Você está na página 1de 12

O FUNDAMENTO CONCRETO DAS FORMAS DO VALOR – UM ESTUDO SOBRE O

MÉTODO EXPOSITIVO DE O CAPITAL DE KARL MARX

André de Góes Cressoni1

Resumo:Diante da intrigante exposição dialética operada por Marx em O Capital, o que se propõe é
compreender o movimento de opostos como aparecem nas quatro figuras da forma do valor, que
preside a dedução da forma dinheiro partindo-se da forma mercadoria. O presente artigo repousa,
nesse sentido, na perspectiva de apontar as bases sobre as quais Marx opera ao teorizar a dialética da
mercadoria, evitando-se uma “metafísica da mercadoria”, onde as mercadorias, por si mesmas,
desenvolveriam relações, recaindo na crítica marxiana do fetichismo. Implica, portanto, encontrar o
fundamento concreto que, sob dada circunstância histórica e social, possibilitou o desenvolvimento
das relações sociais baseadas na troca. Isso implica analisar o movimento do abstrato ao concreto
presente na maior obra de Marx.

Palavras Chave: 1. Capitalismo; 2. Dialética; 3. Mercadoria; 4. Dinheiro;

Abstract: For the intriguing dialectic exposition operated in Marx’s The Capital, what is proposed is
to comprehend the movement of the opposites and how they appear in the four figures of the valor
forms, which presides the deduction of money form starting from the commodity form. The present
article lies, in this sense, in the perspective to point the basis on which Marx operates to theorize the
dialectics of the commodity, avoiding a “metaphysics of the commodity”, where the commodities, for
themselves, would develop relations, falling into the Marxian critic of the fetishism. This implies, for
that, to find the social fundament which, under certain historical circumstances, made possible the
development of the social relations based on exchange.This implies the analisys of the movement from
the abstract to the concrete on Marx’s greater work.

Keywords: 1. Capitalism; 2. Dialectics; 3. Commodity; 4. Money;

1- O COMEÇO DA CIÊNCIA: A MERCADORIA

A obra O Capital impõe a busca de Marx por uma leitura orgânica do sistema capitalista.
Isso implica conceber cada categoria sob outras determinações que se sustentam mutuamente,
de modo que são enriquecidos por múltiplas relações. O percurso deve, portanto, seguir do
mais simples e vazio ao mais complexo e acabado. Neste contexto, o diagnóstico da célula do
capitalismo, a mercadoria2, seria de difícil acesso, dado que sua compreensão “concerne
especialmente à análise da substância e da magnitude do valor”, que, resultando no dinheiro,
“parece, ao profano, pura maquinação de minuciosidades”3.
Parte-se, por isso, de sua definição mais simples e imediata. Objeto externo, a mercadoria
é a coisa útil, que “por suas propriedades, satisfaz necessidades humanas”4. Está assim
indicado o valor de uso da mercadoria. Trata-se de sua qualidade específica que diverge de
outras mercadorias.

1
Mestrando em Filosofia pela Universidade Estadual de Campinas – UNICAMP. E-mail: cressoni@gmail.com.
2
Cf. “A célula econômica da sociedade burguesa é a forma mercadoria, que reveste o produto do trabalho, ou a
forma valor assumida pela mercadoria” (MARX, 1998, p.16)
3
Ibid. pg. 15 e 16.
4
Ibid. p. 57.
Entretanto, tal como se apresenta no sistema capitalista, as mercadorias são “ao mesmo
tempo, os veículos materiais do valor-de-troca”5. A mercadoria manifesta agora uma segunda
natureza, que se estabelece por meio da circulação simples. Trata-se da “relação quantitativa
entre valores-de-uso de espécies diferentes, na proporção em que se trocam”6. A troca revela a
dupla natureza da mercadoria: “Como valores-de-uso, as mercadorias são, antes de mais nada,
de qualidade diferente; como valores de troca, só podem diferir na quantidade”7.

2 – AS FORMAS DO VALOR E A DEDUÇÃO DA FORMA-DINHEIRO

Marx denuncia uma lacuna na economia clássica quanto à “gênese da forma dinheiro”8.
Esta lacuna envolve o dinheiro de um mistério quanto à sua natureza específica, e sua
desmistificação implica deduzi-la a partir da oposição interna a mercadoria. Por isso deve-se

“acompanhar o desenvolvimento da expressão do valor contida na relação de valor


existente entre as mercadorias, partindo da manifestação mais simples e mais
apagada até chegar à esplendente forma dinheiro”9.

