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Universidade Metodista de Piracicaba

Curso de Cinema e Audiovisual

UMA ANÁLISE DA TRANSPOSIÇÃO DA DIREÇÃO DE ARTE EM ADAPTAÇÕES


DA LITERATURA CLÁSSICA BRASILEIRA TOMANDO COMO BASE A OBRA
DOM CASMURRO E A MINISSÉRIE CAPITU

Amanda Miranda do Prado


Ana Clara Godoy Hacker

Piracicaba – SP
2016

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AMANDA MIRANDA DO PRADO
ANA CLARA GODOY HACKER

UMA ANÁLISE DA TRANSPOSIÇÃO DA DIREÇÃO DE ARTE EM ADAPTAÇÕES


DA LITERATURA CLÁSSICA BRASILEIRA TOMANDO COMO BASE A OBRA
DOM CASMURRO E A MINISSÉRIE CAPITU

Monografia, apresentada ao Curso de Cinema e


Audiovisual da Universidade Metodista de Piracicaba
como requisito para obtenção do título de bacharel em
Cinema e Audiovisual.

Orientador: Prof. Ana Camilla Negri

PIRACICABA – SP
2016

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UNIVERSIDADE METODISTA DE PIRACICABA
AMANDA MIRANDA DO PRADO
ANA CLARA GODOY HACKER

UMA ANÁLISE DA TRANSPOSIÇÃO DA DIREÇÃO DE ARTE EM ADAPTAÇÕES


DA LITERATURA CLÁSSICA BRASILEIRA TOMANDO COMO BASE A OBRA
DOM CASMURRO E A MINISSÉRIE CAPITU

PIRACICABA – SP
2016

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AGRADECIMENTOS DE AMANDA MIRANDA DO PRADO

Gostaria de agradecer aos meus pais Emerson e Sônia Prado e meu namorado
Anderson Manzato por toda a compreensão e apoio durante todo o processo de escrita do
trabalho; também a nossa orientadora Ana Camila por todas as dicas e paciência, aos
professores que ajudaram a melhorar de alguma forma o nosso trabalho. Aos amigos pelas
trocas de experiências e conversas que também ajudaram na hora de escrever esse trabalho. E
a minha parceira de monografia, por me fazer gostar de novo de Machado de Assis.

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AGRADECIMENTOS DE ANA CLARA GODOY HACKER

Agradeço primeiramente a Deus e aos meus pais Cláudio Hacker e Eloísa Godoy por
terem me dado condições de chegar até aqui e estarem sempre ao meu lado. A todos meus
familiares e amigos por terem apoiado e incentivado a minha escolha de fazer Cinema. Aos
professores, funcionários e colegas de grupo pelas trocas de experiência e por sempre se
disporem a nos auxiliar de alguma forma ao longo do curso. Ao professor Tomas Sniker que
nos auxiliou na escolha do tema, e especialmente a nossa orientadora Ana Camilla Negri,
sendo indispensável para a concretização desse trabalho. E por fim a minha parceira Amanda
Prado por dividir comigo essa admiração por Dom Casmurro e pela minissérie Capitu.

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RESUMO

O trabalho propõe uma análise da Direção de Arte em obras baseadas na literatura


brasileira, pegando como base de estudo a minissérie Capitu do diretor Luiz Fernando
Carvalho, que foi baseada na obra de Machado de Assis, Dom Casmurro. A análise será feita
através dos elementos da Direção de Arte – cenário, figurino e maquiagem – e como eles são
transpostos para um produto audiovisual de forma inovadora, porém sempre buscando manter
a essência das obras originais, como no caso da minissérie Capitu. Para atingir tal objetivo,
foi feito um estudo a respeito de vários teóricos que abordavam o assunto da Direção de Arte
e sua importância, os vários conceitos de adaptação, a Indústria Cultural, entre outros. Além
da escolha de alguns aspectos do livro para compará-los com os da minissérie, de forma que
mostrasse que a Direção de Arte é parte integrante do processo de criação do produto, se
tornando um elemento narrativo fundamental na construção das emoções das personagens e
dos ambientes em que elas estão inseridas.

Palavras-chave: Adaptação Literária, Dom Casmurro, Capitu, Direção de Arte, Luis


Fernando Carvalho, Estética.

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ABSTRACT

The paper proposes an analysis of Art Direction in works based on Brazilian’s


literature, taking as a study based on the miniseries Capitu by director Luiz Fernando
Carvalho, who was based on the work of Machado de Assis, Dom Casmurro. The analysis
will be done by the Art Direction elements - scenery, costumes and makeup - and how they
are translated into an audiovisual product in an innovative way, but always keeping the
essence of the original works, as in the miniseries Capitu. To achieve this objective, a study
was done on several theorists who addressed the Art Direction of the subject and its
importance, the various concepts of adaptation, Cultural Industry, among others. Besides the
choice of some aspects of the book to compare them with the miniseries, in order to show that
Art Direction is an integral part of the product creation process, becoming a key narrative
element in the construction of the emotions of the characters and environments in which they
operate.

Keywords: Literary adaptation, Dom Casmurro, Capitu, Art Direction, Luis Fernando
Carvalho; Aesthetics.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO................................................................................................................................... 12

CAPÍTULO 1 - DIREÇÃO DE ARTE................................................................................................ 14

1.1 ENTENDENDO A DIREÇÃO DE ARTE E SEUS SIGNIFICADOS............................ 14

1.2 ARÉAS DA DIREÇÃO DE ARTE.................................................................................. 19

1.2.1 CENÁRIO...................................................................................................................... 19

1.2.2 FIGURINO..................................................................................................................... 23

1.2.3 MAQUIAGEM............................................................................................................... 26

CAPÍTULO 2 - CONTEXTUALIZAÇÃO E ADAPTAÇÃO: DE MACHADO DE ASSIS A

LUIZ FERNANDO CARVALHO..................................................................................................... 30

2.1 DOM CASMURRO - A OBRA LITERÁRIA DE MACHADO DE ASSIS:


O REALISMO E A CONTEXTUALIZAÇÃO DA ÉPOCA............................................................. 30

2.2 O PROJETO QUADRANTE E A EQUIPE DE LUIZ FERNANDO CARVALHO...... 33

2.3 O CONCEITO DE ADAPTAÇÃO.................................................................................. 41

CAPÍTULO 3 – ANÁLISE DO PROCESSO DE TRANSPOSIÇÃO DO REALISMO LITERÁRIO


PARA A ESTÉTICA VISUAL DA MINISSÉRIE............................................................................ 46

3.1 CAPITU: SUAS INSPIRAÇÕES E INFLUÊNCIAS...................................................... 46

3.2 A INDÚSTRIA CULTURAL.......................................................................................... 51

3.3 ANÁLISE DA DIREÇÃO DE ARTE COMO ELEMENTO NARRATIVO................. 56

CONSIDERAÇÕES FINAIS.............................................................................................................. 89

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS................................................................................................ 91

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LISTA DE FIGURAS

Figura 1: Frame do filme Le Royaume de Fées (George Méliès, 1903). Disponível em


<https://www.youtube.com/watch?v=AfmH7WyWXg8> Acesso em 9 de março de 2016................. 15

Figura 2: Bastidores da Pré-produção do cenário de Hoje é Dia de Maria (2005). Disponível em


<https://www.facebook.com/rraimundorodriguez/photos/a.324739170906374.72637.14288467575849
2/401048739942083/?type=3&theater> Acesso em 22 de março de 2016........................................... 20

Figura 3: Letícia Persiles como Capitolina e D. Glória como Eliane Giardini como nos Bastidores de
Capitu (2008). Disponível em
<https://www.facebook.com/rraimundorodriguez/photos/a.145812508799042.23995.14288467575849
2/145812635465696/?type=3&theater> Acesso em 22 de março de 2016........................................... 21

Figura 4: Oratório de Mãe Benta Santa Fé em Meu Pedacinho de Chão (2014). Disponível em
<https://www.facebook.com/rraimundorodriguez/photos/a.682817888431832.1073741860.142884675
758492/685437384836549/?type=3&theater> Acesso em 29 de março de 2016................................. 21

Figura 5: Cavalo de Euclides Villar construído para a cenografia de A Pedra do Reino (2007).
Disponível em
<https://www.facebook.com/rraimundorodriguez/photos/a.342101362503488.76384.14288467575849
2/342166669163624/?type=3&theater> Acesso em 22 de março de 2016........................................... 22

Figura 6: Figurinos de Rodrigo Lombardi e Irandhir Santos em Meu pedacinho de chão (2014).
Disponível em <http://memoriaglobo.globo.com/programas/entretenimento/novelas/meu-pedacinho-
de-chao-2014.htm> Acesso em 29 de março de 2016........................................................................... 25

Figura 7: Figurino de Bárbara Reis em Velho Chico (2016) Disponível em


<http://gshow.globo.com/tv/noticia/2016/02/elenco-de-velho-chico-veja-os-atores-da-proxima-novela-
das-9.html> Acesso em 30 de março de 2016....................................................................................... 26

Figura 8: Exemplo de Maquiagem de Correção - Letícia Persiles interpretando Capitolina em Capitu


(2008). Disponível em
<http://memoriaglobo.globo.com/programas/entretenimento/minisseries/capitu.htm> Acesso em 29 de
março de 2016........................................................................................................................................ 27

Figura 9: Exemplo de Maquiagem de Estilo - Juliana Paes interpretando Marina Catarina em Meu
pedacinho de chão (2ª versão, 2014). Disponível em
<http://memoriaglobo.globo.com/programas/entretenimento/novelas/meu-pedacinho-de-chao-
2014.htm> Acesso em 29 de março de 2016......................................................................................... 28

Figura 10: Exemplo de Maquiagem de Efeito - Doug Jones como Fauno em Labirinto do Fauno
(2006). Disponível em <http://colorindonuvens.com/blog/2014/01/20/filme-o-labirinto-do-fauno/>
Acesso em 29 de março de 2016........................................................................................................... 28

Figura 11: Tarcísio Meira como Capitão Rodrigo Cambará e Louise Cardoso como Bibiana em O
Tempo e o Vento (1985). Disponível em
<http://memoriaglobo.globo.com/programas/entretenimento/minisseries/o-tempo-e-o-vento/fotos-e-
videos.htm> Acesso em 22 de março de 2016...................................................................................... 34

Figura 12: Sebastião Vasconcelos como Candelário e Tarcísio Meira como Hermógenes em Grande
Sertão: Veredas (1985). Disponível em
<http://memoriaglobo.globo.com/programas/entretenimento/minisseries/grande-sertao-veredas.htm>
Acesso em 22 de março de 2016........................................................................................................... 35

9
Figura 13: Selton Mello como João da Ega em Os Maias (2001). Disponível em
<http://memoriaglobo.globo.com/programas/entretenimento/minisseries/os-maias/fotos-e-videos.htm>
Acesso em 22 de março de 2016........................................................................................................... 35

Figura 14: Simone Spoladore como Ana em Lavoura Arcaica (2001). Disponível em
<http://obaratodefloripa.com.br/cine-africano-imagens-politicas-e-sessao-diva-em-cartaz-na-fc-
badesc/> Acesso em 29 de março de 2016............................................................................................ 36

Figura 15: Lázaro Machado como Ludugero Cobra Preta, Sandra Belê como Maria do Badalo e
Irandhir Santos como Quaderna velho em A Pedra do Reino (2007). Disponível em
<http://memoriaglobo.globo.com/programas/entretenimento/minisseries/a-pedra-do-reino.htm>
Acesso em 22 de março de 2016........................................................................................................... 36

Figura 16: Dan Stulbach como Jonas em Afinal o que querem as mulheres? (2010). Disponível em
<http://memoriaglobo.globo.com/programas/entretenimento/seriados/afinal-o-que-querem-as-
mulheres.htm> Acesso em 22 de março de 2016.................................................................................. 37

Figura 17: Rosa Marya Colin como Mãe Bia e Haroldo Costa como Aloysio em Subúrbia (2012).
Disponível em <http://memoriaglobo.globo.com/programas/entretenimento/seriados/suburbia.htm>
Acesso em 22 de março de 2016........................................................................................................... 37

Figura 18: Carolina Oliveira como Maria em Hoje é Dia de Maria (2005). Disponível em
<http://memoriaglobo.globo.com/programas/entretenimento/minisseries/hoje-e-dia-de-maria.htm>
Acesso em 22 de março de 2016........................................................................................................... 38

Figura 19: César Cardadeiro como Bento e Letícia Persiles como Capitolina em Capitu (2008)........ 39

Figura 20: Irandhir Santos como Zelão em Meu Pedacinho de Chão (2014). Disponível em
<http://memoriaglobo.globo.com/programas/entretenimento/novelas/meu-pedacinho-de-chao-
2014.htm> Acesso em 29 de março de 2016......................................................................................... 39

Figura 21: Rodrigo Santoro como Afrânio, Selma Egrei como Encarnação e Marina Nery como
Leonor em Velho Chico (2016). Disponível em <https://mixoumisto.wordpress.com/2016/03/28/qual-
sera-o-grande-erro-de-velho-chico-para-conseguir-a-atencao-do-telespectador/> Acesso em 22 de
março de 2016........................................................................................................................................ 40

Figura 22: O Gabinete do Dr. Caligari. Disponível em


<http://www.cinemadebuteco.com.br/criticas/terror/o-gabinete-do-dr-caligari/> Acesso em 13 de abril
de 2016................................................................................................................................................... 47

Figura 23: O Gabinete do Dr. Caligari. Disponível em <http://www.archdaily.com.br/br/01-


87650/cinema-e-arquitetura-o-gabinete-do-doutor-caligari> Acesso em 13 de abril de 2016............. 48

Figura 24: O Gabinete do Dr. Caligari. Disponível em


<https://frenesiculturall.wordpress.com/2013/10/04/cine-sesc-boulevard-apresenta-o-gabinete-do-dr-
caligari-de-robert-wiene/> Acesso em 13 de abril de 2016.................................................................. 48

Figura 25: Trem do século XXI da série Capitu.................................................................................... 56

Figura 26: Imagem de uma antiga estação de trem de Capitu............................................................... 57

Figura 27: Bento Santiago dentro de um trem do século XXI em Capitu............................................. 58

Figura 28: Besta de Tio Cosme em Capitu............................................................................................ 59

Figura 29: Tio Cosme montando em sua besta em Capitu.................................................................... 59

Figura 30: Quintal de Capitu................................................................................................................. 61

10
Figura 31: Chão de Giz em Capitu........................................................................................................ 61

Figura 32: O Imperador em Capitu........................................................................................................ 63

Figura 33: Imperador seguindo a casa de Bentinho em Capitu............................................................. 63

Figura 34: Olhos de ressaca de Capitu................................................................................................... 64

Figura 35: Lágrimas jorrando do olhos de Bento Santiago em Capitu.................................................. 66

Figura 36: Maquiagem de Bento Santiago em Capitu........................................................................... 66

Figura 37: Representação do coração de Bento Santiago...................................................................... 67

Figura 38: Capitu dançando no salão com os rapazes desenhados em papelão.................................... 68

Figura 39: Bentinho e José Dias na estação de trem em Capitu............................................................ 69

Figura 40: Representação em papelão das pessoas na estação em Capitu............................................. 70

Figura 41: Rodas do trem feitas de jornal e papelão em Capitu............................................................ 70

Figura 42: Capitu em sua fase adulta..................................................................................................... 72

Figura 43: Bento e Capitu posando para foto em seu casamento.......................................................... 74

Figura 44: Bento e Capitu a caminho de sua lua de mel........................................................................ 74

Figura 45: Bento e Capitu em sua lua de mel........................................................................................ 75

Figura 46: Bento e Capitu retornando a cidade..................................................................................... 76

Figura 47: Bento e Capitu no baile........................................................................................................ 77

Figura 48: Representação do afogamento de Escobar em Capitu......................................................... 79

Figura 49: Representação do afogamento de Escobar em Capitu......................................................... 79

Figura 50: Enterro de Escobar em Capitu.............................................................................................. 80

Figura 51: Capitu olhando para Escobar no caixão............................................................................... 81

Figura 52: Bento olhando para Capitu no velório de Escobar............................................................... 82

Figura 53: Dom Casmurro e a sombra das asas na parede.................................................................... 83

Figura 54: Dom Casmurro com suas asas.............................................................................................. 83

Figura 55: Bento em frente a um espelho enquanto se recorda sobre Capitu........................................ 85

Figura 56: Bento tirando sua maquiagem.............................................................................................. 85

Figura 57: Capitu jovem e Capitu adulta “congeladas” no tempo......................................................... 86

Figura 58: Dona Glória, Tio Cosme e Prima Justina “congeladas” no tempo em Capitu..................... 87

