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EABU
LARIÜ
PERNAMBUEAN0
F. A . PEREIRA DA COSTA
COLEÇÃO
Governo do Estado de Pernambuco PERNAMBUCANA
Secretaria de Educação e Cultura

VOCABULÁRIO
PERNAMBUCANO
F. A. PEBERA OA COSTA

COLECÃO
} PER N AM B U C ANA:

PERNAM BUCO SEU DESENVOLVIM ENTO HISTÓRICO; Manoel de


Oliveira Lima

VOCABULÁRIO PERN AM BU C ANO ; F. A . Pereira da Costa

M EM ÓRIA HISTÓRICA E BIOGRÁFICA 00 CLERO PENAM BUCANO;


Padre Lino do M onte Carmello Luna /
DICIONÁRIO TOPOGRÁFICO, ESTATÍSTICO E HISTÓRICO DA PRO­
VÍNCIA DE PERNAM BUCO; Manoel da Costa Honorato
0

PRÓXIM OS LA N Ç AM EN TO S

HISTÓRIA DA GUERRA BRASÍLICA; Francisco de Brito Freyre

TEM PO DOS FLA M EN G O S ; José Antonio Gonsalves de Mello


O poeta Manuel Bandeira, no seu Evocação
do Recife, fala numa cidade onde " . . . a vida
não me chegava pelos jornais nem pelos livros.
Vinha da boca do povo na língua errada do po­
vo. Língua certa do povo. Porque ele é que fala
gostoso o português do Brasil . . ."
E arremata o poeta: "A o passo que nós o
que fazemos é macaquear a sintaxe lusíada. . / '
Para o em érito pesquisador Luis da Câmara
Cascudo, "o u v ir o Povo é curso universitá­
rio. .
Foi através dos ensinamentos do povo da
outrora Capitania Duartina que Francisco
Augusto Pereira da Costa (1851-1923) conse­
guiu reunir, na segunda década do século X IX ,
elementos para com por o que ele denom inou
de Vocabulário Pernambucano; obra publica­
da post-mortem em 1937 na Revista do In s titu ­
to Arqueológico H istórico e Geográfico Per
nambucano.
Confessa Luis da Câmara Cascudo, na p ri­
meira edição do seu D icionário do Folclore
Brasileiro (1954), ter transcrito vários verbetes
da singular obra de Pereira da Costa; o que bem
caracteriza a im portância de um estudo ainda
hoje atual. 0 Conselho Estadual de Cultura, em
resposta a o fíc io enviado pelo Secretário da

Capa:Detalhe da gravura publicada na primeira


página do Jornal Pequeno (Recife) de 22
de fevereiro de 1909f/segundo programa­
ção visual de Ana Elizabeth Vaz.
Educação e Cultura do Estado, indicou no seu
o fic io n? 9 1 /7 5 a obra de Pereira da Costa en­
tre as de notável im portância para o conheci­
m ento da Cultura de Pernambuco.
D entro do objetivo do seu Programa de Ação
C ultural — "despertar na juventude e na coleti­
vidade o gosto e o amor por sua própria C u ltu ­
ra " — , o Governo de Pernambuco dá c o n tin u i­
dade a Coleção Pernambucana formada de
obras, inéditas ou reedições, destinadas aos es­
tudos pernambucanos.
Valorizada pelas notas introdutórias do Prof.
Mario Souto Maior, autor de vários outros tra ­
balhos no gênero, a segunda edição fac-similar
do Vocabulário Pernambucano tornar-se-á livro
de consulta de estudiosos e deleite para todos
os que se interessam pelos estudos pernambuca­
nos; que vêm sendo cuidados com carinho pelo
Programa de Ação Cultural do Governo do Es­
tado.
Ressalte-se, nisso tudo, o especial interesse
do Governador José Francisco de Moura
Cavalcanti e do seu Secretário da Educação e
C ultura, Prof. José Jorge Vasconcelos Lima, no
sentido de despertar às novas gerações para es­
tudos de im portância para a nossa Cultura e
formação de nossa pernambucanidade.

LEONARDO DANTAS S ILV A

Diretor do Departamento de Cultura


VBGABULÁRIQ
PERNAMBUGAN0
F A PEREIRA DA COSTA
C OL EÇ Ã O P E R N A M B U C A N A

J tr Volume II
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PERNAMBÜEAN0
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F A. PEREIRA DA COSTA

Prefácio de
**51 Mário Souto Maior
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2? Edição

^A* - ,r GOVERNO DO ESTADO DE PERNAMBUCO


°Ç 5 ' SE C R ET A R IA D E EDU CAÇÃ O E CU LTU RA
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R ec ife — 1976
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) W f í r -
Um Vocabulário
Pernambucano

márz\o sou to mcx\orz


c ^ ^ ^ ^ o n t in u a o Departam ento de Cultura de Pernam buco, p or in ter­
m édio de seu mais que dinâm ico D iretor a prestar m agníficos serviços
à cultura pernambucana, ressuscitando, do esquecim ento ingrato a que
estavam condenadas, obras fundam entalm ente indispensáveis ao co­
nhecimento da nossa história, do nosso folclore.
Iniciando a Coleção Pernambucana com Pernam buco, seu Desen­
volv im e n to H is tó rico , de O liveria Lim a, Leonardo Dantas Silva, ani­
mado pela vontada de servir Pernam buco, nos dará, dentro de pouco
tempo, reedições de M em ó ria H is tó rica e B iográ fica do C lero Pern a m ­
bucano de Lino do M onte Carm elo Luna (c o m anotações do M onse­
nhor Severino N o gu eira ), D icio n á rio H is tó ric o e T o p o g rá fic o da P r o ­
víncia de Pern a m b u co de M anuel da Costa H on orato (c o m anotações
de José Antônio Gonsalves de M e llo ), H is tó ria da G uerra B rasílica de
Francisco de Bento F reire (ta m b ém com anotações e com entários de
José Antônio Gonsalves de M e llo ), livros que já se encontram em fase
de com posição alguns e de im pressão, outros.
Agora, tam bém incorporado à Coleção Pernambucana, tem os a
grande alegria de ver reeditado este esgotadíssim o e im portantíssim o
V oca b ulário Pernam bucano, de P ereira da Costa, publicado postum a­
mente, em 1937, na R evista do In s titu to A rq u e o ló g ico H is tó ric o e G eo­
grá fico de Pernam buco.
E quem é P ereira da Costa, autor deste V oca bu lá rio Pern am bu ­
cano? Filh o de M nauel Augusto de Menezes Costa e de M aria Augusta
Pereira da Costa, nasceu Francisco Augusto Pereira da Costa na cidade
do R ecife, no dia 16 de dezem bro de 1851. Fez seus prim ieros estudos
no Colégio de Nossa Senhora do B om Conselho. Cõm a idade de
dezesseis anos, deixou de estudar para ser balconista numa livraria
recifense. Aos vinte e um anos escreveu um artigo intitulado N ú m e ro
Sete, que publicou no D iá rio de Pernam buco. A p artir de então, passou
a divulgar estudos e ensaios sobre figuras e fatos ligados não somente
à h istória pernambucana com o tam bém a de tod o o Nordeste, fir ­

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mando-se, assim, com o estudioso das coisas pernambucanas e da histó­
ria da região onde nasceu e viveu. N o ano de 1884, P ereira da Costa
fo i convidado para exercer as funções de S ecretário do G overno do
Piauí. Com quarenta anos concluiu o curso de Ciências Jurídicas e
Sociais, pela Faculdade de D ireito do Recife. F o i m em bro do Conse­
lho M unicipal do R ecife (1889-1891), deputado estadual e um dos fun­
dadores da Academ ia Pernambucana de Letras. Faleceu no dia 21 de
n ovem bro de 1923.
N ão fo i na política, entretanto, que P ereira da Costa mais se des­
tacou. C om o hom em inteligente que era, claro que sua passagem pelo
Conselho M unicipal do R ecife e pela Câmara Estadual não fo i em vão,
porque seu nom e sem pre esteve ligado a todas as leis que visavam a
higiene, a saúde e o bem-estar dos recifenses e pernambucanos.
P ereira da Costa perm aneceu vivo na história cultural de Pernam ­
buco pela força e pelo valor de seus m agníficos trabalhos, ainda hoje
de grande valia para os que se dedicam ao estudo da história e do
F olclore pernambucanos. Obras com o M osa ico Pernam bucano (c o le ­
ção de excertos históricos, poesias populares, anedotas, curiosidades,
lendas, antiqualhas, usanças, ditos célebres, etc., 1884), A Ilh a de F e r­
nando de N o ro n h a (1888), Enciclopediana B rasileira (1889), F o lc lo re
Pernam bucano (subsídios para a história da poesia popular em P e r­
nambuco, 1909 — que o A rqu ivo Público, sob a direção de Mauro
M ota, reeditou recentem ente), A Naturalidade de Cam arão (1909),
Anais Pernam bucanos (o n d e vam os encontrar registrada, com im pres­
sionante riqueza (.de detalhes, a história de Pernam buco desde sua
fundação até o ano de 1850) e outras, num total de trinta e seis, entre
as quais este V oca b ulário Pernam bucano, trabalho de fôlego, resultado
de, ninguém sabe, quantos anos de pesquisa, num tem po em que a
técnica e os m eios de com unicação não eram os de hoje.
Alguns chegam a pensar que o vocabulário de um Estado seja a
coleção de palavras e de locuções som ente usadas pelo povo daquele
Estado, quando, na verdade, diz respeito às palavras e locuções mais
correntem ente faladas e escritas pelo povo do m esm o Estado, além
das que — m uito poucas, é claro — são próprias da região. E lab o­
rando um trabalho assim, sem os recursos da técnica nem os meios
de com unicação de agora, P ereira da Costa, m unido apenas de sua
paciência bem franciscana, conseguiu, neste seu V oca vu lá rio Pern a m ­
bucano, realizar uma pesquisa que, apesar de feita há quase um século,
continua válida e de grande im portância para o estudo da língua p o r­
tuguesa falada nesta região. Continua válida porque no Vocabulário
Pernam bucano de P ereira da Costa vam os encontrar palavras e locu­
ções ainda h o je correntes na boca do povo, palavras e locuções com o
am oitado (esco n d id o), boia (c o m id a ), cangalha (pernas tortas para
dentro, com o as de um alicate), desencavar (descobrir, encontrar,
achar algum a coisa ou alguém ), em p eitica r (ab orrecer, azucrinar),
fr ito (m e tid o em maus len çóis) gira (am alucado, id io ta ), hora-da-
m o rte (carestia g e ra l), igrejin h a (reun ião de lim itado núm ero de pes­
soas em um dado lugar para certos fin s ), judeu (m a lv a d o ), loca (b u ra ­
co, cova, esco n d erijo ), malassaãa (frita d a de qualquer esp écie), nascer

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(quebrar-se um o b jeto de louça ou de v id ro ), ossada (m u lher muito
magra, esquelética), pá (p a rte superior das costas), quartinha (espécie
de bilha de barro, de m odelos vários para conter e refrescar a água),
roçado (p lan tação de cereais), seda (delicada, am ável), terens (b aga­
gem, tro ç o s), u rso (in divídu o insociável, am igo fa ls o ), vista-gorda
(to le râ n c ia ), xod ó (cham ego, p a ix ã o ) e zambeta (pessoa que tem as
pernas to rta s).
Assim, os verbetes arrolados p or P ereira da Costa neste excelente
trabalho — a m aioria dos quáis enriquecidos com abonações de jo r ­
nais, revistas e livros da época — continuam constando do vocabu­
lário atual do povo pernambucanamente nordestino, até m esm o entre
os que, pecando p or excesso, se situam na chamada Geração-sem-
palavra, com o no caso de m o ita ( o ) , com provando o m ergulho que
as palavras dão no tem po para ressurgirem , depois, com a mesma
significação ou com significação inteiram ente diferente. E este é um
dos m éritos deste V oca b ulário P ern a m b u ca n o: servir de referência
aos que estudam a evolução da língua portuguesa falada em Pernam ­
buco, de um m odo especial e, de um m odo geral, no N ordeste brasileiro.

