Você está na página 1de 16
ANTONIO PEDRO PITA Faculdade ge Letras da Univerida Coimbra A MODERNIDADE DE «A CONDIGAO POS-MODERNA» ‘edpebee de p60 na Soncopedo do conigura na bre ae JeancFrancas lim pom-modernidace conciot poly Lyotara, A Conalgaa Pos Mogafna ‘mogarniseae eum pensamen's U M debate sobre @ pés-modernidade depende, om primeiro lugar, de uma reflexao sobre a propria modernidade: 2 Impreciséo das multiplas acepgdes em que o termo é utili zado e 0 efeito erosive provocado pela sua instalagao, como palavra-de-passe, nos debates actuais, exige uma espécie de arqueologia da modernidade que —em toda a sua extensto, profundidade @ rigor— nao é possivel, evidentemente, levar agora a cabo. © presente texto nBio é, portanto, mais do que um indice {de questdes a retomar e desenvolver, no ambito de um traba- ho em curso. Esta encarregado de reler, em 1987, um ensaio Publicado em 1978: La condition post-moderne de Jean- “Frangois Lyotard (Lyotard, 1978). Com esse ralatério sobre 0 saber, Lyotard procurou dar maior consisténcia tedrica @ uma ‘expressdo de Danio! Bell, de 1959, e a posteriores investiga- ($005 dispersas em dominios como a arquitectura e a critica Iiteraria ou a priticas artisticas no campo das artes visuais © {da musica, por exemplo (Rosengarten, 1887: Miranda, 1987). Para isso, estabelecia com a modernidade uma determinada relagao: de certo modo, 0 problema desta nota reside nas acepgoes possivels do =pés pos» significa, em primeiro lugar, 0 que vem depois, ‘sno sentido de uma simples sucesso, de uma sequéncia dia. 78 Antonio Pedro Pita ‘erdnica de periodos em que cada um é, em si mesmo, clar mente identificavel= (Lyotard, 1987.94); pode também traduzir ‘a descontiana recente em relagao ao principio optimista —o ‘optimista moderna, iluminista, claro— do progresso geral da humanidade; e a esta ideia de «um progresso possivel, prové- vol ou necessério», enraizada sna corteza de que o desenv vimento das artes, da tecnologia, do conhecimento © da liberdade seria proveitoso no seu conjuntos, Auschwitz @ Hiroshima opdem, pelo menos, uma interrogagao radical finalmente, recorrendo ao trabalho exemplar da arte moderna para a qual a posicao de vanguarda partia da investigacao das pressuposicdes implicadas na modernidade— pds nao significaria um movimento de come back, de flash back, de feed back, ou seja de repeticao, mas um processo em ana, um processo de anélise, de anamnese, de anagogia ¢ de ‘anamortose, que reelabora um esquecimento inicial» (Lyotard, 1987:97-28) ‘Assim, @ interpelagao & condigao pos-moderna desdobra- se em duas questbes: a de saber se esse deslocamento para uma diferenca-da-modernidade tem ou nao lugar no interior do campo problematico moderna e a que interroga a retlexao sobre a modernidade levada a cabo na obra de Lyotard. Por- que, recorde-se, a hipotese em que ela assenta 6: © saber muda de estatuto ao mesmo tempo que as socie- ades ontram na idade dita pos-industnal e a6 cuturas na dade possmoderna (Lyotard, 197911) Vejamos 0 primeiro aspecto. Escreve Lyotard: que era a medida e. hoje. na 0 ‘Seve ser permanentamente estabslacida (cyotare, 198813) Esta mutagdo, pela qual -o homem deixa de ser a medidar {idem:13), suscita, no entanto, uma reflexio mais longa. ‘A exighncia de método ea consideragio da matematica como linguagem privilegiada, constituintes do paradigma moderna, operam a transformagao dos conceitos de Natureza, azo e Historia a partir do principio (moderno) fundamental ‘segundo 0 qual saber ¢ poder. Um dos aspectos da moderni- ‘dade 6 a fundamentagao de um concelto de natureza que ja nada tem a ver com a experiéncia grega de physis. A cons deragdo, scomo a manitestagdo fundamental da naturezar, dos sfendmenos do movimento das coisas materials, atomos © electrdes, ou seja, o que a fisica investiga como physis+ (Hel dogger. 