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Pontos críticos no ensino de português a falantes de


espanhol -
da observação do erro ao material didático 1
Daniele Marcelle Grannier e Elzamária Araújo Carvalho
Universidade de Brasília

2. Introdução
Retomando a discussão sobre a necessidade (ou não)2 de uma metodologia específica para o
ensino de português a falantes de espanhol (FE), apresentamos, neste trabalho, uma aplicação da
proposta heterodoxa de Grannier3 (no prelo) à elaboração de material didático, a partir de um
estudo preliminar sobre os erros dos aprendizes no processo de aquisição/aprendizagem (A/A).

Inicialmente, apresentamos um ensaio de análise da A/A de português por FE, que nos permitiu
fazer um levantamento objetivo de um conjunto de erros persistentes.4 Nesta análise procuramos
identificar (1) alguns tipos de erro devidos à transferência e (2) como se explica essa transferência.

Em seguida, exemplificamos, com parte de uma unidade temática extraída de um projeto de


material didático, a combinação do trabalho baseado em textos – que podem ser de diversos tipos:
filme, texto jornalístico, canção e excertos, entre outros, e visam a proporcionar o contato
comunicativo básico usando a língua portuguesa – com um conjunto de atividades e técnicas
variadas para estimular a atenção nas semelhanças e nas diferenças entre o português (P) e o
espanhol (E) e promover uma reflexão sobre os pontos críticos da A/A do português por FE.

Neste material, o foco-na-forma é feito de maneira predominantemente indutiva, a partir de textos


em português: o aprendiz depreende inicialmente as regularidades e os usos próprios da língua e,
num segundo momento, trabalha esses pontos de modo que, nas novas exposições ao português,
possa testar e reformular suas hipóteses iniciais, na medida em que for necessário.

3. Levantamento dos erros


Apresentamos, a seguir, um levantamento dos erros encontrados na produção escrita em
português por falantes de espanhol de diferentes níveis de A/A do português. Consideramos como
pontos críticos aqueles tipos de erros que persistem mesmo entre aprendizes mais avançados.

1
Agradecemos a Adrián Canteros e a Orlene Carvalho a leitura prévia que fizeram e os seus valiosos comentários. A
presente versão se beneficiou de diversas sugestões e correções apontadas por eles.
2
Quanto à não necessidade de uma metodologia específica, cf. J. C. Paes de Almeida Filho (1995) e, sobre abordagens e
materiais específicos para o ensino de português a FE, v. Akerberg (1994), Lombello et al. (1983), Lombello e Baleeiro
(1983), Silva Gomes, et. al (1987), Simões (1995) e Coudry e Fontão (2000).
3
O quadro da proposta heterodoxa para o ensino de português a FE se apoia nos argumentos do movimento do
"redespertar do foco-na-forma", nos termos de Doughty e Williams (1998), para o ensino de línguas estrangeiras, iniciado
por Long (1991). com respeito à conscientização através do foco-na-forma, adotamos, entre outras, proposta de Fotos
(1992), citada em Fotos (1993) e de Swain (1998). Na aplicação à elaboração de materiais, revisitamos antigos exercícios,
até mesmo o ditado e a tradução.
4
Outras análises de erros e/ou análises contrastivas visando à aplicação ao ensino: Jensen (no prelo), Júdice (no prelo) e
Ferreira (1995 e 1997).
2

Utilizamos, como base do levantamento, quinze provas do exame CELPE – Brás (2000)5,
distribuídas em três grupos, de acordo com o grau de certificação obtido pelos candidatos: segundo
certificado (2), primeiro certificado (1) e sem certificado (S).

Os erros encontrados foram classificados, inicialmente, através de um critério puramente


lingüístico. Para cada tipo, indicamos alguns exemplos, seguidos da forma correspondente em
espanhol e em português Os números e a letra que se seguem ao exemplo indicam a localização
do mesmo: 592 – IV / S (592 é o número da prova, IV corresponde à tarefa em que se encontra o
exemplo e S indica a certificação obtida naquela prova).

O primeiro grupo, dos erros lexicais, reúne aqueles que incidem em algum aspecto da seleção
lexical (na sua forma ou na sua adequação semântica).

O segundo grupo, dos erros morfossintáticos, apresenta aqueles que afetam a estrutura interna da
palavra e seus vínculos a outras palavras, tais como erros de regência e de gênero.

Consideramos como um terceiro grupo, de erros sintáticos, os que se encontram num nível
puramente sintático, tais como erros de ordem dos constituintes e de conetivos.

No quarto grupo, os erros definidos por “questões léxico-sintático-semânticas”: são erros que
incidem em dois ou mais itens lexicais em pelo menos uma das duas línguas e envolvem
diferenças de recorte semântico e/ou uso em diferentes estruturas sintáticas.

No quinto grupo, reunimos as inadequações de registro e de estruturas.

1. Erros lexicais
Dentre os erros lexicais, neste trabalho, consideramos que não constitui propriamente erro (ou erro
com o mesmo grau de interesse que os demais), tanto o primeiro subtipo, o uso da forma em
espanhol, como o segundo subtipo, o uso da forma (quase) em português; pois o primeiro subtipo
indica apenas uma falta de contato (suficiente, pelo menos) com o item lexical em português e o
último podem ser considerados mais como uma falta de atenção às regras ortográficas do
português do que erros de língua.

O terceiro subtipo, denominado o “uso de formas mistas”, apresenta erros que revelam melhor o
desenvolvimento do processo de aquisição / aprendizagem do português naqueles pontos em que
o aprendiz pode se beneficiar de um ensino que propicie uma conscientização das semelhanças e
diferenças entre P e E.

1.1. Uso da forma em espanhol

compartir (E. compartir, P. compartilhar)


621 – II / 1
precios (E. precios, P. preços)

592 – IV / S
receta
(E. receta, P. receita)
573 – I / 2
sur (E. sur, P. sul)

593 – I / S

1.2. Uso da forma (quase) em português

55
Agradecemos à SesuMEC e à Comissão Técnica do exame CELPE-Bras pela disponibilização das provas realizadas em
2000.
3

Consideramos como um grupo à parte (quase “não erros”) os exemplos que apresentam apenas
erros de acentuação gráfica, tais como

tambem (P. também)

603 – I / S
horario (P. horário )

603 – I / S
éxtase (P. êxtase)

594 – II / 2
bém (P. bem)

592 – II / S

1.3. Uso da forma mista

(1) Interferência ortográfica

Convém distinguir os erros decorrentes apenas da interferência das regras ortográficas do


espanhol na escrita do português. Como a ortografia de cada língua, a rigor, não faz parte do
sistema lingüístico, mas é apenas um meio de representação convencional dessas línguas,
podemos considerar que os erros ortográficos em geral (assim como os erros de acentuação,
acima) não constituem erros, propriamente ditos, de língua portuguesa.