M A R IO SOUTO M A IO R
Olinda, setem bro, 1976

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Em 1916 a Revista do Instituto Arqueológico Histórico e Geográfico
Pernambucano iniciou a publicação do interessantíssimo trabalho de Pe­
reira da Costa, modestamente intitulado "Apontam entos para um Vocabu­
lário Pernambucano” . Não pôde, entretanto, ir além da letra B.
A morte surpreendeu o operoso e benemérito confrade e como os
originais estavam em seu poder e não em poder do Instituto, não pros­
seguiu a publicação.
Ao tempo se faziam grandes pesquisas de regionalismos para o fu tu ro
"D icionário da Academia Brasileira de Letras", de modo que a publicação
incompleta causou pesar a quantos se interessam por esses estudos.
Felizmente, com a oferta que, os originais, fizeram os herdeiros do
saudoso cronista ao Instituto, foi possível à Revista a publicação integral,
tirando-se-lhe também separata.
Desnecessário entrar no m érito duma colheita dessa natureza. A pos­
teridade saberá fazer justiça à memória de Pereira da Costa que, com
paciência beneditina, dedicou quase toda a sua vida à pesquisa de fatos
da História de Pernambuco e de coisas que lhe são atinentes, deixando
farto acervo para os estudiosos.

Diretor da Revista do instituto Arqufoiógico


A

Abacaxi — Mau dançador, pesado, sem geito. “ A sua m eni­


na, Evaristo, é um a b a c a x i... não sabe dançar.” (A Lanceta n.
100 de 1913). Os escravos que no pcriodo da campanha abolicio­
nista fugiam ou eram mandados para o Ceará, já emancipado
desde 1884. Abacaxi, como se sabe, é o fructo da bella brom elia
do mesmo nome, que segundo o naturalista Richard é o m elhor
conhecido, e já cantado com o nome de ananás, com que
tambem é nomeado, pelo nosso epico Santa Rita Durão no seu
poema O Cafam nru’ (1781), com a consagração destas estro-
phes: “ Das fructas do paiz a mais louvada E ’ o regio ananás,
frucla tão bôa, Que a mesma natureza namorada Quiz como
rei cingil-a de corôa.” O abacaxi fo i introduzido em Pernam ­
buco pelo naturalista Dr. Arruda Camara, que em suas ex­
cursões scientifiCas o trouxe do Maranhão nos prim eiros an-
nos do seculo passado, iniciando a sua cultura em Goyanna, e
dahi a propagação e prodigioso desenvolvim ento da apreciada
planta entre nós. Estudando a origem do vacabulo, encontra­
mos na Chronica da missão dos padres da Companhia de Jesus
no Estado do Maranhão escripta pelo Padre J. I7. Betendorf
em 1699 e só agora vulgarisada, que havia no Xingu’, tratando
das missões do Pará, uma tribu de indios abacaxizes: Estava
destinado o Padre João Carlos para os abacaxizes... Vieram
por aquelle tempo (696) catras do Padre João da Silva missio­
nário dos A b a c a x izes ... Aldeia dos A b a c a x izes ... N o distric-
to da v illa de Borba, no Amazonas, outr’ ora territorio pauaense
há um rib eiro chamado Abacaxis e assim denominado
do nome de uma tribu de indios que residiam em suas
margens, como escreve M illiel de Saint’Adolphe, que é natural-

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mente, o rio Abacaxis, affluente do Amazonas, de que existe
um R elatorio sobre a sua exploração impresso em Manáos em
1853. A planta como se sabe, vem daquellas latitudes, exten-
Uendo-se mesmo até as Guyannas, resultando assim desses p o r­
menores a in terrogação: F o i o fructo que deu o nome aos ín ­
dios ou os indios que deram o nome ao fructo? Quanto a nós
não temos duvida em nos pronunciar, que fo i a planta que
deu o nome aos indios assim cbamados, porquanto, segundo
Macedo Moares concordantemente com T heodoro Sampaio, a
dicção abacaxi, referente ao fructo da brom elia do mesmo no­
me é unta corruptela do tupi ibacaxi, de iba fructa, caxi-cati,
reseendente, cheirosa, ficando destarte firm ada a anteceden-
eia, uma vez que taes expressões nada têm de commum com
aquelles indios.
Abafado — Contrariado, enraivecido, irritado, zangado,
prevenido, embuchado, roendo-se, mas contendo-se em: e x ­
plosões, em desabafos. “ Certas moças que estiveram no Club
Carlos Gomes estão muito abafadas com o repórter, porque,
descobriu os seus namoros.” (Lanterna Magica n. 128 de 1885).
A bafador — Peça de pano, interiorm ente revestida de al­
godão em rama, ou baeta, para cob rir o bulle afim de conser­
var a quentura do chá ou café.
Abafanetico — Cançado, suando, exhausto. — “ Chega em
cisa abafanetico Cornelio da Paciência; Mas nota da esposa a
ausência, Torna de casa a sahir” (A Pimenta n. 29 de 1902),
- Abaixo-assignado — Petição, requerim ento ou outro qual­
quer documento firm ado por alguns ou muitos indivíduos, e
que invariavelm ente começando pela form ula:Os abaixo assig-
nados, origina-se dahi a sua vulgar, denominação, que p o r as­
sim dizer, vem já de longe. “ Eslas noticias sahiram de certa
casa na Europa de um Nós abaixo asisignados nesta capital
(R io de J a n e iro )” . (P arecer das commissões reunidas de Cons­
tituição e Diplom acia da Camara dos Deputados de 18' de
Junho de 1833, transcripto n’ 0 Velho Pernambucano n. 3 do
mesmo atino). “ A importância numérica do partido liberal
pudemos ha pouco apreciar em um Abaixo assignado, que to­
dos leram .” (O Paiz, Recife, n. 43 de 1856).
A.bbadessa — Mulher robusta, de elevada estatura; mulhe-
rona; matrona respeitável. Regente ou p ro p rie la r ii de con-
ventilho. “ As pobres reparigas são m iseravelm ente exploradas
pelas donas de casa ou eonventilho, abbadelssas chamadas ”
(A Pimenta n.° 550 de 1907).
Abecar — Atirar-se contra alguem com disposições hostis:
segurar', prender pelos peitos. “ O Balduino abecou o Arthur
porque disse que mandava matar um redactor desta* fo lh a .”
(A Pimenta n.® 10 de 1908). “ O soldado abecou o inofensivo
homem, desandando a esbordoal-o com um umbigo de boi.*’
(O Estado de Pernambuco n.® 346 de 1914).
Abestalhado — Alvar, tolo, idiota.
Abiscoitar — Arranjar, conseguir, tirar, surripiar, furtar
mesmo. “ Quem é que anda dizendo por ahi que o Capobre
delegado, abiscoitara para si e seus amigos dous terços dos
bicudos p or elle apprehendidos?” (O Clamor Publico n.° 87
de 1846). “ O homem já abiscoitou uma curul estadoal, e agora
quer vêr se o Rosa lhe dá uma fe d e r a l. ” (Lanterna Magica n .
734 de 1903). V v. Excs., devendo ganhar doze contos por anno,
abiscoitam vinte e sete, prorogar.do as sessões.” (Jornal do
R ecife n,: 161 de 1916).
Abodegado Arreliado, irritado, zangado, de máu humor.
“ A companhia agrada; mas nos fem abodegado com repetições
seguidas.” (O A lfin ete n. 9 de 1890). “ E o fona encabulado foi
sahindo abodegado.” (O G rillo n. 2 de 1901). “ Estou hoje mes­
mo abodegado da vida p or m otivo justificável.” (A Pimenta
n.° 577 de 1907). Derivados: Abodegar; Abodegação; abodêgo.
“ A menina attentada, é um abodêgo.” (Lanterna Magica n.°
565 de 1898).
A b o ia f — Cantar dos vaqueiros ou tangerinos na süa m ar­
cha de conducção do gado em boiadas, ou á noitinha, dos
campos de pastagem para os curraes da fazenda. “ Guiam-se as>
boiadas indo uns tangedores diante cantando, para serem des-
la sorte seguidos do gado.” (A n to n il). “ O tangedor faz utn ap-
pello e toda força de seus bronzeos pulmões para aboiar bonito.”
(O sw ald o A raú jo). “ O aboiar dos nossos vaqueiros, aria to­
cante e maviosa com que elles ao por do sol tangem o gado
para o curral, são os nossos ranz sertan ejos.. . Quem tirasse por
solfa esses im provisos musicaes, soltos á brisa veepertina,
houvera composto o mais sublime dos hymnos á saudade.”
(José de A len ca r). Aboiar é um termo sertanejo, pastoril, re­
gional de alguns Estados do norte.
Abcticado — Esle vocábulo é somente empregado para de­
signar uns olhos grandes, disformes, estufados, fóra das or­
bitas; olhos aboticados; zoião. “ Sordado novo de bonete ar-
revirado, Tem o oio aboticado Que só cachorro do m á” .
(Jornal do R ecife n.° 51 de 1914).
Abotoar — O mesmo que abecar. “ O Baldoino abotoou o
Guilherme e fez elle botar as tripas pela bocca.” (A Pim enta n.
10 de 1008).
Abozin ar — F alar im pertinentemente aos gritos; atueanar.
Não me abozine os ouvidos.
Abrazô — Comida africana, constante de pequenos bolos
feitos com farinha de m ilho ou de mandioca, azeite de dendê
pimenta e outros temperos, e fritos no mesmo azeite. “ Hon-
tem jarifei abrazo.” (A Carranca n. 61 de 1846). Algumas
vezes dão-lhe tambem o nome de ambrazô. “ Vem Quinquim,
temos para ti bobó, ambrazó, quingombó, giló e excellente
azeite de dendê.” (A m erica Illustrada n.° 25 de 1883.) Beaure-
paire Rohan seguindo a S ylvio Rom ero consigna a dicção, effec-
tivamente cpmo origin aria de Pernambuco, e com a sua exac­
ta expressão, mas com aquella pouco vulgar variante de am­
brazô crendo assim derivada de ambrosia, pelo sabor prim oro­
so da comida, concluindo, comtudor “ Não sei porem, se os in ­
gredientes que entram na sua composição justificam a sua
comparação com a ambrosia dos deuses” . Quanto a nós, sem
com menlarios, mantemos o nome de abrazô, com que a com i­
da é vulgarm ente conhecida, e assim api'egoada pelas pretas
africanas, em outros tempos, vendendo-a pelas ruas. Com o
desapp are cim ento do elem ento african o entre .nós, dejsap-
pareteu tambem da nossa culinaria o abrazô, como tantas
outras cousas próprias dos usos o costumes daquella gente.
A brilada — Os motins políticos de 12, 13 e 14 de A b ril de
1832, convenientem ente consignados nas nossas chronicas. Ja
anteriorm ente a tussas tumultuosas occurrencias, tiveram o no­
me de abrilada, as prisões nocturnas em a noite de 6 de A b ril de
1818, que fizeram debulhar em lagrim as mais de sessenta fa m í­
lias pernambucanas, vendo-se desamparadas de seus chefes, e
estes ameaçados de atrozes supplicios, como refere o Padre
Dias Martins. “ Tem os visto crises ameaçadoras em Pernam bu­
co, como a Abrilada, Setembrizada e Cabanada.” (O Cometa
n.° 4 de 1843).
Abrir-se — Desabafar, d izer os jseus sentimentos ou p re­
tensões, revelar um segredo, re fe rir uma occurrencia qualquer,
Abugalhar — Corruptela de esbugalhar, e com a sua p ró­
pria expressão figurada de arregalar os olhos. Vem de bu­
galho, vocábulo vernáculo, mas que, popularmente, exprim e o
globo do olho o bugalho do olho- Abugalhar os olhos; olhos
abugalhadob.
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Abuso — Cousa incommoda, im pertinente, ou que produz
desagrado, enfado; aversão, e dalii abusado, para exp rim ir taes
sentimentos “ Casa de palha é palhoça, Se eu fosse fogo, quei­
m ava; Moça feia é meu abuso, Se eu fosse a m orte m atava.”
(T ro va s populares).
Abyssinio “ Pedras no sol que toca ao seu d eclin io; thuri-
bulo em punho para o sol que nasce.” (Lan tern a Magica n.
274 de 1889). “ Apenas chega a demissão de S. Ex.., os Abys-
sinios ,do partido da Praia, esses mesmòs que se arrastavam
em sua presença, o apedrejam e o insultam.” (O Guararapes n.'
21 de 1844).
Acabado — Avelhantado, desfigurado, desfeito p or tra­
balhos, moléstias ou desgostos; mal arranjado, pobremehte
trajado: Andar muito acabado; acabadinho.
Acabanado — Descido, pendente, cahido; orelhas acaba-
nadas; chapéo acabanado, isto é teahido nos olihos, com as
abas descidas, encobrindo parte do rosto disfarce ou não.
“ Um dos assassinos do Dr. Trajano Chacon trajava roupa de
brim listado, chapéo preto acabanado.” (D o respçctivo proces­
so) . “ O cordão do club trajava calça branca, colete preto, ca­
misa branca e chapéo de palha acabanado” (Jornal Pequeno n.°
40 de 1914).
Acaboclado ou acabocolado — Parecido com cabloco p e­
los accidentes da côr, cabellos e typo feicion a l. “ M anoel F ra n ­
cisco era acabocolado, feio, baixo, grosso e r e fo rç a d o .” (F ran -
klin T a v o r a ). “ Indrviduo acaboclado, altura regular, apparen-
taudo ter 35 a n n os.” (Jornal do R ecife n. 306 de 1915).
Acabralhado — T irado, puxado, ao modo de cabra.
Acachapado — Corruptela de acaçado; que não tem a na­
tural e p roporcional altura: um ed ificio acachapado; homem
baixo e grosso, vindo assim o vocábulo, talvez, de caçapo,
como se diz em Portu gal. “ Uma rotundidade de porca no seu
estado interessante; o corpo de anão, baixo e acachapado.”
(O Paiz, R ecife, n. 43 de 1856). “ N ariz enorm e E acachapado.
Tom a-lhe a cara De lado a la d o .” (D a chula O retrato de uma
senhora).
Acachapar — Abater, achatar, supplantar; levar de ven ci­
do: Nessa questão das biblias falsificadas o general Abreu e
Lim a acãchapou o seu contedor.
-Acamaradar-se — P rocu rar camaradagem com alguem, tra­
var .relações de amizade, ter convivência intima.
Acambetado — De pernas eambetas, tortas. “ N ojento typo
besuntão, de cara acachapada e as pernas acambetadas” . (O
Maná n. 19 de 1883).
Acanalhado — De termos, procedim ento e modos de cana­
lha.
Acangulado — Diz-se dos dentes estufados, pronunciada­
mente salientes, como os do cangulo, conhecido peixe. “ Uns
são aleijados, outros cegos, estes caraolhos, aquelles com den­
tes acangulados.” (O Guarda N acional n.° 38 de 1843).
Acará ou A cary — P eix e escamoso, de agua salgada e doce,
endo os desta muito communs nos rios e lagôas e vulgamen
te conhecidos p or Cará. Variedades: Acará-apuá, bola, redon­
do; Acará-assú, grande; Acará-peba, pequeno, meudo, in ­
fe rio r; Acará pitanga, rubro, verm elho; Acará-pixuna ou
Adará-pixuma ou Acarau’na, de agua salgada, preto (Choe-
ledon nigricans, L in e o ); Acaratinga, branco; Acaraya, .do
mar ((MJesoprion A ya C u v.); e Acary, de agua doce, de courc*
e muito abundante, particularmente, no rio S. Francisco, e
bem assim a especie conhecida por A cary roncador (R hinelepis
aspera, S pix).
Acarobado — Mal arranjado, em desalinho, esbagaçado,
esbodegado “ A oitava degenerando. Com vates acarobado. F o i
pouco a pouco acabando P o r versos de pés quebrados.” (B a r­
bosa V ian n a).
Acaseadeira — Mulher que particularm ente se incumbe do
serviço de fazer as casas do vestuário que prendem os botões.
D erivado: Acasear.
Ac-atingado — Terras de catinga. “ Todo o solo deste
município, acatingado a uma parte, é enriquecido de mattas
de frondosas arvores.” (Bom Conselho, inform ações da
Camara Municipal, 1884).
Acauã — A ve sertaneja (F la co cachinans) que os indios
tinham como agoureira; e ainda hoje, como escreveu Fernan­
do D iniz, o seu canto m elancólico, entre os mesmo indios,
annuncia-lhes a chegada de algum hospede. “ Outra ave cha­
mada Aquaham, que lhe não fazem vantagem as mesmas
gallinhas, posto que sejam muito gordas.” (D iálogos das
grandezas do B rasil). Tratando Gonçalves Dias desta ave
escreve: “ Acauán, e também Macauoãn, ave conheci da: mata
cobras, susienta com ellas os filhos, e pendura íhes como tro-
pheo as pelles na a rv or e em que habita. Os indígenas, quan­
do esperam algum hospede, affectam conhecer pelo canto des-