1966:53), 6 0 pressuposto basico de uma concepcao de natureza encarada a partir de uma tripla novidade: primado A Condicao PossModerna do modelo mecanico, primado da lel e primado da conceptua- lidade. Por isso, Galileu pode recorrer a metafora do livro para falar da natureza: AA filosofia esté escrita neste grande tivo eternamente fberto perante os nossos olhos = mas ndo pode 10 mesmo tempo que tem condigoes, exige uma precauglo essencial JA que 0 espirito humano 6 algumas vezes vitima de abu- 'Sos'por faisos esplendores quanco nao presia a atoncao Recessaria e dado que ha coisas que S686. connecem mediante um largo ¢ dificil exame, 6 indubitavel que seria UUt'contar com regras para conduait-se em tals clreunstan ‘clas de tal maneiva que a investigacto da verdage resul- tasse mals facie segura: o estas regras nao so impossivels. Assim se 1 n@ Logica de Port-Royal (cit. Rabad 1981:20), onde se escreve, também (¢ 08 termos so expres sivos quanto a0 projecto mais geral da modernidade), que seas regras spermitem evitar vermo-nos surpreendidos no futuro». € na elaboragao cartesiana que 0 método modero encontra a sua definigao exemplar. A elevagao do Eu, en- quanto *Eu penso», a principio supremo foi precedida pela definigBo de raz8o (-o poder de julgar bem, @ de distinguir 0 verdadeiro do falso, que & propriamente 0 que se chama az80, 6 naturalmonto igual em todos os homens: [Descartes, 1998:2}) € pela expressdo da sua ahistoricidade, pois, a0 reduzir a historia a uma viagem, Descartes neutraliza a impor- tancia desse passado, visto como um outro-presente, jd que © que é decisivo & 0 facto de todas as épocas serem habitadas ppela mesma razio, consequéncia do fascinio exercido pela certeza © evidéncia das razes mateméticas. Elas permite, ‘no mesmo movimento, desvalorizar, do ponto de vista tebrico, ‘a importancia dos sentidos e colocar o pensamento, enquanto luz, como critério de toda a determinacdo do ser. € na imaterialidade do pensamento —-conclui que era uma substancia cuja esséncia ou natureza néo é sendo pen- samonto, e que, para ser, n8o tom necessidade de nenhum lugar nem depende de nenhuma coisa material» (Descartes 1938:2) — que Descartes situa 0 primeiro principio, 0 ponto firme sobre 0 qual apoiaré a filosofia, semelhante ao que 80 Antonio Pedro Pita Descartes funda a possibilidade de procura da verdade, explicitada no Discurso do Método, na imediatidade da ideia intulda, como se depreende das Regras para a Direcc4o do Espirito. © desenvolvimento do enunciado da Regra Ill = segundo a qual «nao 8 0 que pensa outrem ou 0 que nés Cconjecturamos, mas 0 que podemos ver por intuigao com cer- teza e evidencia, ou o que podemos deduzir com certeza>— mostra que existe uma hierarquia entre o saber intuitivo, que @ fundador, e 0 saber dedutivo. Este esté permanentemente ‘ameacado: 's6 a intuigdo nos relaciona de imediato com a verdade, desde que compreendamos intuir como olhar: intul= tus de in-tuorl transpoe-se num olhar (regard), no sentido do olhar (regard) que mantém sob @ vigilancia (garde & vue) 0 objecto»; isto 6, desde que concebamos o olhar do espirito a receber a certeza da imediatidade da luz natural (Veloso, 1982:243-244), ‘A modernidade, ou pelo menos a sua linha historicamente triunfante, define-se, por conseguinte, pelo privilégio conce- dido @ metafora do olhar e pelo ideal da visibilidade pura. ‘A medida de todas as coisas ou, se se preferir, a mediagao fundamental no 6 0 homem mas o que & pensamento no homem, ‘A atirmagao da visibilidade como mediagao pressupde redugao do homem ao acto de ver (intuit), a redugao do mundo a sua visibilidade a consideracao da luz como fun- damento transcendental da relagao entre homem @ mundo. sujeito cartesiano ja nao pode, por isso, ser identificado simplesmente com 0 homem, medida de todas as coisas: Agora, 0 Eu torna-se o sujeto insigne em relacao ao qual, ‘Somente, a8 outras coisas se determinam como tals. Poraus 4 "coisas ~ matematicamante-~facebery primelro.