Dessa maneira, podemos supor que, se os exemplos abaixo, ao invés de serem produzidos por
escrito, tivessem sido produzidos oralmente, eles teriam sido pronunciados corretamente.

aprossimar (E. aproximar, P. aproximar)


594 – III / 2
asim (E. así, P. assim)

603 – I / S
assessorio (E. accesorio, P. acessório)
604 – I / 1

(2) Interferência fonológica

Neste tipo incluímos os erros em que a forma fonológica da palavra em parte é espanhola e em
parte é portuguesa.6

(a) O erro pode ser um indício de uma diferença sistemática entre os sistemas fonológicos do
português e do espanhol. Um tipo bastante recorrente é o que envolve as letras b e v e revelam
uma dificuldade para distinguir os fonemas correspondentes em português.

escrebe (E. escribe, P. escreve)

573 – I / 2
pobo (E. pueblo, P. povo)

592 – II / S
6
Consideramos "forma fonológica" de uma palavra desde (a) a forma de seus morfemas (os fonemas de que são
constituídos): por exemplo, em "besinho", [bes-] apresenta a forma (com fonemas) do espanhol enquanto o sufixo
apresenta a forma (com fonemas) do português, passando por (b) (ir)regularudades de natureza morfofonológica: o verbo
"dormir" em português apresenta variações do radical diferentes das variações do radical do (aparentemente) mesmo
verbo em espanhol, até (c) aspectos que permitem inferir a situação do sistema fonológico da interlíngua do aprendiz.
4

posivilidade (E. posibilidad, P. possibilidade) 603 – I / S


povre
(E. pobre, P. pobre)
594 – III / 2

(b) O erro pode ser decorrente de uma estrutura transitória, uma tentativa de aproximação da forma
em português

besinho (E. beso, P, beijinho)


593 – II / S
edade
(E. edad, P. idade)
627 – I / 2

letura (E. lectura, P. leitura)

592 – IV / S

(3) Regularização morfológica

A irregularidade do português ainda não foi adquirida ou só foi parcialmente adquirida. Em alguns
casos, a correspondência é conhecida, mas é aplicada em item lexical no qual não ocorre a
correspondência ou é aplicada em um ponto inadequado da palavra (vevir).

durme (E. duerme, P. dorme)

592 – II / S
soamente (E. solamente, P. somente)
609 – IV / 1
vevir (E. vivir, P. viver)

592 – III / S

(4) Inadequação semântica

alargar (E. alargar, P. alongar)

604 – IV / 1 (1) 7
entrar (E. entrar, P. colocar)

573 – I / 2 (2)
trocou (E. cambió, P. mudou)

621 – II / 1 (3)

2. Erros morfossintáticos
3.2. Usos de preposições

(1) Regência verbal

V. o contexto dos exemplos numerados no anexo I, “Contexto dos exemplos citados” .


5

Consideramos erro de regência verbal o uso de preposição em complemento direto, a falta de


preposição em complemento preposicionado ou o uso de uma preposição não aceitável por outra,
em complemento preposicionado.

ajudar a (P. ajudar Ø)

604 – III / 1 (4)


aprender deles (P. aprender com eles)
603 – III / S
(5)
descordar com (P. discordar de)
627 – IV / 2
(6)
olhar em (P. olhar Ø)
609 – III / 1
(7)

(2) Outros usos de preposição

Constituem erros de natureza próxima do erro lexical, a substituição de preposições de uso fixo, em
formas-feitas, por outras. 8

de mal em pior (P. de mal a pior)


604 – II / 1
(8)
iguais que nós (P. iguais a nós)
603 – III / S
(9)
nesse respeito (P. a esse respeito)
601 – IV / S
(10)
no longo prazo (P. a longo prazo)
588 – III / 2
(11)

2.2. Gênero

Erros de concordância de gênero geralmente refletem a transferência do gênero da palavra


correspondente em espanhol. Em alguns casos, entretanto, como deste vez e de palavras
terminadas em –ão essa explicação não se aplica.

as outras costumes

593 – III / S
(12)
(P. os outros costumes)

deste vez (P. desta vez)

588 – IV / 2
(13)
o sua situação (P. a sua situação)
603 – IV / S
(14)
o viaje (P. a viagem)

8
Curiosamente, os exemplos recolhidos coincidem na preposição substituída: em todos eles deveria ocorrer a preposição
a. Além disso, em três deles, o a foi substituído por em. (Em apenas um exemplo houve substituição do a por que.)
6

609 – II / 1
(15)
seus preocupações

601 – II / S
(16)

(P. suas preocupações)

2.3. Determinantes e indefinidos

Um tipo de erro comum é o uso de artigos em estruturas onde o português não os aceita, assim
como a sua omissão nas estruturas em que são obrigatórios. Entre os pronomes e adjetivos
indefinidos, os erros mais freqüentes incidem nas formas tudo e todo(s).

a longo do trajeto (P. ao longo...)

620 – II / 2 (17)
a outra única coisa (P. a única coisa)
620 – II / 2
(18)
algum
(P. alguém)
592 – II / S
(19)
toca o sanfone (P. toca sanfona)
620 – II / 2
(20)
todo
(P. tudo)
601 – II / S
(21)
tudos
(P. todos)
609 - II / 1
(22)

3. Erros sintáticos
Entre os erros sintáticos mais comuns destacam-se os erros de ordem dos constituintes.

ajudar para que o indivíduo

604 – IV / 1 (23)
(P. ajudar o indivíduo para que)

eu só lhe posso dizer

621 – II / 1 (24)
(P. eu só posso lhe dizer)

meu chato dia

627 – II / 2
(25)
7

(P. meu dia chato)

não todos somos iguais

627 – III / 2 (26)


(P. não somos todos iguais)

4. Questões léxico-sintático-semânticas
À primeira vista, os erros que envolvem questões léxico-sintático-semânticas poderiam ser
considerados erros de seleção lexical, tais como o uso de ser por estar. Um exame mais detido
revela que o erro se deve a distribuições em estruturas diferentes e/ou a recortes semânticos
(parcialmente) diferentes de uma língua para a outra.

estou a favor
(E. estoy a favor, P. sou a favor)
627 – IV / 2 (27)

estar em contra
(E. estar en contra, P. ser contra)
613 – III / 1 (28)

prestar ouvidos
(P. dar ouvidos / prestar atenção)
609 – II / 1 (29)

é tão mau (E. P. está tão mau)


592 – II / S
(32)

acostumo (E. acostumbro, P. costumo)


604 – IV / 1

feria (E. feria, P. feira)

592 – IV / S

trocou (E. cambió, P. mudou)

621 – II / 1

5. Inadequações
5.1. De registro

(1) Uso de pronome átono em texto informal

tem que fazê-lo agora

613 – III / 1
(P. deve fazê-lo agora / tem que fazer isso
agora)
8

(2) De estrutura

(a) Uso de relativa por estrutura com possessivo

em relação à natureza, não devemos esquecer que a qualidade mais importante


que tem é [...]

