de Inocência e Cirino e esse
envolvimento ocorre da chegada de Cirino (15/07/1860) à casa da moça até seus assassinato por
Manecão. E, levando em consideração que o narrador não apresentada datas específicas, mas sim
citações do tipo: “Ficarei fora uma semana”. Dessa forma, somando-se essas citações dá-se um
tempo de mais ou menos um mês.
- Espaço
O espaço é um elemento fundamental nessa obra, pois se trata de um romance de marcas
regionalistas ou sertanistas. No primeiro capítulo do livro: O Sertão e o sertanejo, fica bem localizada
a região onde se desenvolverá a história: “Corta extensa e quase despovoada zona da parte sul-
oriental da vastíssima província de Mato Grosso a estrada que da vila de Santana do Paranaíba vai
ter ao sítio abandonado de Camapuã. Desde aquela povoação, assente próximo ao vértice do
ângulo em que confinam os territórios de São Paulo, Minas Gerais, Goiás e Mato Grosso até ao Rio
Sucuriú, afluente do majestoso Paraná, isto é, no desenvolvimento de muitas dezenas de léguas,
anda-se comodamente, de habitação em habitação, mais ou menos chegadas umas às outras;
depois, porém, rareiam as casas, mais e mais, e caminham-se largas horas, dias inteiros sem se ver
morada nem gente até ao retiro de João Pereira, guarda avançada daquelas solidões, homem chão
e hospitaleiro, que acolhe com carinho o viajante desses alongados páramo, oferece-lhe
momentâneo agasalho e o provê da matalotagem precisa para alcançar os campos de Miranda e
Pequiri, ou da Vacaria e Nioac, no Baixo Paraguai.
Ali começa o sertão chamado bruto.”
Em resumo: a história se desenvolverá, na maior parte, nas terras de Pereira. Lugar distante da
cidade ou qualquer forma de povoado. E a este tipo de localização será denominado sertão bruto.
Uma outra parte, menor, da história se passará na vila de Sant´Ana da Paranaíba no Mato Grosso.
Haverá também referências às Minas Gerais e a São Paulo.
- Personagens
. Martinho dos Santos Pereira: Pai de Inocência, homem humilde e bondoso, tagarela, pequeno
proprietário rural e símbolo patriarcalismo que ainda existia nos sertões do Brasil.
. Inocência: típica menina sertaneja criada sob o domínio do pai e típica heroína romântica: pura,
casta, virgem e que se entrega ao amor mesmo que isso lhe custe a vida.
. Cirino Ferreira de Campos: Curandeiro que se fazia de doutor devido às experiências adquiridas
numa farmácia em Ouro Preto e à leitura do manual de Chernoviz.
Velho tio e padrinho: homem encarregado de cuidar de Cirino na adolescência e que conseguiu
estudos gratuitos ao sobrinho, graças a um golpe que aplicou nos padres do colégio Caraça. Fê-los
acreditar que era rico e após sua morte iriam receber parte da herança.
Manecão Doca: Homem que Pereira que havia feito acordo para se casar com Inocência.
Trabalhador, honesto e que ao final do romance assassinará Cirino para lavar a sua honra e a da
casa de Pereira.
Guilherme Tembel Meyer: zoologista (naturalista) alemão virá ao Brasil patrocinado pelo governo
alemão fazer uma pesquisa sobre a nossa fauna. Em especial, sobre insetos brasileiros. Descobrirá
uma borboleta de rara beleza que será batizada com o nome de Papilio Innocentia: uma
homenagem a Inocência.
José do Pinho (Juque): carioca que era ajudante de Meyer.
Tonico(Tico): anão ,negro, mudo que será uma espécie “cãozinho” de Inocência. Terá papel
importante porque denunciará o caso de Inocência e Cirino. Fato que culminará com a morte de
Cirino.
Maria Conga: escrava da casa de Pereira.
Antônio Cesário: padrinho de Inocência.
Francisco Pereira dos Santos: irmão mais velho que Pereira não vê há 40 anos e do qual Meyer terá
uma carta de recomendação que lhe dará acesso “íntimo” na casa do sertanejo.
Roberto: irmão morto de Pereira.
Coelho: sitiante vizinho de Pereira que será tratado como empalamado.