Na forma simples do valor uma mercadoria relativa equivale a outra, o que significa que
elas “se pertencem uma à outra, se determinam, reciprocamente, inseparáveis”; mas, do
mesmo modo, “são extremos que mutuamente se excluem e se opõem, pólos da mesma
expressão do valor”10. Na troca entre as mercadorias, a oposição entre valor-de-uso e valor-
de-troca se mantém11. Com isso, Marx evita cair na dimensão apenas quantitativa da troca, o
erro da econômica clássica. Nesse sentido, o valor-de-uso da mercadoria singular, na forma
simples do valor, não desempenha a mesma função nos dois extremos. A mercadoria
equivalente “passa por coisa através da qual se manifesta o valor, ou que representa o valor
por meio de sua forma física palpável”12. O valor de uso da mercadoria equivalente é a
expressão do valor da mercadoria relativa que se lhe contrapõe: “A primeira peculiaridade que
salta aos olhos, ao observar-se a forma de equivalente, é que o valor-de-uso se torna a forma
de manifestação do seu contrário, isto é, do valor”13. Isto ocorre na relação de valor mais
simples que contrapõe duas mercadorias: “Uma vez que nenhuma mercadoria se relaciona
consigo mesma como equivalente, não podendo transformar seu próprio corpo em expressão
de seu próprio valor, tem ela de se relacionar-se com outra mercadoria, considerada
equivalente, ou seja, fazer da figura física de outra mercadoria sua própria forma de valor”14.
5
Ibid. pg. 58. Cf. “Os valores-de-uso constituem o conteúdo material da riqueza, qualquer que seja a forma
social dela. Na forma de sociedade de que vamos estudar, os valores-de-uso são, ao mesmo tempo, os veículos
materiais do valor-de-troca” (Ibid. pg.58). Isso demonstra, acima de tudo, que o significado e a importância da
mercadoria dependerão substancialmente de um desenvolvimento histórico da sociedade. Já de início, portanto,
demonstra-se que há, por detrás de uma partícula, todo um cenário que a sustenta e proporciona seu
desenvolvimento.
6
Ibid. pg. 58.
7
Ibid. pg. 59.
8
“Importa realizar o que jamais tentou fazer a economia burguesa, isto é, elucidar a gênese da forma dinheiro”
(Ibid. p. 70).
9
Ibid. p. 70.
10
Ibid. pg. 70.
11
A negatividade na teoria de Marx consiste justamente na gradual ampliação das contradições que se
apresentam, formando círculos cada vez maiores e que atingem, enfim, a negatividade mais concreta e
fundamental do sistema capitalista, a luta de classes. Sobre o assunto, ver BENOIT, Hector. Sobre a crítica
(dialética) de O Capital. In: Revista Crítica Marxista, número 03. São Paulo: Editora Xaman, 1996.
12
Ibid. pg. 73.
13
Ibid. pg. 78.
14
Ibid. pg. 78.
A equação estabelecida consiste, sobretudo, em dar corpo ao valor, “considerada a
materialização do valor”15.
A lógica que preside a oposição da forma simples do valor cumpre o dever de levar
adiante o desenvolvimento da contradição interna à mercadoria tomada isoladamente: “A
contradição interna, oculta na mercadoria, entre valor-de-uso e valor, patenteia-se, portanto,
por meio de uma oposição externa”16. Tendo isso em mente, logo se revela “a insuficiência da
forma simples do valor”, já que é, ainda, a “forma embrionária que atravessa uma série de
metamorfoses para chegar à forma preço”17, a mercadoria expressa em dinheiro.
A forma simples, por isso, já impõe sua superação, e “converte-se, por si mesma, numa
forma mais completa”18. Passa agora a equiparar-se a outras espécies de mercadorias, e a
“expressão singular de valor converte-se numa série de expressões simples de valor, sempre
ampliável”19, atingindo a Forma Total ou Extensiva do valor. O importante nesta nova forma
do valor consiste em que se “difere dessa ocorrência casual, determinado-a”, de modo que
“Desaparece a relação eventual”20.
Logo, porém, se apresenta o limite da forma extensiva do valor. Consiste no próprio limite
da forma de equivalente. Mesmo que a relação das mercadorias se estenda a toda e qualquer
mercadoria, ainda assim cada mercadoria apresenta-se de forma particular: “Uma vez que a
forma natural de cada tipo de mercadoria é uma forma de equivalente particular (...), só
existem, no final de contas, formas de equivalente limitadas, cada uma excluindo as
demais”21. Mesmo que se eleve à amplitude social, a forma extensiva falha quanto a oferecer
uma expressão socialmente direta do valor: “falta uma forma unitária de manifestação”22.
Todas as mercadorias sociais, ao invés de apresentarem-se como formas equivalentes,
trocam de posição. Assim, apresentam-se as mercadorias como relativas somente a um
equivalente social. A inversão constitui somente “a forma recíproca já implicitamente contida
na série”23 da forma extensiva. A forma geral do valor, portanto, que surgiu do
desenvolvimento da forma do valor em sua figura extensiva, demonstra já de início duas
características:

“As mercadorias expressam, agora, seus valores (1) de maneira simples, isto é,
numa única mercadoria e (2) de igual modo, isto é, na mesma mercadoria. É uma
forma de valor simples, comum a todas as mercadorias, portanto, geral”24.