Figura 59: José Dias “congelado” no tempo.......................................................................................... 87

11
INTRODUÇÃO

Capitu é uma minissérie, produzida pela Rede Globo em 2008, que se originou da
adaptação de um romance clássico da literatura brasileira, Dom Casmurro, de Machado de
Assis, e foi dirigida por Luiz Fernando Carvalho.
Machado de Assis foi um grande escritor brasileiro do século XIX, e um dos pioneiros
da literatura realista no país. Ele retratava as transformações econômicas, políticas e sociais,
onde abordou o retrato moral e psicológico da sociedade naquela época, formando uma visão
mais realista sobre o homem e o mundo. Entre suas principais obras que expressam bem essas
características estão Memórias Póstumas de Brás Cubas (1881), Quincas Borba (1892), Dom
Casmurro (1900) e Esaú e Jacó (1904).
No cinema e no audiovisual há várias adaptações provenientes de suas obras. Entre
essas e tantas outras, especificamente em Dom Casmurro, é ressaltada a ambigüidade da
personagem Capitu, o ciúme doentio e a bipolaridade de Bento Santiago. A carga psicológica
na história foi um dos motivos da escolha da realização da adaptação por meio do “Projeto
Quadrante”, ministrado pela Rede Globo junto com o diretor Luiz Fernando Carvalho. Além
de Dom Casmurro (2008), foram escolhidos também para participar do Projeto, A Pedra do
Reino (2007) de Ariano Suassuna, “Dois Irmãos” de Miltom Hatoum e “Dançar Tango em
Porto Alegre” de Sérgio Faraco.
Essa escolha foi um tanto quanto desafiadora, pois o conceito de adaptação engloba
diversas reflexões e interpretações, e principalmente um preconceito generalizado a respeito
da fidelidade das obras, se tornando uma questão que é debatida constantemente por diversos
teóricos. Isso se deve a uma reação muito comum, ao nos depararmos com um filme, uma
minissérie ou uma novela adaptada, onde sempre questionamos se o produto audiovisual será
tão bom quanto o livro, se conseguirão reproduzir a história sem mudar nada, ou seja, se ela
terá uma narrativa “fiel” a original.
Isso acontece porque a “magia” de um livro é poder mergulhar em seu universo, onde
a medida em que vamos lendo, vamos criando a imagem das personagens e dos ambientes,
vendo a história acontecer com a nossa própria imaginação. Portanto, esse choque ao vermos
a obra audiovisual adaptada é natural pois acontece devido a essas imagens irem de contra
àquelas que construímos em nossa mente.
É nesse momento em que a Direção de Arte entra em cena, fazendo com que parte do
que imaginamos seja concretizado no cenário, no figurino, e na maquiagem. Isso será
discutido devido a extrema importância que existe quando falamos em Direção de Arte, onde
12
ela é parte fundamental na construção da narrativa, sendo a primeira coisa que nosso olhos
registram. A nossa proposta é mostrar que muitas vezes a estética de um produto audiovisual,
mesmo que seja trabalhada de modo diferenciado, não precisa seguir o mesmo molde literário
para ser considerado uma obra “fiel”, até porque texto e imagem são constituídos por
linguagens diferentes.
Dessa maneira, a minissérie Capitu foi escolhida para ser analisada neste trabalho,
pois mostra a essência do que queremos passar. A partir dela é possível representar esse modo
alternativo de se utilizar novas formas estéticas, diferenciadas e inovadoras, escolhidas pelo
diretor Luiz Fernando Carvalho e sua equipe, de forma a (re)criar o universo diegético. Sendo
a Direção de Arte um dos principais elementos narrativos de uma história contada através da
imagem, compondo bem o espaço e acrescentando os demais diversos elementos é possível
construir uma poética que se pode adequar muito bem a narrativa, de acordo com suas
especificidades próprias de linguagem, não precisando necessariamente ser igual ao proposto
originalmente.
Assim, pretende-se ao longo desse estudo fazer uma análise comparando algumas
partes do livro com suas representações nas cenas da minissérie, focando no trabalho da
Direção de Arte e suas áreas - cenário, figurino e maquiagem – com o objetivo de desconstruir
a ideia de “fidelidade”, abrindo espaço para novos conceitos em relação a adaptação, além de
também poder contribuir como material didático sobre essa área, pois é escasso,
principalmente no Brasil, se mostrando uma área pouco reconhecida no âmbito acadêmico.
Além disso, será tratado um pouco sobre o histórico de Luiz Fernando na TV e no
Cinema, citando suas principais obras e escolhas estéticas, mostrando o estilo de trabalho que
ele vem fazendo já há alguns anos; como também o fim do Projeto Quadrante, propondo uma
reflexão a respeito da Indústria Cultural e de como ela tem poder sobre a opinião dos
consumidores.

13
CAPÍTULO 1: DIREÇÃO DE ARTE

1.1. ENTENDENDO A DIREÇÃO DE ARTE E SEUS SIGNIFICADOS

Elementos visuais acrescentam inspirações ao espectador, de maneira que


sua percepção possa percorrer caminhos além do texto ou da representação.
(HAMBURGER, 2014, p. 37)

Sabemos que existem diversas maneiras e formatos de se contar histórias. Podemos


dizer que os primórdios de uma narrativa sequencial vêm da pré-história, com as pinturas
rupestres. Os primeiros homens registravam seu cotidiano através de desenhos que “contavam
uma história” nas paredes das cavernas. A arte de contar histórias evoluiu muito com o
surgimento da organização alfabética e a literatura. Os acontecimentos, personagens,
ambientes, e toda a atmosfera em que se passa uma história escrita, se concretizam para nós
apenas em nossa imaginação, tendo cada leitor a sua interpretação pessoal a respeito do que
está sendo lido. Com o teatro, o texto verbal começou a ser interpretado, e com isso viu-se a
necessidade de preencher o espaço do palco, a fim de inserir a personagem no ambiente,
complementando suas ações. Assim, então, se iniciou o trabalho da cenografia.
Com o surgimento dos filmes no século XIX, um dos precursores do cinema, o
ilusionista George Méliès, passou a levar a cenografia para as telas. Seus cenários eram feitos
de painéis pintados, dando mais vida ao espaço, sendo que as câmeras ainda gravavam em
preto e branco, e tinham a intenção de criar uma maior perspectiva e realidade para a
atmosfera do filme. Como a câmera nessa época ainda era estática, os atores entravam e saíam
do quadro pelas laterais, e interagiam com os objetos de cena colocados naquele espaço
demarcado.

O papel de Méliès nos primórdios do cinema não foi negligenciado. Ele


começou a carreira no teatro de ilusionismo, mas se estusiasmou com o novo
meio. [...] Méliès mergulhou fundo nas possibilidades da caixa mágica do
cinema, transformando os filmes realistas dos Lumière em fantasias teatrais.
(COUSINS, 2013, p. 27)

14
Figura 1: Frame do filme Le Royaume de Fées (George Méliès, 1903)

Fonte: Site Youtube

À medida que o cinema crescia e as técnicas e recursos se aprimoravam, a


representação do espaço ficava cada vez mais evidente. A Direção de Arte começou a ser
desenvolvida como parte da narrativa, se tornando um elemento essencial para a construção
do universo da história. Com o passar dos anos a câmera pôde sair do tripé e ser guiada com
mais conceitos e significações para aquilo que o diretor quer que seja visto, fazendo com que
aquele ambiente, com os objetos, os figurinos, a caracterização, se tornasse fundamental na
narrativa. E que por meio destes, muitas vezes ela também possa ser contada por si só.
De acordo com isso, Vargas afirma:

No cinema, assim como a literatura e o teatro, necessita do espaço, do lugar


para contar uma história. Na literatura, ele é construído por meio das
palavras, descrito no texto; no teatro, é criado no palco; quanto ao cinema,
devido às suas características e peculiaridades, esse espaço é primeiramente
concreto. Antes de se tornar imagem, é físico, tridimensional, real,
constituído pelo mundo em sua materialidade. Tem como função essencial
permitir que as ações do filme nele ocorram e que os atores nele atuem. As
ações são mediadas pela câmera, que acentua uma ou outra expressão facial,
detalha objetos, ambientes ou paisagens. (VARGAS, 2004, p. 55)

15
Isso surgiu de uma necessidade de atender o público, que ia ficando cada vez mais
atento e exigente aos aspectos visuais do filme, aumentando então, a valorização a estes
profissionais, e também a preocupação por parte dos diretores de se criar um espaço mais
realista que ultrapassasse o senso comum da imagem de representar um mero registro do real.
Mas que não só ambientasse aquele espaço, e sim dialogasse com os demais elementos, se
tornando parte de todo o processo mental da obra, constituindo uma autonomia técnica,
estética e conceitual frente ao “produto”, se tornando um objeto diferenciado. De acordo com
Claudia Couto:

[...] existem dois espaços no cinema: o que existe no quadro (tudo o que o
olho percebe dentro da tela), e o que existe fora do quadro (projeções
imaginárias e espaço físico atrás da câmera e do cenário). O espaço que está
aparente dentro do quadro, além de configurar a identidade visual do filme,
pode ser manipulado para comunicar visualmente certos aspectos da
narrativa. (BURCH, 1992, p. 24 apud COUTO, 2004, p. 6)

Ou seja, através da imagem, a Direção de Arte pode causar um efeito direto nos
espectadores de diversas maneiras. Isso acontece devido à necessidade que a maioria das
pessoas tem, que é de ver para crer, e é dessa maneira que o espaço cênico pode ser
explorado. É o que explica Hamburger:

Extrapolando o chamado “padrão de beleza”, o “belo” cinematográfico está


ligado à criação de conflitos visuais que tornem a imagem instigante, a ponto
de envolver o espectador naquilo que vê, fazendo-o acreditar na
autenticidade do mundo ficcional que lhe é apresentado. (HAMBURGER,
2014, p.19)

Sendo assim, a Direção de Arte tem a capacidade de inserir o espectador em um


universo social e cultural diferente, em uma outra época, e até mesmo pode construir uma
outra noção de tempo, diferente da que estamos acostumados, assumindo um papel de
provocar e despertar emoções e afetos naquele espectador, se comunicar com ele, criar uma
ligação, e até mesmo antecipar situações que podem vir a acontecer. Como afirma Moura:

A direção de arte também pode elaborar relações temporais, tornando clara


ou difusa a noção de duração da narrativa, podendo estabelecer o que vem
antes e o que vem depois na diegese, qual a época em que se passa a história,
construindo elipses de tempo, digressões ou ainda alargamentos temporais
que surtem efeitos psicológicos e emocionais acerca da percepção da
narrativa. (MOURA, 2015, p. 45)

16
Essa é uma maneira de oferecer informações ao público para que ele seja direcionado
mais facilmente dentro da narrativa, do mundo e da mente das personagens, facilitando a
compreensão da diegese. Conforme afirma Carlos Figueiredo em seu artigo Virtualidade e
Cenografia: credibilidade no mundo ficcional (2009, p. 3245), a pretensão ao se criar cenários
e espaços ficcionais onde ocorre a ação cinematográfica, é permitir a criação de uma ilusão
que permite ao espectador ser transportado para um mundo que não é o seu. Bungarten e
Nojima (2013) complementam esse raciocínio:

O cinema possui uma capacidade singular de envolver o espectador,


recorrendo ao uso das imagens simbólicas para despertar sensações ou
sentimentos das mais diversas qualidades [...] Estas imagens simbólicas se
produzem através da organização do espaço, da composição e dos
movimentos de câmera, do projeto de luz, e através do design dos cenários e
os objetos de cena, suas cores e texturas, num trabalho afinado entre diretor,
diretor de fotografia e diretor de arte. Além disso, o próprio tratamento da
imagem proporciona significados diversos. O espectador confronta estas
informações com o seu acervo individual e identifica os significados colados
a estes elementos (BUNGARTEN; NOJIMA, 2013, p.5)

Mas o que é essencialmente a Direção de Arte? Carolina Castilho em seu artigo diz
que a melhor definição ela escutou da cineasta Lina Chamie: “tudo que você vê na tela,
enquadrado pela câmera, é direção de arte”. (2006, p.4) Ou seja, a Direção de Arte é o
ambiente plástico de um filme, engloba basicamente os campos de trabalho que apresentam
sua estética visual, sendo estes, a cenografia, o figurino, a maquiagem e até mesmo os efeitos
especiais.
Esse trabalho começa pelo roteiro, no qual o diretor do filme tem o papel de interpretar
e imaginar os espaços, fazendo uma minuciosa análise dos elementos que lhes são
apresentados no texto. Sendo este o papel do diretor do filme, o do diretor de arte é traduzir
esses conceitos escolhidos e imaginados para concretiza-los através das representações do
cenário, dos objetos e pela caracterização. Ele define e conceitua essas bases sob o que será
trabalhado com a sua equipe, supervisionando-os a todo momento durante a fase de
desenvolvimento do projeto.
Todos os elementos que serão colocados no espaço tem o objetivo de definir a
personagem e transmitir informações que podem ajudar no entendimento do espectador a
respeito dela e sobre a situação em que está. Para que isso aconteça, é necessária uma longa
pesquisa histórica e social para criar essa transformação de elementos verbais (texto) para os
não-verbais (imagem), que trataremos mais afundo no próximo capítulo.

17
Ao longo desse processo é essencial estabelecer um contato constante entre o diretor, o
diretor de arte e os outros departamentos e equipes, dialogando com os demais elementos,
para que haja o entendimento e a colaboração de ambas as partes. O diretor de fotografia
também tem um papel fundamental na representação visual do espaço, com a iluminação e as
cores, pois elas podem valorizar ainda mais o que foi construído na arte, colaborando na
criação das atmosferas. Assim, como é dito por Vera Hamburger (2014, p. 20), essa relação “é
o primeiro passo para a caracterização da linguagem visual a ser adotada pelo filme, iniciando
um trabalho em conjunto e interdependente, no qual o traço de um sugere as ações de outro”,
podemos entender que cada área depende uma da outra.
Para que a definição fique ainda mais clara, Moura diz que:

O diretor de arte é responsável pela carga visual do filme, ainda que seja da
responsabilidade do diretor decidir, dentre o que o diretor de arte vai
oferecer, o que entra ou não. Dentro dessa construção visual, o diretor de
arte deve guiar o espectador a desvendar os personagens e detalhes da
história, do início ao fim do filme, por meio de recursos visuais da
cenografia, dos figurinos e da caracterização. (MOURA, 2015, p. 41)

Além do diretor de arte, que é quem comanda e supervisiona todo o trabalho, ele conta
com uma grande equipe e funções. Entre elas estão o Coordenador e produtor de arte,
produtor de objetos, cenógrafo, cenotécnico, contrarregra, aderecista, figurinista, maquiador,
entre outros auxiliares e assistentes. Vamos estudá-los mais detalhadamente a seguir.
Desse modo, já podemos entender a importância da Direção de Arte no cinema como
elemento narrativo de uma história, que não só a complementa, mas se torna única e cheia de
significados.
Especificamente no Brasil, podemos observar que a grande riqueza de sua cultura tem
muito a contribuir nas produções nacionais, em especial as obras adaptadas de grandes
clássicos, que possuem uma gama de elementos marcantes a respeito da nossa cultura. Seja
por momentos e fatos importantes da história do país, como o meio social e cultural de épocas
específicas que, principalmente, nos dão diversas possibilidades para se trabalhar.
Um exemplo disso são as obras de Machado de Assis, que sempre escreveu sobre
grandes temas da sociedade brasileira, e que emprega costumes e estilos muito específicos da
época de sua escrita. Nos próximos capítulos vamos analisar como isso foi aplicado no
seriado Capitu.
O que se pode observar é que a abordagem do diretor da série Capitu foi bem diferente
do que costumamos ver na televisão. Nessa produção há uma mescla proposital de elementos

18
de tempos distintos, tempo do livro e tempo atual. E a Direção de Arte nessa série em
particular foi além. Utilizou materiais que vem das artes plásticas de maneira extremamente
criativa e inusitada. Foi por essas características que tornamos a produção o objeto de
pesquisa desta monografia. A Direção de Arte permite isso, reinventar os conceitos artísticos
de acordo com cada proposta de direção específica, buscando atingir os efeitos esperados na
obra final. Para concluir, Vargas (2004, p. 27) utiliza uma citação sobre o primeiro livro que
tratou sobre a direção de arte, publicado em 1928, que diz que: “[...] não importa se é realista,
expressionista, moderna ou histórica, deve empenhar sua função [que é] apresentar o
personagem antes que este apareça, [...] indicar sua posição social, suas preferências, seus
hábitos, seu estilo de vida, sua personalidade” (ALBRECHT, 1999, p. 8)

1.2 ÁREAS DA DIREÇÃO DE ARTE

A seguir pretende-se desmembrar as principais funções do departamento de Direção


de Arte, qual é o trabalho desses profissionais junto ao diretor e diretor de arte e a sua
importância, com base em diversos teóricos das áreas.