Garcia: o leproso.
Totó Siqueira: homem para quem Cirino deve dinheiro.
E outros secundários ou figurantes: Leal (vizinho de Pereira), Major Melo Tarques (homem de
maior influência em Sant’Ana da Paranaíba, um filho de Pereira que já saiu de casa faz algum
tempo......
Resumo:
Um acaso e duas necessidades criam o início da trágica história de amor entre Cirino e
Inocência. Vejamos: Cirino se encontrava nesse momento cavalgando às terras do Leal para
conseguir dinheiro, pois precisava saldar uma dívida adquirida num jogo e Martinho dos Santos
Pereira voltava da Sant’Ana da Paranaíba depois de tentar encontrar medicamentos para tratar de
sua filha Inocência. O acaso vem a ser o encontro desses dois homens, pois Cirino possuía os
medicamentos de que Pereira precisava e, por outro lado, este podia ajudar Cirino a conseguir o
dinheiro necessitado. Assim, partiram os dois às terras de Pereira para tratar de Inocência e
conseguir o dinheiro.
E, assim, começa a bela e trágica história de amor entre os jovens. Pois, quando Cirino foi tratar
de Inocência recebeu por parte de Pereira algumas observações: “sou muito desconfiado. Vai o
doutor entrar no interior de minha casa...” e minha filha Inocência é como estivesse casada com
Manecão Doca, pois “a coisa está apalavrada”. Portanto, peço que “veja só a doente e não olhe para
Nocência....”. Claro que Cirino compreendia tudo isto que precavido pai lhe pedia, pois ele estava
acostumado a lidar com as regras das famílias do sertão. No entanto, quando Cirino adentrou ao
quarto de Inocência e se deparou com ela, não pode resistir à “beleza deslumbrante” da jovem.
Depois de um exame prévio sobre o que Inocência tinha, ficou determinado que Cirino voltaria
ao quarto à meia-noite para lhe ministrar um remédio. Quando saiam do quarto aparece um
personagem que será fundamental na tragédia do casal: Tonico, ou mais conhecido como Tico. Um
anão, negro, mudo que perambulava pelas terras da região e que tinha estima de toda gente. Em
casa de Pereira ele era uma espécie de cãozinho de Inocência. Cirino se assusta com ele e Tico não
gosta nem um pouco do como Cirino olhava pra Inocência enquanto a examinava.
Nesse mesmo dia, chegavam à casa de Pereira o naturalista alemão chamado Meyer e seu
ajudante carioca José do Pinho, o Juque. Meyer e Juque depois das apresentações pedem
hospedagem a Pereira que simpaticamente lhes disponibiliza tal pedido.
Para Pereira, que é um sertanejo muito simples, há uma enorme alegria de ter hóspedes em sua
casa, pois no sertão bruto era muito raro ter contato com pessoas fora do círculo familiar. E a alegria
é maior por se tratarem de hóspedes tão ilustres: um doutor e um naturalista alemão. Daí aparece
outro tema bastante trabalhado no livro: a visão de mundo do sertanejo analfabeto, mas com
profunda sapiência intuitiva e adquirida sobre a natureza e a visão de mundo do homem letrado.
Tanto de Cirino, que se valoriza diante do olhar do sertanejo por ter o status de médico e pelo fato
de saber ler, quanto de Meyer que, além de saber ler, é estrangeiro e tem um olhar científico sobre a
natureza. Enquanto para o sertanejo há um bucolismo que preenche sua vida pelo cotidiano com a
natureza, para o estrangeiro há a excitação pelo exótico e pelas possibilidades de descobertas que a
natureza lhe oferece.
Passado as apresentações e feitas as acomodações para a hospedagem é chegada a hora de
levar o remédio a Inocência. Cirino e Pereira vão ao quarto da jovem. Aquele fica sozinho com a
moça no quarto, pois o pai foi buscar o café necessário para o remédio que a filha ia tomar. Nesse
momento Cirino e Inocência já sentem o efeito deste “fogo que arde e não se vê”, deste
“contentamento descontente”. E a partir daí os efeitos do amor para os jovens serão inevitáveis e
avassaladores. Uma cena muito interessante é o retorno do pai ao quarto, pois Inocência, ao
perceber este retorno, fingiu estar dormindo. Tão casta, tão moça, tão pura, mas com sutilezas de
mulher. Uma pseudo Capitu. Nesta noite Cirino não consegue dormir consumido pela paixão que já
lhe devora.