18
tas aves, o tempo em que aquelle deve chegar. Os ovos seccos
e feitos em pó são contraveneno do das cobras. Tem esta ave
a cabeça grande, côr cinzenta barriga peito e pescoço verm e­
lhos, costas pardas, azas e cauda pretas, malhadas de branco.
Acavalladam ente — Ao modo de cavallo. Comer acavalla-
damente.
Accezo — V ivo, esperto, inquieto, travesso. Uma creança
ou rapariga acceza.
Achamurríado — N ariz chato, rombo, como o dos a fric a ­
nos. “ Era um cabra coriboea, de nariz achamurrado.” (O Ra­
bicho da G eralda).
Achamuscadamente — A ’s pressas, negligentemente, sem
cuidado, mal preparado. “ A carta de bacharel anda pela hora
da morte, e a causa de semelhante calamidade é a admissão
ao curso ju rídico de rapazes ou adultos tardiamente e acha-
muscadamente preparados.” <(0 Diabo a quatro n. 34 de 1876).
Achatar — O mesmo que acachapar.
Acochado — Cheio, repleto: O trem ia tão acochado de
gente, que não havia um só lugar vazio.
Acochar — Conchegar, apertar, arrochar, unir, prender;
pedir, rogar instantemente, impertinentemente, p or si p roprio
ou p o r empenhos de terceiros a solução de um negocio ou pre-
tenção qualquer de modo favoravel: O m inistro viu-se tão aco.
chado, que áfinal deu ao João uma bôa collocação.
Acocho — D ifficuldade, embaraço, situação precaria, peri
gosa mesmo. “ Arran car das garras da fom e e do acocho da m i­
séria a um in feliz, recommendam a razão e a humanidade.” (O
P ovo iT 73 de 1856).
Açodam ento — Pressa, previpitação, irre fle x ã o : A g ir num
negocio com açodamento.
Acuado — Corrido, envergonhado, succumbído; encolhido,
retrahido, embaraçado; situação d iffic ií do uma sabida airosa.
Acuar — Acompanhar, perseguir, cercar. Diz-se particular­
mente do cão que persegue a caça, ladrando, e fica como que
de guarda ao enlocar ou subir a uma arvore, até que chegue
o caçador. Parar, não proseguir, em perrar em não andar, como
diz-se do câvallo manhoso, ospaníadiço.
Ac idar — Construir aç 'der. “ Açudar todos, os rios e tor ­
rentes para obter que com ervcni agua cm dous mi tre i»•>..-v« í
de seccas.” (D r. A. Rebouças, As seccas nas províncias do
N o rte l.
Açude — Reservatório, repreza d’agua, natural ou artifi-
almente, feita para abastecimento publico ou serviço de uma
propriedade ag ríco la .o u pastoril.
Acudir — Agradar, servir, con vir, goslar, satisfazer, pare­
cer bem. “ De Adelaide, a côr do jam bo maduro do roslo bei lo,
acode mesmo a meu gosto.” ( A Pim enta n. 54 de 1902).
Adereço — T ern o de brincos, alfin ete de peito c pulseira.
“ Obras do bom tom na rua do Crespo loja do Serafim. Ricos
adereços de ouro com bastante peso e cravojam ento de dia-
m en tes.” (Gazeta Universat n. 83 de 1836).
Adeus de mão fechada — Gesto offensivo, insultuoso, fe i­
to com a mão fechada. “ Em recompensa de tão grande lida,
eu te envio um adeus de mão fechada.” (A Pim enta n. 69 de
1902).
Adeus, v io la ! — Acabou-se, foi um dia, lá se fo i tudo
quanto Martlia fiou. Agora, Adeus, v io la ! Vá chorar na cama
que é lugar quente. Phrases de iguáes expressões; Adeus Ana-
lia! Adeus, minhas encommendas! Adeus A*inita; a trouxa
ahi fica.
Adeusinho — Expressão acompanhando o gesto do adeus,
como uma expansão intima, carinhosa, affectiva. “ Adeusinho,
camaradas. Bôa viagem. O sol já vem de outra banda.” (O
Tam oyo n. 9 de 1890.)
Adivinh ar chuva — Gracejo intim o ou iron ico dirigid o a
uma pessoa que canta: Está adivinhando chuva.
Adjunto — Reunião, conselho, congresso; ajuntamento,
aglom eração de gente para vêr qualquer cousa de extraor­
dinária que occorre. “ N o dia do adjunto juntaram m il e tan­
tos; E ao falar-se no Espacio Ficaram dc beiços brancos.”
(Rom ance d’0 boi E spacio). “ Passando um destes dias pela
rua da Palm a vim os um grande adjunto de moleques a grita­
rem em algazarra: a barcaça virou ; virou ; v ir o u !” (O Vapor
do R io Form oso n. 10 de 1858). O vocábulo é tambem vulgar
em outros lugares com as mesmas expressões que tem entre
nós: “ Cantador como você, Eu queria apanhar muitos, P ’ra
botar no cem iterio, P T a fazer quarto ao defuntos, P ara man-
botar ao inferno, P ’ro cão fazer adjunto.” (C ancion eiro do N o r ­
te). “ Em 30 de Julho de 1808, a Camara fez um adjunto da
nobreza e do clero para pedirem ao príncipe regente que ele­
vasse a Fortaleza á cathegoria de cidade.” (João Brigido,
Ceará).
Adoidarrado — Estouvado, exaltado, pancadório, estrói­
na, tarado mesmo do doido, donde vem a dicção.
Adomar-se — Acostumar, habituar-se, adaptar-se: O
Manoel já está tão adornado no seu serviço, que ninguém o
excede em trabalho. O João adomou-se facilm ente ao novo
meio em que se viu.
Afanádo — Diz-se do individuo que fo i roubado ou fu r­
tado, na giria dós gatunos, como dizém os da Hespanha, e
igualmente os do R io de Janeiro, parecendo assim que a d ic­
ção vem daquelle paiz.
Afan ar — T ira r, subtrahir, furtar, roubar. O riginariam en­
te vem o vocábulo da giria dos gatunos quer daqui quer do
Rio de Janeiro: mas vulgarisado, vai tendo até mesmo entrada
na imprensa. “ Foi preso um gatuno quando afanava de uma
loja na rua Nova, uma camisa.” (Pernam buco n. 185 de 1912).
Afavécos — Muafos, peças de roupa de vestir; preparados
de viagem : Metter-se nos seus afavécos; Arrum ar os afavécos.
A fe rro a r — Apoquentar, pedir com instancia, im pertinen­
te.
Aferventado — In soffrido, alvoroçado, im paciente; comida
de carne ou peixe ligeiram ente cozida com certos legumes e
batatas. “ Um regalo, um aferventado de vacca com quiabos.”
(O Diabo a quatro n. 142 de 1878).
A fiad o — Preparado, prevenido, instruido, armado de ra ­
zões e argumentos, e disposto assim para com vantagem en­
trar em uma discussão, p rovocar uma polem ica, tomar satis­
fações, desabafar-se, insultar, dar uma resposta de mestre:
Esiar afiad o; de lingua afiada.
Afiãm brado — Bem trajado, m ettido em bôa encardenação,
em fatiota nova.
Afigurado ou figurado — Ancho, envaidecido, cheio de si;
heju trajado, elegante. “ Os dous Alfredinhos foram ao pastoril
afigurado® com duas estrellas.” (A Pim enta n. 78 de 1902).
“ Quem é branco e figurado, Tendo cobre e form osura Tem
sorte e dita e ventura, Neste mundo é adorado.” (C ancion eiro
do N o rte ).
Afilhadagem — Protecção, preferencia, fovoritism o escan­
daloso a parentes, afilhados, gente do peito. “ Que para sem­
pre seja proscripto d ’entre nós o p rin cipio de afilh ad agem . ”
(O Capibaribe n. 104 de 1849). “ Manda-se preparar os reme-
dios p or afilhadagem, porque quem parece ser socio nos lu­
cros.” (O P ovo n. 70 de 1856). “ C ollocou nas differentes esta­
ções somente indivíduos de sua afilhadagem .” (O Barco dos