15
Ibid. pg. 72.
16
Ibid. pg. 83. É importante notar como que Marx alude ao fato da contradição interna patentear-se através da
oposição externa. Isto demonstra que aquela caracterização específica somente se torna concreta, ou se fixa,
externamente, isto é, por meio da relação com outra mercadoria. Cf.: “Ora, as propriedades de uma coisa não se
originam de suas relação com outras, mas antes se patenteiam nessas relações” (Ibid. pg. 79). Cf. também, sobre
a relação lógica entre a forma-mercadoria e a forma do valor: “a forma simples de valor da mercadoria é também
a forma-mercadoria elementar do produto do trabalho, coincidindo, portanto, o desenvolvimento da forma-
mercadoria como desenvolvimento da forma do valor” (Ibid. pg. 83).
17
Ibid. pg. 83.
18
Ibid. pg. 84.
19
Ibid. pg. 84.
20
Ibid. pg. 85. Ou seja, a relação de mercadoria a mercadoria atinge amplitude social, que só ocorre, de fato, no
capitalismo. Isto é, mesmo tendo existido em outras formas de produção a mercadoria e mesmo o dinheiro, a
relação de troca de mercadorias só se torna regra social quando o sistema produtivo é inteiramente voltado para
essa troca. Assim, mesmo que já existisse antes, só se torna verdadeiramente completa no interior do sistema
capitalista. Isso já aponta, também, para o fundamento histórico e social que sustenta a dialética da mercadoria, a
que a presente investigação se propõe.
21
Ibid. pg. 86.
22
Ibid. pg. 86.
23
Ibid. pg. 87.
24
Ibid. pg. 87.
Na forma geral do valor, se atinge o último passo para a gênese da forma dinheiro, já que
“expressa os valores do mundo das mercadorias numa única e mesma mercadoria, adrede
separada”25.
De um lado temos o mundo das mercadorias na forma relativa, e por isso valor de uso; de
outro lado, temos uma única mercadoria, especial pelo fato de seu valor de uso ser a
expressão do valor de todas aquelas que lhe são relativas, no caso da forma geral, todo o
mundo das mercadorias. Deste modo, a forma geral do valor “proporciona, por fim, ao mundo
das mercadorias forma relativa generalizada e social do valor, por estarem e enquanto
estiverem excluídas todas as mercadorias, com exceção de uma única”26. Surge, disso, a
forma dinheiro.
Deve-se notar a significação dialética do projeto de Marx. A troca de mercadorias, surgida
inicialmente na forma simples de valor, consiste na “forma elementar de manifestar-se a
oposição nela existente, entre valor de uso e valor”, e por isso “a forma simples de valor da
mercadoria é também a forma-mercadoria elementar (...) coincidindo, portanto, o
desenvolvimento da forma-mercadoria com o desenvolvimento da forma valor”27. Neste
percurso dialético, aprofunda-se a distinção até se atingir uma forma na qual a contradição se
mova no processo social, dentro do qual o problema surge e se resolve28:

“Assim nesta única mercadoria se resolve a contradição que reside nas mercadorias
como tais, e que consiste em ser, ao mesmo tempo, valor de uso particular e
equivalente geral, e por isso valor de uso para qualquer um, valor de uso geral”29.

A troca resulta de se promover a mercadoria como valor, e não somente enquanto objeto
de satisfação de necessidades. O valor pode ser idealizado por abstração, mas a troca implica
que esta abstração seja objetivada, já que deve resolver uma contradição no processo real de
troca: “aparece como uma abstração, mas é uma abstração que é praticada diariamente no
processo social de produção”30.
O dinheiro, em sua forma acabada, constitui o momento em que o valor se substancializa,
e confere a uma mercadoria particular a representação31 da universalidade das relações do
mundo das mercadorias. O dinheiro, como termo em que se resolve a contradição imediata da
mercadoria, também oculta, portanto, esta contradição, e “é superada de uma forma que a
reproduz em outro nível”32, ou seja, que “A diferenciação das mercadorias em mercadorias e

25
Ibid. pg. 88.
26
Ibid. pg, 90.
27
Ibid. pg. 83.
28
Cf.: “Na troca direta de produtos, cada mercadoria é, para seu possuidor, meio de troca; para seu não-
possuidor, equivalente, mas só enquanto for, para ele, valor-de-uso. O artigo de troca, nesse caso, não adquire
ainda nenhuma forma de valor desligada independente de seu próprio valor-de-uso ou da necessidade individual
do permutante. A necessidade dessa forma desenvolve-se com o número e a variedade crescentes das
mercadorias que entram no processo de troca. O problema surge simultaneamente com os meio de sua solução”
(Ibid. pg. 113). Nesta passagem, surge a olhos vistos a incontornável fundamentação social da dialética da
mercadoria, e como resultado dessa dialética, o surgimento do dinheiro.
29
MARX, 1978, Pg. 151.
30
Ibid. pg. 137.
31
Há uma distinção fundamental, porém sutil, entre as obras de Marx quanto ao estabelecimento do dinheiro
como representante o símbolo do valor. Nos Grundrisse demonstra-se claramente a teoria do dinheiro como
símbolo, tomado como sinônimo de representante do valor. Já em Para a Crítica da Economia Política, Marx
deixa de lado a teoria do símbolo, e trata o dinheiro meramente como representante do valor: “O dinheiro não é
símbolo, assim como o modo de existência de um valor de uso também não é símbolo” (MARX, 1978, pg. 151).
A diferença consiste em que, na teoria do dinheiro como representante de valor, se denotaria o aspecto real da
categoria econômica discutida, ao passo que como símbolo, se reduziria a uma mera idéia. Sobre o assunto, ver
ROSDOLSKY, 1986, Parte III, Capítulo 5.
32
Ibid. pg. 121.
dinheiro não faz cessar essas contradições, mas gera a forma dentro da qual elas se podem
mover”33.