No novo dia que chega acontece um fato importantíssimo, a dizer: Meyer trazia com ele uma
carta de Francisco Pereira dos Santos que era irmão de Martinho dos Santos Pereira e esta carta de
recomendação do irmão mais velho pedindo que tratasse Meyer não como apenas um hóspede,
mas como se fosse o próprio Francisco dará ao alemão o direito de poder almoçar na parte interior
da casa. Restrita apenas às pessoas da família e jamais aos hóspedes. Aqui outro tema do livro se
faz evidente: o patriarcalismo. Faz 40 anos que Pereira não vê seu irmão, mas basta um pedido dele
e por carta para o irmão mais novo cumprir sem questionar.
Assim, Meyer nesse dia vai almoçar com a família e aí acontece uma acidente que será
fundamental também para o desenrolar da paixão entre Cirino e Inocência. Pois, ao ver a moça,
Meyer se enche de elogios para a beleza estonteante dela, causando um desconforto muito grande
no cerne de uma sociedade patriarcal, já que tais elogios eram completamente descabidos e
desrespeitosos. Claro que Meyer não apresenta malícia ou desrespeito algum, pois sua visão sobre
a beleza de Inocência era mais de um naturalista que se encanta com algo exótico dos sertões
brasileiros do que de um homem que vê uma mulher e se interessa por ela como amante. Mas, no
olhar do sertanejo e, principalmente, do pai, isso fere completamente os códigos de ética da
necessidade de preservar a honra de sua filha. E é aí que a carta de Francisco vai ter um peso
imenso, pois Pereira tinha o dever de obedecer à carta e tratar Meyer como alguém da família, mas
ele tinha também a necessidade de tomar uma satisfação contra o desrespeito de Meyer. E, entre
esse dever e esse querer, vai nascer um excesso de atenção de Pereira para com Meyer, deixando
assim o caminho livre para que Cirino possa cortejar Inocência sem ser visto e coibido. Essa carta
foi outro feliz e trágico acaso para a história dos jovens.
Desconfiadíssimo agora com Meyer, Pereira resolve acompanhá-lo pelas suas andanças no
meio do sertão à procura de insetos. Isso faz com que Cirino tenha o dia inteiro para se aproximar
de Inocência. Ao meio-dia era hora de levar até a moça uma nova dose do remédio e dessa
situação, quando se encontrava sozinho no quarto com ela, aproveita-se, ou melhor, perde controle
e, ao tomar-lhe o pulso, enche a mão e o braço dela de beijos. A moça fica desesperada “e, ou por
efeito do inexprimível e desconhecido abalo que experimentara no estado de debilidade a que
chegara, ou por ser aquela a hora em que se costumava a febre salteá-la, o certo é que teve de
encostar-se, ou melhor, agarrar-se ao umbral para não cair a frio comprido ao chão” e Cirino,
heroicamente, correu para ampará-la tomando nos braços a pálida donzela. Depois de todos os
cuidados necessários e possíveis Cirino saiu do quarto despedindo-se dela com todo afeto do
mundo. Ainda do peitoril da janela disse: “adeus, menina bonita”. Se Inocência começa a história
abatida por uma febre relacionada à parte física, outra febre agora virá lhe abater e restaurar a
saúde: a da paixão.
Pereira e Meyer voltaram para casa e este só queria saber de ver novamente a jovem. Fato que
irritava profundamente ao pai da moça.
Uma cena curiosa e engraçada que se passou nesse dia foi o tombo do alemão num buraco
cheio de formigas que lhe obrigaram a tirar a roupa e sair correndo pelado para se livrar delas.
Terminava o dia com Pereira confidenciando a Cirino que se não fosse a carta do irmão ele já teria
tomado sérias providências contra Meyer.