21
Patoleiros n. 14 de 1864) “ O que prevalece presentemente é-a
afilhadagem e a m entira.” (A m erica Illustrada n. 24 de 1877)
“ tíxclusão dos empregados competentes, dos assíduos, dos v e ­
teranos do serviço, quasi sempre preteridos pela afilhadagem
feliz dos poderosos.” D iario de Pernambuco n. 84 de 1913).
A filh ado — Protegido. “ Os jurados absolvem a todos os.
afilhados e capangas dos potentados.” (O Barco dos Patoleiros
n. 34 de 1864). “ O presidente levanta a cesta, para os afilhados
dos nossos lycurgos, mas os afilhados de S. Exc. vão muito
suavemente mettendo a mão na dita.” (O Diabo a quatro n.
118 de 1877). “ Quando os afilhados do poder comem um pedaço
de pão que lhes dá o amo, julgam-se grandes, ficam soberbos” .
(O Desespero n. 18 de 1880). F ilh o de padre ou frade. “ E o
padresinho tem um seu afilhadinho.” (A Derrota n. 15
de 1883). “ Apenas, porem, collado, mandou o vigário
v ir uma comadre de quem já tinha dous afilhados, e sem a
menor cerim onia collocou-os perto de si.” (O Patusco n. 13
de 1886). F re i Caneca, escrevendo do cárcere, ás suas tres
filhas, poucos dias antes da sua execução capital em 1825,
mesmo assim, reservadamente, intimamente, trata-as por
afilhadas, charas, do coração, das suas entranhas, e assigna-sc
por Pradinho, que muito as estima, venera e ama. (Caneca,
Obras Com pletas).
A fio com prido — Deitado de costas, estirado, de papo
p’ ra cima.
Afobádo — Cançado, exhausto, fatigado; p recipitado;
apressado, azafamado: “ Em bora cançado o C orn elio metteu-se
pelas ruas e travessas, e todo afobádo e ás p; essas, dá encon­
trões em quem passa.” (A Pim enta n. 29 ele 1902). “ Homens,
mulheres, crianças, suarentos, afobados, com ares de espanto.”
(Id em n. 549 de 1907). “ Afobado, de cima a baixo, vim os o
homem passar indagando de uns e outros sobre a presença do
subdelegado local.” (Jornal do R ecife n. 224*de 1915). O voca-
bjilo tem tambem curso no Ceará, com as expressões conso­
antes de sem forças, aniquilado, etc.
Agachadeira — Nom e vulgar da narceja, ave pernalta,
ribeirin h a (Scolopax paludosa, S p ix ), assim chamada, como é
corrente, por se agachar ao presentir o caçador para não ser
vista.
Agachados — Curvaturas, subserviencias, excessivos agra­
dos, descambando em servilism o, adulação, 'chaleirismo. D e ri­
vado: Agachamento.

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Agadanhar — Sorprehender, pegar, prender. “ O Gambeta
fo i agadanhado com uma porção de notas falsas, que andava
passando.” (O Pestilhão n. 22 de 1846). “ O chin frim tomou
proporções collossaes, e p or ultimo a p olicia penetrou no salão
agadanhando uns e outros.” (A Lanceta n. 10 de 1890). A b is­
coitar, tirar, bifar, furtar, “ Isto só pelo diabo!.. Agadanhar
cin to cartas,! (O Cruzeiro n. 162 de 1829). “ Nem ao menos lhe
deixaram agadanhar uma ga llin h a !” (O A rtilh eiro n. 18 de 1844).
“ Muita cousa mesmo tenho ouvido dizer do seu antigo costu­
me d’agadanhár, ou pescar, na linguagem aquatica.” (O João
Pobre n. 1 de 1844). “ Não deixou de ir agadanhando da festan­
ça geral o seu quinhão.” (L aq tern a Magica n. 180 de 1877).
Conseguir, obter, arranjar. “ Agadanhou esse osso m olle da
serventia vitalia de um o fic io de justiça.” (O Mocó n. 2 de
1851). Moraes registra a dicção como term o fam iliar, com as
expressões de agarrar, em polgar; arrebatar, roubar com mão
violenta; mas nos diccionarios modernos figura com accepções
outras, que não aquellas.
Agallinhar-se — Submetter-se, transgir, humilhar-se,
abaixar a cerviz. “ O velho gallo de Monte Cario se agalinhou
uo seu in im igo Pinh eiro, e gallo que se agallinha, é gallo p er­
dido.” (A Republica n. 314 de 1913). “ Agalinhado é o mesmo
que avacalhado, com a differen ça que agalinhado é menos p ar­
lam entar.” (Jorn al do R ecife n. 91 de 1914).
Agaloado — Cheio de galões; um o ffic ia l m ilitar: V ai te
m etter com agaloados e vê depois o que te acontece.
Agasalhar-se — R ecolher-se a d orm ir; metter-se na cama.
“ Já dormia agasalhado todo o povo da cidade” . (A . A. M ilton )
“ E logo depois da ceia nos fom os ag a sa lh a r... Chegadas as
horas de nos agasalharmos, deitou-se o com panheiro a d or­
m i r . . . São horas de nos recolherm os: podeis ir agasalhar -
vos” (N u no Marques P e re ira ).
Agatiado — Ao* modo ou feição de gato. “ Olhos vesgos e
agatiados” . (D a chula Retrato ide uma Sinhásinha).
A gazer — C otar azar; encaiporar.
A geitar — Arranjar, guardar, tirar, subtrahir, furtar. “ O
gatuno Bacuráo, Sem uzar processos novos, Fez um jogo nada
máo Ageitando varios o vo s” . (Jorn al do R ecife n. 103 de 1913).
Aggregado — Indivíduo ao sei viço das fazendas sertane­
jas; trabalhador do campo; empregado de serviço dom estico.
“ As casas dos pobres, dos m iseráveis aggregados são de palha

23
de carnaúba” . (Gustavo B arroso). “ O capitãò-m ór sabia das
relações do C abeljeira com o taberneiro, p or irfform ações
de aggregados e ordenanças” . (F ra n k ü n T a v o ra ).
A g ir — In tervir, praticar, obrar; ingerir-se, mover-se, p ro ­
viden ciar; ter acção sobre alguma cousa. “ A liberdade, o d i­
reito de agir, de praticar qualquer acto, assenta justamente
nisto: o homem póde praticar todos os actos que a le i lhe não
ved a” . (D r. J. I. de Alm eida Am azonas). “ E ’ possivel que des­
ta vez venha a p olicia a agir.” (D iá rio de Pernambuco n. 228
de 1915).
Agoniado — Exaltado, irritável, in soffrid o, violen to, mal-
creado. “ O homem é um bicho turuna, agoniado, escorrega
como enguia” . Pernambuco n. 324 de 1913).
Agoiúnha — A gora mesmo, neste momento, neste instante,
não ha muito tem po. “ Então, seu Ped ro de Lim a não andou
p or estas beiradas ainda a gorin h a ?” (F ra n k lin T a v o ra ). D iz o
conselheiro Lisboa tratando dos dim inuitivos usados na lin ­
guagem castelhana em Venezuela, que de ahora fazem ahirita,
semelhante ao nosso agorinha paulista; mas S ylvio Rom ero,
que registra este conceito, bate-o com vantagem, concluindo
mui seguramente: “ O emprego do agorinha, que o sr. conse­
lh eiro Lisbôa suppunha paulista, é expressão correntissim a em
todo o norte do Brasil, e nós cansamo-nos de ouvil-a na Ba­
hia, Sergipe, Alagoas e Pernambuco. Quan,do chegou? Inda
agorinha, lá é muito com m um .”
Agrados curujos — Cavillosos, fingidos, prejudiciaes, com
segunda intenção.
Agreste — Uma das zonas que distinctamente caracterisa
o territo rio do Estado, pela grande hum idade reinante p rin ­
cipalm ente nas eminencias ou chapadas das serras, solo pe­
dregoso, vegetação escassa e de pequeno p orte. “ O agreste
abrange a parte superior do valle do rio U na” . (J. M. da S il­
va Coutinho). “ N o breve transito pelo agreste, a agua e a ca­
ça com eçaram a minguar, e logo veio a idéa de desbravar o
caminho na vegetação enredada, rtesequida e resistente da
catinga v a s ta .” (A líre d o de C a rva lh o).
Agua que passarinho não bebe — Aguardente.
Aguaceiro — O director do presidio de Fernando de N o ­
ronha, na giria dos sentenciados; bebedeira, borracheira.
“ Após a feijoada houve um grande aguaceiro” . (A m erica Illus-
trada n. 5 de 1878). “ Tom ou um aguaceiro enorm e e andou