613 – III / 1
(P. [...] à natureza, não devemos esquecer que a (sua) qualidade mais importante
[...])

(b) Uso de relativa por estrutura com infinitivo

em relação à natureza, [...] a qualidade mais importante que tem é que é única.

613 – III / 1
(P. em relação à natureza, [...] a qualidade mais importante é ser única)

1. Análise contrastiva
Uma classificação de base contrastiva se faz necessária para distinguir os pontos para os quais
existe a possibilidade de se depreender uma regularidade na correspondência entre P e E daqueles
para os quais não há uma generalização suficientemente econômica.

Convém notar que, embora nem todos os pontos críticos analisados contrastivamente ofereçam
resultados aplicáveis a atividades de depreensão de regularidades no ensino de PFE, isso não
invalida a sua adoção.

Em primeiro lugar, mesmo que, de toda a análise contrastiva, apenas uma parte se usasse para
esse tipo de atividade (e o resto fosse posto de lado), esse recurso não deveria ser desprezado,
pois fornece elementos ao professor e ao elaborador de material didático que, em aula, permitirão
ao aprendiz fazer descobertas úteis sobre o que sente como dificuldades, acrescentando um novo
sentido à aula, fazendo com que percorra o processo de A/A com segurança.

Por outro lado, o "resto", como os pontos isolados resultantes da análise contrastiva (por exemplo,
a inadequação semântica (v. (4) em 1.3.), servem a vários propósitos: na seleção de textos9, e de
atividades, para permitir contato repetido com esses elementos. Caso sejam notados pelo aprendiz
ou caso sejam realçados no material (através de negrito, por exemplo) poderão ser enfocados
durante a aula.

Concordamos com Akerberg (1994) quando afirma que

"a análise contrastiva é apenas um ingrediente entre vários, na gramática pedagógica [...] talvez
seja mais factível chamar a atenção do professor para a importância e o estudo da mesma”.

pois o conhecimento das semelhanças e diferenças entre o espanhol e o português permite ao


professor entender melhor e identificar com maior precisão os pontos que causam dificuldade ao
aprendiz.

Examinaremos a seguir os pontos que serão utilizados para ilustrar a aplicação à elaboração de
materiais didáticos com foco na forma.
9
"Textos" em sentido amplo: textos verbais (orais e escritos), textos visuais (desenhos, fotos, etc.), textos mistos (anúncios
publicitários, reportagens, textos ilustrados), obras de artes plásticas, filmes e vídeos.
9

3. b / v: pobo e posivilidade
Os erros que envolvem b e v requerem um exame em vários níveis, pois, de acordo com a
ortografia do espanhol, essas duas letras constituem representações de um mesmo fonema e não
serviriam para indicar a distinção fonológica entre o fonema /b/ e /v/ do português.

Podemos afirmar com bastante segurança, portanto, que na grafia pobo não houve intenção de
representar o fonema /b/ assim como em posivilidade não houve a intenção de representar o
fonema /v/.

Esses erros, entretanto, não constituem meras “confusões de letras” mas são indícios de que o
aprendiz provavelmente ainda não distingue os fonemas /b/ e /v/ em português. E, mesmo que ele
já os distinga em algumas palavras, ele ainda não sabe qual dos dois ocorre em outras (como em
possibilidade e em povo).

4. O viaje
O gênero dos substantivos em espanhol e a concordância que eles provocam correspondem, na
maioria das vezes, ao que se encontra em português.

Alguns substantivos isolados (nariz, leite, sangue, costume, árvore, etc.) e todos os derivados com
o sufixo –agem, entretanto, não apresentam essa correspondência.

la nariz
o nariz
la sangre o sangue
la leche
o leite
la costumbre o costume

el viejo árbol a velha árvore

el viaje
a viagem
el coraje a coragem
el garaje a garagem

5. descordar com, ajudar a alguém


Alguns erros de uso de preposição, como descordar com, não se devem à transferência do
espanhol (pois nessa língua o que se encontra é discordar de) enquanto outros, como ajudar a
alguém é um uso diretamente calcado na regência do espanhol.

Por outro lado, a análise do português demonstra que há necessidade de se distinguir, como indica
Carvalho (no prelo), os usos gramaticais das preposições dos usos com significados distintos.
Além disso, a autora salienta que a preposição de, por sua vez, apresenta um complicador: além
de ocorrer com esses dois usos, vários outros de seus usos são limítrofes, tornando a
análise demasiadamente complexa para uma aplicação econômica ao ensino.

A análise contrastiva confirma os resultados da análise das preposições do português


por Carvalho: (1) a regência, tanto verbal como nominal é propriedade do item lexical e, embora
haja muitas coincidências, não se submete a correspondências regulares de uma língua para outra,
enquanto (2) nos usos com significados distintos, é possível depreender regularidades.
10

6. soamente
Em espanhol, assim como em português, nas palavras derivadas com –mente, a base apresenta a
forma feminina: P. primeiramente – E. primeramente. A regra é válida, nas duas línguas, também,
para as palavras que têm apenas uma forma tanto para o feminino como o masculino: P.
tradicionalmente – E. tradicionalmente, P. simplesmente – E. simplemente, P. fortemente – E.
fuertemente, etc. nas quais a base, embora com formas invariáveis, têm gênero feminino.

O erro acima se deve ao fato de, em espanhol, a palavra correspondente encontrar-se no primeiro
grupo, das palavras que apresentam uma forma marcada como feminina: solamente, enquanto, em
português a base tem uma forma invariável, independentemente do gênero: somente.

2. A aplicação ao ensino
O material didático apresentado aqui corresponde aproximadamente à metade de uma unidade
baseada no filme Eu Tu Eles. Essa primeira parte é centrada numa reportagem sobre o filme. Na
segunda parte, depois de assistir ao filme, pode-se desenvolver atividades análogas às da primeira
parte, seja com base no próprio filme (uma atividade com foco-na-forma (léxico), pode ser, por
exemplo, uma prática oral controlada sobre meios de locomoção, pois a protagonista se desloca
usando vários meios, entre os quais, anda de burro/jegue, de ônibus e a pé) seja com base no texto
da canção “Esperando na Janela“ de Gilberto Gil ou, ainda, com base em pequenos textos
inseridos incidentalmente, mas de forma integrada, de acordo com a necessidade de ampliar o
trabalho dos pontos com foco na forma.

As atividades propostas a partir de textos têm por objetivo propiciar (como foi mencionado na
introdução deste trabalho), tanto (1) a interação em sala de aula,10 como (2) o trabalho da língua,
com foco-na-forma.

