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RESUMO - Apresenta-se apreciação crítica da Psicologia da Religião no Brasil, no período de 1956 a 2005, realizada com
base em artigos publicados principalmente em periódicos nacionais de Psicologia. Avaliaram-se 125 artigos, segundo o tema,
a teoria e a metodologia. Observou-se tendência de aumento gradativo do número de publicações. Os temas preferidos foram
saúde, experiência religiosa, vocação, identidade e relações entre psicologia e religião. A produção revela utilização de teorias,
conceitos e métodos da linha-mestra da Psicologia. A apreciação crítica é contextualizada em termos da origem da Psicologia da
Religião no Brasil, da sua institucionalização acadêmica e dos eventos que resultaram numa literatura científica específica.
ABSTRACT - A critical evaluation of Psychology of Religion in Brazil, from 1956 to 2005, based mainly on articles published
in Brazilian journals of Psychology, is presented. One hundred and twenty five articles were evaluated according to their subject
matter, and their theoretical and methodological dimensions. It was observed an increasing trend in the number of publications.
The subject matters most studied were health, religious experience, vocation, identity and relationship between psychology and
religion. The production demonstrates preference for theories, concepts and methods of Psychology mainstream. The critical
evaluation is placed in the context of the history of Psychology of Religion in Brazil, its academic institutionalization and the
events that resulted in a specific scientific literature.
A Psicologia da Religião (PR) consiste no estudo do lhe publicações em forma de livros, realização de eventos
comportamento religioso, isto é, do comportamento que se científicos e organização acadêmica do tópico.
refere a um objeto transcendente, denominado “Deus” na
cultura ocidental. Para a PR, esse comportamento pode ser
de aceitação ou de rejeição do objeto transcendente, e esse Produção em Periódicos Científicos
objeto pode receber diversas outras denominações, além da
predominante na cultura ocidental. A presente apreciação teórico-crítica assim se denomi-
A PR no Brasil completou recentemente 50 anos, se to- nou porque pretendeu examinar a produção em PR tecendo
marmos como início o artigo de Benkö (1956). Por ocasião considerações críticas acerca das teorias e dos métodos em-
desse cinquentenário, o Laboratório de Estudos em Psicologia pregados nas publicações. Foram examinados 25 periódicos
Social da Religião, do Instituto de Psicologia da Universida- científicos impressos. A maior parte desses periódicos aceita
de de São Paulo, com o apoio do CNPq, empreendeu uma contribuições das várias linhas teóricas da Psicologia. Alguns
apreciação teórico-crítica da produção da área, registrada em são periódicos exclusivamente voltados para a Psicanálise
periódicos científicos brasileiros a partir de l956, reconhecen- ou para a Psicologia Analítica. Poucos são periódicos de
do, entretanto, a existência de artigos esporádicos anteriores a natureza teológica, mas abertos para estudos propriamente
essa data, geralmente em revistas de cultura (Berge, 1939). O psicológicos. Alguns títulos ilustram as várias orientações.
presente artigo leva em conta essa produção, acrescentando- Em primeiro lugar consignaríamos Revista de Psicologia
Normal e Patológica, Psicologia USP, Psicologia: Teoria
e Pesquisa, Psicologia: Reflexão e Crítica, Temas em Psi-
1 Pesquisa financiada pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento
Científico e Tecnológico - CNPq cologia. Em segundo lugar, Revista Brasileira de Psicaná-
2 Endereço para correspondência: Instituto de Psicologia, Universidade
lise, IDE-Jornal de Psicanálise e Junguiana. Em terceiro
de São Paulo. Av. Prof. Mello Moraes, 1721. São Paulo, SP. CEP lugar, Estudos de Religião, Perspectiva Teológica e Revista
05508-030. E-mail: gjdpaiva@usp.br. Eclesiástica Brasileira. A quase totalidade dos periódicos
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G. J. de Paiva & cols.