24
pelas ruas num frém ito medonho de enthusiasmo” . (A Lance­
ta n. 5 de 1889).
Agua de Colonia — Querido, estimado, p referido, dispu­
tado; alguem em evidencia, em ordem do dia, na ponta, nas
palminhas das mãos. Esta locução vem de um antigo e muito
conhecido extracto assim chamado, de origem franceza, que
ao seu apparecim ento entre nós, em caminho de um seculo,
teve grande vóga popular, e que em desuso já desde algum
tempo pela p referen cia das modernas perfumarias, tem apenas
applicações medicinaes pelas suas propriedades tónicas e es­
timulantes. A Agua de Colonia, segundo um parecer da Cama-
ra Syndical da Perfum aria Frartceza, é um producto conheci­
do ha mais de duzentos annos.
Agua do póte — Um medicamento bom de tomar.
Agua morna — Pessoa sem vida, animação, espirito; indif-
ferente, despreoccupada, ingénua mesmo: A Sinhazinha não
é feia ; m as,é uma aigua morna.
Agua panada — Agua quente, em fervura, que se deita a
esfriar para uso de doentes de certas moléstias, porque assim
não faz mal, e mesnjo para matar os m icrobios: Aulete con­
signa a phrase, mas com expressão d ifferen te; Agua panada,
agua em que se deita pão torrado.
Aguado — Com pouco assucar, insipido: Chá ou café
aguado. Sem vida,, expressão, animação, expecie de agua m or­
na . Aquella moça não é fe ia ; mas é tão aguadinha. . .
Aguentar-se no balanço — Preparar-se para encarar os
encargos de um com mettimento superior ás próprias forças;
para s o ffrer as consequências de um acto impensado, máo, e
de graves resultados: V ocê fo i se m etter em camisas de onze
varas, agora, aguente-se no balanço.
Agulha — P eix e de agua salgada (B ellon e timuçu’, Cuv.),
de duas especies, a branca e a preta, e muito abundante, p rin ­
cipalmente nos mares do archipelago de Fernando de N o ro ­
nha. A sua classificação scientifica vem do p rop rio nome de
timucu’ , que tinha entre os indios. “ Agulha, de que o mar todo
se inunda” . (Santa Rita D urão).
Agulhão — P eix e de agua salgada (Fistu IIaria tabacaria,
L in n .), a que os indios chamavam Petimbuaba-petumbo. Tres
especies conhecidas: Agulhão roliço, trom beta e de v ela .
Agulhas —. As carnes das costellas do boi. Carne das agu­
lhas, isto é, das costellas, e dahi o nome de costelleta dado ás
do carneiro e do porco por serem menores.
Aguardenteiro — Indivíduo que é dado ao uso immodera-
do da aguardente. ” Verá muito aguardenteiro perfum ando a
gente com a sua b aforada” . (Lanterna Magica, n. 443, de
1894). D erivado: aguardentado.
A i Jesus — O ente qperido, estimado, a menina dos olhos:
O menino João é o ai Jesus da casa.
Ajou jo — Meio de transporte fluvial composto de duas ou
tres canôas convenientemente unidas, tendo p or cima um las­
tro de tabuas ou páos roliços seguros com alças ou tiras de
co'uro cru’ . Movidos a varas ou remos, servem os ajoujos pa­
ra transporte de passageiros, carga e gado., de uma a outra
margem dos rios, principalm ente o S. Francisco, e fazem
mesmo viagens longas, subindo ou descendo as suas co rren ­
tes. “ Quem houve, que escapasse aos im propérios desse fatal
ajoujo calum nista?” (A Colum neida).
Alambazado — Desregrado, grosseirão, desmanchado, sem
cuidado e esmero em tudo que faz, como nas refeições, servin­
do-se porca e apressadamente, com uma gana de alarve, m a­
nifestando concurrentemente, gestos e modos grosseiros. “ Ca-
mara Coutinho era feio, alambazado, exo tico ” . (A ra rip e Ju­
n io r). “ Um tacanho alambazado, p or todos desprezado” . (A
Marmota Pernambucana n. 14 de 1850). Vocábulo antigo, já
vem registrado p or Bluteau, com as expressões de semelhante
a lambaz, corpulento, e mal feito de corpo; e assim seguido
por Moraes, que accrescenta, roto, trapento, grosseiro* assel-
vajado, dando a dicção como termo plebeo. Aulete porem,
aproveitando em particular, de alguns daquelles qualificativos
ou accepções dadas p or Moraes, accrescenta as de guloso, glu­
tão, como de expressões fam iliares. O vocábulo vem, natural­
mente, de lambaz, da giria portugueza: glutão, com edor que
nunca se sente satisfeito com o muito que come nas suas re ­
feições .
Albacóra — P eixe do mar a que os indios chamavam Ca-
roatá, e muito abundante, principalm ente nos mares do archi-
pelago de Fernando de N oron h a. Passa como carregado, ou
n ocivo. Nom e portuguez de um p eixe muito vulgar no Algarve,
vem dahi, naturalmente, pela sua semelhança com o caraotá,
ser tambem assim chamado.
Albardeino — O que faz o trabalho do seu o ffic io alinhava­
da e porcamente, revelando descuido, negligencia, im perícia;
desmancho, preguiça; um o ffic ia l m ediocre na sua profissão.
D erivados: albardeirice, abardeiramente.

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Alcaid e — Mulher feia, repellente; trastes velhos, desusa­
dos, em máo estado de conservação; cousa avariada, m erca­
doria velha, estragada, sem sahida, artigos fóra da moda.
“ Uma venda com o sortim ento liv re do que se chama alcaide” .
(O Cruzeiro n. 24 de 1829). “ Vendo barato, fica somente o al­
caide, e p o r fim, ou incêndio a casa, ou dou parte de quebra­
d o ” . Lanterna Magica, n. 9 de 1882).
Alçapão — Gaiola com arm adilha para apanhar passaros.
“ Duas gaiolas iguaes, ao lado de um alçapão” . (O V ap or dos
Traficantes n. 183 de 1859). “ Em falta de cousa m elhor, o
chefe de p olicia arma os ^seus alçapões e arapucas a v ê r se
apanha novos passaros” . (Lan tern a M agica n. 238 de 1888).
“ D.eixe-se de historias, seu Campos Salles (fa la o alm irante
Custodio de M ello),, eu não cahi rio alçapão do Floriano, quan­
to mais no seu que não tem x erem ” . Lanterna Magica, n. 660
de 1901).
Alcatra — Na phrase: Andar nas alcatras, que segundo a
expressão vulgar do vocábulo, tratando-se da anatomia b o vi­
na é o mesmo que andar nas ancas, no costado, no espinhaço,
no fio do lom bo; e p or extensão, e segundo o espirito da p ró ­
pria locução, seguir as pisadas de alguem, os passos, andar
atraz, acompanhar p o r toda parte, não p erd er de vista; e bem
assim atormentar, espreitar, perseguir, não poupar, fe r ir mes­
m o; O assassino fugiu; mas pozeram-se-lhe nas- alcatras, e pe­
garam -no. “ Camara Coutinho era feio, alambazado, exotico;
o ridículo parece que andava-lhe nas alcatras” . (A ra rip e Ju­
n io r).