1.2.1 CENÁRIO

“Cenários são elementos vivos que, somados aos efeitos de luz e outros,
especiais, fabricam atmosferas e armam situações a cada acontecimento do
roteiro” (HAMBURGER, 2005, p. 33)

Como foi citado, a Direção de Arte possui uma ampla equipe que trabalha nesse
departamento, sendo eles: O Coordenador de Arte, que segundo Hamburger (2014), é
responsável por organizar os gastos e definir a logística dos trabalhos de toda a sua equipe.
Trabalha também no orçamento dos gastos e posteriormente à prestação de contas à produção
executiva. O Produtor de Arte, que tem o papel de pesquisar e providenciar a compra dos
materiais e objetos requeridos pelo diretor, além da logística do transporte, sua retirada e
entrega, nas locações e estúdios. O Produtor de Objetos se responsabiliza por preencher o
cenário. Ele corre atrás dos exemplares disponíveis no mercado, faz as escolhas e dá início às
negociações. Segundo Hamburger (2014), a história da arquitetura, do design e da decoração,
assim como as cores, texturas, materiais, etc, devem compor o universo de conhecimento do
produtor de objetos. Sua sensibilidade deve reunir-se à do diretor de arte para a caracterização
dos personagens e cenários por meio dos objetos escolhidos. O Cenógrafo, ainda segundo

19
Hamburger (2014), busca por locações, realiza os primeiros esboços dos ambientes por meio
de desenhos, realiza estudos de cor e de ambientação do cenário. Além de acompanhar a
construção, a pintura e o tratamento dos ambientes, ele deve ter conhecimento de história,
arquitetura, design e arte; deve saber manusear cores e textura, e conhecer técnicas de
construção e tratamentos cenográficos. O cenógrafo tem uma grande importância e
responsabilidade no set, como afirma Marques (2007, p. 86): “Se o arquiteto constrói casas e
prédios de verdade, o cenógrafo constrói um mundo “de mentirinha”. Trata-se de uma
especialidade que demanda técnicas e aprendizados específicos”. O Cenotécnico é o
engenheiro do cenário, faz sua manutenção e conhece os materiais e estruturas das
construções dos cenários, sendo estes, pedreiros, marceneiros e pintores. O Aderecista tem o
papel de fazer o objeto que não é possível comprar, ou seja, tem de saber manipular materiais
para a criação dos objetos que foram imaginados pelo diretor. E o Contrarregra, segundo
Marques (2007, p.87), tem que acompanhar as gravações no set o tempo todo pronto para
resolver problemas e providenciar qualquer pedido relativo aos objetos de cena. Além disso
ele também tem que observar a continuidade de suas características nas cenas.

Figura 2: Bastidores da Pré-produção do cenário de Hoje é Dia de Maria (2005)

Fonte: Facebook
Figura 3: Letícia Persiles como Capitolina e D. Glória como Eliane Giardini como nos Bastidores de
Capitu (2008)

20
Fonte: Facebook

Figura 4: Oratório de Mãe Benta Santa Fé em Meu Pedacinho de Chão (2014)

Fonte: Facebook
Figura 5: Cavalo de Euclides Villar construído para a cenografia de A Pedra do Reino (2007)

21
Fonte: Facebook

Como sabemos, o cenário abrange desde as locações até os objetos de cena e adereços.
Podemos entender, de uma forma mais simples, que o trabalho da cenografia se dá, então, por
inserir o espectador no ambiente das personagens, no lugar e na época em que eles estão
vivendo. Segundo Figueiredo (2009, p. 3239), pode-se entender que através desses recursos
visuais que foram inseridos no espaço, este cenário está impregnado de personalidade e vida
das personagens e têm um papel importante na ação delas, explicando suas atitudes, caráter,
emoções ou situações. Figueiredo (2009, p. 3237) ainda afirma que além de acentuar a ação e
o enredo, o espaço cênico deve parecer atuar sobre os próprios personagens que o habitam,
como se refere Robert Mallet Stevens em seu livro L’Art Cinématographique:

Um cenário de um filme, para ser bom, tem de actuar. Seja realista ou


expressionista, moderno ou antigo, deve representar a sua parte. O cenário
deve apresentar a personagem antes de ela ter aparecido. Deve indicar a sua
posição social, gostos, hábitos, estilo de vida e personalidade. Os cenários
devem estar intimamente ligados com a acção. (citado por Barsacq, 1976, p.
126)

Assim, a composição dos os objetos e adereços, além das locações, carregam diversos
significados e não estão ali por acaso, por muitas vezes eles participam diretamente da ação.
Dessa maneira, é necessário estar de acordo com a narrativa e tal realidade o máximo

22
possível, para passar uma autenticidade para o espectador, que vai ser o responsável pelo
poder de transportá-lo para esse mundo novo, para dentro da mente psíquica da personagem.
E é aí que o trabalho do diretor de fotografia se torna mais importante, como explica
Hamburger:

A cada quadro forma-se um espaço diferente do anterior, em escalas


distintas. Um objeto que no plano inicial aparecia como um simples
elemento de composição ganha a importância de um plano fechado e
apresenta, por si só, características significantes ao contexto da narrativa. Do
plano aberto ao detalhe, universos visuais são construídos ao longo do
tempo. (HAMBURGER, 2014, p. 32)

Segundo Marcel Martin (1990), existem 3 tipos de concepções de cenário. O primeiro


é o realista, que é quando o cenário não tem outra implicação além de sua própria
materialidade, não significa senão aquilo que é. O segundo impressionista que é escolhido em
função da dominante psicológica da ação, condiciona e reflete ao mesmo tempo o drama dos
personagens. E o terceiro é o expressionista que é quase sempre criado artificialmente, tendo
em vista sugerir uma impressão plástica que coincida com a dominante psicológica da ação; e
funda-se numa visão subjetiva do mundo.
A cor também tem um papel muito importante quando falamos sobre o efeito
psicológico que ela causa. A cor pode passar sensações, emoções e climas através do que foi
selecionado pelo Diretor de Arte, com o intuito de causar impressões de acordo com a
intenção da narrativa.

1.2.2. FIGURINO

O figurinista é o responsável por criar, reinventar e customizar as vestimentas e


acessórios das personagens. Ele pesquisa e apresenta propostas de modelagens, tecidos e
acessórios por meio de desenhos e fotografias e confecciona as peças. Dentre os seus
auxiliares estão: costureiras, alfaiates, camareiras, aderecistas e modelistas.
Não é difícil se observar que o figurino é uma das maneiras mais marcantes de se
caracterizar uma personagem. Ele apresenta a cronologia da história, a época e o lugar em que
ela vive, sua situação social, econômica e política. Marcel Martin cita Lotte Eisner em seu
livro A linguagem cinematográfica:

23
[...] o vestuário não é jamais um elemento artístico isolado. Deve considerá-
lo em relação a um certo estilo de direção, cujo efeito pode aumentar ou
diminui. Ele se destacará dos diferentes cenários para pôr em evidência
gestos e atitudes dos personagens, conforme sua postura e expressão. Por
harmonia ou por contraste, deixará sua marca no grupamento dos atores e no
conjunto de um plano. Enfim, sobre esta ou aquela iluminação, poderá ser
modelado – realçado pela luz ou apagado pelas sombras. (MARTIN, 1990,
p. 60 e 61)

Costa (2002) em seu artigo O Figurino como elemento essencial na narrativa diz que,
segundo Marcel Martin (1990) e Gerard Betton (1987), os figurinos podem ser classificados
em três categorias: Figurinos realistas, que reproduzem com cuidado e exatidão o vestuário da
época retratada pelo filme; Figurinos para-realistas, inspiram-se na moda da época sobre a que
estão trabalhando, mas procedem a uma estilização na qual é criada uma atmosfera menos real
e mais manipulável, atemporal; Figurinos simbólicos, que perdem completamente a
importância da exatidão histórica e cedem o espaço para a função de “traduzir simbolicamente
caracteres, estados de alma, ou, ainda, de criar efeitos dramáticos ou psicológicos”. Costa
ainda afirma que:

O vestuário faz parte do conjunto de significantes que molda os elementos


tempo e espaço: a roupa é parte do sistema retórico da moda e argumenta
para nos convencer que a narrativa se passa em determinado recorte de
tempo, seja este um certo período da história (presente, futuro possível,
passado histórico etc.), do ano (estações, meses, feriados) ou mesmo do dia
(noite, manhã, entardecer). De modo semelhante, as roupas de um
personagem trabalham para demonstrar que este se encontra no deserto, na
cidade, no campo, na praia. O tempo pode ser definido com auxílio do
figurino de modo sincrônico ou diacrônico. Quanto ao espaço, o figurino
ajuda a definir (ou tornar imprecisa) a localidade geográfica onde a história
se passa. (COSTA, 2002, p. 39)

Mas muito além disso, o figurino participa diretamente da história, pois faz parte do
ator em quase cem por cento das cenas. Sendo a personagem o foco principal da narrativa,
através de suas cores e estilos, o figurino pode agregar muitas informações sobre sua
personalidade e seu estado psicológico e emocional.

Sobre a figura do ator, o figurino e a maquiagem representam a manifestação


plástica direta do personagem, desenhando e marcando, visualmente, sua
presença diante do público. Preferências de modelagem, cor, materiais e
acessórios da vestimenta sugerem aspectos psicológicos e emocionais de
cada personagem e o posicionam dramaticamente no enredo, de maneira a
indicar não apenas sua situação social, econômica e política, mas também as
circunstâncias particulares ao momento em que vive. Seu estilo pessoal
marca-o visualmente, permitindo que seja rapidamente reconhecido a cada

24
aparição ou compreendido em suas transformações. (HAMBURGER, 2014,
p .47)

Ainda segundo a autora Hamburger, os cortes, suas formas, estrutura e estilo são
responsáveis por oferecer diferentes facetas das personagens ao espectador. E de acordo com
o desenrolar da narrativa, suas transformações serão implicadas também em suas vestimentas.
E é importante lembrar que o figurino atua como elemento fundamental na narrativa
em conjunto com todos os outros departamentos. Como é afirmado por Costa (2002, p. 42):
“O figurino não pode ser visto independente de outros elementos de um filme: ele se insere
em um contexto que inclui a cenografia, maquiagem, a iluminação, a fotografia, a atuação”.

Figura 6: Figurinos de Rodrigo Lombardi e Irandhir Santos em Meu pedacinho de chão (2014)

Fonte: Memória Globo

Figura 7: Figurino de Bárbara Reis em Velho Chico (2016)

25
Fonte: Site Gshow

1.2.3 MAQUIAGEM

O maquiador colabora na narrativa através da criação e execução da maquiagem.


Indica e coordena profissionais que o complementem em técnicas que fogem as suas
especialidades ou que sejam necessários para agilidade no set, como por exemplo, o
cabeleireiro.
A maquiagem engloba quaisquer interferências visuais no rosto, cabelo e corpo do
ator. Ela pode reforçar traços originais como pode alterar sua forma natural, como o
envelhecimento da pele, a colocação de cabelos grisalhos, e a alteração da estrutura corporal
do ator.
Dentro do cinema e do audiovisual existem 3 tipos de maquiagem, a mais simples é a
Maquiagem de Correção, que é utilizada para corrigir imperfeições, seja na rosto ou no
cabelo; ela realça a face, seus traços, e também retira tatuagens, ou seja, tudo que envolver
correções de pele e cabelo é considerada Maquiagem de Correção. A Maquiagem de Estilo
serve para caracterizar e criar um estilo para a personagem, acrescentando elementos como,

26
por exemplo, a tatuagem, uma barriga falsa, peruca, etc; E já a Maquiagem de Efeito exerce o
papel de transformar a personagem em algo totalmente distinto do modo como o ator é.

Figura 8: Exemplo de Maquiagem de Correção - Letícia Persiles interpretando Capitolina em Capitu


(2008)

Fonte: Memória Globo

27
Figura 9: Exemplo de Maquiagem de Estilo - Juliana Paes interpretando Marina Catarina em Meu
pedacinho de chão (2ª versão, 2014)

Fonte: Memória Globo

Figura 10: Exemplo de Maquiagem de Efeito - Doug Jones como Fauno em Labirinto do Fauno (2006)

Fonte: Blog Colorindo Nuvens

28
A maquiagem tem o papel de auxiliar na composição e identificação da personagem
na ficção, além de facilitar também, situar o espectador em uma determinada época e lugar.
Hamburger (2014, p. 50) define de maneira simples e clara sobre o papel que ela exerce: “De
uma forma ou de outra, sua realização é regida pela busca de uma representação que
autentifique, sobre a figura do personagem, o universo visual criado”. Ela tem o poder de
provocar um impacto visual imediato no público, gerando sensações sejam de empatia ou
estranheza. Ainda segundo Hamburger (2014, p. 49): “Ao lado do figurino e da cenografia,
ela colabora para o entendimento da cronologia da narrativa, marcando as variações de humor
e as situações de vida pelas quais o personagem passa”.

29
CAPÍTULO 2: CONTEXTUALIZAÇÃO E ADAPTAÇÃO: DE MACHADO DE ASSIS
A LUIZ FERNANDO CARVALHO

2.1. DOM CASMURRO - A OBRA LITERÁRIA DE MACHADO DE ASSIS: O


REALISMO E A CONTEXTUALIZAÇÃO DA ÉPOCA

Joaquim Maria Machado de Assis nasceu no Rio de Janeiro em 1839 e faleceu em


1908. É considerado, até hoje, um dos mais importantes e essenciais escritores da literatura
brasileira. Sua carreira literária teve início no ano de 1855, e pode ser dividida em duas etapas
bem diferentes. A primeira fase é caracterizada por tendências românticas, pode ser
caracterizada pela face sonhadora e idealizada da vida, na crença nos valores da época, no
esquematismo psicológico, etc. As principais obras dessa época foram: A mão e a luva,
Helena, Iaiá Garcia.
Sua segunda fase teve início em 1881, abrindo o Realismo no Brasil, como afirmam
Candido e Castello (1987) “O realismo e o naturalismo principiam oficialmente no Brasil em
1880 e 1881, com as Memórias Póstumas de Brás Cubas, de Machado de Assis”, podendo
assim, ser considerado o precursor desse estilo literário que foi marcado, no início, pela
oposição ao romantismo. Essa atitude se deve a vários fatores nacionais e internacionais,
estéticos e sociais, teóricos e polêmicos da época onde ocorreram muitas transformações
sociais. Teixeira afirma que:

Essas narrativas são formulações de psicologia aplicada ou instrumentos de


problematização da existência. O autor reinventa nelas aquilo que observava
nas pessoas, procurando explorar, em profundidade, os componentes
essenciais da ética, da moral e da psicologia. Cada texto possui o propósito
definido de investigar um problema específico, pois, de caso em caso,
Machado de Assis pretendia formar um conceito sobre o homem.
(TEIXEIRA, 1988, p. 57)

Com a escrita mais madura, Machado de Assis aprofunda mais seu interesse na análise
psicológica, na análise dos valores sociais, morais e éticos dos personagens, tem uma visão
objetiva e verossímil de tratar a realidade, destaca os aspectos negativos da natureza humana
carregado de ironia e humor. Segundo Candido e Castello (1987), Machado era um
observador arguto do seu momento político e social. Colocava sempre em primeiro plano a
pessoa humana, suas incertezas, esperanças e contradições.