O critério básico para optar por uma ou outra atividade ou por um ou outro ponto crítico é a análise
do próprio texto,11 e a identificação do potencial que ele oferece. Por outro lado, os tipos de
atividades selecionados devem atender às indicações da proposta heterodoxa.

A partir desses dois critérios, qualquer atividade pode ser considerada para inclusão no material
didático. Revisitamos algumas atividades tais como o ditado e a tradução e adaptamos exercícios
de análise lingüística (fonética, fonológica, morfossintática e semântica). Incluímos um "teste Cloze"
clássico, como exercício, pelo desafio de "busca de pistas" que envolve e pela integração
lingüística que proporciona.

Além disso, consideramos a discussão da "correção" do teste Cloze, oralmente, em aula, uma
atividade que proporciona um foco-na-forma descontraído, pois a proposta, na forma clássica
dessa atividade, já prevê respostas variadas, mais ou menos precisas em que o que se procura
não é uma resposta única e certa (a que ocorre no texto), mas qualquer preenchimento que faça
sentido e até mesmo uma informação sobre o tipo de palavra que poderia ocorrer. É, como se vê,
uma excelente oportunidade para o aprendiz verbalizar suas dúvidas. É o momento, também, de
uma interação aluno/professor e aluno/aluno para uma reflexão sobre os variados aspectos que
cada escolha de palavra requer.

Um conjunto de unidades temáticas desse tipo permite desenvolver a primeira fase de um curso
que atenda às características da proposta heterodoxa, mencionada acima, proporcionando
elementos para:

(1) o contato com a língua portuguesa e com a cultura brasileira através de filmes, textos e
interação em sala de aula, com ênfase na compreensão. (V. no desenvolvimento da

10
V. atividades desenvolvidas em Henriques e Grannier (2001).
11
Esse processo, aparentemente simples, torna-se bastante complexo na medida em que o elaborador de materiais
didáticos procura integrar a quantidade de textos necessários para um curso completo.
11

unidade abaixo: itens 1 e 2.1. a 2.3. que envolvem compreensão oral e compreensão de
texto);
(2)produção oral controlada (v. abaixo: questionário de múltipla escolha, correção do teste
Cloze e atividades propostas em 3.1. e 3.6.) – é nessas atividades que professor e aluno
podem dedicar parte da sua atenção para a precisão tanto da gramática quanto da
pronúncia;
(3) foco na forma: léxico (V. abaixo: 3.1. e 3.6.);
(4) foco na forma: regularidades som/letra (V. 3.3.) com ênfase na distinção fonológica e na
precisão da pronúncia. A atenção às regularidades ortográficas do português fornece um
apoio valioso, para o FE, na aprendizagem da forma fonológica das palavras do português;
(5) foco na forma: correspondências gramaticais entre o E e o P e regularidades do português
(V. 3. 2. a 3.5.);
(6) produção escrita intensiva e extensiva. (V. abaixo: 4.)

Entremeamos junto com a apresentação/descrição do material didático alguns comentários sobre o


desenvolvimento das atividades em sala de aula.

UNIDADE / Filme Eu Tu Eles

1. Trailer do filme Eu Tu Eles (aquecimento).


1.1. Compreensão e discussão do tema.
1.2. Foco na percepção auditiva.
12

2. O texto básico.
O texto escolhido foi “Quadrilátero Sertanejo”, de Cléber Eduardo e Sílvio Ferreira, que constitui a
seção Cultura/Cinema da revista Época, de 14 de agosto 2000 (pp. 116 -117), reproduzido, em
parte, a seguir. (V. reprodução do texto completo no anexo II.)

2.1. Análise prévia

Comentários sobre o título, fotos e chamadas.

2.2. Leitura do texto

Apenas os dois primeiros parágrafos da reportagem são reproduzidos aqui, pois serão examinados
mais detalhadamente para a amostra de material didático.

Quadrilátero sertanejo
Ambientado no cenário favorito dos filmes brasileiros, Eu Tu Eles conta a história de uma
mulher e três maridos.

Andrucha Waddington esperava preguiçosamente diante da televisão, em agosto de 1995,


o fim de mais um típico domingo. O premiado diretor de videoclipes e sócio da produtora
Conspiração Filmes, hoje com 30 anos, arregalou os olhos diante de uma reportagem no
Fantástico. Era a história de Maria Marlene Sabóia da Silva, de 49 anos, que vivia com um marido e
dois amantes em Quixelô, lugarejo com 200 habitantes no interior do Ceará. Andrucha queria fazer
seu primeiro longa-metragem, mas ainda não tinha encontrado um bom enredo. Vislumbrou na
reportagem a semente da singela comédia Eu Tu Eles. “O machismo dos brasileiros tolera um
homem com várias mulheres, mas uma senhora com três companheiros é insólito." Afirma.

A opção pelo inusitado está gerando boa colheita. Eu Tu Eles foi aplaudido de pé em uma mostra
paralela do Festival de Cannes, tem exibição garantida em vários países, estréia em mais de 90
salas no Brasil e é forte candidato a uma vaga para o Oscar de produção estrangeira. O roteiro
conta como a faceira e fogosa camponesa Darlene, interpretada por Regina Casé, recebe ajuda do
acaso para atrair e manter três homens em casa (Lima Duarte, Stênio Garcia e Luiz Carlos
Vasconcelos). O quadrilátero é retratado com bom humor. A exploração do lado cômico de
personagens matutos e das saborosas expressões regionais não faz pouco dos sertanejos. Eu Tu
Eles representa-os de forma afetuosa até quando tem cruéis ataques de sinceridade. Para não
reduzi-los a estereótipos, a produção usou como modelos os moradores da pequenina Junco de
Salitre, na Bahia, local das filmagens. Também contou com palpites de Gilberto Gil, autor da trilha
sonora.

2.3. Compreensão de texto: questionário de múltipla escolha.

Um questionário de múltipla escolha proporciona enunciados que levantam pontos de diversas


naturezas, os quais serão avaliados em sua correspondência ao conteúdo do texto. O aluno deve
poder justificar a escolha que faz, dentre as diferentes respostas enumeradas.

Apresentamos aqui duas questões possíveis, referentes aos dois primeiros parágrafos do texto:
13

Depois de ler o texto acima, responda às seguintes perguntas.

1. A reportagem dá a entender que o filme deve fazer sucesso porque

(1) O filme mostra as dificuldades enfrentadas, no dia-a-dia, por uma família brasileira
típica.
(2) Os brasileiros, assim como os estrangeiros, gostam de filmes com temas polêmicos.
(3) O filme deve ser muito bom, já que está sendo apreciado pelos estrangeiros.
(4) O filme é baseado em uma história fantástica, bem ao gosto dos brasileiros.

2. Os autores escolheram diferentes palavras para se referirem a pessoas do sexo


masculino e feminino em “um homem com várias mulheres” e “uma senhora com três
companheiros” porque

(1) É bom evitar a repetição de palavras num mesmo período.