No novo dia que chegava, Pereira arrumara alguns pacientes para que Cirino pudesse conseguir
o dinheiro precisado. Das pessoas que vieram vê-lo dois casos são interessantes: a de um homem
chamado Coelho que, segundo observação de Pereira, Cirino podia cobrar bem a consulta porque
este tinha condições de pagar. Este homem sofria de uma profunda anemia já há algum tempo e no
sertão, este tipo de enfermo, era chamado de empalamado. Palavra que merece destaque porque
também se configura numa das características importantes do livro: revelar as marcas do sertão e
do sertanejo ao morador da corte (Rio de Janeiro), que seria o provável leitor dessa obra. Outro caso
que chama a atenção é a chegada de um morfético à casa de Pereira que enche a todos de
desespero. Pois, esse morfético era um homem chamado Garcia que era leproso.
Passado algum tempo, Inocência se encontrava já bem recuperada de um mal: a sezão, e,
profundamente, doente de outro: a paixão. Numa noite, Cirino foi de madrugada à janela do quarto
da moça e chamou por ela que, curiosamente, encontrava-se acordada também àquelas horas.
Quando esta abriu a janela e os dois se encontraram acontece a grande declaração de amor entre
ambos. Cirino explicava a ela todos os efeitos que um apaixonado sentia e Inocência se via com os
mesmo efeitos. Amavam-se, mas ardia na moça também a sensação de estar fazendo algo errado,
ou como diria ela: “sensação de pecado mortal”, pois estava traindo com essa confissão o acordo
feito por seu pai ao futuro marido Manecão. Dessa cena eles só não contavam com uma coisa: Tico
estava próximo ouvindo e vendo tudo que se passara. Fato fundamental para o desfecho do livro.
Meyer continuava com seu encantamento por Inocência e, portanto, cada vez mais Pereira se
precavia de não deixar que ele se encontrasse com a filha. Porém, numa outra caçada, que o
naturalista fez, aconteceu algo fundamental pra sua carreira. Ele encontrou uma borboleta rara,
belíssima e que nunca havia sido catalogada. Logo era a sua grande descoberta científica, a sua
glória. E, para desespero do sertanejo, batizou-a com o nome de Papilio Innocentia, ou seja, com o
nome da filha de Pereira. Para o pai, eram evidente as intenções desse alemão para com sua filha.
Era o auge de sua ousadia. Algo haveria de ser feito. No entanto, quando tudo caminhava para uma
possibilidade trágica, Meyer avisou a todos que partia. O naturalista partia para outras terras em
busca de outras possibilidades, pois ele tinha ainda dois anos de pesquisas, financiado pelo governo
alemão, a serem realizadas no Brasil. Claro que antes de partir quis mais uma vez ver Inocência,
mas isso não lhe foi possível. Assim, a paz voltara a reinar no coração do precavido pai que chegou
até a suspeitar que suas desconfianças eram infundadas.
Porém, o que Pereira jamais poderia suspeitar é que, dentro de sua ética, o maior desrespeito
vinha de alguém tão próximo e de tanta confiança para ele: Cirino. Este e a moça se encontravam
mais apaixonados do que nunca, no entanto se corroíam da impossibilidade de ficarem juntos, pois o
casamento com Manecão já estava tratado e seria improvável que Pereira voltasse atrás de uma
palavra empenhada. Num momento de desesperança total, Inocência se lembrou do padrinho
Antônio Cesário que morava lá na terra dos Gerais. Este tinha forte influência sobre o sertanejo tanto
por respeitabilidade quanto por dinheiro que Pereira lhe devia. Assim, se Cirino falasse com o
padrinho, talvez este pudesse interferir, caso aceitasse a união entre os dois, junto ao pai de
Inocência para anular o acordo feito com Manecão.
Cirino se despediu de Pereira a pretexto de ir buscar alguns medicamentos que lhe faltavam,
mas na verdade iria à busca do padrinho para conversar com ele sobre a situação em que o casal se
encontrava. Quando Cirino passava pela vila de Sant’Ana da Parnaíba ele acabou encontrando
algumas pessoas, entre os quais: o major Martinho de Melo Taques, o vigário e, principalmente, o
encontro mais significativo, Manecão. Este que é apresentado desde o início do romance só agora
aparece diretamente na história. E ele passara pela vila justamente para acertar os papéis de seu
casamento com Inocência.