# sua Coisidade da sua relagao de fundacdo com 0 principio Supromoe com 9 seu ‘sujeto’ (Eu), s80 estencialmonte © {Que em rolagdo so sujet se tealiza como um outro, que testa ‘em rente a ele. como oblectum. As proprias.colsa tornam-se objectos (Heidegger, 1971115) Pode dizer-se, entdo, que a razto, «enquanto Eu penso, & expressamente erigida em principio supremo, enquanto fio Ccondutor @ tribunal de toda determinagao do sere (Heideg- ger, 1971:116). Na impossibilidade de o real ser pensdvel em toda a sua complexidade e, portanto, na inevitabilidade de reduzir para pensar, a modemnidade designou 0 pensamento ‘como lugar de verdade. E 0 modelo platénico que, nas novas Condigdes histéricas e tedricas, parece manter a sua validade. or isso € que se pode dizer, depois da realizagao, como téo- nica, da metafisica (retomando a ideia heideggeriana), que quanto mais 0 nosso espirito domina os processos do uni- verso mais eles escapam a0 nosso corpo (Naillon, 1985:45). E esta atirmacao constitul um excelente ponto de apoio para 4 delinigao da modernidade da concepgao pés-moderna de matriz lyotardiana. ‘Se quisermos, podemos formular o que se disse segundo ‘uma outra expressdo: 0 niilismo ¢ uma dimensio irredutivel de todo © pensamento sistematico. A conclusdo resulta com toda a clareza, por exemplo, da base pré-conceptual em que fenraizou a polémica entre Hegel © Jacobi (Hohn, 1970:129- =150), na qual se controntavam a possibilidade de uma filoso- fia do Espirito e do Logos e a afirmacdo das implicagdes nii- listas de todo 0 método demonstrativo. A importagao, para 0 ccontexto desta polémica, de um tema agustiniano, & qual nao parece ser alhela a experiéncia pessoal jacobiana da visdo ascustadora do espago infinito, implicou a aliemagao, por Jacobi, do fundamento da filosofia como um «grande buraco= (Hohn, 1970:182). E determina, em consequéncia, que a sua ‘oposicao ao ideal de sistema se exprime na necessidade de optar entre Deus e 0 nada, de escolher viver a {6 ou abrigar-se {noite de todo o entencimento e de todo o saber. Tudo se passa como se o discurso filosético cléssico fosse animado pelo desejo de encontrar —ou produzir ou inventar (Althusser, 1976) — um objecto que, pela sua (pros ‘Suposta) simplicidade se impusesse & aceitagao imediata de um olhar intelectual, isto é, de um saber. Melhor: ao mesmo tempo que constitui o seu abjacto, que quer dizer a constitul- G40 da visibilidade do objacto, o saber concebe-se a si proprio or analogia com 0 sentimento de verdade inerente ao acto de ver algo. Assistimos, portanto, a um duplo processo de imateriali- zagao (ou niilizagao): aquele a que o pensamento submete o real para, de acordo com as exigéncias que ole define, 0 ‘poder pensar, e aquele a que o pensamento submete o sujeito ppara se conceber como lugar de produgao de verdade, ‘A seu modo, de acordo com as condigoes e problemas. proprios, a modernidade realizou este processo: através de uma nova concepgao de natureza, que inclui a sua expansio. a fenémenos humanos @ sociais, ¢ da elaboragao de uma concepgao de sujeito como pensamento. O homem tedrico Cartesiano & intoligdncia, quer dizer, 0 cartesianismo @ uma dessas filosotias que, segundo Nietzsche, «fingem ter desco- berto as suas verdadeiras opiniGes pelo desenvolvimento de uma dialéctica fria, pura, indiferente, olimpica, quando, de facto, no fundo dos seus sistemas esta um desejo abstraido © rado>. O reconhecimento da pertinéncia da maquina como metafora para pensar a natureza ¢ 0 alargamento, aos fen6- menos humanos e sociais, do modelo da inteligiblidade que fenforma as ciéncias naturais implicam, necessariamente, que A Conaigao PossMogerna 8 82 Antonio Pedro Pita 0s shomens se tomem em conta como um dos elementos desta estrutura extraordinariamente complexa na qual eles se ‘encontram @ a todos os niveis: biolégico, familiar, tisico, etc. Nao vale a pena temer esta situacdo, esta condig&o» (Lyotard, 985:13). 