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Publicado em www. leiturascatolicas.com Maio/2013 Publicado em www.leiturascatolicas.com Maio/2013 EDICOES PAULINAS ‘rut onsonsat MARIA, DIE MUTTER DES HEREN Benziger Verlag — Einsiedein ‘Traducdo de J. G. Morais ¥ubbo PODE-SE IMPRIMIR 0 Paulo, 25-2-60 Po, Foto Roatta,’ Superior, Prov, Gk Pia Sociedade’ da Siio" Pawo NIHIL onsTaT Beth, Paul, 10-3-58, ‘Mons, Lafayotts ‘Censor IMPRIMA-8 8 4 Paulo Rolim Louroire Blepo dusitiar e Vigunio. Geral Sto Pauls, 293-60. Publicado em www. leiturascatolicas.com Maio/2013 Diroiton reservados & Pin doctedads de £89 Paulo Caixa Postal 107 —~ So Paulo, 980 PREFACIO A “Madonna Sistina” de Rafael constituia o orgu- Iho da cidade de Dresde, Valia a pena visitar a capital da Saxbnia sémente para aitmirar tal imorredoura obra-prima de arte. Quem jé estéve ld, sentado cémo- damente em uma das poltronas dispostas ao longo de pe- quena sala da chamada “Fortaleza”, reservada especial- mente para éste famoso quadro, pode ver, iluminado obli- ente para um determinado efeiin, o produto de uma ete verdadeiramente sublime. Lima pesada cortina verde que se abre pelo meio, nos deixa contemplar 0 maravilkoso mundo do além Maria se edianta das profuniezas dos céus, trazendo nos bracos 0 Salvador. Inumerdveis cabecas de anjos, indis- tintas em uma auréola dowrada, dentee os limpidos véus das nuvens do fundo, contemplam, extasiadas, ie: quan 9 inconcebivel prodigio. A Mae de Deus se adiardalipara © nosso mundo, séria e solene: perante seu olhar pres- orutador se descobre a miséria de téda a humanidade. ela carrega com a mais profunda compairao, na nossa We existéncia privada de luz, 0 Filho de Deus, O seu véu se enfuns, como agitado pelo vento, en- volvendo-a em um amplo arco, Ela caminha com a ir- resistivel forga da sua miss@o divina, e nos traz 0 auzilio de que nis, miserdveis pecadores, tanto necessitaanos. O 5 proprio Menino Jesus nos olha, grave e majestoso, deizan- do transparecer, no seu olhar fulgurante, os raios da di- vindade, nto se distinguindo em seu rosto nada de alegre. doce ou sentir como seria isso possivel? Na alma do divina Infante jd se projeta a sombra sangrenta do Calvario. O seu camino serd ladeado mais de espi nhos do que de fires; a Redencao da humanidade, atola- da no seu grave estado de culpa, vai-lhe custar amarissimo suplicio, 0 derramamento do prépria Sangue e 0 supre- mo sacrificio da existéncia, no pleno meio-dia da vida 4 direita da Dama Celeste vé-se 0 Papa Xisto ajoe- Thado, orando, 0 qual eleva para ela o seu olhar, in: dicanilo com a mio a nossa miséria, A esquerda, pré: stima de Nossa Senhora, acha-se Santa Barbara, de maos postas junto ao peito, irradiante de jitbilo pela certeza que tam de se achar libertada déste mundo tao matt. Olhan- da.nns assim da alto, com ido alegre semblante € espar- gindo tanta graca das pupilas profundas, parece, que nos estd dizendo: “Yende fé, a salvagto esté prézima”. Dois anjinkos pensativos apdiam-se na margem inferior da pintura, em atitude também grave ¢ séria, como se ¢s- tivessem pensando, muito admirados, no amor paterno de ‘que nao deixa perecer os filhos transviados na mise do pecado, ‘magnifico quadro fiza 0 mais importante momento da histéria do mundo: 0 Advento do Salvador, A éste acontecimento, cujo aloance & infinite, Maria S esti inseparavelmente ligada, ne qualidade de Mae do Re- deator, Ela concebex 0 Menino por obra do Espirito do Rierno e 0 traz & humanidade: 0 pecado, a morte ¢ Sa- tanis sit vencidos, O