30
Sendo assim, a partir de 1880, a literatura brasileira teve o seu auge, como afirma
Candido e Castello (1987): “[...]Este momento áureo fora mais ou menos de 1880 (publicação
de Memórias Póstumas de Brás Cubas) até 1908 (morte de Machado de Assis). Nele se
observa um contraste interessante, que ilustra o processo de oficialização literária”.
Apesar de Machado ter sido marcado principalmente por suas obras realistas, como
Memórias Póstumas de Brás Cubas, Quincas Borba, Dom Casmurro, Esaú e Jacó, e Memorial
de Aires, Teixeira ainda diz que:

A obra de Machado de Assis revela muita independência com relação aos


estilos e modas literárias de seu tempo. A existência dele cruzou com várias
tendências artísticas da vida brasileira: Romantismo, Realismo, Naturalismo,
Impressionismo, Parnasianismo, Simbolismo. Ele contribuiu para a
formação de quase todas essas tendências, mas não se filiou com
exclusividade a nenhuma em especial, extraindo delas apenas o
indispensável para a criação de seu próprio estilo. (TEIXEIRA, 1988, p. 3)

O contexto histórico antecessor da época em que fora publicado Dom Casmurro é


muito importante para entendermos melhor a posição dos personagens na história e na
sociedade. Nessa época, o Brasil passava por importantes transformações no âmbito
econômico, político e social do país. A crise do Império de Dom Pedro II que se agravando, e
paralelamente a abolição da escravatura ia tomando forma, até a assinatura da Lei Áurea, e
finalmente a Proclamação da República em 1889, teve um maior impacto na cidade do Rio de
Janeiro.
Em uma sociedade de modelo patriarcal, o papel da mulher sempre foi secundário,
inferior ao homem, se concentrava nas tarefas do lar enquanto o pai era o chefe de família,
eram submissas e destinadas a serem esposas e mães. Isso acontecia principalmente pela sua
carência de poder, como é afirmado por Stein (1984, p.24), “Essa visão que se possuía da
mulher, aliada à sua total carência de poder, seja ele político ou econômico, contribuiu para
que ela tivesse uma função “conservadora” na social”. E o casamento era visto como uma
forma de aceitação social para ela. Porém, a estrutura familiar começou a passar por algumas
mudanças a partir do século XIX, assim como afirma Stein:

[...]é a partir do século XIX, sobretudo em seus meados, que no Rio de


Janeiro se dá a urbanização em escala apreciável e é igualmente este o
período em que se verifica uma intensificação da vida política, econômica e
social da cidade. [...]Esses fatores não podiam deixar de afetar a estrutura do
esquema familiar. Apesar de um alargamento do universo sociocultural de

31
seus componentes, no entanto, a posição do pai como cabeça da família
continuou indiscutível. (STEIN, 1984, p. 22)

Essas questões são fundamentais para entendermos melhor a representação da mulher


nas obras realistas de Machado, principalmente em Dom Casmurro. Até hoje, as discussões
que existem acerca da obra é diretamente sobre Capitu, se ela cometeu ou não o adultério com
Escobar, melhor amigo de Bento. Porém, o que os leitores devem ter consciência é de que
Dom Casmurro é narrado pelo próprio Bento Santiago, e que dessa forma a única visão que
temos da história é da versão dada por ele. Assim como afirma Teixeira:

Até hoje, a maioria das pessoas só tem se preocupado em ressaltar a


ambiguidade e dissimulação de Capitu, porque isso é o que Bentinho diz
dela. Não se pode esquecer, porém, que Dom Casmurro é um retrato de
mulher feito pelo marido. Vem daí que aquela ambiguidade depende da
maneira com que o marido a vê. E, além disso, sendo um retrato moral,
jamais poderia ser preciso. (TEIXEIRA, 1988, p. 123)

Desde nova Capitu se mostrava diferente do ideal feminino da época, e cada vez mais
foi se colocando como o oposto da imagem submissa que ainda se tinha das mulheres do
século XIX. A posição da mulher de Bento o confundia, transtornava, e o tornava em um
homem inseguro pelas atitudes de sua amada, criando, dentro de sua própria maneira de
pensar, a desconfiança e o ciúme doentio. Assim como afirma Stein (1984) “A Capitu que ele
apresenta corresponde à imagem que ele tem dela, ela no seu texto é um enigma e continuará
a sê-lo”. Ainda como ainda afirma Stein (1984), conclui-se que a ambiguidade é justamente a
intenção de Machado no romance. E que segundo a definição de Teixeira (1988): “[...] Dom
Casmurro coloca principalmente a questão da dúvida entre o que conhecemos das pessoas e
aquilo que elas realmente são”.

Por fim, o que podemos observar é que, segundo Bosi (1999), Machado de Assis fixa
o Brasil urbano do século XIX, mas pensa como um analista moral do século XVII, sendo,
para nós no século XX uma voz inquietante que fala baixo mas provoca sempre.

32
2.2 O PROJETO QUADRANTE E A EQUIPE DO DIRETOR LUIZ FERNANDO
CARVALHO

O Projeto Quadrante foi uma produção ministrada pela Rede Globo juntamente com o
diretor Luiz Fernando Carvalho e foi criada com o intuito de reeducar o olhar do espectador
através de produções com uma maior qualidade estética e mais diferenciada do que se
costuma produzir na TV, levando um pouco mais da nossa rica cultura brasileira para o
público. Além de serem escolhidas apenas obras literárias nacionais para as adaptações, tinha-
se o objetivo de fazerem as filmagens nos locais onde a história original se passava com a
participação de uma equipe local.
A primeira realização do Projeto foi “A Pedra do Reino” de Ariano Suassuna, em
2007. A segunda foi “Capitu” de Machado de Assis, em 2008. Estavam previstos também as
minisséries “Dois Irmãos”, de Miltom Hatoum e “Dançar Tango em Porto Alegre” de Sérgio
Faraco.

Capitu faz parte de um projeto maior chamado Quadrante, que surgiu da


minha necessidade de refletir sobre o país. Para isso, me agarrei na produção
literária nacional e hoje estamos apresentando a nossa Capitu. Cada autor
traz uma visão de mundo e o conjunto desses autores produz uma ideia
multifacetada do Brasil. Com Capitu, eu me agarro na literatura de Machado
de Assis, para contar uma faceta do país. (CARVALHO)1

Em 2009, o Projeto Quadrante não teve muito sucesso e devido aos baixos índices de
audiência, a Rede Globo optou por cancelá-lo. Alguns anos depois chegaram a cogitar uma
possível volta do Projeto, mas por fim não ocorreu.
Antes de entrarmos na análise sobre a minissérie Capitu, temos que conhecer um
pouco sobre Luiz Fernando Carvalho e seu histórico dentro do Cinema e da TV. Carvalho
nasceu em 1960 no Rio de Janeiro, é formado em Letras, e começou a fazer trabalhos com
cinema desde novo, sendo assistente de diversas áreas. Não demorando muito para migrar
para a televisão, seus primeiros trabalhos no meio foram nas minisséries O Tempo e o Vento
(1985) e Grande Sertão: Veredas (1985). Por conta disso conheceu o diretor de fotografia
Walter Carvalho, que passou a ser seu parceiro em diversos projetos.
Desde sempre Luiz Fernando guiou a maior parte de sua carreira dando maior atenção
a adaptações de obras literárias, com o objetivo de aprimorar e expandir a linguagem
televisiva, apresentando uma estética cinematográfica inovadora, levando para minisséries e
1
Entrevista retirada do site http://gshow.globo.com/programas/capitu/capitu/platb/2008/11/26/com-a-palavra-o-
diretor/

33
até telenovelas. Dessa forma, ele deixa registrada sua identidade como diretor. Assim como
afirma Moura:

A qualidade não realista, intrínseca às suas criações, demonstra confiança do


diretor na fantasia e na poesia. Curioso que, embora os campos de maior
possibilidade para explorar abordagens poéticas sejam mais comumente o
teatro, o cinema e as artes plásticas, Luis Fernando Carvalho tenha elegido a
TV como o seu campo de maior experimentação. Ele aproveita a curta
duração das séries para avaliar a repercussão de suas experimentações no
público para oferecer algo que se diferencie da “mesmice” a que o público é
obrigado a se acostumar na programação usual televisiva. (MOURA, 2015,
p. 144)

Ele ficou ganhou esse destaque por conta de diversas obras, como Os Maias (2001),
Lavoura Arcaica (2001), Hoje é Dia de Maria (2005), A Pedra do Reino (2007), Capitu
(2008), Afinal o Que Querem as Mulheres? (2010), Suburbia (2012) e Meu Pedacinho de
Chão (2014), e agora Velho Chico (2015) que está sendo produzida.

Figura 11: Tarcísio Meira como Capitão Rodrigo Cambará e Louise Cardoso como Bibiana em O
Tempo e o Vento (1985)

Fonte: Memória Globo

34
Figura 12: Sebastião Vasconcelos como Candelário e Tarcísio Meira como Hermógenes em Grande
Sertão: Veredas (1985)

Fonte: Memória Globo

Figura 13: Selton Mello como João da Ega em Os Maias (2001)

Fonte: Memória Globo

35
Figura 14: Simone Spoladore como Ana em Lavoura Arcaica (2001)

Fonte: Site O Barato de Floripa

Figura 15: Lázaro Machado como Ludugero Cobra Preta, Sandra Belê como Maria do Badalo e
Irandhir Santos como Quaderna velho em A Pedra do Reino (2007)

Fonte: Memória Globo

36
Figura 16: Dan Stulbach como Jonas em Afinal o que querem as mulheres? (2010)

Fonte: Memória Globo

Figura 17: Rosa Marya Colin como Mãe Bia e Haroldo Costa como Aloysio em Subúrbia (2012)

Fonte: Memória Globo

37
Além do diretor, uma produção como Capitu requer um trabalho árduo em equipe, até
porque o diretor é só uma chave para toda a significação visual de uma obra. Desse modo,
devemos conhecer também a equipe de cenografia e produção de arte da minissérie.
O responsável pelo núcleo de arte é Raimundo Rodriguez, nascido em 1963 no Ceará,
tem como formação em artes plásticas, mas já trabalhou na direção de arte de minissérie e
novelas, iniciando com Hoje é Dia de Maria (2005), e posteriormente com A Pedra do Reino
(2007), Capitu (2008), Alexandre e Outros Heróis (2013), Meu Pedacinho de chão (2014) e
agora Velho Chico (2016), entre outros trabalhos no cinema e no teatro. A principal
característica para a criação de suas obras e sua cenografia é a reciclagem, assim como ele
mesmo diz: “A arte contemporânea é marcado pelo excesso. Eu detesto perdas. O que me
interessa é transformar”.2

Figura 18: Carolina Oliveira como Maria em Hoje é Dia de Maria (2005)

Fonte: Memória Globo

Figura 19: César Cardadeiro como Bento e Letícia Persiles como Capitolina em Capitu (2008)

2 Entrevista retirada do site: http://mapadecultura.rj.gov.br/manchete/raimundo-rodriguez

38
Fonte: Fotograma retirado da minissérie

Figura 20: Irandhir Santos como Zelão em Meu Pedacinho de Chão (2014)

Fonte: Memória Globo

Figura 21: Rodrigo Santoro como Afrânio, Selma Egrei como Encarnação e Marina Nery como
Leonor em Velho Chico (2016)

39
Fonte: Site Uol

Sobre o processo de criação da identidade da série, Raimundo explica:

Trabalho com Luiz desde “Hoje é dia de Maria”, depois fiz “A Pedra do
Reino” e depois “Capitu”. O processo de criação é sempre bem parecido,
mas sempre tenho muita liberdade no que diz respeito ao meu trabalho; é
claro que busco atender a dramaturgia, nunca esquecendo que a direção é do
Luiz, assim me coloco. Nossa parceria de longa data me deixa confortável
para propor objetos ou ambientes. (RODRIGUEZ)3

O figurino é assinado por Beth Filipecki, nascida em Piraí no Rio de Janeiro em 1952,
estudou artes cênicas na Escola Nacional de Belas Artes. Passou a trabalhar como assistente
figurinista através de uma indicação da professora Maria Augusta Rodrigues, e a partir disso
se enveredou por esse ramo. Seus primeiros programas foram no seriado Ciranda Cirandinha
(1987) e na série Aplauso (1979), e posteriormente veio trabalhando em diversas novelas,
minisséries e filmes.
Daniela Garcia, assistente de Beth, explica o trabalho em Capitu:

O figurino em Capitu é basicamente dividido em duas fases. Na primeira


explora-se o lado claro, leve e feliz da vida. Na segunda, é como se a gente
mergulhasse nos profundos olhos de Capitu, ou seja, ganha-se um ar mais

3
Entrevista de Raimundo Rodriguez concedida para este trabalho

40
escuro. Tudo isso tendo como eixo a Capitu, que é o orvalho da flor que vira
um oceano. Todos que estão a volta dela são impactados.4

A Produção de arte e a caracterização são assinadas respectivamente por Isabela Sá e


Marlene Moura, Rubens Libório, Deborah Levis.

2.3. O CONCEITO DE ADAPTAÇÃO

Não é de hoje que os livros são referências para produções cinematográficas e


audiovisuais, principalmente os clássicos da literatura. O histórico de adaptações literárias é
bastante extenso no cinema, e esse número só vem aumentando cada dia mais. Pinati (2013)
cita em sua pesquisa sobre o começo das adaptações, e como elas sempre caminharam
paralelamente ao cinema, desde o seu nascimento.

Como é sabido, as adaptações de obras literárias para o cinema tiveram


início com o nascimento do próprio cinema, uma vez que quando surgiu a
sétima arte, no final do século XIX, os pequenos filmes que apresentavam, já
baseavam-se em clássicos literários. De acordo com Vera Lúcia Follain de
Figueiredo, na obra Narrativas Migrantes: Literatura, Roteiro e Cinema
(2010), o cinema surgiu como fruto de avanços técnicos que abriram
caminho para o mercado das narrativas visuais. Tal processo, que vem se
desenvolvendo através dos tempos a partir das descobertas tecnológicas, na
maioria das vezes estabelece diálogo com a literatura, apropriando-se de
personagens e histórias que lhe pertencem, levando a milhares de
espectadores a esfera literária a que muito poucos tinham acesso. (PINATI,
2013, p.20)

A tarefa de fazer a transposição de um livro para a tela é algo bem complexo e requer
muito cuidado em todo seu processo. Afinal, o roteirista e o diretor pegarão um universo que
existe apenas na imaginação do leitor, e irão decodificá-lo para a tela, seja no cinema ou na
TV. O conceito de adaptação engloba diversas reflexões e interpretações que são debatidas
constantemente e podem ser vistas de forma equivocada. O que acontece é que existe o pré-
conceito de que o produto audiovisual não possa transpor com qualidade e “fidelidade” toda a
riqueza da literatura. O senso comum é que, se o produto não é “fiel”, ele não é bom. Muitas
vezes quando o filme não é apresentado como uma reprodução do livro, gera uma decepção e
frustração em boa parte do público, pois eles continuam esperando uma reprodução idêntica a
obra original. Santos (2011) diz que existem adaptações cinematográficas de grande apelo

4
Entrevista concedida para o site http://gshow.globo.com/programas/capitu/capitu/platb/tag/figurino/

41
comercial e temas leves que contribuem para a manutenção do preconceito quanto a
adaptações. E por isso, não se pode dizer que essa interpretação se deve simplesmente porque
se tratam de adaptações, pois, na realidade a depreciação se dá por se tratar de um produto
consumido pelas massas. Guimarães complementa este raciocínio dizendo que:

O pressuposto básico desses discursos baseados na noção de fidelidade é que


quanto mais fiel ao texto literário, melhor será o programa. [...] supõe-se
existir uma leitura “correta” e “única” para o texto literário, cabendo ao
adaptador descobrir o verdadeiro sentido do texto e transferi-lo para uma
nova linguagem e um novo veículo. Essa visão nega a própria natureza do
texto literário, que é a possibilidade de suscitar interpretações diversas e
ganhar novos sentidos com o passar do tempo e a mudança das
circunstâncias. Levada ao limite, a ideia de fidelidade supõe que programa
de TV fiel ao texto literário de alguma forma possa substituí-lo, tomando seu
lugar e tomando-o de alguma forma obsoleto, desnecessário, ideia
incorporada de quem lê o resumo de um romance ou assiste à novela ou
minissérie baseadas no romance e acredita ter lido o romance.
(GUIMARÃES, 2003, p. 94 e 95)

Porém, se observarmos melhor algumas dessas produções, veremos que elas


desmistificam esse conceito fechado que foi criado, mostrando que ele pode ser visto de
várias outras formas.
A palavra “adaptação” no dicionário possui significado em diversas áreas, mas
basicamente, todas elas levam ao mesmo sentido: ação ou efeito de adaptar, acomodar,
ajustar; e é isso que uma adaptação deve ser tratada. Um livro é completamente diferente de
um filme, seja em suas técnicas, em sua duração ou na forma como chega ao
leitor/espectador, portanto, é natural que certos aspectos fiquem diferentes quando adaptadas
para outra plataforma. Mas isso não significa que não tenham aproximações; não podemos
esquecer que apesar do modo narrativo diferenciado, tanto literatura quanto cinema estão
contando uma mesma história, elas apenas a apresentam de maneiras diferentes, sem se tornar
necessariamente superiores ou inferiores as outras. Assim como afirma Santos:

Ao compreender que cada arte possui suas próprias especificidades, adquire-


se liberdade e não se esperam que as mais recentes, ou menos conceituais, se
limitem a copiar a linguagem da de prestígio em suas produções. Mesmo que
tenha uma mesma ideia ou história, em cada meio se irá produzir conforme
seu meio característico e as finalidades da recriação. (SANTOS, 2014, p. 20)

42
Quando pensamos em uma história reproduzida por esses dois tipos de mídia, é
evidente que existem outros tipos de linguagem. Desse modo, essa discussão a respeito do que
é propriamente uma adaptação, nos leva a necessidade de definir e refletir, primeiramente,
quais são esses tipos de linguagens e como elas se relacionam, seja se tratando de suas
diferenciações ou de suas semelhanças.