2. Vejamos agora os principals aspectos da anélise da modernidade em A condieao p6s-moderna, ‘A primeira grande atirmacao —ou hipotese— desta obra 6, recorde-se: «0 saber muda de estatuto ao mesmo tempo que as sociedades entram na idade dita pos-industrial @ as culturas na idade pos-moderna» (Lyotard, 1979:11). A ques- tao do saber, no ambito da modernidade, ¢ Indissociavel da questao da formagao. O elemento decisivo ¢ o facto de estar ccontida na ideia de formagao a importancia da imagem pela {qual a formacao se afirma como sinénimo de cultura, Hegel sistematizou a identificacao entre formacdo (entendida como cultura) @ ascensao a generalidade. © ponto de partida fol a Cconsideracdo do homem sob 0 dupio aspecto da sua singula- ridade e do seu ser universal, quer dizer, a partir de um duplo ‘ever, 0 da sua conservagao fisica @ da elevagao a sua natu- reza universal. © pressuposto 6, evidentemente, o de que 0 homem nao é o que deve ser. Ao homem abrem-se possibili= ‘dades de uma existéncia inautentica (de corto modo ¢ a ola que o homem esta imediatamente exposto), presa ao circuns- tancial e ao fortuito, e de uma existéncia polarizada pelo essencial. Realizar a sua vocago —e «0 que mais causa insa- tistagao a0 homem ¢ ndo realizar a sua vocagdo» (Hegel 11969:60) — ¢ tor uma Imagem de si, ou que deseja para si, © atingi-la ou realizé-la pela justa consideracto dos meios indispensdveis. A vocagdo é, escreve Hegel, or assim dizer uma matéria-prima que # preciso elaborar fm todas as direcgoes. a fim de que nao contenha nada d ida om que Tela (Hegel, 1963-60) A ascensio do homem a condigao verdadeiramente humana é, pois, mediada pelo universal. E a historia, no con- texto humanista em que modemamente & pensada, ¢ proceso progressive da chegada dos homens —todos — a universall- ‘dade da sua condigao essencial, A Enciclopédia de Hegel, depois de Fichte e Schelling, constitui a afirmagao de que hha uma ‘historia’ universal do espirito, 0 espirto 6 ‘vida’ e esta vide’ 6 a apresentacao e 2 formulagao do que ela pro= bila 6, em por melo o conhecimento ordenade de todas 3 Suas formas nas ciancias empiricas. A enciclopédia do Idealismo atomao § a narragao da ‘istéria’ deste sujelto- “vida (Lyotard, 1978.57) Num espago tedrico secularizado em que a maioriade, isto 4, a capacidade de pensar por si proprio sera posta como principio (Kant, 1947), realizar-se 6, para o Individuo, passar @ ‘existir no a partir da sua individualidade, portanto da dif renga que é, mas a partir do universal que, por intermédio da humanizago dos individuos, progressivamente se realiza Porém, formar-se, na acep¢do hegeliana, pressupde tomar consciéncia da necessidade de limitar-se. Implica sus- ender a validade de uma existencia inauténtica — quer dizer, dependente— e adequar a sua actividade & imagem de si que {quer realizar. O transito da facticidade do que se ¢ para a rea- lizagato do que se deve ser encontra-se, portanto, mediado pela pergunta sobre o que se quer ser. € a pergunta que sus- ende, que problematize, que abre possibilidades: -a esséncia a pergunta é abrir e manter abertas possibilidadess (Gada- ‘mer, 1977:369), quer dizer, «a abertura do perquntado consiste fem que nao esta fixada a respostas (Gacamer, 1977:440). Neste ponto, a divergéncia entre a concepgao moderna @ 4 atitude pés-moderna parece clara. Notemos, porém, que 20 Perguntar perguntamos pelo sentido daquilo que pergunta- mos. O termo sentido—na tripla acepcao de sujeito que se dirige, do processo ou ida e do outro, que é terme do movie mento © sua condig&o (Pereira, 1979:294) —pode por isso mesmo baptizar 0 que nos poe em relacao com o mundo @ mostrar que esta relacdo 6, radical e irredutivelmante, uma dimensao da corporeidade, E possivel discernir, num momento privilegiado da fun- damentagao da metafisica (refiro-me, de novo, ao pensamento platénico), o conflito entre o estabelecimento 60 paradigma idealista e a prospecgao de uma no¢ao de tilosofia fie! a sua natureza erética. 