3 – A NATUREZA DO VALOR

Este é o sentido da dialética da mercadoria: demonstrar a gênese da forma dinheiro a partir


da contradição presente na mercadoria singular. A forma mercadoria pressupõe, por isso, o
desenvolvimento até a forma dinheiro. No entanto, entendemos que poucos costumam apontar
para uma problemática aparentemente sem muita relevância na compreensão do seu
significado e fundamentação real.
Antes de tudo, é necessário que se reconheça a importância da forma simples do valor, já
que “a mercadoria equivalente da forma simples do valor, é o germe da forma dinheiro”34.
Neste primeiro momento, nota-se que o sustentáculo da relação de troca é a igualdade, de
modo que “Linho = casaco é o fundamento da equação”35. Uma vez que ambas são valores de
uso diferentes, devem ser reduzidas a uma identidade. Trata-se, portanto e sobretudo, de
indagar quanto à realização desta identidade.
Para encontrar a identidade que impera na relação entre as mercadorias torna-se “mister,
primeiro, considerar essa relação inteiramente dissociada de seu aspecto quantitativo”36. Ao
contrário dos economistas clássicos, Marx aponta: “Esquece-se que duas coisas diferentes só
se tornam quantitativamente comparáveis depois de sua conversão a uma mesma coisa”37.
A solução do problema pode ser buscada no significado do valor de troca. Como Marx
coloca, “De acordo com o hábito consagrado, se disse, no começo deste capítulo, que a
mercadoria é valor-de-uso e valor-de-troca”, mas atenta para o fato de que:

“isto, a rigor, não é verdadeiro. A mercadoria é valor-de-uso ou objeto útil e ‘valor’.


Ela revela seu duplo caráter, o que ela é realmente, quando, como valor, dispõe de
uma forma de manifestação própria, diferente da forma natural dela, a forma de
valor-de-troca”38.

Surge, portanto, uma diferenciação entre o que se denomina de ‘forma do valor’, ou seu
valor de troca, e ‘valor’. Em O Capital, esta distinção se torna clara quando Marx denota que
“O que se evidencia comum na relação de permuta ou no valor-de-troca é, portanto, o valor
das mercadorias”39.
A teoria consiste, então, em que as formas do valor – simples, extensiva e geral -, assim
como a forma-dinheiro, são as próprias expressões sociais do valor. Este, como vimos,
pressupõe a suspensão das determinações particulares de cada mercadoria, isto é, dos valores
de uso. Essa oposição se apresentará na própria substância que constitui o valor. Assim, o
valor, determinado pelo tempo de trabalho, não tem somente uma determinação quantitativa,
mas ao mesmo tempo qualitativa. O trabalho que gera valor é diferenciado do trabalho que
gera valor de uso:

33
MARX, 1998, pg. 131.
34
Ibid. pg. 92. Cf. também: “Todo o segredo da forma do valor encerra-se nessa forma simples do valor. Na sua
análise reside a verdadeira dificuldade” (Ibid. pg. 70).
35
Ibid. pg. 72.
36
Ibid. pg. 71.
37
Ibid. pg. 71.
38
Ibid. pg. 82.
39
Ibid. pg. 60. Cabe sublinhar aqui como a teoria em O Capital é mais bem desenvolvida em relação àquela em
Para a Crítica da Economia Política, já que nesta a diferenciação entre o valor e a forma do valor ainda não está
presente. Sobre o tema, ver GRESPAN, 1994.
“Se prescindirmos do valor-de-uso da mercadoria, só lhe resta ainda uma
propriedade, a de ser produto do trabalho. Mas, então, o produto do trabalho já terá
passado por uma transmutação”40.

Todas as mercadorias devem poder se relacionar como equivalentes, e por isso os


trabalhos que as produzem devem também ser reduzidos a sua característica comum. Com a
oposição presente na mercadoria, leva-se adiante a manifestação e resolução desta dualidade:

“Só a expressão da equivalência de mercadorias distintas põe à mostra a condição


específica do trabalho criador de valor, porque ela realmente reduz à substância
comum, a trabalho humano, simplesmente, os trabalho diferentes incorporados em
mercadorias diferentes”41.

A dualidade expressa na forma simples do valor se torna assim elucidada no próprio


trabalho como sua substância: “verificou-se que o trabalho também possui duplo caráter:
quando se expressa como valor, não possui mais as mesmas características que lhe pertencem
como gerador de valores-de-uso”42.
Fica claro, assim, a segunda e a terceira propriedade da mercadoria equivalente na forma
simples do valor. A primeira propriedade, como vimos, consistia em que o valor de uso se
torna a manifestação de seu contrário, o valor. Sua segunda propriedade consiste em “o
trabalho concreto tornar-se forma de manifestação de seu contrário, trabalho humano
abstrato”43. No mesmo sentido, a terceira propriedade da forma equivalente é justamente o
fato de “tornar-se o trabalho privado a forma do seu contrário, trabalho em forma diretamente
social”44. Entretanto, esta terceira propriedade da forma equivalente aponta para uma busca
ainda mais profunda de nossa investigação, a saber, a dimensão social da dialética da
mercadoria.