Triste encontro para Cirino, pois enquanto ele ainda tinha de ir à fazenda do padrinho de
Inocência em Minas Gerais para conseguir, quem sabe, uma audiência e aceitação de Antônio
Cesário, o outro já ia em direção à casa de Pereira casar-se com Inocência. Assim, enquanto Cirino
viajava em direção ao destino pretendido, Manecão chegara à casa de Pereira. Feliz foi a recepção
deste para com o futuro marido de sua filha. No entanto, triste foi para Inocência tal chegada. Depois
de Pereira e Manecão acertarem a data do casamento este foi levado ao encontro da futura esposa,
mas a frustração de Inocência ao ver o marido arranjado pelo pai foi tão grande que ficou evidente
aos olhos do pai e de Manecão.
Inocência retirou-se para o quarto e dali não saia mais alegando estar novamente com as
sezões. Os dias passavam e Pereira e Manecão mantinham uma rotina sem muitas palavras a
espera que algo se decidisse nessa situação tão embaraçosa.
Um dia Pereira foi ao quarto da filha saber o que se passava. Saber por que ela não aceitava o
noivo. E, daí, a filha inventou a mentira: tinha sonhado com a mãe e esta havia revelado que se a
filha se casasse com Manecão haveria muita tristeza nesse casamento. No entanto, a mentira durou
pouco, e o pai a ameaçou de morte caso ela não se cumprisse o acordo feito.
Enquanto isso, Cirino chegara à fazenda do padrinho de Inocência e conseguia explicar a ele o
que estava acontecendo. A princípio, o padrinho não via meios e motivos para ajudar Cirino, mas a
insistência, a devoção e o amor do rapaz amoleceram Antônio Cesário e este decidiu refletir sobre o
caso. E, assim, ficou tratado: “é ficar o Sr. esperando em Sant’Ana. Se eu aparecer por estes oito
dias, iremos juntos à casa do compadre. Se não, é que decidi contrário. Neste caso, virá o Sr. até cá
e aqui esperará as suas cargas que mandarei buscar. Será sinal de que nunca mais há de procurar
botar as vistas em Inocência... nem sequer falar nela.” Cirino aceitou a condição e partiu para a vila.
Lá pelas bandas do Pereira Inocência havia recebido seu ultimato, mas quando se colocou
diante de Manecão teve coragem para rejeitá-lo dizendo que preferia a morte a se casar com ele.
Foi uma cena dolorosa demais para o jovem ser rejeitado de tal forma e mais doloroso ainda para o
pai que via sua casa desonrada.
Depois de um silêncio profundo e longo Pereira contou a Manecão que sabia o porquê dessa
rejeição de sua filha: um homem havia entrado naquela casa e enfeitiçado sua filha. Um alemão que
ele havia hospedado por recomendação de seu irmão Francisco. Ouvindo a explicação, Manecão
decidiu lavar a honra daquela casa. Iria matar o homem que havia anarquizado aquela família. E,
assim, preparava-se para partir e encontrar Meyer. Este devia morrer.
No entanto, Tico que até então acompanhava tudo de perto se colocou entre Pereira e Manecão
para contar através de gestos vagarosos o que realmente havia acontecido.
Pereira não podia crer que o homem que havia desgraçado sua casa era o doutor.
Manecão que havia visto Cirino na vila de Sant’Ana sabia bem a quem matar neste momento. E
partiu para lavar a honra dele e daquela casa.
Enquanto isso, Cirino aguardava na vila a chegada do padrinho de Inocência. Manecão que já
havia chego à vila e espreitava há três dias a sua vítima. Num belo dia, Cirino foi até a estrada para
ver se via a chegada do padrinho, pois o tempo determinado por este estava para terminar. E, um
pouco afastado da vila, se deu o encontro entre Cirino e Manecão. Travaram breve discussão e,
então, Manecão desfechou à queima roupa um tiro fatal em Cirino. Este, mesmo à beira da morte
reuniu forças para perdoar seu assassino que, ao ouvir chegar gente, fugiu.
Neste momento, Antônio Cesário vinha ao encontro de Cirino, pois tinha decidido intervir pelo
rapaz junto ao compadre. Tarde, porém. Cirino morria sem revelar ao padrinho quem o matara e
ainda encontrou tempo de assumir que mentira ser médico, além de deixar 300 mil-réis ao Totó
Siqueira para saldar a dívida. Pediu também para que Antônio Cesário não permitisse o casamento
de Inocência com Manecão.