0 didlogo Banquete é exemplar. Al se atirma, fem primeiro lugar, a natureza erdtica do acto de tilosotar. ros, nascido de Engenho (filho de Sabedoria) e de Pobrezs Conserva as caracteristicas dos progenitores, ¢ em si mesmo ‘eunido de contrérios — «rude @ seco, descalgo e sem morada, estirado sempre por terra, nu, dorme ao relento, nos vaos das Portas ou no desabrigo dos caminnos, como a mae: 20 mesmo tempo, tem o espirito ardiloso do pai na procura do ‘que € belo e bom, a mesma coragem, a masma ousadia e persisténcia que o tornaram cagador temivel, sempre @ arqui- Aectar armadilnas, avido de saber e dedicado @ invengao» (Platdo, 1873:203 b-d). O Amor tinha, portanto, uma natureza peculiar, nem mortal nem imortal, permanentemente em ‘extingao e em florescimento, que Ihe destinava uma fung&o propria: (Ortega, 1973:419-491), uma disponibilidade para a truigao de momen {0s cairalégicos tecida numa concepgdo de tempo irredutivel a linearidade aristotélica No ambito do paradigma metatisico, vemos que o sentido- -para-mim, em que consiste toda a relagao do saber com 0 mundo, ¢ transformada em sentido-para-todos. Por isso, 0 saber que eu possuo deixa de traduzir a minha relagao com 0 mundo ou 9 modo come o mundo para mim se organiza © torna-se, se passa polas provas de verdade indispensaveis a todo o saber, uma expresso individual do saber. a verdade fala @ € pela minha boca que ela fala (Juranville, 1982). 0 sen- tido que, no interior do paradigma da caga, 6 precério, possi- vel (mas nao necessério), fragil, por isso sempre inesperado © surpreendente, esta (segundo as exigénolas metaisicas) absolutamente fundado: jogo do encontro —fugazmente absoluto, irredutivel a um conceptualizagao— ¢ convertido pela metatisica na final reconciliagao de termos originaria-~ mente unidas @ transitoriamente separados segundo a solugao. harmonica de todo 0 ideal do Um. € uma exigéncia do pen- ‘samanto, metafisicamente realizada polo primado de uma legica da Identidade para a qual a verdadeira comunidade humana ¢ intelectual. Contra a possibilidade de pensar 0 ‘mundo simbolizado pelo jogo (Fink1966), trata-se de dominar f gramatica de todas as transformagoes possiveis. Neste sentido, é possivel dizer que o ideal de toda a filo- sofia classica e, dentro dela, da filosofia moderna, ¢ a ade- quaco da abstracco das suas categorias a dimensao verda- dolramente humana dos homens: «se se reconhece que as leis ogicas coneretas do pensamento sto a0 mesmo tempo as leis, da estrutura ontoldgica do mundo, segue-se necessarimente ‘que a lel da natureza e o cardcter ontoldgico do abjecto ¢, ura e simplesmento, uma fungao que depende do modo te6- Fico e técnico como 0 homem capta 0 ser que 0 envolver (Schneider, 1987:323-343). € possivel também perguntar —se ‘a informagao 6 a medida da redugao da incerteza que pode texistir a propdsito do estado de uma parte do universo (aquilo que se passa no lugar do emissor) por intermédio de uma rmensagem= (Communication, 1973:393) — adequando a nossa propria terminologia, se se n8o pode falar de um stornar-se- “informagao» da filosofia clissioa, € certo que @ pergunta (recorde-se: a abertura de possibilidades de sentido daquilo sobre que se pergunta) ¢ um momento constituinte da refie- xo filos6fica. Mas no 6 menos certo que a realizagao meta- fisica da filosotia consiste justamente no abandono desta ‘exigéncia interrogativa, por isso, hermenéutica, © na definigao clara de uma mediagdo total (Ricoeur, 1986:39-117). A recu- eraglo da oticdcia da interrogagdo, que consiste em manter vivo 0 limite intarno de todo 0 saber (Vergote, 1976) e em problematizar 0 principio #0 ideal de saber absoluto, ¢ uma Ccondigo de desconstrugdo da metafisica e da informatica pola estrutura dogmatica, uma, © pola esséncia afirm Cutra, impedem ambas, pela mesma logica do seu desenvol Viento, © acesso a fonte das perguntas exigido pelo poeta (84, 1980:57), A Condigao. Pos-Moderna 85, ‘Antonio Pesto Pra 3. A segunda grande questio posta por A condicéo pos- -moderna respeita aos pressupostos e as implicagoes da decadéncia das grandes narrativas, que 6 um dos seus tracos ‘mais impressivos, Escreve Lyotard [As "metanarrativas’ de que e trata em A condipgo pds- ‘moderne sao aquelas que marcaram a moder nidade: ‘emancipaedo progrossiva Gu catactrofica do trabaiho (fonte {0 valor aienado na razao), enriquecimento da humanidade Inteira atraves dos progressos a tecnociencia capialista, ¢ its, considerando-se o proprio eistianiamo na modernidade opondo-se, neste cas, a0 classicismo antigo). salvacso das criaturas atravée da Conversdo das almas a narrative rica do amor martir (Lyotard, 1987°31) E a protensio legitimadora destas narrativas que a transtor~ magao do saber nas sociedades informatizadas ver por em causa, Dois grandes pressupostos fundam a constituigao de uma narrativa (na acepgao em que o termo ¢ aqui utilizado) e, evi- dentemente, 0 seu projecto de dominio ndo s6 do pasado, do presente © do futuro como, principalmente, do principio fundador das diterengas historicas. © primeiro 6 a concepgao aristotélica de tempo: «0 tempo 60 numero do movimento entre 0 fundamento @ o fundamen- tado- (Pereira, 1977:17). Pressupde a nocessidade do uma medida para pensar a mutabilidade do real © abro caminho & racionalizagao, manipulagao @ dominio que serao as coorde- nada da relagao com o mundo ao longo da modemidade. A den- sidade existencial 6, portanto, traduzida na homogeneidade de lum tempo linear que &6 postula a indiferenciagao de expe- riencias irredutiveis porque desiste de admitir, no campo de exigncias do filosofar, por exemplo, 0 histérico e 9 ludico. ‘Aqui, € 0 Unico e 0 ndo-funcional que, ao constituirem pro- blema insoldvel na sua irredutiblidade & quantificagdo © con- coptualizagao, s80 desvalorizados ¢ considerados irrelovantes para a intaligéncia de um mundo que se diz num sistema conceptual. O segundo pressuposto ¢ colhido em A Cidade de Deus de S. Agostinho, obra na qual o acontecer humano é pela primeira vez (Mayer, 1967:25-84) encarado «na sua totalidade, ‘numa Optica de continuidade rumo a um fim absoluto» (Pereira, 1980). S. Agostinho da expressao filosbtica a concepgao biblica de tempo que rompe com @ concerséa ciclica sem adoptar tum ponto de vista linear: esta imagem é estranha a mentali~ dade hebraica, «que apenas conhece o tempo preenchido ‘pleno’ na vida do povo, do mundo ou do individuo. Enquanto 0 ocidental parte da representacao do tempo fluente, linear @ vvazio para o tempo preenchide, 0 hebrev, a0 contrario, 66 a Partir da experiéncia do tempo pleno, da £6 no contetido qua. litativo do tempo assegurado por Deus abstral o concelto de tempo distondido e linear» (Pereira, 1977:36). € essa obra de 'S. Agostinho, centrada numa categoria fundamental (a cexpe- riéncia» ou a spréticas), que sfixa o tema da emancipagao ‘a articulagao do eu ¢ do tempo na categoria fundamental {da ‘experiéncia’ (ou da ‘pratica’) 6 ja feita por Agostinho, (© sujeito & despossuido de si mesmo pelo tempo, ¢ 0 tempo 6 também 0 que permite ao sujeito realizar-se. Sujeito ainda ‘nd ele préprio: adiantado ou atrasado sobre a sua identi- dade» (Lyotard, 1984:43) No plano politico e social, a conjugagao destes pressu- postos, no contexto moderno, permite pensar a sociedade ‘como uma totalidade em movimento (homogéneo) para uma finalidade que o pensamento define ©, por isso, de certo modo, antecipa. A Sociedade & cidade, @ organismo, 6 maquina cujo tun- cionamento, tornado em problema numero um, é finalmente Conhecido. Isto signitica a extensdo aos fendmenos socials 08 principios de inteligibiidade dos fendmenos naturais © traduz 0 primado da causa formal sobre a causa eficiente ea ‘causa final (Santos, 1987:16), E implica que a sua realizagao soja tanto mais perfeita quanto os seus elementos (cidadaos, ‘6rga08, pecas) mais eticazmente orem os meios de reslizagao a perteigao total. ‘A decadéncia das grandes narrativas devera ser pensada 4 partir destes elementos. Porque, se tivermos em conta que ‘a clareza ¢ fungao da abstracgao @ que esta resulta da redu= a0 da realidade a simbolos © relagdes entre simbolos, visando uma linguagem e um conhecimento univocos, claros @ sisteméticos que excluam tudo © que perturba 9 funciona mento global, podemos concluir que as grandes altornativas

Você também pode gostar