4 – A DIVISÃO SOCIAL DO TRABALHO E SEU SIGNIFICADO

A divisão do trabalho constitui-se numa sociedade onde as formas de trabalho se mostram


autônomas umas em relação às outras. Esta autonomia deve, entretanto, encontrar uma
expressão diretamente social. Caso contrário, a permutabilidade não seria possível:

“A forma geral do valor, que torna os produtos do trabalho mera massa de trabalho
humano sem diferenciações, mostra, através de sua própria estrutura, que é a
expressão social do mundo das mercadorias. Desse modo, evidencia que o caráter
social específico desse mundo é constituído pelo caráter humano geral do
trabalho”45.

A divisão do trabalho expressa uma formatação social de proprietários privados, que


necessitam da troca e, portanto, da abstração de todo trabalho concreto. A produção realiza-se
voltada para a troca. A dualidade da mercadoria se expressa nas relações sociais. Assim, não
se produz valor de uso para si mesmo, mas somente para outros. Esta é a exigência social para

40
MARX, 1998, pg. 60.
41
Ibid. pg. 73.
42
Ibid. pg. 63.
43
Ibid. pg. 80.
44
Ibid. pg. 81.
45
Ibid. pg. 89.
que se crie mercadoria: “Para criar mercadoria, é mister não só produzir valor-de-uso, mas
produzi-lo para outros, dar origem ao valor-de-uso social”46.
A circulação simples revela haver um fundamento social. O desenvolvimento dialético das
formas do valor sustenta-se, portanto, na divisão social do trabalho. Entretanto, é necessário
analisar-se como se caracteriza este fundamento social.
Quando no primeiro capítulo de O Capital, Marx concebe a sociabilidade burguesa como
uma relação recíproca entre produtores privados, deve-se compreender que se trata de uma
abstração do método expositivo. No decorrer da exposição existirá uma contradição aguda
entre as classes, diferenciando-se entre o possuidor da mercadoria dinheiro e da mercadoria
trabalho47.
Como aponta Marx, “Não é com os pés que as mercadorias vão ao mercado, nem se
trocam por decisão própria”48. Por isso, o produtor privado deve levar sua mercadoria ao
mercado, alienando-a no processo de troca de mercadorias. Isso, porém, implica que ambos
“reconheçam, um no outro, a qualidade de proprietário privado”49. Este reconhecimento
implica no estabelecimento de relações mútuas entre “pessoas independentes entres si” como
“condição de independência recíproca”50. Isso significa que a relação de troca demonstra-se
como um processo individual, mas que não se desvincula de um processo social. É o que
evidencia Marx na seguinte passagem:

“Cada proprietário de uma mercadoria só a cede por outra cujo valor-de-uso satisfaz necessidade sua.
Assim, a troca é, para ele, processo puramente individual. Além disso, quer realizar sua mercadoria
com valor, em qualquer outra mercadoria do seu agrado, com o mesmo valor, possua ou não sua
mercadoria valor-de-uso para o proprietário da outra. A troca passa então a ser, para ele, processo
social”51.

A dualidade se mostra novamente como regra das relações burguesas. Assim, na relação
de troca, aparece a dualidade entre processo individual e social: “Mas não há possibilidade de
o mesmo processo ser simplesmente individual e ao mesmo tempo simplesmente social e
geral”52.

46
Ibid. pg. 63. É importante lembrar o trecho intercalado de Engels na seqüência da passagem citada, com o
intuito de não confundir que Marx denomine mercadoria qualquer produto que não seja consumido pelo próprio
produtor: “O camponês medieval produzia o trigo do tributo para o senhor feudal, o trigo do dízimo para o curo.
Mas, embora fossem produzidos para terceiros, nem o trigo do tributo nem o do dízimo eram mercadoria. O
produto, para se tornar mercadoria, tem de ser transferido a quem vai servir como valor-de-uso por meio de
troca” (Ibid. pg. 63). Novamente, aqui historiciza-se a forma mercadoria, denotando o fundo concreto para que
se estabeleça a dialética da mercadoria. Cabe, aqui também, levar adiante a continuação do trecho citado, para
não considerar que Marx considere que toda divisão do trabalho implica a produção de mercadoria: “embora,
reciprocamente, a produção de mercadorias não seja condição necessária para a existência da divisão social do
trabalho. Na velha comunidade indiana, há a divisão social do trabalho, sem que os produtos se convertam em
mercadorias” (MARX, ibid. pg. 64).
47
Sobre o assunto, ver a Introdução dos Grundrisse, onde Marx trata do método: “O concreto é concreto porque
é a concentração de várias determinações, portanto unidade do diverso. Aparece no processo do pensamento,
portanto, como um processo de concentração, como resultado, não como um ponto de partida, mesmo sendo o
ponto de partida na realidade e assim também ponto de partida da observação [Anschauung] e concepção. No
decorrer do primeiro passo a concepção total foi evaporada para caber uma determinação abstrata; no decorrer
do segundo, as determinações abstratas avançam rumo uma reprodução do concreto através do pensamento”
(MARX, Grundrisse, pg. 101, tradução livre do inglês)
48
MARX, 1998. pg. 109.
49
Ibid. pg. 109.
50
Ibid. pg. 111.
51
Ibid. pg. 110-111.
52
Ibid. pg. 111.
É assim que “descobrem os nossos donos de mercadorias que a mesma divisão do
trabalho, ao fazer deles produtores privados” também expõe que “a independência recíproca
das pessoas se integra num sistema de dependência material de todas as partes”53.