Na literatura temos a linguagem verbal, que podemos defini-la por meio de sequências
de palavras, utilizando o recurso de texto para descrever as ações, os ambientes e as
personagens. No campo do audiovisual – cinema e TV -, além da linguagem verbal, temos a
não-verbal, na qual se utiliza a imagem, com seus recursos visuais compondo o quadro, se
tornando também uma forma de se contar uma história. Podemos dizer que a literatura possui
um narrador que dialoga com o leitor através dos acontecimentos mais importantes durante a
narrativa, as principais ações das personagens, suas características e os ambientes em que elas
se inserem. Já o cinema e a TV direcionam a atenção do seu espectador através de recursos
técnicos e estilísticos, como a arte, fotografia, som, edição e montagem. Santos reafirma esse
raciocínio:

A partir do momento em que se discute sobre adaptação de textos literários é


importante considerar a natureza de cada meio. A literatura e o cinema se
diferem pela mídia. A literária concretiza o discurso de um sujeito autor
preocupado com a escrita: o texto, apresentado por um autor em um tempo e
um espaço, é trabalho com recursos e estruturação próprias do código verbal.
Já no cinema e na televisão verifica-se que a escrita não é o fundamento
principal para a construção de seus sentidos, mas sim a imagem em
movimento. O texto, neste caso, cede lugar à expressão da personagem e aos
recursos como câmera, iluminação, som, montagem, cenário e figurino, que
dão sentido à história. (SANTOS, 2014, p. 21)

Marcel Martin (1990, p.22) afirma que “A imagem fílmica suscita portanto, no
espectador, um sentimento de realidade bastante forte, em certos casos, para induzir à crença
na existência objetiva do que aparece na tela” e o que a distingue de todos os outros meios de
expressão culturais é o poder excepcional que vem do fato de sua linguagem funcionar a partir
da reprodução fotográfica da realidade, pois com ele são os seres e as próprias coisas que
aparecem e falam, dirigem-se aos sentidos e à imaginação.

Portanto, é desse modo que conheceremos a forma cinematográfica do diretor de


reinterpretar e reler a obra, pois a adaptação, nada mais é do que a submissão dela a um novo
estilo. E assim, podemos dizer que essa insistência na “fidelidade” se dá pela ignorância do
espectador em relação ao fato de que a literatura e o cinema constituem dois campos de

43
produção cultural distintos, pois ambas têm suas especificidades próprias. Esses recursos
audiovisuais exercem o papel de descrever o que precisa ser dito sem o artifício de palavras
ou narrações; o que o texto conta, a câmera mostra. Porém, além disso, suas possibilidades
muitas vezes vão além desse senso comum. É o que afirma Johnson:

A insistência na “fidelidade” – que deriva das expectativas que o leitor traz


ao filme, baseadas na sua própria leitura do original – é um falso problema
porque ignora diferenças essenciais entre os dois meios, e porque geralmente
ignora a dinâmica dos campos de produção cultural nos quais os dois meios
estão inseridos. Enquanto um romancista em sua disposição a linguagem
verbal, com toda a riqueza metafórica e figurativa, um cineasta lida com pelo
menos cinco materiais de expressão diferentes: imagens visuais, a linguagem
verbal oral (diálogo, narração e letras de música), sons não verbais (ruídos e
efeitos sonoros), música e a própria língua escrita (créditos, títulos e outras
escritas). Todos esses materiais podem ser manipulados de diversas
maneiras. A diferença básica entre os dois meios não se reduz, portanto, à
diferença entre a linguagem escrita e a imagem visual, como se costuma
dizer. Se o cinema tem dificuldade em fazer determinadas coisas que a
literatura faz, a literatura também não consegue fazer o que o cinema faz.
(JOHNSON, 2003, p. 42)

Flávio Aguiar (2003) no livro Literatura, Cinema e Televisão cita Umberto Eco. Este
diz que na literatura, os estímulos emotivos vêm após os leitores atravessarem uma verdadeira
cortina de operações semânticas e sintáticas guiadas por signos, materializados em palavras e
organizados em conceitos. Já no cinema, ou mesmo na TV, a presença da imagem visual
desperta reações imediatas, incluindo-se as fisiológicas, com risos, lágrimas, descargas de
adrenalina e outras. E que sendo assim o ponto comum entre as duas é que narrativa literária e
filme cinematográfico são artes de ação. A diferença entre elas está na articulação temporal de
suas sequências para o receptor, e que o cinema monta vários presentes para representar a
ação, enquanto a literatura representa a ação para aprofundar o problema do tempo.

No caso da adaptação de Capitu para a minissérie televisiva, ela foi realizada após, em
1990, a obra de Machado de Assis completar 100 anos. A releitura feita pelo diretor Luiz
Fernando Carvalho demonstra não apenas uma homenagem, mas sim uma forma de dizer ao
público que Machado e sua obra ainda são muito atuais, e ele apresenta isso de uma forma
atemporal. É aí que a Direção de Arte se apresenta como a grande responsável por causar esse
efeito, mostrando uma estética com características diferentes e inovadoras.

44
[...] na perspectiva da recriação há duas propostas para o processo adaptativo:
concentrar-se apenas na narrativa e no que os códigos têm em comum; e/ou
investir também na estética para representar na tela os elementos que não são,
naturalmente, compartilhados entre a literatura e a linguagem cinematográfica.
(SANTOS, 2011, p. 27)

Desse modo, podemos entender que tudo depende da forma como a história será
representada. As escolhas do diretor e da equipe são fundamentais para a (re)criação do
universo diegético. E é isso que abordaremos no próximo capítulo; como foi trabalhada a
transposição do realismo literário para a estética surrealista da minissérie, observando
inspirações do diretor que influenciaram suas escolhas, e posteriormente será feira a
comparação dos acontecimentos do livro para as cenas da minissérie, analisando as áreas da
Direção de Arte, cenário, figurino e maquiagem.

45
CAPÍTULO 3: ANÁLISE DO PROCESSO DE TRANSPOSIÇÃO DO REALISMO
LITERÁRIO PARA A ESTÉTICA VISUAL DA MINISSÉRIE

3.1 CAPITU: SUAS INSPIRAÇÕES E INFLUÊNCIAS

Não é de hoje que o cinema utiliza formas diferentes e inovadoras para se expressar e
construir sua narrativa. Essas características ficam mais presentes a partir da década de 1920,
com o surgimento das Vanguardas Cinematográficas que tiveram início com o
Expressionismo Alemão cujo auge foi entre 1920 3 1930. Os cineastas, através de suas
técnicas, trouxeram uma forma experimental, não convencional, de se fazer um filme. Assim
como afirma Mark Cousins:

De 1918 a 1928, os cineastas aplicaram suas técnicas, com cada vez mais
sofisticação, a cada aspecto da experiência - o instinto para criar risos, a
questão de como vemos e ouvimos, a vida das pessoas à margem da
sociedade, o dinamismo das cidades e como seus moradores se comportam,
o inconsciente e questões mais abstratas sobre a vida, a ciência e o futuro.
Depois que cineastas de todo mundo perceberam que seu meio podia fazer
coisas complexas, eles levaram a criatividade ao limite e surpreenderam a si
mesmos e a seus colegas com novas descobertas. Em nenhuma época, até a
década de 1960, haveria tanta inovação estilística no cinema, e o entusiasmo
dos anos 1920 é palpável até hoje. (COUSINS, 2013, p. 62)

Dessa maneira, ao analisarmos o contexto histórico da época Pós-Primeira Guerra


Mundial, podemos perceber que o Expressionismo surgiu em um período no qual as
transformações tecnológicas que vinham ocorrendo estavam influenciando diretamente a
criação artística. Como diz Cánepa (2012, p. 56), além disso, ao mesmo tempo em que as
culturas nacionais européias se orgulhavam de seus impérios e de sua influência espalhada
pelo globo, multiplicavam-se as manifestações políticas contra o capitalismo. Esses
momentos geraram, portanto, características próprias ao estilo, se tornando, por meio da arte,
parte dessas manifestações.
No livro História do Cinema Mundial, Laura Cánepa cita o historiador de arte Roger
Cardinal, que define de uma maneira clara essas características. O signo expressionista,
ressaltando as experiências emocionais do artista sob formas excepcionalmente vigorosas,
“convida o espectador a experimentar um contato direto com o sentimento gerador da obra”
(1988, p. 34). Ela ainda diz que segundo Cardinal (1988, p. 25 e 35), o Expressionismo deve
ser visto como a mais recente afirmação desse princípio de alinhamento da criatividade com
os impulsos emocionais e instintivos do ser humano. E complementa dizendo que esse

46
impulso criativo da arte expressionista origina-se de um compromisso com o primado da
verdade individual, pois encara a subjetividade como comprovação daquilo que é real.
(CÁNEPA, 2012, p. 57)
Ou seja, o Expressionismo abordava o caráter psicológico das personagens, e
apresentava isso por meio da composição plástica do espaço, pela fotografia, a mise-em-
scène, e que descreviam a situação emocional das personagens. Carregados de simbologias,
evitando as formas realistas, a atmosfera criada era capaz de provocar sentimentos nos
espectadores fazendo-os se envolver na narrativa.
Um exemplo disso é O Gabinete do Dr. Caligari de Robert Wiene (1920) que se
tornou um clássico por provocar as primeiras discussões a respeito das possibilidades
artísticas e expressivas do cinema. Assim como afirma Cousins (2913, p. 98), dizendo que ele
mostrou que o ponto de vista das imagens dos filmes pode ser ambíguo, tanto olhando de fora
para as neuroses de seus personagens quanto de dentro deles. Isso serviu de inspiração para
outros trabalhos, que tinham como proposta traduzir visualmente conflitos emocionais,
tornando a sétima arte cada vez mais complexa.
Nas figuras abaixo podemos observar o drama plástico criado, repleto de simbologias
que passavam a sensação de um mundo tortuoso e imprevisível, provocando sentimentos de
inquietação e desconforto. (CÁNEPA, 2012, p. 67)

Figura 22: O Gabinete do Dr. Caligari

Fonte: Site Cinema de Buteco

47
Figura 23: O Gabinete do Dr. Caligari

Fonte: Site Archdaily

Figura 24: O Gabinete do Dr. Caligari

Fonte: Site Frenesi Cultural

48
Essa complexidade criada por meio da subjetividade do aspecto emocional das
personagens questiona o ponto de vista das imagens e suas interpretações, transformando o
estilo em uma tendência atemporal.
O diretor Luiz Fernando, tomando conhecimento de que Dom Casmurro dizia muito a
respeito de suas emoções e próprias interpretações, se apropria disso para criar uma estética
baseada nesses sentimentos, se inspirando na estética angustiante do Expressionismo Alemão
e criando “Capitu” na forma da visão conturbada de Bento Santiago, principalmente na
questão de sua maquiagem.
Marques (2007, p. 89) destaca também outra característica em comum do
Expressionismo que condiz muito com a visão de Carvalho em Capitu, ela diz que “Em
algumas “escolas” cinematográficas, o cenário adquiriu tamanha importância, que se tornou
quase que um personagem do próprio filme, como é o caso do expressionismo alemão”.
Desse modo, entre tantas outras minisséries, Capitu se destaca como uma obra
audiovisual inovadora para a televisão brasileira, porque se aproxima do público. Assim como
Machado é uma “voz” que dialoga com o leitor através do texto, o diretor Luiz Fernando cria
esse diálogo de Bento Santiago com o público através da câmera, narrando e comentando as
suas experiências, falando em primeira pessoa, guiando os espectadores por toda obra. Além
de ser feito por meio de voz-over, é feito também por meio da quebra da quarta parede.5 Em
vários momentos da minissérie Bento fala olhando pra câmera, criando essa aproximação com
o espectador.
Com isso, é de extrema importância destacar que todo o texto falado que foi colocado
na minissérie foi retirado do livro. Ou seja, todas as falas das personagens foram transcritas
para o roteiro exatamente da mesma forma como estão no livro de Machado de Assis. Isso nos
mostra que apesar disso, as imagens construídas seguem o oposto do realismo
cinematográfico, mesmo seu texto sendo realista para a literatura, reafirmando, mais uma vez,
que a minissérie segue o todo tempo a narrativa construída por Machado de Assis.

O texto é Machado puro. Sem nenhum artigo meu, sem nenhuma vírgula
minha. Tenho certeza de que não traí Machado nesse sentido, já que tentei
me aproximar dele com esse espírito de continuação, com esse tom dialético,
libertando seu texto de leituras castradoras que o aprisionam ao realismo do
século XIX. (CARVALHO, Fernando. Diálogo com o diretor, 2008, p.77)

5 Termo utilizado quando o ator olha diretamente pra câmera.

49
Assim, por meio dessa linguagem e da composição, Luiz Fernando, com suas
percepções, cria analogias entre o cinema e a literatura a fim de traduzir os métodos de
Machado de Assis, e não o conteúdo da história.

Escolhida, composta, a realidade que aparece então na imagem é o resultado


de uma percepção subjetiva, a do diretor. O cinema nos oferece uma imagem
artística da realidade, ou seja, se refletirmos bem, totalmente não realista
(veja-se o papel dos primeiros planos e da música, por exemplo) e
reconstruída em função daquilo que o diretor pretende exprimir, sensorial e
intelectualmente. (MARTIN, 1990, p. 24)

Em entrevista, Luiz Fernando ainda diz que quis desconstruir essa imagem de que
Machado é antigo e sisudo, mostrando que sua literatura é muito mais que isso. E que com
Capitu, eles estão lutando contra o preconceito de que Machado de Assis é chato e antigo. E
sim, que o escritor é atual e moderno, e que os jovens precisam entender Machado como um
grande criador, interativo, imagético, emocionante, irônico, melancólico e atemporal.6

Luiz Fernando Carvalho coloca isso em prática inserindo elementos atuais e


mesclando-os com os ambientes e a narrativa. Isso é possível de se ver desde a primeira cena,
quando Bento encontra-se ora em um trem do século XIX, ora em um metrô nos dias atuais.
Outros exemplos são as tatuagens no braço da atriz Letícia Persilles, o fone de ouvido usado
por ela em uma das cenas, e também as músicas clássicas em meio a músicas nacionais e
internacionais de variados ritmos. Essas foram algumas das formas que o diretor utilizou em
sua direção para reforçar a atemporalidade da obra de Machado, mais uma vez mostrando
para o público que ele pode ser atual.
Além disso, a opção pelo título Capitu e não Dom Casmurro, como no livro, segundo
o diretor Luiz Fernando, surgiu de uma ideia de aproximação da obra, não se tratando apenas
de uma simples transposição de um suporte para outro: [...] além dessa busca por dialogar
com a obra original, há também uma outra tentativa: o diálogo com a personagem Capitu, que
no texto de Machado é tão misteriosa e enigmática”.7

6Entrevista retirada do site: http://gshow.globo.com/programas/capitu/capitu/platb/tag/coletiva/


7
Entrevista retirada do site http://gshow.globo.com/programas/capitu/capitu/platb/tag/luiz-fernando-
carvalho/page/2/

50
3. 2 A INDÚSTRIA CULTURAL

Diferente da recepção que teve o Expressionismo Alemão na Europa, aqui no Brasil


nos deparamos com uma situação diferente. Como já foi dito, o Projeto Quadrante da Rede
Globo teve baixos índices de audiência, fazendo com que as próximas produções não fossem
adiante. Isso nos remete a uma questão histórica importante e que deve ser discutida: como o
avanço tecnológico e o poder da sociedade de consumo influenciaram diretamente a cultura.
Os teóricos Adorno e Horkheimer criaram o conceito de Indústria Cultural, que aborda
justamente essa mudança que veio ocorrer por influência dos novos meios de comunicação
que surgiram após Revolução Industrial. Segundo Mattelart (2012, p.13), a comunicação
abrange uma gama considerável de sentidos, e o avanço tecnológico aumentou ainda mais
essa abrangência: “[...] o século XIX viu nascer noções fundadoras de uma visão da
comunicação como fator de integração das sociedades humanas.” E ainda diz que: “O
pensamento da sociedade como organismo, como conjunto de órgãos desincumbindo-se de
funções determinadas, inspira as primeiras concepções de uma ‘ciência da comunicação’”.
Esse conceito de Indústria Cultural surgiu então nesse novo contexto, colocando em
pauta suas modificações na cultura da sociedade atual. Esse termo criado pelos teóricos
frankfurtianos se trata de uma produção industrial da cultura como movimento global de
produção na forma de mercadoria, através dos meios de comunicação de massa, tendo como
conseqüência uma massificação da sociedade. Então, de acordo com os teóricos
frankfurtianos, a Indústria Cultural seria um sistema industrial de produção da cultura cuja
estrutura é de repetição, ou seja, produtos culturais padronizados que devem ser vendidos,
mesmo que não tenham qualidade. Essa estrutura torna-se rotina e a tendência dessa qualidade
cair de geração para geração é grande. O público então se acostuma com essa pauperização da
arte e da cultura e acaba por não querer mais consumir aquilo que não entende, pois não
possui mais repertório para compreender produções mais ricas. É o que afirmam os autores do
artigo “Indústria Cultural: revisando Adorno e Horkheimer” da Revista Movendo Idéias de
2003:

A Indústria Cultural pode ser definida como o conjunto de meios de


comunicação como o cinema, rádio, televisão, jornais e as revistas, que
formam um sistema poderoso para gerar lucros e por serem mais acessíveis
às massas, exercem um tipo de manipulação e controle social, ou seja, ela
não só edifica a mercantilização, como também é legitimada pela demanda
desses produtos. (COSTA; PALHETA; MENDES; LOUREIRO, 2003, p. 2)

51
Dessa maneira, a preocupação com o conteúdo acaba sendo deixada de lado, dando
espaço apenas para aqueles que trazem algum tipo de retorno financeiro. Assim, a sociedade e
toda sua cultura acabam se tornando uma indústria conduzida pela técnica.
Arlindo Machado (2010) em seu livro “Artemídia” diz que as máquinas semióticas
são, na maioria dos casos, concebidas dentro de um princípio de produtividade industrial, e
não para a produção de objetos singulares, singelos e sublimes. Dessa maneira, entende-se
que desde o início da era da industrialização as máquinas surgiram com esse intuito de
produzir produtos em larga escala, reafirmando o quanto a preocupação do conteúdo que se
produz é deixada de lado.