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Psicologia da Religião: Produção Brasileira
posteriores. Essas primeiras obras não são da mesma natureza em sua revista de Psicologia - Psico -, artigos de PR (Finkler,
que as atuais porque, no caso de Franca, o livro tem como 1971, 1973). Deve-se reconhecer o cariz confessional dessas
principal referência a filosofia, a teologia e a biografia de iniciativas que, no entanto, não obstou ao desenvolvimento
crentes e descrentes; no caso de Rosa, o trabalho constitui ver- da psicologia como ciência autônoma.
são de sua dissertação de mestrado apresentada nos Estados Na universidade pública, a inserção da PR ocorreu em
Unidos; e, no caso de Benkö, a obra é simples introdução às meados da década de 1980, na Universidade de São Paulo
vertentes clássicas da Psicologia no tratamento do fenômeno e, posteriormente, na Universidade Federal de Minas Gerais
religioso. A partir da década de 1990, no entanto, os textos (UFMG) e na Universidade de Brasília (UnB). Na Universi-
resultam geralmente de trabalhos apresentados em eventos dade de São Paulo, começaram a ser oferecidas disciplinas
científicos, dentre os quais se destacam os seminários “Psi- de PR, primeiro nos cursos de pós-graduação e, a seguir,
cologia e Senso Religioso”. Constam, entre esses, os livros no curso de graduação em Psicologia, com abertura para os
de E. Valle (1998), Psicologia e experiência religiosa; de M. mais diversos cursos de graduação da Universidade. Tanto
Massimi e M. Mahfoud (1999), Diante do mistério: Psicolo- na Universidade de São Paulo como na Universidade de
gia e senso religioso; de G. J. de Paiva, A religião dos cien- Brasília, na Universidade Católica de Brasília e na Pontifícia
tistas: uma leitura psicológica (2000) e Entre necessidade e Universidade Católica de Campinas, alguns pós-graduandos
desejo: diálogos da Psicologia com a Religião (2001); de V. dos vários programas de pós-graduação em Psicologia aca-
A. Angerami-Camon, Vanguarda em psicoterapia existencial baram realizando suas dissertações de mestrado e suas teses
(2004a) e Espiritualidade e prática clínica (2004b); de A de doutorado em temas da PR. Em 1998, foi constituído o
Holanda (2004), Psicologia, religiosidade e fenomenologia; Grupo de Trabalho “Psicologia & Religião”, da Associa-
de G. J. de Paiva e W. Zangari (2004), A representação na ção Nacional de Pesquisa e Pós-Graduação em Psicologia
religião: perspectivas psicológicas; e de M. M. Amatuzzi (ANPEPP), que conta atualmente, entre seus membros, com
(2005), Psicologia e espiritualidade. A maioria dessas pu- professores das universidades públicas de São Paulo e Minas
blicações trata das relações entre psicologia e religião em Gerais, das universidades católicas de São Paulo, Brasília
diversas articulações. Literatura, história da cultura, clínica e Campinas e da Universidade Metodista de São Paulo. O
e psicoterapia(s), sexualidade, desenvolvimento ao longo da Grupo de Trabalho assumiu a realização dos seminários
vida, modalidades do desejo, reinterpretação winnicottiana bienais “Psicologia e Senso Religioso”, que aconteceram na
da ilusão, mudança da modernidade para a pós-modernidade, Universidade Federal de Minas Gerais, na Universidade de
encontro de culturas, expressões afro-brasileiras, religião São Paulo e na PUC-Campinas. Como foi apontado, grande
popular, dilema ateísmo-devoção, espiritualidade e sagrado parte da literatura especializada em PR, sob forma de livros
constituíram lugares de encontro entre religião e psicologia. ou de capítulos de livro, deriva desses eventos científicos.
Quase todos esses tópicos fazem parte da discussão recente Registre-se, finalmente, a criação, no Programa de Pós-
da PR internacional e expressam a qualidade da informação Graduação em Psicologia Social da USP, do Laboratório de
de nossos pesquisadores. Psicologia Social da Religião, cujas atividades incluem a
realização de pesquisas com as respectivas publicações.