caminho que condus a Deus, for te de toda a verdade, de t6da a beleza, de toda a bondade, nissimne 6 tinica via que nos leva é felicidade'e & vida eterna, esta livre de novo, Deus se curva diante de nés, como um pai amoroso, @ nos permite ainda que nos chamemos seus filhos. Essa estreita alianga com a obra divina da Redencio torna Maria muito cara e preciosa aos nossos coracves Elevernos nosso olhar para ela com jubilosa gratidiio, de- sejosos de conhecé-la cada vez. melhor. Chegados, porém, a ésse_ponto, somos obrigados a constatar, pensando bem que poucas referéncias possuimos sébre ela, pois, de fato, 0 que foi dito a seu respeito na Sagrada Escritura néo dé para encher muitas paginas. Nao obstante isso, grossos volumes foram escritos sébre a vida de Maria, sendo que alguns autores nito hesitaram em seguir fontes incertas, que nao merecem nenhuma confianca. Creio que niéio se presta, por tal modo, um bom servico @ Mae de Deus, que niio tem certamente nenhuma necessidade dos enfe tes da nossa pobre invenctio e da nossa imaginacio. Se o Evangetho néo se expande sobre a vida de Maria, é fora de diwida que, tudo quanto ai esté referido é 0 que de mais alto e, ao mesmo tempo, de mais respeitoso se possa dizer de uma pessoa. Nas paginas que seguem tenciono apresentar aos leitores uma imagem de Maria segundo as fort icas, excluindo tudo 0 que for pura imaginacto, que nito fér suficientemente documentdvel. Maria deve ser vista, no seu proprio ambiente: a his toria, a arqueologia, a geografia, devem ajudar-nos a com- preender melhor a vida da maior, da mais abencoata mulher de todos os tempos. Déste modo a Mae de Deus se aproximard mais de nds, também pelo seu lado humano, in e se tornaré ainda mais cara e familair para cada um de nés. O autor néo tem a pretensao de suprir at grandes la- cunas exisientes ou de esciarecer os misieriosos trechos da vida de Maria, conhecidos ssmente de Deus e dos Anjos. A realidade foi por certo bem diferente do que podemos descrever, nds, homens do século XX, com as cbres da nos- sa fantasia. Por essa razio, algumas suposigdes sto as vézes formuladas ainda aqui e ali, no decorrer da nar- Tacéo, mas estas néo sio de todo desprovidas de funda- mento e serdo indicadas como tais. Que esta tentativa de ampliar uma série de quadros, focalizando Maria através do material auténtico que pu- demos manusear, possa no desgostar a Mae de Jesus e reverter smente para sua gloria. 0 Avrox Publicado em www _leiturascatolicas.com Maio/2013 CAPITULO I AS FONTES Nao podemos deixar de apresentar, logo de inicio, uma. breve descrigfio das fontes recorridas em busca do material necessario A narracZo da vida de Maria, a fim de poder inspirar ao leitor plena confianga nessa narrativa. Tal- vee yenha @le achar falta de algumas passagens tradi nais, mas hi de verificar logo quanto séo_desprovidas de valor _certas informagdes ¢ narrativas especialmente quan= do se trata dos manuscritos apocrifos. TT . 1. Os Evangelhos ‘A principal fonte para a reconstrugio da vida de Ma- ria 6 constitufda pelos quatro Evangelhos. A antiga het sia dos Ebionistas (1) € a hipocrisia moderna (2) nega- ram a autenticidade dos capitulos referentes & infancia de Jesus sustentando que haviam sido insertos maisgtarde; porém, a autenticidade de tais capitulos (Mt. 1 e 2 Le. 1 e 2) nfo pode ser_contestada cientificamente. Os mais antigos manuscritos dos Tivangelhos, sem excegao, 0s con- tém; os mais antigos Padres da Tereja conhecem seu con- telido ¢ déles fizeram largo uso, ¢ até mesmo os mais antigos (1) Epifanio, Haeres. 