Existem, portanto, diferentes maneiras de se lidar com as máquinas


semióticas cada vez mais disponíveis no mercado eletrônico. A perspectiva
artística é certamente a mais desviante de todas, uma vez que ela se afasta
em tal intensidade do projeto tecnológico originalmente imprimido às
máquinas e programas que equivale a uma completa reinvenção dos meios.
(MACHADO, 2010, p. 13)

Para entendermos melhor essa relação da comunicação com a cultura, podemos pensar
que ela primeiramente chega até nós através da criação, do aprendizado, das normas e regras
de comportamento vindos da nossa geração e da comunidade em que habitamos. Com o
passar do tempo podemos modificá-la por meio do contato com outros grupos, com a arte, a
música, etc. Isso ocorre porque na medida em que vamos tendo contato com esses fatores
externos, isso influencia na nossa maneira de pensar e se relacionar em sociedade. E é
principalmente através dos meios de comunicação que isso acontece.
Através desse novo modo de produção, obtém-se então, uma cultura de massa. Ou
seja, segundo Arão Souza (2010, p. 7) a cultura de massa se apropria das culturas eruditas e
populares e as transformam em uma produção em série. Essa produção em série estimula um
público menos exigente que não se importa com o valor estético da produção se satisfazendo
apenas com o consumo breve, fútil e imediato dessas mercadorias culturais.
Assim, criada essa sociedade massificada, o avanço da tecnologia e o surgimento das
indústrias são colocados a serviço da reprodução do capitalismo, resultando em uma
padronização e racionalização das formas culturais, enfatizando o consumo como garantia da
distração da sociedade, que através da comunicação, com seus estímulos lingüísticos e
visuais, provocam reações nos espectadores, apaziguando a relação das pessoas quanto aos
problemas sociais.

52
Porém, a questão que fica é: por que essa realidade é tão difícil de mudar? Adorno
afirma que o poder da Indústria Cultura sobre os consumidores é mediado pela diversão
oferecida a eles, se tornando uma indústria do divertimento. Esse processo teria atrofiado a
capacidade do indivíduo de pensar e agir de uma maneira crítica e autônoma, faltando uma
consciência por parte do trabalhador que acaba sendo absorvido pelo capitalismo e alienado
pelo que está sendo imposto pelos meios de comunicação de massa. Essa alienação acaba por
evitar a consciência e revolta em relação aos problemas sociais que ocorrem.

A diversão é o prolongamento do trabalho sob o capitalismo tardio. Ela é


procurada pelos que querem se subtrair aos processos de trabalho
mecanizado, para que estejam de novo em condição de enfrenta-lo. [...] O
prazer congela-se no enfado, pois que, para permanecer prazer, não deve
exigir esforço algum, daí que deva caminhar estreitamente no âmbito das
associações habituais. O espectador não deve trabalhar com a própria
cabeça; o produto prescreve toda e qualquer reação: não pelo seu contexto
objetivo – que desaparece tão logo se dirige à faculdade pensante – mas por
meio de sinais. Toda conexão lógica que exija alento intelectual é
escrupulosamente evitada. (ADORNO, 2009, p. 18 e 19)

Ou seja, ainda seguindo o pensamento de Adorno: “A racionalidade técnica hoje é a


racionalidade da própria dominação, é o caráter repressivo da sociedade que se auto-aliena.”
(ADORNO, 2009, p. 6)

Posteriormente, alguns estudos comparativos sobre o poder da comunicação


colocaram em questão sua relação com os consumidores. Armand e Michèle Mattelart (2012,
p.154) se colocam com o posicionamento de que não se trata mais de um consumidor
qualquer, e sim de um consumidor considerado soberano em suas escolhas:

Alguns estudos comparativos sobre as interpretações diferenciadas efetuadas


provindas de consumidores a partir de sua própria cultura ajudam a apagar a
questão do poder da comunicação, que tanto obcecara as gerações anteriores.
Chegam em surdina à seguinte conclusão: como o poder dos emissores é
bastante relativo, contrariamente ao que se chegou a pensar, a ideia de um
emissor mais poderoso do que outro perde grande parte de sua pertinência,
assim como a necessidade de uma economia política estabelecida sob um
signo crítico. Com efeito, para que se preocupar com o comércio desigual
dos programas de televisão ou de filmes no mercado internacional do
audiovisual, se o poder do sentido encontra-se nas mãos do consumidor?.
(MATTELART; MATTELART, 2012, p. 154 e 155)

Os produtos culturais – filmes, programas radiofônicos, revistas, etc – ilustram o


mesmo esquema de organização e de planejamento administrativo que a fabricação de
automóveis em série, nos voltando para a questão do fordismo e do taylorismo, que segundo
53
Armand e Michèle Mattelart se caracterizam por essa racionalização do processo de produção.
“A racionalidade cibernética contemporânea mobiliza o conhecimento em função das
necessidades de geral não só a produção, mas o consumo.” (MATTELART; MATTELART,
2012, p.155 e 156)

A ação-conhecimento que se exerce em relação a ele busca tanto analisar


seus movimentos de consumidor como sondar suas necessidades e desejos.
O saber sobre esses movimentos e desejos informará e alimentará a
circularidade programação-produção-consumo, sempre instável, mas que
tende à integração funcional e afetiva do consumidor como dispositivo.
(MATTELART; MATTELART, 2012, p. 156)

Assim, de acordo com o modo de pensar desses autores, interpreta-se que em um


primeiro momento, o homem e a sociedade, ao invés de se servir das comunicações, estavam
vivendo em função delas, sendo manipulados e modelados. Já em um segundo momento,
quem passou a ficar em função dessa indústria foram os próprios meios de comunicação, pois
quem passou a comandar, hoje em dia, é a opinião dos consumidores. Porém, essa questão
entra em conflito quando pensamos em como é formada a opinião desses consumidores, pois
elas foram formadas pela própria Indústria Cultural, ou seja, elas não podem ser consideradas
opiniões formadas por produtos de qualidade. Duarte diz que Adorno e Horkheimer em sua
obra Dialética do Esclarecimento afirmam que:

A mais superficial das considerações desse aspecto qualitativo dos produtos


da indústria cultural constata o seu baixíssimo nível forma e de conteúdo. Os
autores observam que os responsáveis pela cultura de massa não
demonstram qualquer drama de consciência por oferecerem produtos de tão
baixa qualidade, porque, segundo sua própria justificativa, eles
proporcionariam à massa nem mais nem menos do que ela deseja.
(DUARTE, 2010, p. 47 e 48)

Essa manipulação criada pela Indústria Cultural atende à demanda das massas e impõe
padrões já determinados de consumo e de comportamento, sendo vantajoso financeiramente
para o capitalismo manter esse estado de ignorância do público.

[...] para esse ramo de negócios é interessante não apenas manter as mais
amplas camadas da população num estado de ignorância, mas, tanto quanto
possível, cultivar e ampliar essa ignorância, pois, além de isso (não sempre,
mas frequentemente) garantir a adesão ao status quo, também influencia no
custa total das produções. Um público com aspirações estéticas mais
sofisticadas não se contentaria com a paupérrima banalidade que é servida
como prato principal no “horário nobre”. Certamente, um público mais culto,

54
por conseguinte esteticamente mais exigente, implicaria uma escala de
custos que poderia vir a comprometer a rentabilidade da indústria cultura.
(DUARTE, 2010, p. 49 e 50)

É o que acontece, principalmente, com as novelas e minisséries de hoje em dia.


Na televisão, a cultura ser tratada como mercadoria é ainda mais evidente, devido ao
seu fácil acesso, ela “entra” na casa das pessoas, tem uma forma de se endereçar ao
espectador mais próximo do que o cinema, a demanda de produtos é maior, e seu
retorno de audiência é quase que imediato. Armand e Michèle Mattelart (2012) dizem
que Stuart Hall em seu artigo Encoding/Decoding, de 1973 examina o processo de
comunicação televisiva segundo quatro momentos distintos:

produção; circulação; distribuição/consumo; reprodução – que


apresentam suas próprias modalidades e suas próprias formas e
condições de existência, mas articulam-se entre si e são determinadas
por relações de poder institucionais. A audiência é ao mesmo tempo o
receptor e a fonte da mensagem, pois os esquemas de produção –
momento de codificação – respondem às imagens que a instituição
televisiva se faz da audiência e a códigos profissionais.
(MATTELART; MATTELART, 2012, p. 109)

Em Capitu, vemos que a intenção de Carvalho foi exatamente essa, utilizar-se da


literatura clássica brasileira e do contexto da época, com personagens e enredos mais sólidos
do que os das novelas, a fim de destacar o caráter mais cinematográfico do que televisivo da
produção. E ao mesmo tempo, aproximando essa obra clássica de Dom Casmurro por meio de
recursos atemporais, brincando com diversos elementos inovadores. Em uma entrevista a
Folha de São Paulo, Luiz Fernando diz:

[...] Pertenço ao grupo daqueles que acreditam que o público não é burro,
mas doutrinado debaixo de um cabresto de linguagem. Luto contra isso.
Sabendo da dimensão que a televisão alcança no Brasil, tratá-la apenas como
diversão me parece bastante contestável. Precisamos de diversão, mas
também precisamos nos orientar e entender o mundo [...]8

8
Trecho da entrevista retirado do site http://ulbra-to.br/encena/2013/07/28/Luiz-Fernando-Carvalho-o-publico-
nao-e-burro

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CAPÍTULO 3.3: ANÁLISE DA DIREÇÃO DE ARTE COMO ELEMENTO
NARRATIVO

Assim como foi dito até agora, em Capitu, o diretor Luiz Fernando manteve o texto da
mesma forma que está no livro Dom Casmurro, com as mesmas falas e narrações. Porém, a
narrativa visual da série se mostra diferente, criativa, inovadora e atemporal. É possível ver
desde a primeira cena da minissérie que foram utilizados cenários e imagens de épocas
distintas para passar essa impressão de atemporalidade.
No primeiro capítulo, “Do Título”, logo na primeira cena da série vemos uma cidade
moderna do século XXI vista de cima. A câmera mostra um trem que segue pelos trilhos e é
possível ver pinturas todas coloridas feitas em grafites em suas laterais. Em seguida, a
seqüência da cena segue contrastando com imagens antigas em preto e branco de um trem
chegando à estação.

Figura 25: Trem do século XXI da série Capitu

Fonte: Fotograma retirado da minissérie

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Figura 26: Imagem de uma antiga estação de trem de Capitu

Fonte: Fotograma retirado da minissérie

Em meio às imagens, a voz de Bento Santiago surge como uma narração, contando
como acabou sendo apelidado por Dom Casmurro, mostrando agora, ele e outro rapaz em sua
companhia no interior do trem moderno. Ambos estão caracterizados como homens do início
do século XX, porém há outras pessoas sentadas no vagão, e é possível ver a diferença de suas
vestes, sendo estas, claramente atuais.
Além disso, é possível notar que desde essa primeira cena se utilizam de um tipo de
lente grande angular que amplia e distorce a imagem, e que é possível identificar o seu uso até
o fim da minissérie, principalmente nas cenas em que vemos Dom Casmurro narrando suas
lembranças. O narrador observador é melhor representado através da imagem pela grande
angular, pois assim é mostrado seu rosto mais de perto, com mais detalhes, dando uma
dramatização maior para a cena.

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Figura 27: Bento Santiago dentro de um trem do século XXI em Capitu

Fonte: Fotograma retirado da minissérie

No capítulo 6 “Tio Cosme”, Dom Casmurro conta que uma de suas maiores
lembranças de seu tio era quando todas as manhãs ele montava na besta que Dona Glória
havia lhe dado para ir até o escritório em que trabalhava, e que devido as formas físicas do tio,
todos ali ficavam aflitos a cada vez que ele ia montar em cima do bicho.

Uma das minhas recordações mais antigas era vê-lo montar todas as manhãs
a besta que minha mãe lhe deu e que o levava ao escritório. O preto que a
tinha ido buscar à cocheira, segurava o freio, enquanto ele erguia o pé e
pousava no estribo; a isto seguia-se um minuto de descanso ou reflexão.
Depois, dava um impulso, igual efeito. Enfim, após alguns instantes largos,
tio Cosme enfeixava todas as forças físicas e morais, dava o último surto da
terra, e desta vez caía em cima do selim. Raramente a besta deixava de
mostrar por um gesto que acabava de receber o mundo. Tio Cosme
acomodava as carnes e a besta partia a trote. (ASSIS, 1997, p. 24)

O que mais chama atenção nessa cena é como a besta é representada pela direção de
arte. Formada por uma estrutura de cavaletes e rodinhas de ferro com uma cabeça de cavalo
construída especialmente para a minissérie.

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Figura 28: Besta de Tio Cosme em Capitu

Fonte: Fotograma retirado da minissérie

Figura 29: Tio Cosme montando em sua besta em Capitu

Fonte: Fotograma retirado da minissérie

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Nos capítulos 12, 13 e 14 que correspondem aos títulos “Na Varanda”, “Capitu” e “A
Inscrição”, respectivamente, Dom Casmurro se recorda de quando ouviu a conversa entre José
dias e sua mãe Dona Glória, quando discutiam que a relação de Bentinho e Capitu poderia ser
um empecilho para sua ida ao seminário. Revivendo os momentos entre ele e a menina que,
na maioria das vezes, brincavam no quintal de sua casa para brincarem, Bentinho se dá conta
de que estão apaixonados.
Cortinas vermelhas se abrem, aparecendo Capitu correndo e dançando por um galpão
onde se passa a trama. Aqui podemos perceber referências ao teatro, pois todos os cenários
são trabalhados dentro desse palco, independente se são áreas internas ou externas. Enquanto
risca o chão com um giz de quadro negro. Dom Casmurro surge andando por cima dos riscos,
como se estivesse se equilibrando, a fim de seguir a menina.
Como foi dito, o que chama mais atenção em ambos os capítulos é a construção do
cenário na minissérie, pois, como foi toda feita dentro de um galpão. o Departamento de Arte
utilizava-se de outros recursos para poder compor o ambiente. O quintal de Capitu,
especificamente, é constituído com recurso de imagens em um retro projetor, além do muro
de sua casa ser todo desenhado no chão de giz, onde Capitu riscava seus nomes.

Capitu estava ao pé do muro fronteiro, voltada para ele, riscando com um


prego. O rumor da porta fê-la olhar para trás; ao dar comigo, encostou-se ao
muro, como se quisesse esconder alguma coisa. [...]