Origens da PR no Brasil
Apreciação Geral
A PR no Brasil surgiu por influência européia. Em São
Paulo, o médico italiano Enzo Azzi, da PUC-SP, foi quem O levantamento dos artigos em periódicos, subsidiado
confiou, na década de 1950, ao psicólogo holandês Theo pelo levantamento de publicações sob forma de livros ou de
van Kolck, a direção de um Departamento de Psicologia da capítulos, permite algumas apreciações de caráter geral.
Religião na mesma Universidade, fortemente influenciada A primeira é a de que a PR vem acompanhando, na teoria
pela Universidade Católica de Lovaina (Leuven) e menos e na metodologia, a linha-mestra da Psicologia. Decorrência
marcadamente pela Universidade Católica de Milão (An- disso é sua crescente aceitação por parte do corpo acadêmico.
dery, 2001). Na mesma época foi criada, em São Paulo, a A Psicologia no Brasil, como atividade acadêmica, vem al-
Associação de Psicologia Religiosa, que reunia psicólogos, cançando níveis de excelência internacionais, atestados pelas
médicos, antropólogos e sacerdotes, sob a direção de Theo exigências editoriais dos periódicos. Apesar da limitação à
van Kolck. Entre 1960 e 1966, a Associação organizou al- circulação internacional imposta pela língua portuguesa, tanto
guns encontros, com boa afluência de interessados, em torno a fundamentação teórica como o procedimento metodológico
de temas diversos, tais como: estrutura da personalidade e dos artigos são verificados segundo critérios internacionais.
religiosidade, religião e existencialismo, Freud e a religião O atendimento a esses critérios por parte dos que publicam
(Andery, 2001). em PR tem aumentado notavelmente na década de 90 e nos
No Rio de Janeiro, em meados da década de 1950, o sa- anos posteriores, o que assegurou à PR o reconhecimento
cerdote húngaro, com passagem pela Itália, Antonius Benkö, acadêmico, como um nicho específico da Psicologia.
empreendeu as primeiras pesquisas empíricas em PR na PUC- Não se pode dizer, contudo, que a PR seja das áreas mais
RJ. Posteriormente, a mesma instituição forneceu valiosas consolidadas da Psicologia. De fato, comparativamente com
contribuições para a psicologia social da religião graças às outras áreas, são poucos os pesquisadores envolvidos siste-
pesquisas de Monique Augras (1983), especialmente no maticamente com PR. Núcleos universitários dedicados à
campo das religiões afro-brasileiras e do catolicismo popular. pesquisa e à docência, para não dizer à extensão, nessa área
No Rio Grande do Sul, também a PUC desde cedo abrigou contam-se em pequeno número. Enquanto a área de Ciências
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da Religião mantém vários centros de estudos pós-graduados, Dentro da latitude de enfoques apontada, outras teorias,
a PR, como tal, ainda não tem um programa sequer de pós- como a do sueco H. Sundén, têm servido de inspiração
graduação, embora existam mestres e doutores, formados para dissertações e teses. Sundén merece citação especial
nos vários programas de pós-graduação em Psicologia, com (Belzen, 1996), pois que sua importância só recentemente
dissertações e teses em temas da PR vem sendo considerada no âmbito acadêmico internacional,
Um fator complicador para a apreciação da situação da como atesta o número especial, a ele dedicado em 1987, do
PR, é o interesse pela Psicologia da Espiritualidade, identi- Journal for the Scientific Study of Religion. O levantamen-
ficada com a PR sem acurado exame de suas semelhanças to das publicações em periódicos revelou, contudo, que a
e diferenças. Verifica-se, na população universitária e no abordagem psicodinâmica, tanto freudiana como junguiana
público em geral, grande interesse pelo tratamento psicoló- e, recentemente, winnicottiana, tem predominado desde o
gico do fenômeno religioso. Não é claro, contudo, o móvel início, fora dos locais diretamente influenciados por Lovaina.