30, 14 (2) Wellhausen, Im Matthdus — und Luakaskommentar. apécrifos se baseiam sObre ¢les (3). Um autor contem- Pordnco escreve: «Se a critica literdria conseguiu constatar por unanimidade alguma coisa, 6 justamente 0 fato de que a narrativa da infancia (de Jesus) & parte integrante (integral part) do terceiro Evangelho (Machen, The Virgin Birth, New York, 1938, p. 61). Aquéles que negam a divindade de Jesus e a possibilidade do milagre, nao podem aceitar os fatos sobrenaturais, como o nascimento de Je- sus, provindo de uma virgem, as aparig6es dos Anjos, 0 cometa dos Magos, etc. Mas o érro substancial nao es- t4 nas noticias referidas pelos Evangelhos, mas nas opinides de tais criticos, que julgam impossiveis ésses fatos prodigiosos € querem prescrever a Deus aquilo que Ble pode ou nao pode fazer. Os Evangelistas nado tém a intengio de escrever a vi- da da Mae de Jesus: téda a ateng&o déles esta evidente- mente concentrada sébre o Cristo, do qual nanan, de uu modo verdadeiramente minucioso, milagres, padecimentos, morte © ressurreigao, até atingirem o fim que cada um déles se tinha prefixado. Mateus quer de fato demons- trar aos seus compatriotas que Jesus de Navaré ¢ 0 Mes- sigs anunciado pelos Profetas. Marcos reproduz as instri- ses de Sao Pedro ¢ demonstra que Jesus é 0 Filho de DeusiLucas apresenta Jesus como o miscricordioso Sal- vador do ‘mundo, como o médico ¢ o Samaritano das al- mas. Joao finalmente escreve (1, 1-4), Na- quela época, porém, Maria j4 nfo era certamente mais viva, a menos que se supunha. ter ela atingido a idade de 82 ou 85 anos, coisa que ninguém afirma, Mas Tiago, 0 Menor, o denominado ¢irmao» (primo) do Senhor, ¢ Jo%o, o filho adotivo de Maria, viviam ainda. © estavam por isso em condi¢io de narrar a Lucas mui- tos episédios referentes a Maria. Parcce que Lucas tenha também aproveitado para os dois primeiros capitulos uma relago escrita, pois o estilo assemelha-se, de fato, muito mais a0 semitico do que os capftulos seguintes, Os trés hinos («Magnificaty, «Benedictus» e «Cintico de SimeSo») fazem pressupor, de qualquer maneira, uma fonte escrita Além disso, por duas vézes, pelo menos, o autor se apéia no testemunho de Maria: «Maria pelo seu la- do, conservava tédas estas coisas, meditando-as no seu gio» (2, 19. 51), A expresso: «Mas @les no com- preenderam o que Ihes foi dito» (2, 50) indica o mesmo conceito, Quem poderia ser, sengo Maria ‘mesma, capaz de afirmar nao ter compreendido as palavras de Jesus, que tinha ento doze anos cle idade, palavras no entanto- que qualquer leitor acredita compreender? Ela é justamente téo humilde ao ponto de confessar a si mesma que, nas palavras de seu filho: ¢ «A Guerra Judaica» e de outros escritos de menor impor- tancia. A primeira trata, em vinte livros, da histéria do povo hebreu, desde sua origem até a grande sublevacao con- tra os romanos, no ano 66 da era cristi, A outra descre- ve em sete livros, depois de uma introdugio bastante alon- gada, a grande guerra (66-70) que acabou com a destrui- go de Jerusalém e a dispersio do povo judeu. Para a vida de Maria é de muita importfncia o perfodo de Hero- 14 des, 9 Grande, e de seus sucessores: Arquelau e Herodes Antipas. As narrativas de Flavio Josefo nos trazem mui- tos esclarecimentos s6bre os fatos do seu tempo, em que te- ve oportunidade de’ consultar documentos escritos ¢ de ou- vir depoimentos orais sbre acontecimentos que se refleti- ram também sébre a vida de Maria. © Talmude contribui para nos fazer conhecer