(2) Nos textos jornalísticos, costuma-se selecionar palavras que produzam impacto no
leitor.
(3) Queriam mencionar uma realidade chocante de forma suavizada.
(4) Não ficaria bem falar de “uma mulher com três homens”.

2.4. “Teste Cloze” 12

2.4. Teste Cloze11

1. Preencha cada lacuna com uma palavra.

Quadrilátero sertanejo
12
11
Neste exemplo de um “Teste Cloze”, adotamos a eliminação de cada sétima palavra. Os nomes próprios e os numerais
foram considerados como uma só palavra. Adotamos aqui o critério de contar as palavras ortográficas. As contrações de
preposição e artigo, portanto, também foram contadas como uma só palavra. Na apresentação final, no material didático,
as lacunas devem ser numeradas.
14

Ambientado no cenário favorito dos filmes brasileiros, Eu Tu Eles conta a história


de uma mulher e três maridos.
Andrucha Waddington esperava preguiçosamente diante da televisão,
____________ agosto de 1995, o fim de ____________ um típico domingo. O
premiado diretor ____________ videoclipes e sócio da produtora Conspiração
Filmes, ____________ com 30 anos, arregalou os olhos ____________ de uma
reportagem no Fantástico. Era ____________ história de Maria Marlene Sabóia da
Silva, de 49 anos, ____________ vivia com um marido e dois ____________ em
Quixelô, lugarejo com 200 habitantes ____________ interior do Ceará. Andrucha
queria fazer ____________ primeiro longa-metragem, mas ainda não tinha
____________ um bom enredo. Vislumbrou na reportagem ____________
semente da singela comédia Eu Tu Eles. “O machismo ____________ brasileiros
tolera um homem com várias ____________, mas uma senhora com três
companheiros ______________ insólito”, afirma.
A opção pelo inusitado ____________ gerando boa colheita. Eu Tu Eles foi
aplaudido ____________ pé em uma mostra paralela do Festival de Cannes,
____________ exibição garantida em vários países, estréia ____________ mais
de 90 salas no Brasil ____________ é forte candidato a uma vaga ____________
o Oscar de produção estrangeira. O ____________ conta como a faceira e fogosa
____________ Darlene, interpretada por Regina Casé, recebe ajuda
____________ acaso para atrair e manter três ____________ em casa (Lima
Duarte, Stênio Garcia e Luiz Carlos Vasconcelos). ____________ quadrilátero é
retratado com bom humor. ____________ exploração do lado cômico de
personagens ____________ e das saborosas expressões regionais não
____________ pouco dos sertanejos. Eu Tu Eles representa-os ____________
forma afetuosa até quando têm cruéis ____________ de sinceridade. Para não
reduzi-los _____________ estereótipos, a produção usou como modelos
____________ moradores da pequenina Junco de Salitre, na Bahia,
____________ das filmagens. Também contou com palpites ____________
Gilberto Gil, autor da trilha sonora.
15

2. Compare suas respostas com as palavras retiradas do texto.

1. em

2. Mais

3. Diante

4. a

5. que

6. amantes

7. no

8. seu

9. encontrado

10. a

11. dos

12. mulheres

13. é

14. está

15. pé

16. para

etc
16

3. Foco-na-forma
3.1. Produção oral controlada: léxico 1.13

Com base nas informações do quadro abaixo

1. Identifique e descreva o tipo de lugar onde se passa a história do filme Eu Tu Eles.


2. Fale sobre outros lugares.

a cidade
1.000.000 de habitantes

300.000 habitantes

açude

a capital área rural: criações / plantações

arranha-céus

avenidas asfaltadas

o lugarejo bancos

metrô / hospitais / teatros

palácio do governo
o vilarejo
praça da igreja

rede de água e esgoto

a metrópole ruas de terra

shoppings

13
No material didático, esta página teria, como fundo, fotos de cidades de diferentes tamanhos, com algumas das
características citadas. Dois textos que poderiam se ligar a esta atividade, substituindo o quadro ou complementando-o,
são os anúncios publicitários em que aparecem (1) uma rua de uma cidade grande e suas "entranhas" e (2) uma
camionete passando por vários tipos de terrenos (areia, lamaçal, etc.), debaixo de chuva, de sol, etc.(v. anexo III).
17
18

3.2. Preposições e contrações

(1) Contrações

1. Leia os dois primeiros parágrafos do texto e anote as ocorrências de em, no, nos,
na, nas, de, do, dos, da, das e das palavras que as acompanham. Depois, responda
às perguntas abaixo.

No texto Em espanhol No texto Em espanhol


em agosto en agosto da televisão de la televisión
em Quixelô en Quixelô o fim de mais el fin de más
no interior en el interior do Ceará del Ceará
etc. etc.

(1) Por que, em espanhol, quando o nome que se segue é feminino, há duas palavras:
de la e quando o nome é masculino, há
apenas uma?
(2) Esse mesmo tipo de explicação pode ser aplicado ao português?
(3) Como fica o quadro das correspondências entre as formas subjacentes e as formas
contraídas? Complete o quadro:

de + o  do em + o  no

(2) Usos de preposições

1. Examine as palavras que tinham sido eliminadas no exercício de lacunas e responda


às perguntas que se seguem:

1. ____em____ agosto de 1995


2. lugarejo com 200 habitantes _____no______ interior do Ceará.
3. O machismo _____dos_____ brasileiros
4. Eu Tu Eles foi aplaudido _____em_____ pé
5. estréia _____em_____ mais de 90 salas no Brasil
6. é forte candidato a uma vaga ____para_____ o Oscar de produção estrangeira
7. recebe ajuda _____do_____ acaso para atrair e manter três amantes
8. Para não reduzi-los _____a______ estereótipos
9. Também contou com palpites _____de_____ Gilberto Gil, autor da trilha sonora.

(1) Observe a expressão em pé. Existe uma expressão equivalente em espanhol?


(2) Qual é a idéia expressa nas demais frases (1, 2 e 5) com em ou no (em + o)?
(3) A que você atribui o uso de a na frase 8?
(4) Na frase 6 seria possível inserir um verbo depois de para. Qual poderia ser?
(5) A que você atribui o uso de de na frase 7?
(6) Caracterize o uso de de nas demais frases (3 e 9), com de ou dos (de + os).
19

2. Tente organizar as suas conclusões na tabela abaixo

Usos com significado


Verbo X + Y Nome + nome14 Casos especiais
tempo/lugar finalidade
reduzir + a em pé
receber +

3. Complete o texto abaixo com a, de, em, para. Se for necessário escreva a forma
contraída (no, dos, etc.).

Embora tenha aprovado o resultado, a inspiradora ____________ (+o) projeto,


Maria Marlene, ficou desconfiada dos truques ____________ (+a) ficção. “Como ela me
imita se ela não me conhece?”, questionou, ao assistir à interpretação de Regina Casé.
Comediante ____________ humor indômito e estilo estridente, Regina conteve os gestos e
as palavras ____________ (+as) filmagens. “Eu me senti ____________ (+um) monastério.
Quase não falava.”, exagera. O elenco, aliás, é irrepreensível. Lima Duarte interpreta o
preguiçoso e ranzinza Osias, com quem Darlene se casa por conveniência. Stênio Garcia
parece em estado ____________ graça, como o ingênuo e subserviente Zezinho [...] O
papel ____________ sedutor ficou com Luiz Carlos Vasconcelos. O trio masculino
experimenta o ciúme, o desejo e o medo ____________ (+a) solidão. Todos são
manipulados pela esperteza ____________ Darlene.