[...] Nisto olhei para o muro, o lugar em que ela estivera riscando,
escrevendo ou esburacando como dissera a mãe. Vi uns riscos abertos, e
lembrou-me o gesto que ela fizera para cobri-los. Então quis vê-los de perto,
e dei um passo. Capitu agarrou-me, mas, ou por temer que eu acabasse
fugindo, ou por negar de outra maneira, correu adiante e apagou o escrito.
Foi o mesmo que acender em mim o desejo de ler o que era. [...]

[...] Tudo o que contei no fim do outro capítulo foi obra de um instante. O
que se lhe seguiu foi ainda mais rápido. Dei um pulo, e antes que ela
raspasse o muro, li estes dois nomes, abertos ao prego, e assim dispostos:

BENTO
CAPITOLINA (ASSIS, 1997, p. 36, 37 e 38)

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Figura 30: Quintal de Capitu

Fonte: Fotograma retirado da minissérie

Figura 31: Chão de Giz em Capitu

Fonte: Fotograma retirado da minissérie

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No capítulo 29 intitulado “O Imperador”, Bentinho, voltando para casa de ônibus na
companhia de José Dias, se depara com o Imperador, observando-o passar pela rua, os carros
pararem, as pessoas lhe acenarem, tem a ideia de lhe falar sobre o desejo de sua mãe sobre ir
ao seminário, pedindo-lhe que faça uma intervenção. Assim Bentinho começa a imaginar a
sonhar com a ida do Imperador a sua casa.
Na minissérie, a aparição do Imperador conta com uma seqüência bem chamativa
quando se trata da Direção de Arte. O cenário é composto por objetos de cena como a
carruagem dourada, as cabeças de cavalo e confetes laminados que caem e se espalham por
todo o ambiente. O figurino e a maquiagem também chamam bastante atenção pois foram
criados para compor o personagem. No caso do Imperador, esses dois elementos agregam
mais informações sobre a imagem que ele passa para as pessoas que estão o observando. O
deslumbramento, a riqueza e postura casam perfeitamente com uma caracterização que
inovadoramente se mostra fantasiosa.

Vi então o Imperador escutando-me, refletindo e acabando por dizer que


sim, que iria falar a minha mãe; eu beijava-lhe a mão, com lágrimas. E logo
me achei em casa, à esperar, até que ouvi os batedores e o piquete de
cavalaria; é o Imperador! é o Imperador! toda a gente chegava às janelas
para vê-lo passar, mas não passava, o coche parava à nossa porta, o
Imperador apeava-se e entrava. Grande alvoroço na vizinhança: "O
Imperador entrou em casa de D. Glória! Que será? Que não será?" A nossa
família saía a recebê-lo; minha mãe era a primeira que lhe beijava a mão.
Então o Imperador, todo risonho, sem entrar na sala ou entrando, — não me
lembra bem, os sonhos são muita vez confusos, — pedia a minha mãe que
me não fizesse padre, — e ela, lisonjeada e obediente, prometia que não.
(ASSIS, 1997, p. 62 e 63)

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Figura 32: O Imperador em Capitu

Fonte: Fotograma retirado da minissérie

Figura 33: Imperador seguindo a casa de Bentinho em Capitu

Fonte: Fotograma retirado da minissérie

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O capítulo 32, “Olhos de Ressaca”, nos leva a lembrança de Bentinho em um dia que
fora visitar Capitu em sua casa, e enquanto conversavam lembrou-se da definição que José
Dias havia dado sobre os olhos de Capitu: “olhos de cigana oblíqua e dissimulada”. Então,
Bentinho pediu a menina para ver-lhe os olhos.

Capitu deixou-se fitar e examinar. Só me perguntava o que era, se nunca os


vira; eu nada achei extraordinário; a cor e a doçura eram minhas conhecidas.
A demora da contemplação creio que lhe deu outra idéia do meu intento;
imaginou que era um pretexto para mirá-los mais de perto, com os meus
olhos longos, constantes, enfiados neles, e a isto atribuo que entrassem a
ficar crescidos, crescidos e sombrios, com tal expressão que... Retórica dos
namorados, dá-me uma comparação exata e poética para dizer o que foram
aqueles olhos de Capitu. Não me acode imagem capaz de dizer, sem quebra
da dignidade do estilo, o que eles foram e me fizeram. Olhos de ressaca? Vá,
de ressaca. É o que me dá idéia daquela feição nova. Traziam não sei que
fluido misterioso e enérgico, uma força que arrastava para dentro, como a
vaga que se retira da praia, nos dias de ressaca. Para não ser arrastado,
agarrei-me às outras partes vizinhas, às orelhas, aos braços, aos cabelos
espalhados pelos ombros; mas tão depressa buscava as pupilas, a onda que
saía delas vinha crescendo, cava e escura, ameaçando envolver-me, puxar-
me e tragar-me. (ASSIS, 1997, p. 71)

Figura 34: Olhos de ressaca de Capitu

Fonte: Fotograma retirado da minissérie

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Na cena da série cuja base são os capítulos 61 e 62 do livro, intitulados
respectivamente de “A vaca de Homero” e “ Uma ponta de Iago”, temos um diálogo entre
Bentinho e José Dias, este que está visitando o garoto no seminário traz notícias de casa e
discutem sobre a saída de Bentinho do seminário. A conversa flui até que Bentinho pergunta
sobre Capitu, José Dias lhe fala por alto sobre a menina estar alegre e sobre outros rapazes da
vizinhança. Bentinho então começa a remoer sua solidão e tristeza enquanto sua amada vive
sua vida alegremente e sem preocupações, e também começa a sentir o ciúme nascer de forma
cruel.

Além de utilizar o texto de forma fiel ao livro, tanto em suas falas quanto em partes de
narração, a minissérie utiliza enquadramentos fechados no ator Michel Melamed (Bentinho),
com um cenário mais sombrio e antigo, a maquiagem também é bem escura, em especial em
volta dos olhos, e o rosto está úmido por lágrimas, que foram representadas de forma
exagerada, literalmente jorrando dos olhos de Bento Santiago, o que faz lembrar de choro de
palhaço em circo.

Quando o personagem fala sobre a violência com a qual seu coração bate ao ouvir tais
notícias, vemos em cena um pequeno objeto representando um coração pulsando nas mãos do
ator, e um som marcado de suas batidas enquanto ele é mostrado para a câmera, com um close
bem fechado.

Estou que empalideci; pelo menos, senti correr um frio pelo corpo todo. A
notícia de que ela vivia alegre, quando eu chorava todas as noites, produziu-
me aquele efeito, acompanhado de um bater de coração, tão violento, que
ainda agora cuido ouvi-lo. [...]
Outra idéia, não, — um sentimento cruel e desconhecido, o puro ciúme,
leitor das minhas entranhas. Tal foi o que me mordeu, ao repetir comigo as
palavras de José Dias: "Algum peralta da vizinhança”. Em verdade, nunca
pensara em tal desastre. Vivia tão nela, dela e para ela, que a intervenção de
um peralta era como uma noção sem realidade; nunca me acudiu que havia
peraltas na vizinhança, vária idade e feitio, grandes passeadores das tardes.
Agora lembrava-me que alguns olhavam para Capitu, — e tão senhor me
sentia dela que era como se olhassem para mim, um simples dever de
admiração e de inveja. Separados um do outro pelo espaço e pelo destino, o
mal aparecia-me agora, não só possível, mas certo. E a alegria de Capitu
confirmava a suspeita; se ela vivia alegre é que já namorava a outro,
acompanhá-lo-ia com os olhos na rua, falar-lhe-ia à janela, às avemarias,
trocariam flores e... (ASSIS, 1997, p. 125)

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Figura 35: Lágrimas jorrando do olhos de Bento Santiago em Capitu

Fonte: Fotograma retirado da minissérie

Figura 36: Maquiagem de Bento Santiago em Capitu

Fonte: Fotograma retirado da minissérie

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Figura 37: Representação do coração de Bento Santiago

Fonte: Fotograma retirado da minissérie

Na cena, vemos o que foi descrito no livro, a representação das palavras de José Dias
em relação à Capitu e outros rapazes da vizinhança. A atriz Letícia Persiles dança no salão do
antigo teatro rodeada de rapazes desenhados em papelão, e em outro momento vemos
Bentinho, já adulto, quebrando todos os rapazes com sua bengala, uma demonstração
marcante de ciúmes. Depois o espectador é levado de volta ao diálogo inicial, no qual José
Dias corre atrás de Bentinho, que tomado pelo ciúmes, se imagina tirando satisfações com
Capitu em sua casa, enquanto narrador Bentinho confessa jamais ter pensado em outros
rapazes na vizinhança, tamanha sua devoção e amor por Capitu, Voltamos agora para o
diálogo verdadeiro entre ele e José Dias, em que Bentinho pede para ver a mãe no fim de
semana.

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Figura 38: Capitu dançando no salão com os rapazes desenhados em papelão

Fonte: Fotograma retirado da minissérie

Nessa cena baseada no capítulo 97 do livro, intitulado “A saída”, temos o desfecho da


luta de Bentinho para sair do seminário, resolvendo com sua mãe que enviasse outro rapaz
para cumprir a promessa que ela havia feito antes de Bentinho nascer, assim como havia
prometido à mãe. Bentinho ia agora estudar direito, acompanhamos então, ele e José Dias na
estação de trem para que ele fosse à escola. Na cena, o trem que vemos é uma carcaça de um
trem antigo e de metal, mas muitas de suas partes são feitas de folhas de jornal, papelão e
outros materiais reciclados, assim como as pessoas que estão na estação que também são
feitas de papelão.

Tudo se fez por esse teor. Minha mãe hesitou um pouco, mas acabou
cedendo depois que o Padre Cabral, tendo consultado o bispo, voltou a dizer-
lhe que sim, que podia ser. Saí do seminário no fim do ano. (ASSIS, 1997, p.
177)

Nessa cena, a maior parte que é descrita no livro, é mostrada com ações dos
personagens, e no final, apenas uma parte de narração diz ao espectador o que se sucedeu com
Bentinho. Ao longo da cena, temos inserts de imagens antigas de túneis por onde os trilhos do

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trem passavam, assim como uma montagem rápida das cenas de Bento Santiago como se
estivesse andando rapidamente dentro de um trem.

[...] Posto que filho do seminário e de minha mãe, sentia já debaixo do


recolhimento casto uns assomos de petulância e de atrevimento; eram do
sangue, mas eram também das moças que na rua ou da janela não me
deixavam viver sossegado. Achavam-me lindo, e diziam-no; algumas
queriam mirar de mais perto a minha beleza, e a vaidade é um princípio de
corrupção. (ASSIS, 1997, p. 178)

Figura 39: Bentinho e José Dias na estação de trem em Capitu

Fonte: Fotograma retirado da minissérie

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Figura 40: Representação em papelão das pessoas na estação em Capitu

Fonte: Fotograma retirado da minissérie

Figura 41: Rodas do trem feitas de jornal e papelão em Capitu

Fonte: Fotograma retirado da minissérie

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Nos capítulos 99 e 100, intitulados respectivamente “O filho é a cara do pai” e “Tu
serás feliz Bentinho” temos o regresso de Bentinho da faculdade, já formado em Direito. O
reencontro com a mãe é muito emocionante pois ela vê nele a imagem de seu falecido marido,
assim como a alegria de ter o filho de volta a casa, e agora um advogado formado.

O cenário da casa é todo montado apenas com móveis antigos. Temos também a
primeira aparição de Capitu crescida, em um mezanino, apenas observando a recepção festiva
com a qual Bentinho é recebido pela família. O figurino da atriz Maria Fernanda Candido
remete às roupas de dançarinas espanholas, com um véu enfeitado, vestido de cores vibrantes
e com muitas camadas de tecidos, assim como seu enfeite de cabelo.

Minha mãe, quando eu regressei bacharel quase estalou de felicidade. Ainda


ouço a voz de José Dias, lembrando o evangelho de São João, e dizendo ao
ver-nos abraçados:

— Mulher, eis aí o teu filho! Filho, eis aí a tua mãe!

Minha mãe, entre lágrimas:

— Mano Cosme, é a cara do pai, não é?

— Sim, tem alguma coisa, os olhos, a disposição do rosto. É o pai, um


pouco mais moderno, concluiu por chalaça. E diga-me agora, mana
Glória, não foi melhor que ele não teimasse em ser padre? Veja se este
peralta daria um padre capaz. (ASSIS, 1997, p.180)

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Figura 42: Capitu em sua fase adulta

Fonte: Fotograma retirado da minissérie

Na sequência vemos Bentinho se instalando novamente em seu antigo quarto, quando


ouve uma voz dizendo “Tu serás feliz Bentinho”, então temos o narrador, em um espaço
vazio, apenas cercado por pesadas cortinas de teatro e segurando uma lamparina que emite
uma luz azulada. Os enquadramentos dessa cena de narração são bem fechados e a lente
possui muita profundidade de campo, deixando tudo ao redor desfocado. Acompanhamos o
diálogo de José Dias dizendo a Bentinho que ele será feliz e que a felicidade não se resume
apenas a conquista do diploma, mas também ao amor e a aprovação do casamento com
Capitu.

Ainda agora sou capaz de jurar que a voz era da fada; naturalmente as fadas,
expulsas dos contos e dos versos, meteram-se no coração da gente e falam de
dentro para fora. Esta, por exemplo, muita vez a ouvi clara e distinta. Há de
ser prima das feiticeiras da Escócia: "Tu serás rei, Macbeth!" — "Tu serás
feliz, Bentinho!" Ao cabo, é a mesma predição, pela mesma toada universal
e eterna.

Quando voltei do meu espanto, ouvi o resto do discurso de José Dias:

—...Há de ser feliz, como merece, assim como mereceu esse diploma que ali
está, que não é favor de ninguém. A distinção que tirou em todas as matérias
é prova disso; já lhe contei que ouvi da boca dos lentes, em particular, os
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maiores elogios. Demais, a felicidade não é só a glória, é também outra
coisa...Ah! Você não confiou tudo ao velho José Dias! O pobre José Dias
está aí para um canto, é caju chupado, não vale nada; agora são os novos, os
Escobares.... Não lhe nego que é moço muito distinto, e trabalhador, e
marido de truz; mas, enfim, velho também sabe amar... (ASSIS, 1997, p. 181
e 182)

Vemos o narrador escrevendo com pena e papel sobre o livro sobre uma penteadeira.
Algumas outras cenas são intercaladas com o narrador, de Escobar, Capitu menina, Capitu
moça, que usam o mesmo figurino alegórico e cheio de cores; todos os três personagens
dizendo a mesma frase “Tu serás feliz Bentinho”. Depois é mostrado Bentinho indo até a mãe
pedir a permissão para o casamento, e a resposta dela é quase a mesma “Tu serás feliz meu
filho”.

A cena é finalizada então com o casamento de Bentinho e Capitu. O cenário é


enfeitado por pequenas luzes que cercam o chão onde ambos estão lado a lado para a
fotografia de casamento. O vestido de Capitu, embora branco, se parece muito com outros
vestidos por ela usados, cheio de detalhes, brilho, e muitos enfeites em seu cabelo. A câmera
utilizada para fotografar o casamento, é uma câmera antiga e quem a opera é o próprio
narrador. Também temos inserts de cenas antigas do Rio de Janeiro, mais precisamente do
Pão de Açúcar, e de Capitu e Bentinho em uma carruagem, toda enfeitada e feita de folhas de
jornal, a caminho de sua lua de mel.

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Figura 43: Bento e Capitu posando para foto em seu casamento

Fonte: Fotograma retirado da minissérie

Figura 44: Bento e Capitu a caminho de sua lua de mel

Fonte: Fotograma retirado da minissérie

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Na cena do capítulo 102 “De casada” vemos Capitu e Bentinho em sua lua de mel, o
figurino da atriz é bem atrativo e rico em detalhes, com rendas e flores. Notamos também a
tatuagem em seu braço, que não foi escondida na atriz Letícia Persiles na primeira parte da
minissérie, e agora sendo reproduzida na outra atriz que interpreta Capitu mulher na segunda
parte, como mais um complemento da personalidade da personagem. Esse aspecto é um dos
exemplos de como a minissérie foge, em alguns momentos, da temporalidade do livro,
tornando a obra visual moderna. O cenário, embora vazio, contendo apenas um espelho antigo
onde a maior parte do diálogo entre os dois se passa, é preenchido pelo amor do casal e o
clima de lua de mel.