usos € costumes de Israel, ao tempo de Jesus. A literatura rabi nica, nascida sdmente depois da dispersio da nac&o judai ca, se compraz em descrever os usos ¢ costumes dos tem- pos mais recentes, preferindo temA-los como modelos de vi- da também para o pasado. A vida no decorre porém sob normas e formas iguais para todos: cada individuo tem as suas peculiaridades, 0 que se verifica de modo especial para a vida de Maria: a sua posigao t6da particular no plano divino para a salvagio da humanidade e as suas experiéncias préprias nao podem ser imitadas. A sua ima- gem pode, certamente, ser posta na mais bela moldura, que a pocsia poder ornar A vontade, mas, para nés, 0 que interessa é a imagem, muito mais do que a moldura, por mais preciosa que seja, A vida de cada menina e de cada mulher do seu povo se desenrola em um quadro or- dindrio, mas como desejamos saber 0 que é caracteristi- co e particular de Maria passaremos A expor 0 que se re- fere a tédas as mulheres do seu tempo.e do seu povo sdmen- tena parte que nos pode servir para compreendermos melhor na vida. Quanto aos Padres da Igreja, ¢ dificil obter de seus eseritos alguma informacio segura sébre a histéria da Mie de Deus, além do que vem narrado nos Evangelhos. Se algum déles nos oferece outra coisa mais, € quase sempre tirada dos apécrifos, que constituem uma fonte bastante 15 suspeita, como veremos adiante. © valor do ensinamento no campo da {6 ¢ da disses Padres é muito mais eficaz moral do que no da hist6ria. 3. Os apéerifos Na maior parte das narrativas da vida de’ Maria fo- ram aproveitadas as lendas dos apécrifos, Entende-se por capéerifor» aquéles escritos. elaborados por wma pretense personalidade biblica, que finge saber coisas ignoradas da Historia’ Sagrada, sendo que os autores, muitas vézes he- réticos, nao revelam seu verdadeiro nome. Gom referéneia A vida de Maria bh dois grupos de apéerifos: 0 primeiro se ocupa do nascimento ¢ infancia de Maria e 0 outro grupo trata da sua morte, A «His- téria de Tiago sébre o nascimento de Maria», chamada «Proto-evangelho de Tiago», do século XVI em diante, seja pela sua antiguidade, seja pela habilidade do narrador. a pela sua evidente intengdo de provar a virgindade de Ma- tia, servindo A sua glorificagio, conquistou muito aprégo € exerceu muita influéncia sObre a literatura mariana, influén- cia que ainda perdura até hoje. Também Origenes ee ia Gsse escrito ¢ no seu (1, 2; 2, 2); mas nfo hi nenhuma grande festa dos hebreus com ésse nome O falsificador nfio conhece bem, nem os lugares nem © pais, sendo as suas assergbes extremamente imprecisas. Imagina o povo de Israel como o de uma comunidade rural, que pode ser convocado a reunir-se ao som de uma trom- beta © que também pode ser hospedado por uma sé pes- soa abastada, (1, 1; 6, 2). A verdadeira pobreza da Mae de Deus esta em contradigio com a suposta opuléncia de Joa- quim. José € figurado como um velho vitivo e como tutor de Maria, em contradigio evidentissima com o Evangelho que o chama expressamente de (12). Rejeita expressamente 0 proto-evangelho de ‘Tiago e © declara uma invengiio (comenta) dos heréticos, um de- lirio dos apécrifos (deliramenta apocryphorum) (13), uma extravagincia (somnia) (14), Ha somente quatro Evan- gelhos auténticos, Os cantos fincbres dos apéerifos (nae- niae) deveriam ser de preferéncia cantados aos hereges mortos ¢ nfo aos filhos vivos da Tgreja (15). Se nao achar- 10s fcilmente compreensivel algum trecho do Antigo Tes- tamento, cujo sentido tenha sido interpretado pelos