5 – O VALOR COMO NEXO SOCIAL

O que importa notar é que somente mediante sua existência enquanto nexo social entre
proprietários privados é que o valor se torna coisa social. Por outro lado, porém, denota-se
que, assim como o valor esconde em si uma relação entre pessoas, do mesmo modo, o valor
não é de modo algum uma qualidade natural dos produtos do trabalho: “Vire-se e revire-se, à
vontade, uma mercadoria: a coisa-valor se mantém imperceptível aos sentidos”54. O valor só
se patenteia na generalização da troca: “seu valor é, portanto, uma realidade apenas social”55.
Note-se como Marx denota ser o valor uma ‘realidade apenas social’, e por isso a troca de
mercadorias, dentro da qual ele se manifesta, não deve ser tomado como uma relação fortuita.
Esta asserção implica não somente que a troca se torna uma lei social, mas que a própria
estrutura de produção passa ser voltada para a troca, como meio através do qual os
proprietários privados se relacionam mutuamente.

“A repetição constante da troca torna-a um processo social regular. Por isso, com o
tempo, passa-se a fazer para a troca, intencionalmente, pelo menos uma parte dos
produtos do trabalho. A partir desse momento, consolida-se a dissociação entre a
utilidade das coisas destinadas à satisfação direta das necessidades e a das coisas
destinadas à troca. Seu valor-de-uso dissocia-se do seu valor-de-troca”56.

Devido, portanto, a um desenvolvimento das relações de troca, que ocorre


simultaneamente a um desenvolvimento das relações de produção, da distribuição dos meios
de produção e, assim, da divisão social do trabalho, devido a todas estas premissas é que
surge, como fato social, o valor, e, portanto, o desenvolvimento das formas do valor, a
dialética da mercadoria.

6 – O MÉTODO EXPOSITIVO

No decorrer de nossa exposição, verificamos que em diversas passagens Marx aponta para
uma contextualização histórica e social para a efetivação da dialética da mercadoria. Estes
apontamentos consistem justamente na compreensão de que neste nível da exposição, o
primeiro capítulo sobre a mercadoria e o dinheiro, Marx trabalha com um grau de abstração
que vai se concretizando no decorrer da exposição. E assim, por exemplo, se vê que não existe
e nunca existiu uma sociedade de proprietários privados e autônomos, onde todos produzem
para troca. No capítulo II, como vimos, Marx aponta que estes se dividem em proprietário de
dinheiro (e dos meios de produção, como aparece nos capítulos seguintes) e proprietário de
trabalho, distinção que retorna no Livro II. Esta distinção entre os agentes da circulação
simples surgem, histórica e socialmente, no capítulo XXIV – A chamada acumulação

53
Ibid. pg. 135.
54
Ibid.. pg. 69.
55
Ibid. pg. 69.
56
Ibid. pg. 112.
primitiva. Do mesmo modo, a mercadoria e o dinheiro só se impõem como regra social no
sistema capitalista. Isso implica tanto um contexto social e histórico já pressuposto.
Cabe, enfim, ressaltar que na esfera da circulação simples impera a regra da propriedade,
igualdade e da liberdade, ou seja, não se troca mercadorias de valores diferentes. Somente ao
se igualarem em sua relação valorativa podem as mercadorias ser intercambiáveis entre si.
Isto revela-se como a forma de realização de seu contrário, ou seja, a regra da desigualdade,
da não-liberdade e da expropriação. É por isso que, para tratar do capital enquanto valor que
gera mais valor, Marx aponta que “Capital, portanto, nem pode originar-se na circulação nem
fora da circulação. Deve, ao mesmo tempo, ter e não ter nela sua origem”57. Dentro da
circulação, pois é ali que se encontra o trabalho livre à venda como mercadoria; fora da
circulação, pois nela impera a lei da igualdade.
A propriedade do dinheiro, de um lado, e do trabalho, de outro, intercambiando-se livre e
em pé de igualdade na circulação simples como propriedade de cada indivíduo, devem dar
lugar à uma dimensão do sistema onde estas leis se convertem no seu contrário. É por isso
que, ao adentrar na Parte Terceira – A produção de mais-valia absoluta, ou seja, ao adentrar a
esfera da produção, Marx afirma: “Ao deixar a esfera da circulação simples ou da troca de
mercadorias (...) parece-nos que algo se transforma na fisionomia dos personagens de nosso
drama”58. A lei da desigualdade, da não-liberdade e da propriedade como apropriação do
trabalho alheio surge, porém, no item 1-A reprodução ampliada. Transmutação do direito de
propriedade da produção mercantil em direito de propriedade capitalista, do capítulo XXII-
Transformação da mais-valia em capital, por isso somente como resultado dialético da
digressão sobre a esfera da produção.
A chamada dialética da mercadoria consiste, enfim, numa etapa de uma dialética
expositiva da obra como um todo. É esta conjuntura expositiva, que eleva o simples e abstrato
ao complexo e concreto, que leva muitas leituras ao equívoco. A esfera da circulação simples,
portanto, tal como se apresenta, consiste numa abstração, ou seja, num momento da exposição
onde outras determinações estão pressupostas, e que ao longo da obra serão postas como
verdadeiras, enriquecendo aquelas categorias iniciais simples e imediatas.
Trata-se, substancialmente, de compreender o movimento dialético que está em jogo na
obra O Capital. Nenhum círculo de raciocínio pode ser destacado de sua contextualização
expositiva, o que levaria a erros de interpretação teórica. A mercadoria, deste modo, acaba
sendo definida em toda sua exposição na última seção do Livro III – O Processo Global de
Produção Capitalista. Nos fins da obra, portanto, todo o sistema social está posto como
efetivo, concreto porque teorizado em todas as suas relações e determinações históricas e
sociais. Pode Marx, então, definir a mercadoria não mais como mero valor de uso e valor. No
último nível expositivo, no valor de cada mercadoria se apresenta o lucro de cada classe social
em jogo no sistema capitalista: o capital, o assalariado e o proprietário fundiário. Em cada
mercadoria, portanto, pode-se ver o universo sistêmico do complexo social teorizado. É por
isso que, somente no final, pode-se ver em cada mercadoria a ação de cada classe social e suas
relações entre si; é por isso que em cada mercadoria se apresenta a luta de classes, denotando
que a partir da mais simples manifestação do capitalismo, a mercadoria, desenvolve-se todo o
sistema social em voga.