E, dessa forma, despedia-se da vida murmurando baixinho o nome da amada.
Em 1863, Guilherme Tembel Meyer apresentava à comunidade científica da Alemanha suas
descobertas. E foi imensamente aplaudido pelas suas pesquisas. No entanto, a descoberta que mais
chamava a atenção de todos “era uma borboleta, de gênero completamente novo e de esplendor
acima de qualquer suspeição. É a Papilio Innocentia... ” Nome que Meyer explicava da seguinte
forma: “...foi graciosa homenagem à beleza de uma donzela (Mädchen) dos desertos da província do
Mato Grosso (Brasil), criatura, (...) de fascinadora formosura.
Quanto a Inocência, o narrador nos informa no final que há exatos dois anos atrás, “seu gentil
corpo fora entregue à terra, no imenso sertão de Sant’Ana do Paranaíba, para aí dormir o sono da
eternidade.
Assim, se encerra a trágica história de amor entre Inocência e Cirino.

Biografia do autor

Alfredo d' Escragnolle Taunay nasceu no Rio de Janeiro a 22 de fevereiro de 1843. Pertencia a
uma culta e refinada família francesa, em que predominava os artistas plásticos. O avô, Nicolas
Antoine Taunay, foi pintor de destaque, e também se dedicaram à pintura o pai, Felixmile, e o tio
Adrien Aimé. Certamente por causa disso, Alfredo manifestou amor às artes desde muito pequeno:
literatura, desenho e música o atraíam, para satisfação dos pais.
Teve a melhor educação que o Brasil da época podia oferecer a suas elites. Em 1858 com
quinze anos, formou-se pelo Colégio Pedro II, que, mantido pelo imperador, era a escola-padrão do
ensino secundário e a única habilitada a realizar os exames vestibulares para os cursos de nível
superior. No ano seguinte, 1859, in-gressou no curso de Ciências Físicas e Matemáticas da Escola
Militar (antecessora da atual Academia Militar das Agulhas Negras).
Entre 1862 e 1864, inscreveu-se no segundo ano de Engenharia Militar, mas logo teve de
interromper o curso em 1865, o Brasil entrou em guerra com o Paraguai, e os alunos oficiais foram
mobilizados.
Taunay fez parte da Expedição de Mato Grosso, como ajudante da Comissão de Engenheiros.
A guerra e o sertão foram para o jovem Alfredo uma experiência marcante, em todos os sentidos. O
militar foi promovido a primeiro-tenente e veio a integrar o Estado Maior do conde D'Eu, marido da
princesa Isabel e comandante chefe das tropas brasileiras na última fase da guerra. O literato foi
definitivamente reconhecido quando recebeu o encargo de escrever o Diário do Exército (isto é, o
relato oficial das ações militares). O desenhista, amante das paisagens brasileiras, registrou locais
de enorme beleza.
Sobretudo, o homem amadureceu naquele momento de lutas acirradas, presenciando
episódios de grande sofrimento e heroísmo, como a retirada de uma coluna brasileira perseguida
pelas forças paraguaias – a famosa Retirada da Laguna (1867). Dessa experiência surgiu em 1868
seu primeiro livro, Cenas da vida brasileira, com textos não ficcionais.
Antonio Cândido – um dos mais importantes críticos literários contemporâneos – sintetiza a força
que a vivência de Taunay teve em sua obra e, por extensão, na própria literatura brasileira: “militar,
enfronhado com problemas práticos, é particularmente um caso raro na literatura do tempo, para a
qual trouxe uma rica experiência de guerra e sertão, depurada por sensibilidade e artes plásticas.
Em 1870, terminada a guerra, Taunay retornou ao Rio de Janeiro; promovido a capitão, conclui
o curso de Engenharia Militar e assumiu interinamente a cadeira de Geologia e Mineralogia da
Escola militar: No mesmo ano, adotou o pseudônimo Sílvio Dinarte (com que assinara a maior parte
de suas histórias) e lançou o primeiro romance, A mocidade de Trajano. O livro segue modelos
românticos da literatura da época, possivelmente inspirando-se na obra de Joaquim Manuel de
Macedo e de José de Alencar. Nele, entretanto, incluem-se preocupações políticas, como o
problema da escravidão, que ganhara mais tarde destaque depois da guerra. Taunay, militar
experimentado, sabia o quanto o Exército Brasileiro devia aos soldados negros e via a justiça da
causa abolicionista.