Apés Jos, nfio vale a pena recorrer as tolices e A fantasia dos apécrifos (16). De um modo igualmente claro pronunciou-se 0 Magisté~ rio eclesiastico. O Papa Inocéncio I enumera em primei- ro lugar os escritos canénicos em uma carta a0 Bispo Exu- péric de Tolosa, em 405, e depois acrescenta: «Deves ber que nfio merecem apenas refutagao, mas também con- e entre Gles os seguintes: os evangelhos apécrifos que vao sob 0 nome de Matias, Tiago o Menor ¢ Tomas, com- postos pelos Maniqueus; 0 livro apécrifo sbre a inffncia do Salvador, sbre seu nascimento e sdbre Maria e a parteira; o livro em que vem narrada a morte de Maria (is- to é asua Assungao ao céu). © decreto termina com estas significativas palavras: «Nés consideramos que éstes ¢ outros escritos andlogos nfo merecem apenas ser rejeitados, mas também destrui- dos, por tédas as igrejas cat6licas, apostdlicas, romanas sendo dignos de excomunh’o os seus autores e propaga- dores» (18). © quarto Sinodo de Braga, em Portugal (561) con- denou com a excomunhio os leitores ¢ difusores dos escri- tos apéerifos, 46 ! 93 les sObre os quais j4 falamos: assim, por exemplo, 0 Evan- gelho de Matias (ou pseudo-Mateus) e 0 Liber de nativi- tate Sanctae Mariae, que foi maliciosamente atribuido a S. Jerénimo, o inimigo de todos os apécrifos Até o relato da morte de Maria pertence ao reino exa beranie da mais fértil imaginagio e existe em ws comp’ lages grandemente diversas entre si. Basta Ié-los para convencermo-nos da sua absoluta falta de valor. Apesar disso, a literatura ascética se ressente até hoje © ainda se ressentira talvez no futuro, da negativa influén- cia de tédas essas narrativas Iendarias. Podem-se consul- tar os dois primeiros volumes da «Suma Aurea de Bourassé (uma longa histéria da vida de Maria, escrita em latim) ou mesmo a vida de Maria, de Jamar, e mil outros livros e livrecos. No entanto, sSmente a verdade pode edificar. Publicado em www. leiturascatolicas.com Maio/2013 CAPITULO IT A JUVENTUDE DE MARIA Sao Lucas introduz Maria Santissima na narracgio evan- gélica com as seguintes palavras: «Seis meses depois, 0 An- jo Gabriel foi mandado a uma cidade de Galiléia, chamada ‘Nazaré, a uma virgem, espésa de um homem de nome José, da casa de Davi. O nome da virgem era Maria» (1, 26 ss.). Com breves ¢ simples palavras o terceiro Evangelista nos deixa conhecer que Maria morava em Nazaré, j& casada mas ainda virgem, e que fara favorecida por uma apat do Anjo Gabriel, 0 mesmo que tinha anunciado precedente- mente ao sacerdote Zacarias o nascimento de um filho, 0 precursor do Messias. A mensagem que 0 Anjo transmite a Maria muito importante, nfo sémente para ela, mas também para toda a humanidade. O Evangelista discorre com simplicidade ¢ franqueza sobre coisas verdadeiramente sublimes ¢ nos narra apenas o estritamente necessario com referéncia & virgem cheia de graga. O seu testemunho é portanto valiosissimo. 1. O lugar de nascimento Onde nasceu Maria? Nao o sabemos. A Sagrada Es- critura cala-se a éste respeito. Uma tradigio tardia apre- senta quatro localidades como sendo o lugar onde nasceu 25 Maria: Séforis (que foi durante certo tempo capital da Ga- iléia, situada a cérca de 5 quilémetros de Nazaré), Be- lém, Jerusalém e a propria Nazaré (1); 0 que prova que a antiguidade cristi tinha sObre @sse ponto apenas suposi- ges e nenhuma certeza, Entre as quatro cidades que disputam a honra de ter sido o bergo da Virgem, Jerusalém merece a_preferéncia. De fato, tal opinijio sustentada no pseudo-evangelho de Matias, uma