Alcatraz —' A ve palm ípede do genero Podiceps (Pelicanus


sula, L in n eo), preta, de peito -verm elho, e muito abundante
no archipelago de Fernando de N oronha.
A lco viteiro — Pequeno çandieiro de folh a de flandres, com
pavio ou torcida de algodão e alim entado a kerozene, de pen­
durar ou não, e geralm ente usado nas cozinhas. “ O sargento
do P a io l trouxe um desses candieiros, que o povo charria alco­
viteiro e o conservou ao lado do o ffic ia l” . (D r. Vicente F errer.
A execução de Silvino ide M acedo).
A ldeia —. Vocábulo portuguez de povoação rústica, fo i to­
mado lo go em com eço da colonização do paiz para designar a
fàba, o povoado, o arrayal de habitação dos aborígenes, e man­
tido depois, quando se cuidou da sua catechese e civilização,
reunidos em grupos distinctos, sob a direcção de um missiona-
rio, e obedecendo a um regim en convenientem ente estatuído.
“ Velhos caboclost da aldeia, de sobra conhecemos os seus ca­
boclos outros” . (A P ro vín cia n. 71 de 1915). Quando em 1551 o
padre M anoel da Nobrega, p rovin cial dos jesuítas visitou a colo-
nia, vê-se já, da sua noticia, “ que os indios desceram logo de
suas aldeias a dar-lhe a bôa vinda, carregados de caças, legu­
mes, beiju ’ s e farin h as;” e segundo as nossas chronicas, quan­
do em 1560 poz-se em campo uma guerra tremenda para abater
os indios em sublevação geral, e “ tomando Jorge de Albuquer­
que com facilidade uma aldeia após outra, conseguiu p ô r teir-
mo a essa campanha dentro de cinco annos” . Radicado assim
o term o entre nós, com esta accepção particular, yierãm , con-
cürrentemente, os derivados aldeiamentjo e aldeiar, de expres­
sões obvias, mas não registrados nos lexicons portuguezes,
apezar de correntes e vulgarissimos entre nós. “ A ’ margem es­
querda do rio existe um im portante ald eam en to de indios
b ra vio s” . (Beaurepaire Rjohan). “ Seguindo os conselhos de
N obrega, conseguiram os jesuitas aldeiar grande numero de
de indígenas” . (A rth u r O rlan d o).
A legre — Toldado, m eio tonto ou embriagado, com dois
dedos de grammatica. “ V iva S. João! soltavam os sambistas,
alguns apenas alegres, outros inteiram ente entregues ao es­
p irito vertigin oso da canna” . (F ra n k lin T a v o ra ). “ O Corne­
lio via-se já um pouco alegre em virtude do abuso do vin h o ” .
(A Pimenta, n. 46 de 1902).
Alevan te — Motim, rusga, sublevação, e em outros tem­
pos sublevação de escravos; aleive, calumnia, falsidade, accu-
sação; escarcéo, esoarnecimento, ira, furor, p or uma causa insi­
gnificante, uma occurrencia de nonada: F a zer tamanho ale­
vante p o r uma cousa de nada.
A lezado — Amalucado, idiota, toleirão, palerma.
A lfin ete — Èspecie de flo r cultivada nor jardins, e já re­
gistrada p o r Jeronym o V ille la nos seus versos.
Algodãozinho — T ecid o de algodão para toalhas, lençóes,
saccos e outras applicações, e assim chamado, originariam ente,
ao manufaturado na fabrica de tecidos de Gervasio P ires F e r ­
re ira , ^estabelecida no b a irro da Bôa Vista, á rua da Gloria,
pelos annos de 1826. “ O estofo produzido pela fabrica de Ger­
vasio Pires, consistente em cobertores e no chamado algòdão-
sinho era bom e p referid o ao m elhor deste panno am ericano
e ao de oulra qualquer nação” . (Antonin> Joaquim de Mello').
“ Dum nativismo hyperbolico, Cypriano Barata ia ao extrem o
de desdenhar tanto as idéas e os homens como as cousas trans-
m arinas: trajava sempre roupa de algodãpsinho do paiz e a
longa cabelleira cascateava-lhe p o r sob as largas abas do cha­
péo de palha de carnaúba” . (A lfre d o de C arvalh o).
Algu idar — Vaso de barro, vidrado ou não, a especie de
gamellà, de usos domésticos diversos, e já conhecido na cerâ­
mica indigena com o nome de nhaem. Mandar para a contra
costa dos Alguijdares: Despedir, mandar embora, despachar
mesmo pará o outro m undo.
Alhada — Empresa perigosa, negocio de consequências
funestas, cavallarias altas. M etter‘-se em alhadas. “ Desta vez
não se sahiu bem da alhada que forgicou .” (Lanterna Magica
n. 124 de 1885). “ Numa alhada nos iamos de certo co llo ça r” .
(Idem , n. 247 de 1889). “ O p eio r de taes alhadas é saber, das
taes historias contadas, qual a falsa e a verd ád eira” . (Idem ,
n. 751 de 1903).
Alicantina — Descalçadeira, descompostura, verrina, ex-
probação violenta, injuriosa, em manifestações faladas ou es-
criptas. Aulete consigna o term o como fam iliar, mas com ex­
pressões diversas.
A lin h avar — Fazer um trabalho apressadamente, lige ira ­
mente, sem esmero e cuidado, albardeiram ente. “ Eu não faço
versos, mas alinhavo p rosa” . (V a p o r da C alifórn ia n. 6 de
1849). E nviar, assassinar, m atar: Alinhavaram o pobre homem
èm dous tempos, e pozeram-se ao fresco. “ Sou um homem, sa-
beu? Sou bicho bom para quebrar-lhe o focinho e alinhavar
qualquer um” . ( A Pim enta n. 406 de 1906).
Alinhavinho — Costura de pontos miudos, estreitos, sobre
o alinhavo da peça.
Alm a de caboclo — A ve dentirostri (M arlyncus medicallis,
Tem m .)
Alm a de gato — Especie de ave trepadora (P ia ga cayanna,
Less.), a que os indios chamavam Atinguaçú. A gente supersti­
ciosa tem p or máo agouro o canto desta ave.
A lm ocreva r — S erviço de alm ocreve, conducção de carga
em costas de animaes. “ Se hei de andar alm ocrevando com
risco de me tom arem o meu cavallo e fazerem o diabo com i­
go, m elhor é que vá ganhar meu dinh eiro prestando serviços
á n obreza” . (F ra n k lin T a v o ra ). “ N ão conhecia M anoel Gon­
çalves a Lourenço sinão de o v e r uma vez p or outra alm ocre­
vando.” (Idem , O M atuto), Moraes, que viveu entre nós, consi­
gna o vocábulo como (erm o usual, com as expressões de car-
regar, transportar em bestas; mas Aulete, bem como outros le-
xicologistas, não o mencionam.
A lm o r re im a s Corruptela de hem orrhoidas. “ O homem
com parecerá no desembarque, se as malditas almorreimas não
o im possibilitarem ” . (A Lanceta n. 60 de 1890).
A loá — Bebida refrigerante, fermentada, feita de arroz
cozido, agua e assucar. N o Ceará dão o nome de aluá a uma
bebida feita de m ilho torrado, ferm entada com agua e rapa­
dura, ou preparada com a farinha de m ilho torrado e assucat,
e que tambem assim feita em Pernambuco, tem o nome de
quimbembé, como escreve Beaurepaire Rohan, o que ignora­
mos, uma vez que, conhecemos o vocábulo, mas com outras
accepções. Conhecida em outros lugares com denominações
differentes, em alguns porem tem a de aluá, como na Bahia e
R io de Janeiro, nomeadamente; nesta ultima parte porem teve
grande vóga, e até epoca não muito remota, como escreve Cas­
tro Lopes: “ Pelas tardes de verão ninguém jamais ouviu apre­
goar o sorvete de caju’ e abacaxi, mas somente o re frigera n ­
te aluá.” Sobre a etym ologia do vocábulo, aloá ou aluá, v a ­
riam as opiniões, se vem do africano, asiatico ou do tupy.
Moraes, que escreve aloá, diz que é derivado do vocábulo luá,
agua, na lingua dos negros Aussás, da Costa da Mina; e Macedo
Soares, pensando que vem do tupy, acha que o termo aluá, se­
ja corruptela de aruá, cousa agradável, bôa cousa, gostosa,
apreciavel. O que não resta duvida, é que os nossos indios,
do alto S. Francisco, quer os habitantes das ilhas, quer os
do continente, descendentes dos aldeiados dos extinctos nú­
cleos, ainda usam, apaixonadamente, de uma bebida ferm en­
tada e espumante, a que dão o nome de al»á , preparada em
grandes talhas de barro, acaso rem iniscência do velho cauim
dos seus antepassados, especie de vinho de caju’, mandioca ou
milho, e depositados na igaçaba ou no camocim.
Aluado — Estovado, estróina, de máo humor; amalucado,
tarado de idiotismo. Aluado ou lunático, como escreve Ernesto
Renan, era uma enferm idade que os púvos antigos acreditavam
proveniente de qualquer alteração da lua, ou por qualquer in­
fluencia secreta deste astro.
A lu va i! — Dicção interjectiva com as expressões de: Olhe
lá! Entendamo-nos! Veja com quem fala! Cuidado! Tom e te-
nencia! “ Senhor Manoel Caetano, A lu va i! me trate bem ; N o
pilão que eu piso m ilho Pinto não come xerem ” . (C ancion ei­
ro ido N o rte ). “ O luvai! tu’ d’ amanhã p or diante toma cuidado
com aquelles tratantes da rib eira ” . (Lan tern a Magica, n. 214
de 1888).
A lvajado —- Acompanhado, seguido, espionado. “ Consenti
no que me pedia, mas com o mandar alvajado com outro escra­
vo ladino dos da te rra ” . (D ia lo go das grandezas do B ra sil).
A lvaren ga — Especie de lancha, grande, de pouco pontal,
coberta ou não, de fe rro ou de madeira, destinada ao serviço
de carga e descarga dos navios, e transporte de materiaes pe­
sados, e m ovidas a varas p or dous homens ou rebocadas a
vapor ou não. As cobertas tem uma especie de telhado de duas
aguas, em quasi toda a extensão, e com duas portinholas, la ­
teralm ente dispostas das bordas para o alto, para a entrada e
sahida da carga, e que fechadas, ficam as m ercadorias abri­
gadas do sol e chuva. Ignoramos, precisamente, desde quando
vem o nome de alvarenga dado ás embarcações deste genero,
uma vez que prim itivam ente tinhanr o de barca, com o escreve
o historiador F rei Vicente do Salvador (1627) tratando da ca­
pitania-de Pernam buco: “ P elo rio que cinge a leste a povoa­
ção do R ecife, navegam’ com a m aré muitos bateis, e as barcas
que levam as fazendas ao Varadouro da v illa de Olinda, onde
está a alfa n a ega .” Moraes, que viveu entre nós, e no seu E n­
genho N o vo da Muribeca escreveu duas edições do seu D iccio-
nario, a segunda e a terceira, sendo esta ultima im pressa em
1823, um anno antes do seu fallecim ento, não consigna o v o ­
cábulo, que, se já então tivesse curso não lhe era dado desco­
nhecer, muito particularm ente como industrial do p rin cipal ge­
nero de com m ercio da epoca, surgindo porem , poucos annos
depois, como se vê de um annuncio de Escravo fugido publica­
do no p eriodico O Cruzeiro, n. 176 de 1829, concluindo, que
“ o dito negro costumava andar trabalhando no R ecife nas a l­
varengas” ; podendo-se assim fix a r a m edia do apparecim ento
do term o pelos annos de 1825. Vem dahi a sua vulgarisação,
constante de documentos a respeito, e concurrrentem ente, o
apparecim ento de vocábulos derivados, com o os de alvarenga-
gem, alvarengar e alvarengueiro, de expressões obvias, vindo
este ultim o talvez dos annos de 1850, urna vez que encontra­
mos a noticia de um portuguez que em 1848 era dom iciliado
no R ecife, e conhecido p or Cardoso das alvarengas, pelo tr a fi­
co do transporte de m ercadorias em embarcações suas e assim
chamadas. Originariam ente de madeira, appareceram, depois,
concurrentemente, as alvarengas de ferro , sendo as prim eiras
aqui mesmo constuidas, na extincta Fundição d’A u rora de C.
Starr & Cia., como consta de uma estatística dos trabalhos1da-
quelle estabelecimento, que temps presente, e em que se men­
ciona, que de principios de 1847 a 1851 tinham sahido das suas
officin as quatorze alvarengas de fe rro de quarenta toneladas
cada uma” . Alvarenga, como appellido de fam ilia, escreveu
Beaurepaire Rohan, é nome tanto portiiguez com o hespanhol.
Com outra qualquer significação não o encontro em dicciona-
rio algum . Só V ieira o menciona com o sign ificativo que tem
no B rasil. Aulete não trata delle de modo algum . N ão duvido
que fosse algum senhor Alvarenga, que instituísse esse genero
de transporte, e dahi lhe provenha o nome no Pará, Maranhão,
Pernam buco e Bahia” . E ffeetivam ente, o vocábulo, com essa
particular expressão, não vem de Portugal, uma vez que as em ­
barcações do mesmo genero de serviço têm lá os nomes de
gabarra e batellão, como no R io de Janeiro, e mesmo na Ba­
hia, o de saveiro. Investigando a origem do vocábulo, v e r ifi­
camos que vem do nome de algumas localidades portuguezas,
vindo dahi o appellido de fam ilia, como se v ê do seguinte tre ­
cho escripto pelo Visconde de Sanches de Baena tratando da
fam ilia A lvaren ga: “ E ’ solár desta fam ilia o couto de A lva ren ­
ga, na p rovín cia entre D ouro e Minho, do qual fo i senhor Mem
Paes Curvo, e seu filh o Martim P ires de Alvarenga, que fo i o
p rim eiro que se chamou Alvarenga, p o r ser senhor do dito cou­
to e m orar n e lle .” Para fixar, porem , a antiguidade do term o
como nome geographico, basta mencionar, como escreve Pinto
Leal no seu Portugal antigo e moderno* que a y iílá de A lv a ­
renga, que fica nas immediações de Arouca, teve o seu F o ra l
con ferido p o r el i e i D . D in iz no anno de 1298, concluindo,
que esse nome é de origem arabe, corruptela de al-borjon, a
torre, com provando isto as ruinas da torre do solar dos A lva-
Cengas, ainda existentes na localidade. Concluindo, portanto,
de accordo com Beaurepaire Rohan, não ha duvida que o vocá­
bulo, entre nós, vem de algum Senhor A lvaren ga que se in ­
cumbia do servigo de carga e descarga dos navios em embar­
cações próprias, e já corrente em 1829, como vimos, notando-
se de cir'cumstancias idênticas tantos outros termos, com o no­
meadamente, Carrasco, Mauzer, Lloyd , etc.
Am alinado — De caracter mau, agudo, p ern icioso: Febre
umalinada. “ Outr’ora se tinha caítharrão amalignado. P resen ­
temente é grippe ou in flu en za” . (F o n -fo n n. 7 de 1916).
Amalucado — O mesmo que alezado, aluado.
Am antético — Am oroso, apaixonado, sensivel, delicado,
cortez. “ P ro fe re expressões fastidiosamente amantéticas.” (O
Carapuceiro n. 24 de 1839). “ Não lhes parece que o João quer
dar visos de romântico, amantético, ou de desfructavel, que é
o mesmo, segundo o diccionario dos meninos de agora ” (O
Telegrapho n. 3 de 1850). “ Se sois namorado, e se a vossa lin-
dinha lançar p or acaso vistas amantéticas sobre outros homens,
suicidai-vos” . (A Palm eira Pernambucana n. 1 de 1851). “ Es­
tou de veras a p a ix o n a d o ... am antético.” (O Maná n. 18 de
1883). “ Vão v êr a gente amantética da Companhia G arrido” .
(Lanterna Magica n. 800 de 1905).
Am arellas — D ifficuldades, trabalhos, embaraços, perigos:
Vê-se m ettido nas amarellas. “ T e viste nas amarejlas, p or cau­
sa de d in h eiro” ? (O Etna n. 16 de 1882). D inheiro, moeda de
ouro. “ As amarellas, sterlinas lib ras” , (D e um r e c ita tiv o ).
“ Tu não sabes que os saquaremas só querem dos gallegos as
am arellas?” (O Form igão n. 7 de 1850). “ Conta-nos que em
A b ril do proxim o anno, o cujo deve voltar em busca das amar
relias” . (A m erica Illustrada n. 16 de 1884). “ Cincoenta con­
tos de reis! Uma porção de am arellas! uma pitança excellen-
t e !” (O Binoculo n. 21 de 1884). Graças am&rellás; sem es­
p irito, desenxabidas, tolas, sem graça.
Am arellete —. Madeira de marcenaria e construcção civil.
Am arra — Corrente de relogio na giria dos gatunos, p o ­
rém já muito vulgarisado o term o.
Am arração — Festa escolar no dia do santo do nome do
professor, tendo logar na vespera, am arral-o um dos seus dis
cipulos com uma bonita fita de seda.
Am arrado — Seguro, prevenido, pegado, economico, pou­
pado; im prestável, souvina; O P ed ro é tão am arrado que nin­
guém lhe arranca das unhas um vintem sequer. Casado, preso,
unido pelos laços nupciaes: o João e a M aria já estão am arra­
dos, e bem amarrados.
Am arrar — Prender, atar, am arrar no braço ou no p es ­
coço de alguem uma bonita fita de seda dando laço, um c o r­
dão de ouro ou mesmo um lenço, na vespera do dia do santo do
seu nome, correndo ao amarrado a fineza de uma recompensa
qualquer á pessoa que o amarrou.
Am arrar o gato — Tom ar uma carraspana e ficar' aos tom ­
bos, cambaleando, como fica jogando um navio em marcha que
tem a gata amarrada, isto é, a vela de cima da mezena, solta,
a qual enfunada diminue consideravelm ente o seu jogo, vindo
dahi a origem da locução.
Amatutado — A o m odo de matute^ o nosso camponio, isto
é, retrahido, desconfiado, inaccessivel, sem graça e elegancia
no porte, no falar e no trajar.
A meio páo — Alegre, m eio bicado, com uma mão d e cin­
zento, dous dedos de grammatica. “ O velhote deixou-se levar
pelo gosmado de Anastacio, que entendeu botal-o a meio páo” .
(A Pimenta n. 36 de 1902).
Am iga — Caldo preparado com o do feijão, engrossado
com farinha sessada, convenientemente temperado, e com p i­
menta.
Am igalhão — Grande amigo, intimo, dó peito, correspon­
dente de amigalhaço da giria portugueza. “ Ç) V arella confes­
sou aos amigalhões que em verdade tentára fazer certa.lad ro-
eira com as letras de J . ” (O A rtilh eiro n. 56 de 1843).
“ Acuda Senhor C h icn o rio . A seu velh o amigalhão (O
P ro letá rio n. 5 de 1847). “ E se o meu amigalhão, Trahindo-m e,
pregou-me o calo, os outros, de quem não falo, P o r certo o
que fa rã o ” ? (O Cometa n. 7 de 1843).
Am igar-se — V iver em mancebia ou concubinato. “ Uma
senhora casada, solteira ou am igada” . (A Pimenta, n. 13. de
1914). D erivados: Amigação, amigado, amigo.
Am igos ursos — Falsos, fingidos, compromettedores, ex­
ploradores. “ Am igos ursos, especie tem ivel, qute pullula entre
qs p olitico s” . (A Pim enta n. 65 de 1902). “ O gêneral levado
pelos conselhos dos amigos ursos retira o nome do seu amigo
leal e desisteressado” . (Jornal do P o v o , n. 68 de 1916).
Amistade — Relações, conhecimentos, am izade: Onde ar*
ránjou você aquella amistade? “ Presidindo nós o Jury de
Curityba, em 1876, uma testemunha, mulher, natural da p ro ­
víncia, d’onde nunca havia sahido, perguntado aos costumes,
disse: não ter m aior amistade ao ré o ” . (M acedo Soares).
Am istoso — A m ig á v e l,: benigno, affa-vel, concorde, com ­
placente. Segundo Beaurepaire Rohan é um vocábulo de o ri­
gem castelhana. D erivado: Amistosamente.
Am iudar — O cantar do gallo pela madrugada, como qee
anunciando o rom per do dia. “ De longe, a espaço, nos quin-
taes, o gallo am iudava” . ( A Colum neida). “ Sahi da casa do
Mendes, onde dei festa, quando os gallos estavam am iudan­
d o ” . (A ffon so Arinos, Pedro Barquei.ro).
Amocambado — Refugiado em quilom bo: Os escravos
amocambados nas mattas do Gatucá, causaram consideráveis