desse interesse nem mesmo no meio universitário. Tem-se Isso parece dever-se à estrutura da abordagem psicodinâmica,
verificado com frequência que estudantes de Psicologia e aberta para a consideração das abrangentes relações entre
de outras áreas recorrem à disciplina PR para resolverem o psiquismo e o interesse religioso. Com essa abordagem,
problemas pessoais, levantados pelo encontro da religião portanto, registram-se muitos estudos de natureza conceitual,
que trouxeram da família com a perspectiva acadêmica, a encaixar-se no modelo da ilusão ou dos arquétipos.
sobretudo psicológica. O conteúdo curricular das disciplinas O cenário religioso brasileiro, habitado por grande pro-
de Psicologia, de modo geral, não inclui referência à religião, fusão de religiões, tem favorecido alguns estudos peculiares,
de modo que a PR é procurada, pelos estudantes, como um tendo como objeto as religiões afro-brasileiras (candomblé e
recurso para a superação do desconforto resultante do (des) umbanda), o budismo e algumas novas religiões japonesas
encontro entre religião e ciência psicológica. (Seicho-no-iê e Perfect Liberty). O enfoque mais frequente
A influência da Escola de Lovaina se fez sentir em dois tem sido, nesses casos, o psicossocial, sob forma de influência
momentos na PR brasileira: na década de 1960 e a partir do grupo ou de constituição da identidade. A pesquisa da
do fim da década de 1980. Lovaina sempre promoveu uma função mediúnica, por exemplo, foi estudada na dimensão
abordagem propriamente psicológica ao estudo da religião, da influência social e das características de personalidade dos
de modo que as pesquisas publicadas na Revista de Psico- médiuns (Zangari, 2003). Como trabalho de pós-doutorado,
logia Normal e Patológica, nos anos 60, e as realizadas no ambos os aspectos foram estudados de forma experimental
Laboratório de Psicologia Social da Religião sempre se (Zangari, 2007). A constituição da identidade foi pesquisada
caracterizaram como Psicologia da Religião, e não como em budistas e fiéis de novas religiões japonesas tanto do ponto
Psicologia Religiosa. Quando, na década de 1960, se cons- de vista psicossocial, da pertença grupal, como do ponto de
tituiu a Associação Brasileira de Psicologia Religiosa, um vista pessoal, da construção simbólica ou imaginária (Paiva
de seus inspiradores, Alberto A. Andery (1963) delineou o & cols., 2000; Paiva, 2005). Um resultado inesperado desses
enfoque propriamente psicológico do fenômeno religioso, estudos, inesperado em razão da ênfase da Psicologia da
distinguindo-o de outros enfoques, legítimos, porém não Personalidade no indivíduo e da Psicologia Social no grupo,
psicológicos. Embora a Associação não tenha tido longa foi a convergência entre os vetores psicossocial e pessoal,
vida, porquanto extinta na década de 1970, cumpre assi- de forma a estabelecer-se, com bastante probabilidade, que a
nalar sua existência ao longo de cerca de 10 anos, durante filiação grupal reclama a construção simbólica e a construção
a qual reuniu um grupo pioneiro de estudiosos de várias simbólica reclama a filiação grupal (Paiva, 2004).
especialidades, orientados, quando psicólogos, pela psi- Outros tópicos vêm merecendo a atenção dos pesquisado-
canálise e pelo que se pode chamar psicologia cognitiva. res. Dentre eles, a identidade do sacerdote católico na situação
Desse grupo fizeram parte pesquisadores ativos até hoje, pós-moderna (Paula, 2001) e a posição do psicólogo clínico
como E. Valle, na psicologia social, e O. de Mello Franco frente à religião dos pacientes (Ancona-Lopez, 2004, 2005).