Enquanto corria atrás ____________ (+o) dinheiro para Eu Tu Eles, o diretor


Andrucha Waddington fez o suspense Gêmeas (1999), baseado ____________ crônica
____________ Nelson Rodrigues. Já o novo filme possibilitou a transição ____________
(+a) cena urbana ____________ a rural. O bem-sucedido rapaz ____________ (+a) Zona
Sul ____________ (+o) Rio de Janeiro, marido ____________ (+a) atriz Fernanda Torres,
mergulhou ____________ (+a) paisagem mais exportada pelo cinema brasileiro: o sertão
nordestino. “Descobri esse mundo fascinante, seu código ____________ ética próprio, a
sabedoria ____________ (+os) habitantes e tentei mostrar isso ____________ (+a) tela”,
afirma o diretor. [...].

Eu Tu Eles exibe as características essenciais ____________ (+o) cotidiano desse


universo. Mostra a seca, a fome, os sacrifícios e o desemprego. Os personagens moram
em casas ____________ barro, dormem ____________ redes, não têm televisão nem luz
elétrica e só trabalham ____________ (+o) período ____________ (+a) colheita. Que não
se espere, contudo, um enfoque politizado, como ____________ (+os) anos 60. “Minha
geração não usa o cinema ____________ expor um projeto ____________ país”, explica
Andrucha. “Nós nos preocupamos com a história, não com mensagens ou denúncias.”

O interesse maior ____________ (+o) jovem diretor está em mostrar como suas figuras
nordestinas fogem ____________ (+as) receitas tradicionais ____________ tentar
saborear um pedacinho ____________ felicidade. E o fato de usar o humor ____________
narrar a trajetória dessas pessoas não impede Eu Tu Eles de retratar o Brasil.

14
Quando há coincidência de uso em P e em E, principalmente da preposição de, não é econômico detalhar a análise do
significado.
20

3.3. Distinção /b/ - /v/15

Bb / Vv
1. Pronúncia

No material didático, ilustração: No material didático, ilustração:


figura de uma bela mulher figura de uma vela acesa

bela

vela

[b]: som oclusivo bilabial


Dica: os lábios são apertados um contra
o outro, impedindo completamente a
No material didático: passagem do ar e abrem-se
foto de uma boca vista repentinamente, como em espanhol, em
de frente, início absoluto de enunciado, por
pronunciando
[b]: lábios fechados, exemplo: ao chamar alguém: ¡Victor!
¡Beatriz! Ou quando segue m: sombra,
cambiar.

[v]: som fricativo labiodental

Dica: o lábio inferior é encostado nos


No material didático: dentes incisivos superiores reduzindo a
foto de boca de frente,
pronunciando [v]: lábio abertura por onde passa o ar,
inferior encosta contra continuamente, como na pronúncia de
incisivos superiores , [f] em português ou em espanhol. O
que podem ser vistos.
som [v] não existe em espanhol.

15
Os exercícios de pronúncia são inspirados nos treinamentos fonéticos (de lingüistas). Mantém-se aqui apenas os
elementos metalingüísticos que podem ser úteis para o aprendiz FE. Não há necessidade de utilizar a terminologia técnica.
O professor e o aluno poderão se referir aos mesmos fatos utilizando os termos que lhes parecerem mais sugestivos.
Exercícios desse tipo já haviam sido introduzidos no ensino de PLE por Grannier-Rodrigues e El-Dash em material
experimental elaborado na Unicamp, em 1979.
21

2. Grafia

[b] sempre se escreve b: ambientado, brasileiros, habitantes, bom, boa, recebe, pobre,
saborosas, Bahia, também, Gilberto, embora, cabra, baseado, possibilitou, urbana, bem-
sucedido, descobri, sabedoria, diabo, trabalho, barro, etc.

[v] sempre se escreve v (excepcionalmente se escreve w, em alguns nomes próprios:


Walter): favorito, esperava, televisão, videoclipes, vivia, vislumbrou, várias, festival, vaga,
aprovado, conteve, palavras, falava, conveniência, subserviente, lavar, Vasconcelos, novo,
tiver, universo, livre, livro, etc.

o inverso é verdadeiro:

b sempre se lê [b]

SUPERDICA!
v sempre se lê [v]

3. Exercícios

1. Ditado
Assinale a palavra ouvida

A B

1. o boto o voto
2. bate vate
3. libra livra
4. taba (es)tava

5. juba chuva
6. bento vento

7. cabo cavo
8. caba cava
9. berço verso
10. abelha a velha

2. Leitura em voz alta


Escolha um trecho do texto “Quadrilátero sertanejo” e leia, prestando atenção à
pronúncia das palavras com b e com v. Faça uma gravação em fita cassete ou em
vídeo e observe como você pronunciou as palavras com esses sons.

3. Coloque na tabela abaixo as palavras com b e com v que ocorrem no texto e, a


seguir, responda às perguntas abaixo.

b v Em espanhol
favorito favorito
televisão televisión
videoclipes videoclipes
boa buena
recebe recibe
bom bueno
22

palavras palabras
possibilitou posibilitó
cabra cabra
visões visiones
etc. etc.
23

(1) Por esse levantamento, o que é mais comum em português: palavras com b ou com v?
(2) Quando uma palavra se escreve com b (ou com v) numa língua, pode-se predizer com
que letra ela se escreve na outra língua?
(3) Você conhece outras palavras que se escrevem com b ou com v em português e não
coincidem com a escrita em espanhol? Quais são?

3.4. Palavras terminadas em –agem

1. Observe as seguintes frases do texto “Quadrilátero sertanejo” e indique, sempre que


possível, o gênero (M) ou (F) das palavras terminadas em -agem:
M/F

1. [...] na Bahia, local das filmagens. 1. ( )


2. [...] diante de uma reportagem do Fantástico. 2. (
3. (
)
)
3. Andrucha queria fazer seu primeiro longa-metragem.
4. ( )
4. Vislumbrou na reportagem [...]
5. ( )
5. A exploração do lado cômico de personagens matutos [...]
6. ( )
6. Regina conteve os gestos e as palavras nas filmagens.
7. ( )
7. [...] mergulhou na paisagem [...]
8. ( )
8. O Nordeste emprestou imagens [...]
9. ( )
9. Também foi cenário de abordagens políticas [...]
10. ( )
10. [...] imagens do Nordeste [...]
11. ( )
11. Os personagens moram em casas de barro [...]
12. ( )
12. Nós nos preocupamos com a história, não com mensagens [...]
13. ( )
13. Walter Salles apresenta uma viagem [...]