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damnos ás populações circum visinhas. ü vocábulo vem de
mocambo, que em grande numero levantavam os fugitivos pa­
ra sua habitação. D eriva d o: Ámocambar.
Am oitado — Escondido, occulto; hom isiado: M ettido na
moita.
Am olação — Im pertinência, enfado, maçada, caceteaçãc,
p au lifica n cia . “ Mas tu, se em. paz não me deixas, e a am ola­
ção continua mando-te lógo á tabua” . (O Diabo a quatro n. 66
de 1876). “ Poeta, caceteia a Sinhazinha na sua am olação” .
(O Etna n. 36 d e ,1882). Nam orico, bredo, tijo lo . “ Um lojista
m uito velho, amante da amolação. Tom ou para fica r moço, Do
T e ix e ira uma in jecção” . (O Desespero n. 22 de 1880). “ Veja
lá, tome cuidado, Com esta sua amolação, Que de outro fo i a
moça, Não metta no fogo a m ão” . (O Maná n. 14 de 1883).
“ Alguns annos andou Maria nesse afan de sua amolação de
noite e de d ia” . (Jorn al do D om ingo n. 3 de 1877).
A m olador — Cutileiro ambulante, italiano, munido de um
apparelho p ro p rio para o serviço de am olar facas, tesouras e
navalhas, annunciando-se pelo toque .de uma gaita. “ Minha
gente venha v ê r Cousa de fazer h o rro r; A navalha deu um
talho N a mão do am olador” . (T ro va s populares). “ Tem os car­
camanos, engraxates, amola.dores, mascates” . (A m erica Illus-
trada, de 19 de N ovem bro de 1871). N am orador casquilho, p e­
ralta; impertinente, importuno, massante, insupportavel. “ Vou
p ’ra c a s a ... inda mais esta! Que sujeito a m ola d o r!” (A P i­
menta n. 58 de 1902).
Am olar — Ab orrecer, cacetear, enfadar, maçar, im portu­
nar. “ Com os seus discursos tem o nobre deputado amolado
a paciência do p ro x im o ” . (A Soberania n. 3 dé %1877) • “ A m o­
lai-nos o espirito, amolai-nos a paciência” . (A m erica Ulus-
trada de 30 M arço de 1873). “ O sujeito amolou a paciência da
Sra. D . Maria, e o fez com muito bôa am oladella” . (Id em n.
31 de 1882). “ Os espectadores amolados, gritavam : suba o
p a n o !” (O Etna n. 39 de 1882). Nam orar. “ Am ola a donzella
para se casar; Am ola o peralta que quer desfructar” . (A m erica
Illustrada de 8 de Setembro de 1872). “ N o terceiro andar de­
bruça-se a Julieta para am olar o seu Rom eo. (O Etna n. 39
de 1882). “ Na Capunga fez-se o mez marianno, mas antes se
fizesse o mez am olatorio” . (A m erica Illustrada n. 19 de 1880).
Am olar-se —. Vêr-se em difficuldades, em trabalhos pesa­
dos, enfadonhos; sobrecarregado de onerosos encargos, óbri-

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gado a despezas extraordinárias, excessivas. “ O povo é só quem
se amola com a carga enorm e de im postos” . (Lan tern a Ma­
gica n. 509 de 1896).
Am olecado — A o modo de m oleque; acanalhado,; sem com ­
postura, sisudez, serenidade, gravidade, sensa,tez.
A m olecer — M oer1
, pisar, sovar. “ Se T rajan o em vez de
assassinado fossè am olecido, o tenente M ello estaria no x ilin -
dró ” (Pernam buco n. 256 de 1913).
Amiollegar — Com prim ir, apertar; tornar m olle, brando.
Am oquecado — A commodo, repimpado, encolhido, aga­
salhado, em descanço. À phrase: Estar) de moqueca, isto é,
embrulhado, envolvido, bem agaselhado, é o mesmo que amo­
quecado. “ Na phrase vulgar, estar de moqueca, é estar de pé
dormente, sem se im portar de cousa alguma” . (G onçalves
D ias).
Am oquecar-se — Retrair-se para descançar; estar muito
commodamenté assentado ou deitado. “ Am oquecado na tribu­
na, e toca a queimar o salitroso incenso” . (A Carranca n. 69
de 1847).
Am oras — Na phrase: Ohi! tempo das amoras!, traducção
chula da locução latina : O h! tem poral Oh m ores! São horas
de com er am oras! (D ic ta d o ): a opportunidade, o momento de
fazer qualquer cousa; o com eçar do trabalho. Am oras é o fruc-
to da am oreira, planta indigena da fam ilia das Urticaceas.
A m oré — P eix e de agua doce, especie de mussu’ ou en­
guia, do generp Gobius, em que figuram : o Ám oré-guaçu’,
Am oré-pinim a (M urema occulata, L ich .), Am oré pixuma (G o ­
bius Pisonis- G m .) e Am oré-tinga, descripto p or M aregrav.
“ T alvez tenhas tambem apanhado o teu camaração no puçá ou
fisgado o teu am oré na lóca. ( A Pim enta n. 15 de 1902). “ Toré,
ré, toré, da cá o pé; Eu não como moqueca de amoi<é” (V e r ­
sos de samba).
Am oroletico — Am oroso perdido de amores. “ S. Excia.
p or uma associação de idéas, fo i accom mettido de fortissimas
cócegas amjoroleticas” . (O B rado do P ovo n. 61 de 1855). “ Ac-
ceita am oreletico Tibi-quoque, as caricias e beijocas que te
envia O Jacaré (Idem , n. 77).
Am orudo — O mesmo que amantetico e am oroletico. “ Mui­
to bem, senhor cara de erm itão; o senhor é muitó am orudo” .
(O Vapor dos Traficantes n. 100 de 1856). “ O M iguélzinho é
damnadinho, é dengoso, é am orudo” . (A m erica Illustrada n. 28
de 1878). .
Amufumfoar — Guardar, esconder, occultar. “ Quem não
aguentar o repuxo, se amufumbe em casa” . (A P rovín cia n. 30
de 1913).
Am unhecar — Tir'ar, gadanhar, furtar; cahir de pernas,
tropeçar, ir ao chão; retrahir-se encabulado, envergonhado,
murcho, agarrar, abraçar, fo iç a r, na giria dos gatunos do R io
dè Janeiro. “ Açpii vou rolando e amunhecando o que posso
afim de ter para o futuro uma vida mais descançada” . (O C o­
meta n. 18 de 1843). “ Conhecendo do enjôo que sua pessôa
inspirou ao magistrado, amunhecoü, murcho como uma crean-
ça que recebe um piparote da m amãe” . (O Estimulo, Parahy-
ba do N orte, n. 9 de 1893).
Andador — . Cavallo de bom andar; csquipador: um ca-
v a llo bom andador.
Andandinho — P o r andando, sem novidade, de saude, co­
mo Deus é servido. “ Desvio, senhora Ursula, desvio! Vae-se
p ão! Vae-te andandinho” . (O Barco dos Traficantes n. 11 de
1858).
Andantes — Pernas, gambias, tibias. (G iria dos gatunos).
An dejar — Andar ou caminhar m uito; passeiar, foguetear,
escaramuçar; não parar em casa, sempre na rua, em toda p ar­
te. Caracterisa bem a dicção, que vem de andejo, constante
dos nossos lexicòns, este adagio: Comadre andeja, não vou
em parte alguma que não a veja.
Anelão — A n el de diamante, volumoso, com ornatos de
esmalte azul, de gosto pesado e uso antigo, mas, que não raro,
apparece ainda em pessoas que não obedecem os preceitos da
moda, e geralm ente do in terior. “ Fitas, boiões de banha, vid ri-
lhos e macassá, brincos e anelões, e tanto perendengue, que
mais não o tem qualquer loja da Rua N o v a ” . (O Carapuceiro
n. 13 de 1837).“ N o fim de muito economisar, comprava-se o
anellãosimbo, e eis o ouriveis a trabalhar” . (O Artilheino n.
46 de 1843). “ Pensarás que o teu enorme anelão te dará im ­
portância ou cotação?” (Pernam buco n. 93 de 1914).
A nenhum — Sem dinheiro, apitando, em quebradeira.
“ Achavam-se todos a ne nhum, tratava-se de p rom over uma
cavação” . ( A P ro vín cia n. 81 de 1902). “ Ainda a nenhum, sem
vintem , esse a aue chamas teu b em ” . (A Pim enta n. 53 de
1902).
Angélica brava — Arbusto da ilha de Fernando de N o ro ­
nha, que attinge apenas de 2 a 2,50 m. de altura, cuja madeira
é empregada em obras de carpina.
An gericó — Planta indígena, medicinal.
Angico — Certa especie de peixe registrada p or Jerortymo
V illela nas suas poesias, entre o bom pescado que nos forn e­
cem os nossos mares e rios.
Anginhos — Algemas de ferro, de ab rir e fechar, para
prender os dedos pollegares dos crim inosos conduzidos á p ri­
são, e como em outros tempos se fazia com os recrutas e es­
cravos fugidos. “ A p olicia prendeu os indigitados cúmplices
nor’xassassinato, pondo-os de anginhos” . (Pernam buco n. 318
de 1913).
Angu’ — Especie ;de sopa ou esparregado, preparado com
camarão secco, pisado, quiabos, bredo, semente de embira,
quitoco, azeite de dendê e pimenta, com p eixe de salga ou sec­
co, e servido com uns bolinhos arredondados feitos de fubá
de arroz, que tem o nome particular de bolão de angu’ . “ Mãe
M aria faz angu’ Faz angu’, p ’ ra tu com ê; O’ moleque do afngu’
Fala tu que é fa la d ô ” . (D e uma toada d’Os Congos, folguedo
de origem a fr ic a n a ). R efeição originariam ente africana, a
sua denominação, consoantemente, é uma voz da lingua an-
golense, segundo Martius, e como escreve o Padre Etienne
Brasil, é um dos Ogés, iguarias ou victos sagrados dos africa­
nos. Variedades; angu’ de farinha de mandioca, ou de man­
teiga; angu’ ide m ilho. “ F u i alm oçar angu’ de m ilho e munguzá
no M ercado de S. José” . ( A Pim enta n. 542 de 1907).
Angu’ íou anguzada — Confusão, mescla, mistura de cousas
heterogeneas; embrulhada, m exerico; cousa mal feita, mal ar­
ranjada. “ Appareceu no jorn al um angu’ com o nopie de dis­
curso” . (O Barco dos Patoteiros, n. 3 de 1864).
Anguzê — O mesmo que angu’ , e que segundo Beaurepaire
Rohan, é uma especie de esparregado de hervas, semelhante ao
carurú, que em Pernam buco tem o nome de anguzô. “ Vai-se ao
cem iterio no dia de finados p o r ostentação ou p or folia. Se é
vedadía a entrada do clássico violão, o p eixe frito , a gallinha
assada, o anguzô, o Figu eira e até a popularissim a c a n n a ... es­
ses tem lá fóros de cidade” . (O Diabo a quatro n. 174 de 1878).
“ Tudo faz crer que o rem elexo será gostoso com o anguzô api­
mentado, comida african a” . ( A P rovín cia, n, 49 de 1916).
Aniquim — P eix e de agua salgada (Batrachus porosissimus,
V a i.). Este p eixe a que os indios chamavam Niqui, vindo dahi
p or corruptela o seu nome vulgar, tem na cabeça um pronun­
ciado espinho, que prodüz serios incomm odos a quem fô r gol­
peado pelo m esm o. O povo diz que é envenenado.