Filho, na psicanálise. Tem sido possível evitar a polarização religiosa da atividade
A partir do final dos anos 80, grande parte dos estudos em clínica e, ao mesmo tempo, evidenciar a conveniência da
PR demonstra a influência de Lovaina (Leuven e Louvain- abertura do psicólogo à dinâmica da opção religiosa dos
La-Neuve), que se pode resumir no esforço por conjugar dois pacientes e, mesmo, a necessidade de um posicionamento
níveis de estudo do fenômeno religioso, o do consciente e o refletido do psicólogo em relação a sua própria opção reli-
do inconsciente, conjugando, igualmente, teorias e metodolo- giosa ou irreligiosa.
gias adequadas a cada nível (Corveleyn & Hutsebaut, 1998; O reconhecimento da PR pela comunidade acadêmica
Vergote, 1983). Na tentativa de se abordar complementar- brasileira tem-se manifestado de diversas formas. “Psicologia
mente esses dois ângulos de estudo, pode-se citar a pesquisa da Religião” é um tópico inserido na classificação das várias
que investigou a relação que cientistas avançados de uma especializações da Psicologia pelo Conselho Nacional de
grande universidade brasileira estabeleceram ou deixaram Pesquisa Científica e Tecnológica (CNPq) e pela Sociedade
de estabelecer entre sua ciência e sua religião (Paiva, 1993, Brasileira de Psicologia (SBP), e tem sido matéria frequente
2000). A maior influência de Lovaina reside, contudo, na de publicação do periódico da Sociedade, Temas em Psico-
abordagem francamente psicológica da vivência religiosa e logia. É também a razão do Grupo de Trabalho Psicologia &
no cuidado em estabelecer a base empírica dos estudos. Para a Religião da ANPEPP e de um Grupo de Pesquisa do CNPq.
consolidação dessa influência tem contribuído a participação A organização dos seminários “Psicologia e Senso Religio-
pessoal de pesquisadores líderes de Lovaina nos seminários so” tem recebido auxílio regular das agências de fomento,
“Psicologia e Senso Religioso”. como a Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São
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Psicologia da Religião: Produção Brasileira
Paulo (FAPESP) e o CNPq, além dos auxílios concedidos Finalmente, cabe registrar a articulação de avaliações
por instituições universitárias públicas, confessionais ou teórico-conceituais com algum método empírico, sobretudo
particulares, e pelos programas de pós-graduação amparados nas análises aplicadas, que correspondem a 15% da totalidade
pela Coordenação de Aperfeiçoamento do Pessoal de Nível dos trabalhos. Esses artigos são da lavra de autores com pers-
Superior (CAPES). As agências de fomento, no âmbito pectiva psicodinâmica, atentos à conveniência de se descer da
federal ou estadual, têm, também, financiado a participação análise conceitual e abstrata para a realidade empírica.
de pesquisadores em congressos internacionais de PR, como
os promovidos pela Società Italiana di Psicologia della
Religione, pelos psicólogos europeus da religião e, ultima- Considerações Finais
mente, pela International Association for the Psychology of
Religion (IAPR). O levantamento da produção científica em PR, princi-
Apesar da grande diversidade de temas na produção palmente nos periódicos, entre 1956 e 2005, permite acom-
levantada ao longo das décadas nos periódicos (agressi- panhar o que a PR no Brasil tem realizado concretamente e,
vidade, arquétipos, saúde, atitudes, comunicação, corpo, por contraste, o que ela não tem sido, em termos de temas,
culpa, escrúpulo, espiritualidade, identidade, personalidade, teorias e métodos. A pesquisa permite, também, vislumbrar
psicologia da religião, psicologia e teologia, representação possibilidades e tendências da área. Forçoso é reconhecer
social, sexualidade, simbolismo, vivência/experiência reli- que a PR no Brasil é um empreendimento ainda em vias de
giosa, vocação religiosa/sacerdotal), é possível reconhecer consolidação. Não data, com efeito, de muito tempo a intro-
algumas tendências temáticas. dução sistemática dessa especialidade entre as disciplinas
A década de 60 teve como característica a produção de de graduação e de pós-graduação de algumas instituições