A seguir, Taunay deixou um pouco de lado a ficção e tornou a abordar a experiência de Mato
Grosso: em 1871, publicou em Paris, em francês, A Retirada da Laguna, relato historiográfico que,
numa prosa comedida mas pungente, trazia os fatos do episódio e as emoções de um narrador-
participante. Um detalhe curioso: embora tenha feito muito sucesso no Brasil daquela época, a obra
só seria traduzida para o português décadas depois, pelo historiador e filósofo Afonso Taunay, filho
de Visconde.
O ano de 1872 marcaria o ponto alto de sua carreira literária com a publicação de Inocência.
Nesse romance, o rigor do observador militar que percorreu os sertões mistura-se à capacidade
imaginativa do ficcionista. O resultado é um belo equilíbrio entre ficção e realidade, raramente
alcançado na literatura brasileira até então.
É importante observar que nesse período o Romantismo brasileiro entrava em declínio e o
Realismo se aproximava. Inocência conta uma história de amor romântica, mas também documenta
com precisão e sobriedade muitos hábitos, costumes e tipos humanos do sertão brasileiro, que
despontava como um símbolo da nacionalidade. Por isso, os estudiosos apontam Taunay como um
autor que foi muito além da maioria dos romancistas seus contemporâneos – entre os quais se
incluíam alguns que, embora também usassem temas sertanistas, não tinham realmente muita
experiência do interior brasileiro. É o caso de Alencar, que produziu O Gaúcho sem nunca ter ido ao
Rio Grande do Sul. Taunay, ao contrário, escrevia sobre o que conhecera. Aliás, o próprio Taunay
se manifestou sobre isso; embora não diminuísse de modo algum a importância e o valor de
Alencar, considerava que o romancista cearense “não conhecia absolutamente a natureza brasileira
que queria reproduzir nem estava dela imbuído. Não lhe sentia a possança e verdade. Descrevia-a
do fundo de seu gabinete, lembrando-se muito mais do que lera do que aquilo que vira com os
próprios olhos”.
Taunay resolveu lançar-se também na política e ainda em 1872, elegeu-se deputado do Partido
Conservador por Goiás.
Depois, em 1874, casou-se com a filha do poderoso e riquíssimo barão de vassouras.
Os conservadores estavam fortes, e a carreira partidária de Taunay ia de vento em popa: reeleito
em 1875, no ano seguinte foi nomeado presidente (equivalente ao atual cargo de governador) da
província de Santa Catarina, ocupando esse posto por dois anos. Mas a maré da política voltou-se
contra os conservadores e a favor dos liberais, e Taunay, sem posição no governo, aproveitou para
fazer uma viagem de estudos à Europa.
A despeito dos cargos oficiais, Taunay não deixara de escrever; tendo publicado os romances
Lágrimas do Coração (1873) e Ouro sobre azul (1875), o livro de contos Histórias brasileiras (1874)
e a peça Da mão à boca se perde a sopa (1874). São quase sempre obras de importância
documental, que (exceção feita a um o ou outro conto das histórias brasileiras) não têm o valor
literário de A Retirada da Laguna e Inocência.
De volta ao Brasil em 1880, lançou-se numa intensa atividade em prol de causas políticas e
sociais, como a instituição do casamento civil (que separava a Igreja do Estado), o auxílo a
imigração européia, a naturalização automática dos residentes estrangeiros e a libertação gradativa
dos escravos.
Elegeu-se mais uma vez deputado, com mandato que se estendeu de 1881 a 1884. Em 1885,
demitiu-se do exército (do qual, aliás, estava mesmo afastado desde os tempos de professor da
Escola Militar) e assumiu outra presidência de província, a do Paraná, onde aplicou sua política
imigratória. Deixou o cargo em 1886 e elegeu-se senador.
Nessa época Taunay desfrutava de grande reputação política quanto literária. Conquista a
amizade de D. Pedro II, maior símbolo de prestígio no segundo Reinado. Também publicara as
peças Por um triz, coronel (1880) e Amélia Smith (1886), hoje totalmente esquecidas.