57
Ibid. pg. 196.
58
Ibid. pg. 206. Marx aponta aqui sua profunda compreensão da dialética, como aquele movimento do diálogo,
já presente na teoria platônica, e que em Hegel se firmaria e sua forma mística, como diálogo entre conceitos
meramente. Assim, se sustenta a dramaticidade do pensar dialético de Marx, como diálogo tenso entre as classes
em jogo no sistema capitalista. Sobre o assunto, ver BENOIT, Hector. Em busca da odisséia: a questão
metodológica das temporalidades e a materialidade da lexis (primeiro livro da tetralogia dramática do pensar).
Campinas, 2004. Tese de Livre-Docência – Universidade Estadual de Campinas, Instituto de Filosofia e Ciências
Humanas.
7 – CONCLUSÃO

A dialética marxista segue, portanto, um método fenomenológico, ou seja, trata-se de


atravessar os fenômenos em seu mero surgimento imediato, e alcançar o fundo que constitui a
condição de sua existência. Não se trata, como noutras correntes filosóficas, de descobrir a
substância verdadeira que se esconde por detrás da ilusão aparente. Aquilo que aparece é
também verdadeiro, e o fundo que constitui sua condição de existência consiste em um
desdobramento do próprio fenômeno que aparece. É assim que Hegel, em sua Ciência da
Lógica propõe, ao afirmar que cabe à essência aparecer, ou seja, o fenômeno faz parte daquilo
que é verdadeiro em si. Trata-se somente de não adotar o aparente isoladamente, faz de forçá-
lo a desvendar aquilo do qual ele mesmo faz parte. É assim, portanto, que se deve
compreender cada fator da obra O Capital de Karl Marx, aceitando o desafio de percorrer
todos os campos de negatividade, nos quais os contrários geram um ao outro, e em sua
travessia o simples se torna completo, o abstrato se torna concreto, e o possível se torna
efetivo:

“As abstrações vazias (...) se suprassumem no ultrapassar imediato, uma na outra; o


conteúdo não é, ele mesmo, outra coisa que a sua identidade: elas são a aparência
da essência, posta como aparência. Pela exteriorização da força, o interior é posto
na existência. Esse pôr é o mediar através de abstrações vazias; desvanece em si
mesmo em direção à imediatez, em que o interior e o exterior são em si e para si
idênticos, e sua diferença é determinada somente como ser-posto. Essa identidade é
a efetividade”59.

Como escrito na Introdução aos Grundrisse, e que foi utilizado em Para a Crítica da
Economia Política, Marx deixa claro o trajeto conceitual de sua exposição. Fica claro o
método de construção do conjunto social e partir do mais simples, e com as diversas relações
estabelecendo-se gradualmente, chega-se numa totalidade real, e não caótica:

“Parece que o correto é começar pelo real e pelo concreto, que são a pressuposição
prévia e efetiva; assim, em Economia, por exemplo, começar-se-ia pela população,
que é a base e o sujeito do ato social de produção como um todo. No entanto,
graças a uma observação mais atenta, tomamos conhecimento de que isto é falso. A
população é uma abstração, se desprezarmos, por exemplo, as classes que a
compõem. Por seu lado, estas classes são uma palavra vazia de sentido se
ignorarmos os elementos em que repousam (...) Assim, se começássemos pela
população, teríamos uma representação caótica do todo, e através de uma
determinação mais precisa, através de uma análise, chegaríamos a conceitos cada
vez mais simples; do concreto idealizado passaríamos a abstrações cada vez mais
tênues até atingirmos determinações as mais simples. Chegados a este ponto,
teríamos que voltar a fazer a viagem de modo inverso, até dar de novo com a
população, mas desta vez não como uma representação caótica de um todo, porém
com uma rica totalidade de determinações e relações diversas”60.