uma Psicologia que gravitava ao redor de um núcleo de de ensino superior, condição para se despertar interesse
pesquisadores confessionais. Dos 17 artigos do período, genuíno pela temática, gerar pesquisas, dissertações e teses,
com efeito, 10 se propõem a instrumentar psicologicamente promover o intercâmbio nacional e internacional e prover
os responsáveis eclesiásticos, visando a seleção adequada a circulação da informação científica por meio de publica-
de candidatos à vida sacerdotal e religiosa. Ressalve-se, ções. Ainda assim, surpreende o progresso da área a partir
contudo, o rigor metodológico desses estudos e a segura da década de 1990, progresso que deve ser atribuído preci-
orientação epistemológica por vezes enunciada. Essa psi- samente à coordenação de esforços resultante da inserção
cologia religiosa teve sua continuidade comprometida com da PR na Academia. Nota-se, contudo, a quase completa
os movimentos políticos da década de 70, que deslocaram ausência de assuntos contemporâneos importantes, como
o interesse para aspectos mais políticos do que psicológicos a negação da fé ou o ateísmo; a desfiliação institucional;
do viver religioso e diminuíram visivelmente a produção o comportamento ligado a religiões não tradicionais nem
da área. Registre-se, a propósito, que alguns dos estudiosos hegemônicas, como o budismo, o islamismo, o judaísmo e
de PR deram origem, nessa época, à vertente da Psicologia as religiões indígenas; o lugar da experiência religiosa na
Comunitária e à Associação Brasileira de Psicologia Social sociedade pós-moderna ou pós-secular; e a religião na ati-
(ABRAPSO). vidade profissional do psicólogo. Do ponto de vista teórico,
A década de 80 assistiu ao reflorescimento da produção. parece desejável complementar o interesse pela vertente
Dobra o número de temas, em relação à década anterior, e cultural com o desenvolvimento da vertente etológica do
intensifica-se o estudo das relações entre religião e psicologia, comportamento religioso, interessada na “naturalidade”
incluindo-se o papel do psicólogo frente ao comportamento desse comportamento, ou seja, nas condições bioevolutivas
religioso. Cresce, igualmente, o interesse pelo tema das rela- de sua estruturação. Finalmente, no que tange à metodolo-
ções entre religião, saúde e práticas psicoterapêuticas. gia, é desejável a utilização em maior escala da abordagem
A década de 90 e o primeiro lustro de 2000 mantêm o quantitativa, inclusive para o intercâmbio com grande parte
interesse pelas relações entre psicoterapia, saúde e religião, e do que se produz em PR em outras partes do mundo.
acrescentam o interesse pela experiência religiosa, no sentido
de se estudar os processos psíquicos da vivência religiosa,
desde o catolicismo tradicional até as religiões minoritárias, Referências
como o candomblé, a umbanda, o budismo e as novas reli-
giões japonesas. Amatuzzi, M. M. (2005). Psicologia e espiritualidade. São
Um dado claro do levantamento é a primazia do método Paulo: Paulus.
conceitual, utilizado em 50% dos artigos publicados. Vinte Ancona-Lopez, M. (2004). Representação de Deus em pós-
e dois por cento dos trabalhos utilizaram algum método graduandos em psicologia clínica. Em G. J. de Paiva & W. Zangari
empírico. A preferência pelo método conceitual coincide (Orgs.), A representação na religião: perspectivas psicológicas
com a abordagem da pesquisa: quase 60% dos trabalhos (pp.79-88). São Paulo: Loyola.
são realizados à luz da perspectiva psicodinâmica, seja da Ancona-Lopez, M. (2005). A espiritualidade e os psicólogos.
psicanálise (freudiana e winnicottiana), seja da psicologia Em M. M. Amatuzzi (Org.), Psicologia e espiritualidade (pp.147-
analítica (junguiana). Como dito acima, a perspectiva 160). São Paulo: Paulus.
psicodinâmica abre-se para considerações abrangentes, Andery, A. A. (1963). O conceito de psicologia religiosa. Revista
e daí conceituais, entre religião e psiquismo. Os cerca de de Psicologia Normal e Patológica, 9, 527-535.
22% de artigos empíricos têm como base alguma teoria de Angerami-Camon, V. A. (2004a). Vanguarda em psicoterapia
natureza cognitiva. fenomenológico-existencial. São Paulo: Thomson.
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