O império, entretanto, chegava melancolicamente ao fim: em 1889, pouco depois de Taunay
ter recebido o titulo de Visconde, veio a proclamação da República. Taunay era intransigentemente
monarquista e, com apenas 46 anos, abandona para sempre a política. Publicou ainda os romances
O encilhamento (1894) e No declínio (1899); são obras em que alguma crítica social combina-se a
um Romantismo ainda presente.
Taunay morreu no Rio de Janeiro a 20 de janeiro de 1889. Deixava muitos escritos inéditos,
que sua família publicou ao longo da primeira metade do século XX. Entre eles estavam dois livros
autobiográficos, Reminiscências (1907) e Memórias (1948) – fundamentais para compreender
melhor o autor e sua obra.
É nas Memórias, por exemplo, que se descobre a origem mais íntima da personagem-título
de Inocência, protótipo da mulher sertaneja imaginada pelo autor. Taunay conta com franqueza seu
relacionamento com uma jovem que conheceu no Mato Grosso e de quem diz: “Pensando por vezes
e sempre com saudades daquela época, quer parecer-me que essa ingênua índia foi das mulheres a
quem mais amei”.

Exercícios:
Os fragmentos a seguir pertencem ao romance Inocência de Visconde de Taunay. Leia-o com
atenção e responda as questões 01 e 02.
`Trazia o coração no rosto, um coração cheio de alegria e triunfo.
—Oh! Sr. doutor, exclamou. todo risonho, venha, venha ver uma preciosidade. .. uma descoberta. ..
espécie nova. :. não há em parte alguma... Ouviu? Coisa assim vale um tesouro... E fui eu que o
descobri!... Nem sequer Juque me ajudou... pois estava deitado e dormindo... Não é verdade, Sr.
Pereira?
—Veja, murmurava o mineiro, que barulhada faz ele com o tal aniceto... Ao menos, se fosse um
animal grande!
—É uma espécie... nova... completamente nova! Mas já tem nome... Batizei-a logo... Vou-lhe
mostrar... Espere um instante...
E, entrando na sala, voltou sem demora com uma caixinha quadrada de folha-de-flandres, que trazia
com toda a reverência e cujo tampo abriu cuidadosamente.
(...)
Depois, com mais volubilidade, e apesar de tropeçar amiudadas vezes em palavras, o que, para
comodidade dos leitores, temos quase sempre deixado de indicar, continuou:
—Reparem, meus senhores, neste lepidóptero com os olhos cuidadosos da ciência. Tem quatro pés
caminhantes: as antenas de terminação comprida e oval, cavada em forma de colher; os palpares
maiores do que a cabeça e escamosos, tromba toda branca e lábio quase nulo. Não perdi nem
sequer um pouco do seu pó, porque o pó, um só grão de pó, vale tanto como uma pena de pássaro,
e a comparação é perfeita, visto como cada uma destas escamas, à semelhança das penas, é
atravessada por uma traquéia, por onde circula o ar. Oh! que achado! prosseguiu ele. Que triunfo
para mim! A Sociedade Entomológica de Magdeburgo há de ficar orgulhosa... Sem dúvida alguma
farão uma sessão solene, extraordinária. Mein Gott!... Estou que não posso de alegria... Também,
daqui a três ou quatro dias, vou-me embora desta casa... ainda que cheio de saudades...^

07 – Nesses fragmentos apresentados pode-se encontrar de forma direta os seguintes personagens


do romance, exceto:
a) Cirino.
b) Inocência.
c) O pai de Inocência.
d) Meyer.
e) O ajudante de Meyer.
08 – A descoberta apresentada no fragmento é fundamental para a construção da história do
romance. As características a seguir são referências sobre tal descoberta, exceto:
a) Trata-se de uma borobleta rara ainda não catalogada.
b) O nome que ela recebe no livro é uma homenagem à personagem Inocência.
c) Quem a descobre é o doutor Cirino que veio da Alemanha ao Brasil para fazer pesquisas sobre
incetos.
d) O nome científico que a descoberta foi batizada é Papilio Innocentia.
e) A descoberta foi realizada no Mato Grosso.

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