recomposigio do proto-evangelho de Tiago, ¢ também pelo peregrino Teodésio (em 530) (2) © por Anto- 10 de Placéncia (em 570) (3), Sofrénio, patriarca de Je- rusalém de 634 a 638 (4) © So Joio Damasceno (5), 6s quais adotaram também esta opiniio, seguidos por inu- merfiveis autores, até os dias de hoje. No pequeno escrito apécrifo «De nativitate Sanctac Mariaen (1, 1), atribuido a S. Jerénimo e que surgiu em ver disso, no principio do século VII ¢ nada mais é do que uma compilago do proto-evangelho de Tiago, Nazaré vem indicada como o lugar de nascimento da Virgem Maria. Nenhuma informacio suficientemente fidedigna possuimos pa- ra poder afirmar isso, sendo seguro sdmente o fato que Maria vivia em Nazaré quando recebeu o antincio do Anjo. ‘Uma outra indicago nos é dada pelo seguinte fato: 0 neto de Sim&o Macabeu, rei Aristébulo I (105-104), con- quistou aos Ttureus, que eram pagios, a parte meridio- nal do seu territério, a Galiléia, e propds aos habitantes a alternativa de emigrar ou entao aceitar as leis hebraicas (1) Vitti, Ubinam BVM nata sit? 257-64, (2) Geyer, Itinera Hieros. p. 142. (3) Idem,’ ibid. p. 177, (4) Anacreéntica, 20, 81-00 (PG 87 (5) Homilia in natin, BYM, 6 (PC za IV 14 (PG 94, 1157 bum Domini” 10 (1930) 96 e com isso se deixarem circuncidar. Alguns désses preferi- ram abandonar 0 pais e em seguida a ésse movimento alguns Judeus do Sul emigraram para ésse territério, mais rico e mais {értil, Entre os novos colonos estava certamente a fa- milia de que descendiam Maria e José, talvez os seus avés ou bisavés. Se de fato os primeiros que imigraram neste terri- t6rio, vindos de Belém a Nazaré, fOssem apenas os pais de Maria ¢ José, 20 chegarem a Belém teriam por certo encontrado ainda parentes ¢ amigos, junto dos quais teriam recebido boa acolhida, dada a proverbial hospitalidade dos orientais. Ao contrdrio disso, no entanto, nem José nem Maria puderam bater A porta de algum parente betlemita. Ambos cram estrangeiros naquela cidadezinha. ‘Olhemos mais de perto a pequena regio onde trans- correram 05 dias da juventude da mais excelsa ¢ da mais améyel de tédas as criaturas. A Galiléia constitui a regio utaly setenutiivnal da Terra Santa, que sc cstende para o sul, até 0 monte Carmelo; a este, até 0 rio Jordao; ao nor- te, até 0 passo do Leontes (hoje Nahr cl-Kasimijje); ¢ a este quase até o mar. A estreita faixa de terra que corre ao longo da costa nao é considerada como pertencente 3 Galiléia, Uma linha reta tirada de Akko até a extremidade norte do lago de Genezaré, corta a regio em duas partes desiguais: a alta e a baixa Galiléia Da confusa massa dos montes da alta Galiléia se ele- va a cima de todos o Gebel Germak (1198 m) com o Gebel el’Aris (1073 m) ao sul e o Gebel’ Adatir (1006 m) ao norte. Désse grupo central se irradiam, em tédas as dire- gées, cadeias mais baixas de montes e vales. Trilhos in- gremes trepam pelas encostas por entre desmoronamentos ¢ por vézes com degraus escavados nia rocha pela ladeira aci- ma. Ali perto atravessa-se uma pouco densa floresta; mais 27 além avistam-se terrenos recobertos de vinhedos. Velhos ter- ragos obstando a crosio testemumham o diligente es- forgo dos primitivos habitantes da regio. Ne meio das amei- xeiras ¢ na bastidio dos carvalhos sempre verdes, ainda ho- je 0 visitante encontra ruinas de muros, de tOrres, de case~ bres que antigamente existiam sdbre aquelas escarpadas altu- ras, como ninhos de 4guia, e bem assim restos de templos, de sinagogas ¢ de igrejas. A rocha esta t0da perfurada de cis