2. Agora, responda às seguintes perguntas:

(a)Qual é o gênero da maioria das palavras terminadas em –agem?


(b)Pelos exemplos em que ocorrem, não é possível depreender qual é o gênero de
imagens e de mensagens. O que você pode supor sobre o gênero dessas
palavras? Confira com seu professor ou procure num dicionário a confirmação de
sua hipótese.
(c)Como explicar o gênero de personagens? Pergunte ao seu professor ou consulte um dicionário
e/ou uma gramática para saber o que se diz sobre o gênero dessa palavra.
(d)Na frase 3, como se explica que longa esteja na forma feminina e seu primeiro na forma
masculina? Converse com seus colegas e seu professor a respeito.
24

3.5. Palavras formadas com –mente

1. Observe a seguinte frase do texto “Quadrilátero sertanejo” e compare a palavra


terminada em –mente com as formas correspondentes em 1 e 2, abaixo.

[...] esperava preguiçosamente diante da televisão o fim de mais um típico domingo.

(a) Lima Duarte interpreta o preguiçoso e ranzinza Osias [...]


(b) A personagem de Regina Casé, Darlene, não é nem preguiçosa nem ranzinza [...]

2. Observe o conjunto de exemplos abaixo:

Português

feminino singular

um típico domingo típica tipicamente


seu primeiro filme primeira primeiramente
o lado cômico cômica comicamente
as expressões regionais regional regionalmente
de forma afetuosa afetuosa afetuosamente
a trilha sonora sonora sonoramente
um problema difícil difícil dificilmente
é forte candidato forte fortemente
uma receita simples simples simplesmente
o novo filme nova novamente
um homem só só somente
as receitas tradicionais tradicional tradicionalmente

3. Passe para o espanhol:

Espanhol

feminino singular

un típico domingo típica tipicamente


25

4. Responda às seguintes perguntas:

(a) Em que exemplos a forma feminina não se distingue da masculina?

Em português Em espanhol
regional regional

(b) Você conhece outras palavras em português (e/ou em espanhol) que não
distinguem forma masculina de feminina?
___________________________________________________________
___________________________________________________________

5. Agora, observe as palavras terminadas em –mente que ocorrem nos seguintes textos
e teste suas conclusões:

No material didático: montagem com os textos publicitários ou


jornalísticos (ou parte deles), com ilustrações, de onde foram
extraídas as frases abaixo.

1. Toda vez que usar seu cartão Credicard você automaticamente


concorre a um dos 30 DVDs Gradiente que a Credicard estará
sorteando no fim do mês. (Época, 14 de agosto de 2000, p. 115.)

2. No Afganistão, como na era de Hitler, quem pertence a minorias tem


de usar distintivo. [...] O pedaço de pano amarelo que deve ser pregado
na roupa serve somente para os homens. (Veja, 30 de maio de 2001,
p. 58.)

3. As pessoas raramente mudam alguns tipos de comportamento.


Pessoas são o que são. Elas nasceram e vão morrer assim. (Você,
S.A. junho de 1999, 31.)

4. Sua vida no trabalho pode parecer tensa – e freqüentemente é. Vale a


pena, então, conhecer a experiência de profissionais que vivem o
tempo todo trabalhando com riscos extremos. (Você S. A., setembro de
1999, p. 64.)

5. Iasa Terragrés não é o mais caro. Simplesmente vale muito mais.


(Veja, 18 de outubro de 1995, 65.)

6. Quando transmitimos idéias às pessoas, não é necessário convencê-


las totalmente. Basta que acreditem que você está do lado delas.
(Você S. A., setembro de 1999, p. 85.)

7. "Vive quem ousadamente vive." Goethe. (Ícaro, Revista de bordo da


VARIG, setembro de 2001, p. 14.)
26

3.6. Produção oral controlada: léxico 2.

Com base nas informações do quadro abaixo, fale sobre o filme.

Personagens centrais

Osias
Darlene preguiçoso
ranzinza
faceira
fogosa
esperta

Zezinho
subserviente
“cabra” dedi-
cado a ...

Ciro
jovem
sedutor
ciúmes
desejo
medo da solidão
27

4. Atividades extraclasse.
4.1. Produção escrita com base no quadro “Personagens centrais”.

4.2. Atividade extensiva

Filme: Eu Tu Eles
Produção escrita: resumo e comentários.

3. Conclusão
Aplicando os princípios da abordagem heterodoxa, propomos que se leve em conta os
aspectos específicos do processo de A/A de português por falantes de espanhol. Destacamos (1)
atividades proativas predominantemente indutivas, que promovam a conscientização das
semelhanças e diferenças entre P e E, através do foco-na-forma (a partir do uso da língua em
contexto significativo), (2) o controle da produção oral e, como instrumento para atingir esses
objetivos, (3) a priorização da leitura e da produção escrita.

No desenvolvimento de uma metodologia específica, ilustrada neste trabalho, pretendemos


demonstrar a necessidade do empenho no conhecimento mais aprofundado da!língua portuguesa
efetivamente usada no Brasil e do contraste entre essa língua e o espanhol para a fundamentação
do ensino e para a elaboração de material didático.

Concordamos com a afirmação de Doughty e Williams (1998)16 (referindo-se ao trabalho de


Long e Robinson) quanto à “ineficiência de deixar o aprendiz adulto por conta de seus próprios
recursos”,17 quando, por outro lado, a instrução que utiliza o foco-na-forma pode proporcionar
atalhos úteis. Nesse processo, o papel do professor torna-se fundamental para fornecer elementos
provocadores para uma reflexão sobre os pontos críticos na A/A do português por FE.

Bibliografia
AKERBERG, MARIANNE (1994) "Análise contrastiva na gramática pedagógica: um ingrediente útil no
ensino de português a falantes de espanhol." 3º Congresso Internacional de Ensino de Português
como Língua Estrangeira. 19 a 21 de outubro de 1994, Pp. 96-102.

-------------, MARIANNE (1996) A transferência na situação de duas línguas próximas: o caso de


português e de espanhol. 4º Congresso Internacional do Ensino de Português como Língua
Estrangeira. Pp. 13-46.

ALMEIDA FILHO, JOSÉ CARLOS PAES DE (1995) “Uma metodologia específica para o ensino de línguas
próximas?" in: Português para Estrangeiros.Interface com o espanhol, José Carlos Paes de
Almeida Filho. Campinas: Pontes. Pp. 13-21.