Esta citação, apesar de longa, é necessária para entender o programa expositivo de Marx
para sua obra O Capital. A falta de compreensão da obra como um todo, que não raramente
encontra-se nos estudos de Marx, cai necessariamente no empobrecimento de sua teoria, já
que deixa-a cheia de lacunas. De fato, não se pode pretender compreender a dialética da

59
HEGEL, 1995, pg. 265.
60
MARX, 1978, pg. 116.
mercadoria através de uma leitura do primeiro capítulo, nem mesmo somente do primeiro
livro. Pois, já como indica Marx:

“O concreto é concreto porque é a síntese de muitas determinações, isto é, unidade


do diverso. Por isso o concreto aparece no pensamento como o processo da síntese,
como resultado, não como ponto de partida (...) A mais simples categoria
econômica (...) o valor de troca, pressupõe a população, uma população produzindo
em determinadas condições e também certos tipos de famílias, de comunidade ou
Estado. O valor de troca nunca poderia existir de outro modo senão como relação
unilateral, abstrata de um todo vivo e concreto já dado”61.

Cremos que esta passagem sintetiza o objetivo de nossa análise até aqui. A dialética
marxista não seria, assim, um congelamento de equações analíticas, como se propõe a fazer
alguns estudiosos de Marx. A dialética, desde suas origens na Grécia antiga em Platão,
passando pelo neoplatonismo e então revivido por Hegel, não tem como proposta colocar o
fundamento no início da exposição. O fundamento, dialeticamente compreendido, não pode
ser o inicio, já que pressuporia partir-se de um dogma. O fundamento não pode ser dogmático,
mas deve ser o resultado do percurso através da várias figuras do real. Trata-se, portanto, do
avesso do programa teórico cartesiano. Em uma palavra: o fundamento deve ser demonstrado.
Fechamos, assim, com uma citação de Hegel, para relembrar o programa descrito acima por
Marx:

“Se o conceito – como aqui é o caso – for designado como a verdade do ser e da
essência, dever-se-á estar preparado para a questão: por que não se começou por
ele? Para sua resposta convém [lembrar] que onde se trata de conhecimento
pensante não se pode começar com a verdade, pelo motivo de que a verdade, já que
forma o começo, repousa em simples asseveração; mas a verdade pensada como
tal, tem de provar-se para o pensamento. Se o conceito fosse posto no começo da
Lógica e, como é totalmente correto segundo o conteúdo, definido como a unidade
do ser e da essência, então surgiria a questão do que se entende por ser e por
essência, e como os dois termos vêm a condensar-se na unidade do conceito. Assim
porém, só se teria começado pelo conceito segundo o nome, e não segundo a Coisa.
O começo propriamente dito seria feito com o ser, tal como aqui ocorreu; apenas
com a diferença de que as determinações do ser, e igualmente as da essência,
teriam de ser tomadas diretamente da representação; ao contrário, nós tivemos
conhecimento do ser e da essência considerados em seu próprio desenvolvimento
dialético, e enquanto suprassumindo-se a si mesmos para [serem] a unidade do
conceito”62.

AGRADECIMENTOS

Devo, antes de tudo, agradecer a meus familiares, pelo apoio a minha permanência na
pesquisa apaixonada e comprometida em Filosofia. Devo agradecimento especial à Thaís, que
vem me dando coragem para enfrentar as dificuldades do percurso, as vitórias e as derrotas.
Agradeço, enfim, pelos colegas de pesquisa, professores e alunos, que vêm ajudando na
construção de uma leitura séria e rigorosa dos textos que se apresentam.

61
Ibid. pg. 116-117.
62
HEGEL, 1995, pg. 289.
BIBLIOGRAFIA

BENOIT, Hector. Sobre a crítica (dialética) de O Capital. In: Revista Crítica Marxista,
número 03. São Paulo: Editora Xaman, 1996.
____________. Em busca da odisséia: a questão metodológica das temporalidades e a
materialidade da lexis (primeiro livro da tetralogia dramática do pensar). Campinas, 2004.
Tese de Livre-Docência – Universidade Estadual de Campinas, Instituto de Filosofia e
Ciências Humanas.
GRESPAN, Jorge. A dinâmica da crise – um estudo sobre o conceito de crise na crítica
da economia política de Marx. Título de doutoramento apresentada ao Departamento de
Filosofia do IFCH/UNICAMP, 1994.
HEGEL, G.W.F. Enciclopédia das ciências filosóficas em compêndio – A Ciência da
Lógica. Tradução Paulo Meneses, com colaboração de José Machado. São Paulo: Loyola,
1995.
MARX, Karl. Para a critica da economia política. Tradução Edgard Maladodi. São
Paulo: Abril Cultural, 1982.
___________. O Capital – crítica da economia política. Tradução Reginal Sant’Anna.
Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1998.
___________. Grundrisse: foundations of the Critique of Political Economy. Translated
with a Foreword by Martin Nicholaus. London, Great Britain: Penguin Books in association
with New Left Review, 1993.
ROSDOLSKY, Roman. Gênesis y estructura de ‘El Capital’ de Marx. México: Siglo
XXI, 1986.

Você também pode gostar