De quando em quando, tornávamos ao passado e divertíamo-nos em


relembrar as nossas tristezas e calamidades, mas isso mesmo era um modo
de não sairmos de nós. Assim vivemos novamente a nossa longa espera de
namorados, os anos da adolescência, a denúncia que está nos primeiros
capítulos, e ríamos de José Dias que conspirou a nossa desunião, e acabou
festejando o nosso consórcio. Uma ou outra vez, falávamos em descer, mas
as manhãs marcadas eram sempre de chuva ou de sol, e nós esperávamos um
dia encoberto, que teimava em não vir. (ASSIS, 1997, p. 184 e 185)

Figura 45: Bento e Capitu em sua lua de mel

Fonte: Fotograma retirado da minissérie

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Em outro momento, vemos o casal de volta a cidade, agora em sua casa, aproveitando
o novo estado civil. O narrador aparece, e com ele letras flutuam na tela, como se fossem
escritas por uma máquina de escrever invisível; vemos ambos passeando entre pessoas na
rua, enquanto o narrador diz sobre a necessidade de Capitu em demonstrar o estado de casada
não apenas dentro de casa, mas sim para todos a sua volta.

Durante a narração e as cenas do casal, temos imagens do Rio de Janeiro da época.


Eles entram em um carro, que é feito de partes de um carro antigo e móveis de casa, também
antigos. A cena é finalizada com cenas do Rio de Janeiro do século XXI acompanhadas de
uma trilha sonora também atual.

A alegria com que pôs o seu chapéu de casada, e o ar de casada com que me
deu a mão para entrar e sair do carro, e o braço para andar na rua, tudo me
mostrou que a causa da impaciência de Capitu eram os sinais exteriores do
novo estado. Não lhe bastava ser casada entre quatro paredes e algumas
árvores; precisava do resto do mundo também. E quando eu me vi embaixo,
pisando as ruas com ela, parando, olhando, falando, senti a mesma coisa.
Inventava passeios para que me vissem, me confirmassem e me invejassem.
Na rua, muitos voltavam a cabeça curiosos, outros paravam, alguns
perguntavam: "Quem são?" e um sabido explicava: "Este é o Doutor
Santiago, que casou há dias com aquela moça, D. Capitolina, depois de uma
longa paixão de crianças; moram na Glória, as famílias residem em Mata-
cavalos." E ambos os dois: "É uma mocetona!" (ASSIS, 1997, p. 185 e 186)

Figura 46: Bento e Capitu retornando a cidade

Fonte: Fotograma retirado da minissérie

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Na cena do capítulo 105 “Os braços”, Bento e Capitu, casados há algum tempo,
participam de um baile onde o narrador exalta a beleza de Capitu falando sobre seus braços
belos e desnudos no vestido. Mais uma vez notando-se o ciúme de Bento, que começa a
enxergar um antigo rapaz da vizinhança, que cortejava Capitu, entre os dançarinos. Na cena
podemos ver o salão ricamente decorado com flores em vasos e colunas, os casais também
vestem roupas bonitas e elegantes da época, o que difere a cena é o fato de todos estarem
usando fones de ouvido e aparelhos de música (mp3), pois não há banda. Porém, em seus
fones pode ser ouvida música clássica, mais um exemplo da atemporalidade da minissérie.

[...]Na Glória era uma das nossas recreações; também cantava, mas pouco e
raro, por não ter voz; um dia chegou a entender que era melhor não cantar
nada e cumpriu o alvitre. De dançar gostava, e enfeitava-se com amor
quando ia a um baile; os braços é que... Os braços merecem um período.
Eram belos, e na primeira noite que os levou nus a um baile, não creio que
houvesse iguais na cidade, nem os seus, leitora, que eram então de menina,
se eram nascidos, mas provavelmente estariam ainda no mármore, donde
vieram, ou nas mãos do divino escultor. Eram os mais belos da noite, a ponto
que me encheram de desvanecimento. [...] (ASSIS, 1997, p. 188)

Figura 47: Bento e Capitu no baile

Fonte: Fotograma retirado da minissérie

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Na cena do capítulo 121 “A catástrofe” temos Bento sentado em sua sala
quando um escravo entra gritando desesperado sobre seu senhor estar morrendo. Temos cenas
antigas de um mar revolto e Bento continuava sentado lendo o jornal enquanto escutava o
escravo. Depois vemos um salão grande e praticamente vazio, apenas com grandes pedaços de
plástico azul que se agitam simulando o mar, e o ator Pierre Baitelli (Escobar) nada entre
esses plásticos. Sua roupa de banho é listrada de vermelho e branco e se parece muito com as
roupas da época, mas as luzes utilizadas fazem suas vestes, e toda a cena, ficarem azuladas,
remetendo não só ao azul do mar, mas uma azulado melancólico e triste. Certamente essa
paleta de cores remete ao desfecho triste do personagem Escobar, que morre afogado. Em
alguns momentos o ator está molhado, como se realmente estivesse dentro do mar, entre essas
cenas, vemos mais inserts do mar revolto.

No melhor deles, ouvi passos precipitados na escada, a campainha soou,


soaram palmas, golpes na cancela, vozes, acudiram todos, acudi eu mesmo.
Era um escravo da casa de Sancha que me chamava:

— Para ir lá... sinhô nadando, sinhô morrendo.

Não disse mais nada, ou eu não lhe ouvi o resto. Vesti-me, deixei recado a
Capitu e corri ao Flamengo.

Em caminho, fui adivinhando a verdade. Escobar meteu-se a nadar, como


usava fazer, arriscou-se um pouco mais fora que de costume, apesar do mar
bravio, foi enrolado e morreu. As canoas que acudiram mal puderam trazer-
lhe o cadáver. (ASSIS, 1997, p. 215)

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Figura 48: Representação do afogamento de Escobar em Capitu

Fonte: Fotograma retirado da minissérie

Figura 49: Representação do afogamento de Escobar em Capitu

Fonte: Fotograma retirado da minissérie

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Na cena dos capítulos 122 e 123 intitulados respectivamente “O enterro” e “Olhos de
ressaca”, o cenário, ainda construído dentro do Galpão Capitu, é feito de um ambiente todo
branco e as personagens estão todas vestidas de preto. Bento observa o caixão onde está seu
amigo, enquanto Sancha, a viúva, chora copiosamente. Logo Capitu entra, sua roupa mesmo
sendo toda preta possui detalhes em dourado, especialmente no véu que cobre seu rosto, se
aproxima, amparando a amiga.

Assim fizemos. Quis que o enterro fosse pomposo, e a afluência dos amigos
foi numerosa. Praia, ruas, Praça da Glória, tudo eram carros, muitos dele
particulares. A casa não sendo grande, não podiam lá caber todos; muito
estavam na praia, falando do desastre, apontando o lugar em que Escobar
falecera, ouvindo referir a chegada do morto.[...] (ASSIS, p. 215 e 216)

Figura 50: Enterro de Escobar em Capitu

Fonte: Fotograma retirado da minissérie

Pouco antes de fecharem o caixão e partirem para o cemitério, Bento observa


atentamente os olhos de Capitu, que chora em silêncio, e então suas desconfianças parecem
ainda mais certas, de que realmente sua mulher e seu melhor amigo o estavam traindo.

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Enfim, chegou a hora da encomendação e da partida. Sancha quis despedir-
se do marido, e o desespero daquele lance consternou a todos. Muitos
homens choravam também, as mulheres todas. Só Capitu, amparando a
viúva, parecia vencer-se a si mesma. Consolava a outra, queria arrancá-la
dali. A confusão era geral. No meio dela, Capitu olhou alguns instantes para
o cadáver tão fixa, tão apaixonadamente fixa, que não admira lhe saltassem
algumas lágrimas poucas e caladas...
As minhas cessaram logo. Fiquei a ver as dela; Capitu enxugou-as depressa,
olhando a furto para a gente que estava na sala. Redobrou de carícias para a
amiga, e quis levá-la; mas o cadáver parece que a retinha também. Momento
houve em que os olhos de Capitu fitaram o defunto, quais os da viúva, sem o
pranto nem palavras desta, mas grandes e abertos, como a vaga do mar lá
fora, como se quisesse tragar também o nadador da manhã. (ASSIS, 1997, p.
216 e 217)

A cena não possui falas, apenas José Dias que chama Bento para que fossem ao
cemitério. Portanto, toda a narração do livro é demonstrada com as ações dos atores, bem
como os enquadramentos utilizados, que ficam cada vez mais próximos quando Capitu está
chorando perto do caixão. A cena conta com o recurso de planos ora focados em Bento,
completamente transtornado por seus pensamentos, e ora focados em Capitu olhando para o
morto. Esse recurso enfatiza mais ainda o estado em que Bento se encontra e a forma como
ele enxerga Capitu.

Figura 51: Capitu olhando para Escobar no caixão

Fonte: Fotograma retirado da minissérie

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Figura 52: Bento olhando para Capitu no velório de Escobar

Fonte: Fotograma retirado da minissérie

Na cena do capítulo 133, “Uma ideia”, o narrador conta sobre uma ideia que teve, que
abriu asas e desejava sair voando de seu peito. Nessa cena vemos asas negras, feitas de papel,
colocadas em uma máquina cheia de engrenagens como se começasse a voar. Depois vemos o
narrador erguendo seus braços e a sombra em forma de asas refletida na parede, dando a
impressão de que o ator estaria com elas. Posteriormente também temos o narrador vestindo
as asas negras em frente a um painel de luzes e projetando sua sombra em outra parede.

Um dia, — era uma sexta-feira, — não pude mais. Certa ideia, que negrejava
em mim, abriu as asas e entrou a batê-las de um lado para outro, como fazem
as ideias que querem sair. O ser sexta-feira creio que foi acaso, mas também
pode ter sido propósito; fui educado no terror daquele dia; ouvi cantar
baladas em casa, vindas da roça e da antiga metrópole, nas quais a sexta-
feira era o dia de agouro. Entretanto, não havendo almanaques no cérebro, é
provável que a ideia não batesse as asas senão pela necessidade que sentia de
vir ao ar e à vida. A vida é tão bela que a mesma ideia da morte precisa de
vir primeiro a ela, antes de se ver cumprida. Já me vais entendendo; lê agora
outro capítulo. (ASSIS, 1997, p. 230)

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Figura 53: Dom Casmurro e a sombra das asas na parede

Fonte: Fotograma retirado da minissérie

Figura 54: Dom Casmurro com suas asas

Fonte: Fotograma retirado da minissérie

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Na cena do capítulo 148 “E bem, e o resto?” temos o narrador sentado em frente a um
espelho decorado com fotos antigas e recortes de jornais; a penteadeira está repleta de objetos,
maquiagens, penas para escrever, papeis, etc. Enquanto remove sua maquiagem, ele fala sobre
seu primeiro amor, Capitu, e seus olhos de cigana oblíqua e dissimulada. A cena decorre entre
essas imagens de Bento Santiago e flashbacks de Capitu ainda moça, olhando-se no espelho e
mexendo em seus cabelos, terminando com um close em seus olhos. O narrador abre uma
caixa de música antiga que está ao seu lado, e no espelho aparece Bento quando jovem.

Agora, por que é que nenhuma dessas caprichosas me fez esquecer a


primeira amada do meu coração? Talvez porque nenhuma tinha os olhos de
ressaca, nem os de cigana oblíqua e dissimulada. Mas não é este
propriamente o resto do livro. O resto é saber se a Capitu da Praia da Glória
já estava dentro da de Matacavalos, ou se esta foi mudada naquela por efeito
de algum caso incidente. Jesus, filho de Sirach, se soubesse dos meus
primeiros ciúmes, dir-me-ia, como no seu cap. IX, vers. I: "Não tenhas
ciúmes de tua mulher para que ela não se meta a enganar-te com a malícia
que aprender de ti". Mas eu creio que não, e tu concordarás comigo; se te
lembras bem da Capitu menina, hás de reconhecer que uma estava dentro da
outra, como a fruta dentro da casca.

E bem, qualquer que seja a solução, uma coisa fica, e é a suma das sumas, ou
o resto dos restos, a saber, que a minha primeira amiga e o meu maior
amigo, tão extremosos ambos e tão queridos também, quis o destino que
acabassem juntando-se e enganando-me... A terra lhes seja leve! Vamos à
História dos Subúrbios. (ASSIS, 1997, p. 250)

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Figura 55: Bento em frente a um espelho enquanto se recorda sobre Capitu

Fonte: Fotograma retirado da minissérie

Figura 56: Bento tirando sua maquiagem

Fonte: Fotograma retirado da minissérie

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Enfim, a minissérie é finalizada com diversas cenas de flashbacks, nas quais o
narrador protagonista reencontra em suas memórias lembranças com Capitu jovem e Capitu
adulta; sua mãe Dona Glória, Tio Cosme, Prima Justina e José Dias, todos os quatro vestidos
de branco. As personagens, ao decorrer de suas aparições, vão “congelando” no tempo e as
luzes sobre eles se apagam.

Figura 57: Capitu jovem e Capitu adulta “congeladas” no tempo

Fonte: Fotograma retirado da minissérie

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Figura 58: Dona Glória, Tio Cosme e Prima Justina “congeladas” no tempo em Capitu

Fonte: Fotograma retirado da minissérie

Figura 59: José Dias “congelado” no tempo

Fonte: Fotograma retirado da minissérie

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Assim, após suas lembranças, a última cena da minissérie repete as imagens do
primeiro capítulo, alternando entre o trem atual do século XIX, e o trem antigo chegando a
estação.
Apontamos, portanto, com a análise das cenas de Capitu, características do estilo do
diretor Luiz Fernando Carvalho, através da comparação dos trechos do livro e da
representação deles na tela, evidenciando que foram utilizadas novas formas artísticas de
linguagem, conceitos e significados para a criação da diegése da minissérie.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

Através do estudo de diversos teóricos e da análise da minissérie Capitu em relação ao


livro Dom Casmurro, pudemos perceber que é possível chegar a uma resposta para os
questionamentos levantados ao longo deste trabalho.
Entendendo que o processo de adaptação, de quaisquer obra que seja, é complexo e
trabalhoso, vemos que a ideia de “fidelidade” é equivocada. Pudemos perceber que a partir do
momento que levamos uma história criada em um meio, para outro meio, não é possível
mantê-los da mesma forma. Isso se deve ao fato de que cada um tem a sua própria linguagem,
e assim, suas especificidades próprias.
No caso de Capitu, a escrita (linguagem verbal), teve de ser transformada em imagem
(linguagem não-verbal), sendo natural alguns aspectos serem vistos de formas diferentes no
processo de transposição delas. O diretor Luiz Fernando Carvalho optou por criar uma
narrativa visual diferente da comum, indo além nesse processo de adaptação literária, com o
objetivo de provocar o espectador, quebrando preconceitos a respeito da literatura clássica,
instigando os jovens a se interessarem mais por escritores antigos, como o renomado
Machado de Assis. Dessa forma, ele construiu uma nova obra, de maneira que ela dialogue
com o contexto ao qual está sendo produzida.
Sendo assim, o elemento principal para a adaptação de Dom Casmurro para Capitu foi
a Direção de Arte. O espaço cênico, o figurino e maquiagem da minissérie foram construídos
para simbolizar as lembranças de Dom Casmurro, onde podemos perceber que todas as
emoções e memórias da personagem narradas no livro estão muito bem pontuadas por meio
de recursos visuais. Como o flashback, que na minissérie é colocado utilizando cortinas de
teatro para representar o que é passado e o que é presente, onde o protagonista revê no
“palco” suas memórias acontecerem.
Assim, a releitura na visão de Carvalho só foi possível de ser feita em conjunto com a
Direção de Arte como elemento narrativo, fazendo uma clara alusão a mente confusa e
fantasiosa de Dom Casmurro, de forma a dar uma liberdade ao diretor de colocar suas
próprias impressões na tela. É importante destacar que cada pessoa que lê um livro ou assiste
à um filme vai ter a sua própria interpretação daquilo, e assim também acontece com o
diretor, como se fosse também um espectador.
Além disso, mostramos que a intenção do Projeto Quadrante e do estilo do diretor
Luiz Fernando Carvalho foi seguir uma direção oposta a mesmice que existe no meio
televisivo, apresentando novas formas de entretenimento que foge do molde proposto pela

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Indústria Cultural e de seus meios de comunicação. Seu estilo como diretor contam com
referências às linguagens do teatro e do circo, mostrando uma forma diferenciada e inovadora
de se fazer arte, e que é possível produzir conteúdos com uma qualidade estética acima do que
estamos acostumados a ver na televisão nessa era da Indústria Cultural
Portanto, o objetivo do nosso estudo foi assinalar que a estética, mesmo que trabalhada
de modo diferenciado, poderá se adequar a especificidades da linguagem narrativa do meio a
qual ela se insere, sem que sua essência fuja a do original, se tornando uma (re)criação.

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