CARVALHO, ORLENE LÚCIA DE SABOIA (no prelo) "Transparência semântica e polissemia: distinções
auxiliares no ensino das preposições".

DOUGHTY, CATHARINE E W ILLIAMS, JESSICA (1998) Focus on Form in Second Language Acquisition.
Cambridge: Cambridge University Press. Pp. 1-11.
16
Na apresntação do livro, descrevendo o trabalho de Long e Robinson, o segundo capítulo do livro Focus on Form in
Classroom Second Language Acquisition.
17
Tradução de DMG.
28

FERREIRA, ITACIRA ARAÚJO (1995) “A interlíngua do falante de espanhol e o papel do professor.


Aceitação tácita ou ajuda para superá-la?” in: Português para Estrangeiros. Interface com o
espanhol, José Carlos Paes de Almeida Filho. Campinas: Pontes. Pp. 39-48

FERREIRA, ITACIRA ARAÚJO (1997) “Interface português/espanhol" in: Parâmetros atuais para o ensino
de Português Língua Estrangeira, José Carlos Paes de Almeida Filho. Campinas: Pontes. Pp.141-
151.

FERREIRA, ITACIRA ARAÚJO (no prelo) "Reflexão crítica sobre o lugar da gramática no ensino de
português para falantes de espanhol". Anais do III Congresso da SIPLE, Universidade de Brasília –
2000.

GRANNIER, DANIELE MARCELLE (no prelo) “Uma proposta heterodoxa para o ensino de português a
falantes de espanhol”. Anais do III Congresso da SIPLE, Universidade de Brasília – 2000.

HENRIQUES, EUNICE RIBEIRO E GRANNIER, DANIELE MARCELLE (2001) Interagindo em Português – Textos e
Visões do Brasil, Brasília, Editora Thesaurus.

JENSEN, JOHN B. (no prelo) “O papel do espanhol como fonte de erro em português: o caso do aluno
bilíngüe em espanhol e em inglês”. Anais do III Congresso da SIPLE, Universidade de Brasília –
2000.

JÚDICE, NORIMAR (no prelo) “Ensino de português para hispanofalantes: transparências e opacidades”.
Anais do III Congresso da SIPLE, Universidade de Brasília – 2000.

LOMBELLO, LEONOR CANTAREIRO E BALEEIRO, MARISA DE ANDRADE (1983) Português para falantes de
espanhol (edição experimental). Campinas: Unicamp/Funcamp/MEC.

LONG, MICHAEL (1991) “Focus on form: a design feature in language teaching methodology” citado por
Doughty, Catharine e Williams, Jessica (1998) Focus on Form in Second Language Acquisition
Cambridge: Cambridge University Press. Pp. 1-11.

MARRONE, CÉLIA SIQUEIRA (1990) Português-espanhol: aspectos comparativos. São Paulo: Editora do
Brasil.

SILVA GOMES, HELENA MARIA, PESSOA, FRANCISCO LAGE E CASTRO, BRUNO ALVES DE (1993) Curso Ativo.
México: Universidad Nacional Autonoma de México, CELE.

SWAIN, MERRILL (1998) “Focus on form through concious reflexion” in: Doughty, Catharine e Williams
(Eds.), Jessica, Focus on Form in Second Language Acquisition, Cambridge: Cambridge University
Press. Pp. 64-80.

Obras de consulta
DICCIONÁRIO PARA LA ENSEÑANZA DE LA LENGUA ESPAÑOLA PARA BRASILEÑOS. 1ª edição, Junho de 2000,
Universidade de Alcalá de Henares. Madrid. São Paulo: Livraria Martins Fontes Ltda.

NEVES, MARIA HELENA DE MOURA (2000) Gramática de usos do português. São Paulo: UNESP.
29

Anexo I

Contexto dos exemplos citados


1. "Alargaria o período das vendas e ninguém sairia perdendo."
604 – IV/ 1

2. “Eu acho que o médico consegui entrar todos os dados que precisa…".
573 – I / 2

3. "Eu só lhe posso dizer que meu dia trocou completamente…"


621 – III / 1

4. “O governo deve estabelecer leis para ajudar aos índios."


604 – III / 1

5. “Que ainda temos muito que aprender deles , eles conhecem mais estas terra."

603 – III / S

6. "… e descordo com o senhor Hickmam contrário a essa ventagem para nós…"

627 - IV/ 2

7. "Eu sou Argentino e deixe passar muitos anos sem olhar em meus indios."

609 – III / 1

8. "… o negócio foi de mal em pior."


604 – II / 1

9. "não fazer diferença entre brancos e indios, porque eles são iguais que nós"

592 – II / S

10. "Os editores teriam que fazer um esforço nesse respeito e manter os mesmos preços dos
livros…"

601 – IV / S

11. “Os governantes devem ficar cientes e até falar abertamente de que os resultados não serão
imediatos, mas no longo prazo.

588 – III / 2

12. "As costumes da civilização não tem que mudar as outras costumes ansestrais deles
indígenas…"
30

593 – III/ S

13. "E sugere um bônus para desconto em outra compra, deste vez fora da feira, nas lojas…"

588 – IV / 2

14. "porque os preços são elevados o sua situação econômica não deixa você ir?"

603 – IV / S
15. “como a música é relaxante, muitos deles continuam o viaje, deixando passar seu ponto de
ônibus."

609 – II / 1

16. "…e também os passageiros que desse modo deixavam de lado seus preocupações, o calor e
talvez suas tristezas."

601 – II /S

17. "Eu experimentei uma paz esquisita que foi aumentando a longo do trajento"

620 – II / 2

18. "… por isso mudou e a outra única coisa que sabia fazer era tocar o acordeão."

620 – II / 2

19. "… a gente diverte-se toda mas algum não da ouvido e durme."
592 – II / S

20. " José é um negro que toca o sanfone num ônibus."


620 - II / 2

21. "Foi, Rogério, um dia diferente e todo graças a José…"


601– II /S

22. “Mas não tudos prestam ouvidos para José…"


609 – II / 1
31

23. "A prática da leitura ajuda para que o indivíduo seja melhor…"
604 – IV / 1

24. "eu só lhe posso dizer que meu dia trocou."

621 – II / 1

25. “… alegrou meu chato dia…"

627 – II / 2

26. “Reconhecer que não todos somos iguais…"


627 – III / 2

27. "Eu estou a favor a manutenção do 20% de desconto…"


627 – IV / 2

28. "Ninguém pode estar em contra o progresso…"


613 – III /1

29. "Mas não tudos prestam ouvidos para José…"


609 – II / 1

30. "Como você conhece, estou de férias em Rio de Janeiro."


609 – II / 1

31. "… o consumidor tem que ter em conta que o público…"


576 – IV / 2

32. "…mais o dia não é tão mau quando viajo no onibus…"


592 – II / S

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