ternas, adegas, lagares ¢ sepulcros. Destacam-se ruinas de t6das as civilizagdes, desde os tempos dos cananeus ao do- minio dos Cruzados. Os monte da baixa Galiléia so menos clevades. © mais notivel dentre les € 0 Tabor (562 m) cujo cimo macigo domina téda a regido, Inumeraveis valados se ramificam pare leste e oste, As aldeias se enraizam pelas encosias, se ‘ostentam sdbre as alturas ou se escondem no fundo dos vales. Oliveiras de cér cinzenta-prateado ce alinham sébre a tom bada dos montes; as figueiras oferecem sombras agradaveis, sob suas amplas ramadas de um tom verde-claro; manguei- ras ¢ carvalhos, pistacias e azevinhos se agrupam juntas. «A terra tem qualquer coisa de repousante, de placido ¢ disten- sivo, uma terna vibragfo das coisas. Aqui ndo se encon- tram abruptas encostas, nem desertos incultos, e Aridos, mas um desenrolar de férteis e ricas campinas, que quase con vidam a serem cultivadasy (6). A Galiléia recebe chuva em maior quantidade do que a Samaria e a Judéia, ¢ dispSe por isso de mais ricos cursos de Agua. O clima é ameno na vizinhanga da costa, mais frio na parte setentrional, quente na depressio do Ingo de ©) © Cf, Schwalm, La vie privée du peuple juif & I'époque de us-Christ,’ Paris 1910p. 122 ss. e também no Dielio- naire de ta Bible I 87-95 “Galiléia. 28 Genezaré (208 m abaixo do nivel do mar), 0s ares so sau- daveis, No tempo de Cristo a regiéo era muito povoada, bem cultivada, rica de campos, de bosques e pastagens, as suas planicies produziam trigo e cevada, 03 seus poma- res saborosos frutos e uvas deliciosas. © clima da Terra Santa é deveras singular, Prépria~ mente s6 ha duas estacies: verdo ¢ inverno, ou também estagio séca € estado chuvosa. As chuvas comegam pelos fins de outubro ou comégo de novembro e as altimas cacm pelo» meados de abril ou mais tarde, contando-se nesta ¢s- tagfio cérca de cingiienta dias de chuva. O vero é quen- te, séco e quase inteiramente’ privado de chuva, pelo que téda a vegetacdo murcha e a regido parece um deserto. A. agricultura deve por isso adaptar-se a estas condicdes cli- maticas; depois das primeiras chuvas de novembro come- ga-se a trabalhar a terra, porque cla se acha entao téda mo- Thada ¢ amolecida; depois da ultima chuva de abril, entre Pascoa e Pentecostes, a ceifa do trigo constitui a parte mais importante da colheita. No calor do vero amadurecem os figos, as olivas ¢ a uva cuja colheita realiza-se depois, em setembro e outubro. lago de Genezaré, com as suas ridentes margens é 0 orgulho da Galiléia. Flavio Josefo assim descreve a peque- na planicie de Genezaré, vizinha A praia ocidental: (14). Sao Jerénimo, além disso, afirma que Gléofas (Jo. 19, 25) 0 pai da outra Maria, a mae de Tiago fe de José (Mt. 27, 56), sendo esta tiltima irma da Mie de Jesus, por tal modo que Cléofas seria também o pai da ania Virgem. Esta opinifo é de fato insustentéivel: disso de- duzimos que também éste doutissimo Padre da Tgreja, que conhecia como ninguém a antiga literatura eclesidstica, nada conhecesse de seguro s6bre os pais de Maria Santissima (15) Se dermos raz3o aos que julgam se achar em Lucas (9, 23-38) a Arvore genealégica de Maria, o seu pai seria entile Eli, Bste nome foi interpretado como observagio de Hilaquim o que nos deu Joaquim. Podemos poupar-nos nie de indicar as outrds respostas'a esta pergunta, porque as fontes nfo sio suficientes para esclarecer a ques- oportunam {i} Contra Paustum Manich, XXII 9 (PL 42, $71). Tih) Advaraus Helutd. c. 7. , 35

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