38
^ A n jo — Cadaver de criança: E nterro de um ainjro. Tambeni
anjinho, e muito vulgar, assim consigna Moraes, com as ex­
pressões de menino v iv o ou m orto, p or ser o seu estado o da
innocencia. “ N o Geará ainda se usa, em alguns pontos do cen ­
tro, uma especie de v e lo rio p or m orte de creanças, anginhos.
como chamam” . (S y lv io R om ero ). Anjo de procissão; criança
com vestes de phantasia, alada, que acompanha os préstitos
procissionaes. Anjo papudo; meninote ou raparigota a quem
não cabe mais o qu alificativo de anjo nas accepções de innocen­
cia e pureza. Cara de anjo papudo; cheia, volumosa, boche­
chuda. Anjos bentos!; exclam ação de admiração, duvidas,
h o rro r.
Anta — Pachiderm e de ordem dos Ongulados (T apiru s
americanus, L in .), o m aior quadrupede da nossa fauna, a que
os indios davam o nome de Tapira, alterado em Tapir, e entre
nós o de Tapirete, segundo M arcgrav, que o descreve, e dahi
Tapiira, o b oi ou a vacca, tambem denominados Tapira-cobay-
guara, p or tomarem-nos os selvagens com o uma especie de anta
estrangeira, pelo seu porte e semelhança com o nosso pachider­
m e. Do term o vem os derivados: Tapirahy, rio das antas; Ta-
piraré, vereda das antas; Tapirapuan, a anta roliça ou gorda;
Tapirem a, a manada de antas, nome de um povoado no mu­
n icípio de Goyanna; e Tapirussu’ , anta grande, riacho affluen-
te do Sirinhaém. “ Acham-se p or estas partes do Brasil mui­
tos animaes a que chamam Anta, do tamanho de um boi, que
se cria pelos campos, e se caçam a espingarda ou em fojos,
e tem bôa carne para se c o m e r". ,(D iálogos das grandezas do
B ra zil). Corno reminiscência de,‘ te extineto animal entre nós,
temos os engenhos Antas, nos -municípios de Gam elleira e da
G loria de Goytá, e uma serra próxim a ao sul da cidãde dc
Garahhuns; e Couro d’Anta, um povoado no m unicípio do B re­
jo da Madre, de Deus, e um engenho no de Cimbres.
Antanho — Tem pos idos, de outr’ ora; tempos da amo­
rosa, do r e i velho, dos Affonsinhos.. “ Como uma rem iniscên­
cia dos tempos de antanho, o pessoal do batuque batucou com
gosto a .noite in te ir a .” (Jorn al do R ecife n. 53 de 1914).
“ N ão sei que velh o e experiente m edico de antanho, clinico
no R ecife, chamava os nóvos esculápios aqui chegados pelo
blandicioso ,appellido de b ru m oretos.” (D r , Octavio de F r e i­
tas) . “ N a viola ás Vezes arranho Uns pizzicatos cri-cri Como
nos tempos de antanho.” (Erasm o L o p e s ).
Anum — Passaro de côr preta, da ordem dos trepadores
e da genero Cretophaga, que do seu canto parece pronunciar
a palavra donde lhe vem o nome vulgar, quer o da especie
Anú-guaçú, quer o da Anu’-mirim, com o assim chamavam os
indios. “ O anú é passaro preto, Passarinho de verã o . Quan­
do canta a meia noite, Dá u’a d ôr no coração” . (J . Cesim-
bra Jacques). Passaro insectivo, dá caça ao carrapato que
ataca o gado, e a rez ao sentir pousar no seu dorso estaca o
andar, im m òbilisa a cauda, e entrega-se gostosamente ao bem-
feitor, que cuidadosamente cata cada min dos carrapatos.
Apalasado — T od o o trabalho de costura do calçado, in ­
clusive a dos elásticos e do fo rro , de m odo a fica r a p eça
preparada ifiara unil-a ao solado, a ponto ou a taxa: “ Umas
hotinas de bom apalasado” . O erivados: Apalasador, apalasr,
“ Aquella apalasadeira qiier ter um enthusiasmo. . . ” (A P i­
menta n. 550 de 1907). “ O pessoal do solado do club carna­
valesco dos Apalasadores, passou num rem elexo b a d e jo . .. ”
(Pernam buco n. 52 de 1914). “ Bota meia sola nisso! D eixe­
mos lá de besteiras. Do carnaval o feitiço. Está nas apalasa-
deiras” . (Jorn al do R ecife n. 52 de 1915). “ Mamãe se damna
com os sapatos apalasados pelo M anoel Chagas. ” (A Pim en ­
ta n. 560 de 1907).
,» Apalerm ado — T o lo , im becil, abestalhado; parvo, p aler­
ma, caixa em fim , de que os origin a a dicção.
A p a lh e ta d o —. P és que abrem para fora, e assim p reju ­
dicando um tanto o andar. “ Baixo, grosSo, olhos grandes e
pçs apalhetados. ” (Gazeta U niversal de 9 de M arço de 1836).
“ T em as mãos tortas e os pés apalhetados” . (O Campeão n.
183 de 1863). “ Certo solicitador, que tem .os pés grandes, cha­
tos e apalhetados.” (Lan tern a Magica n. 479 de 1895).
Apalpar — in vestigar astuciosamente, procurar saber - o
que se deseja sem o dar a conhecer, com o escreve A lb erto
Bessa, segundo as expressões que tem o vocábulo na giria
portugueza, que são as mesmas que tem entre nós. V êr, exa­
minar se a gallinha tem ovo. “ Ao rapaz que apalpar gallinha,
nunca nasce babha.” (O Telegrapho n. 4 de 1850). Conso-
antemente, um poeta nosso, em um soneto em que prescreve
o Rem edio para não nascer barba, publicado em 1838 n’0 Ca-
rapuceiro, conclue com o conhecido p receito: “ E basta que
cin pequeno empregue um dedo Rapaz implume em apalpar
gallinhas. ”
Apanhar — Sahir perdendo no jogo ou prejudicado em
um negocio qualquer; victim a de um logro, de uma exp lora­
ção. “ Quasi todo mundo tem apanhado desse poeta que o

40
vulgo académico chama de P au lifican te” . (A Pim enta n. 177
de 1901). “ Que bicho d e u ? ... E os outros? Coitado dos ou­
tros! A pan h aram !” (A Rua n. 2 de 1903).
Aparadeira — V . Assistente.
Apara-facada — Uma peça ordinaria do vestuário, mal
feita, em máo estado. “ Um palitot sacco, calça branca, colle-
te sem relogio, gravata preta, chapéo de apara facad a” . (A
Pim enta n. 8 de 1902). “ Um chapéo de apara facada com ­
pletava a toillette da Ju lieta.” (Id em n. 82).
Apardavascado — Qualidade de pardo, tirado a pardo.
“ Quando lançamos fe rro no ancoradouro, appareceu no caes
um calunga apardavascado.” (O Barco dos Patoteiros n. 12
de 1864).
Apartação — Reunião do gado de diversas fazendas de
criação, em um dado lugar, para separação e entrega aos seus
respectivos donos. “ I)uas vezes por anno juntam-se os v a ­
queiros de differentes fazendas para reunir os animaes, e
tangem-nos para o terreiro de uma delias, onde tem lugar a
apartação, e marcação com o ferro dos seus respectivos do­
n o s .” (H . K o s te r). “ Em um lugar certo e determ inado jun­
tam-se Os vaqueiros e vão reunidos ao campo pegar e juntar
o gado de suas contas, e depois marcham ao curral, onde vão
fazer as apartações” . (Irin e o J o ffily ).
Apatacado — Certos característicos no colorid o do pêlo
do cavallo Um cavallo apatacado. O indivíduo que possue
bens de fortuna, endinheirado ou aquantiado, como se dizia
antigamente, vindo a dicção de pataca, antiga e conhecida
moeda de prata de 320 réis, originaria dos tempos coloniaes.
“ Agora sem saber casei-me, Sou genro de matuto apatacado” .
(A Lanceta n. 19 de 1910). “ Zacharias de Britto, m ercador
apatacado, dava ao diabo a fatalidade que escolhera o seu na­
vio para portador .de tão infausta n o tic ia .” (F ra n k lin T a v o ra ).
“ João P in h eiro era um fazendeiro apatacado, mas m uito ami­
go de güardar o que tinha” . (In g le z de S ou za).
A pedido — Rubrica de artigos de jornaes, de interesse
partieülar: Secção dos a pedido, Publicações a pedido; solicD
tadas; por conta alheia.
Apendoar — M anifestar-se o pendão do m ilh o . (Beaúre-
paire R o h a n ). “ Meu m ilharal começa a apendoar ” (Barão
Homem de M ello). “ O m ilho cresce e apendôa ” (Gustavo
B arroso). Araújo P o rto A legre no seu poema Descoberta da
America, em prega o term o na accepção de embandeirar, com
bandeira ou pendão; “ Baixam dos turcos o lig e iro esquife
E . real escaler àpendoado.”
A p erreio — Injpertinencia, apoquèntação, oppressão, to r­
m ento. “ A p erreios de um m arido, Consumições de um casal.
(E strellas de Junho, R ecife, 1916).
Ap ertar — Comer, fazer uma refeição . “ Os gastronomos
não perderaín vasa de apertar a bôa can gica. ” (A Pim enta
n. 3 de 1901). “ Sahi de casa depois de ter apertado uma su­
pimpa fe ijo a d a .” (Id em n. 13). “ Fui á casa da mana apertar
o funge do almoço, e não encontrei mais signal de b o ia .” (J o r­
nal Pequeno n . 26 de 1915).
Aperuação — Acção de aperuar. “ De outros bons jesui-
tas, e de altezas, a aperuação, descabellada e n g eita .” (A m e ri­
ca Illustrada n. 6 de 1877). “ Avisam os ao Sr. J. B . que se
deixe de uma aperuação que constantemente f a z . ” (A D e r­
rota n. 14 de 1883). “ Em tola aperuação anda sempre o ani­
m al. (C o rre io de Olinda n. 1 de 1901).
Aperuar,^— Assistir e apreciar a uma jogatina; fazer a
còrte a uma >flama; galantear, requ esfrar. “ Mais uma multa
quando tenham de ap eru at” . (A m erica Illustrada n. 1 de
1879). V . P erú .
Apicú ou apicum — T erren o composto de areia fina de
tnixtura com pouca argilla, im prestável para o plantio da can-
na de assucar. Bernardino de Souza registra o term o apicum,
com o do norte do Brazil, significando b rejo de agua salgada,
á borda do mar, accepção esta, não vulgar entre nós. “ Se o
senhor de engenho não conhecer a qualidade das terras, com ­
p rará salões p or massapés, e apicús p or sa lõ es.” (A n to n il).
Cháma-se apicum em Alagoas o algodão que se form a nos
brejos.
A pitar — Estar sem dinheiro, em quebradeira, na pin-
dahyba. “ O estudante apita, quengada no pae ou no corres­
p on d en te.” (A Pim enta n. .2 de 1901). “ Sem arame não se
form a, Só se v iv e a a p ita r.” (idem , n. 29).
A p ito — Remate ou caldo engrossado com farinha ses-
sada. T om ar um apito para esperar a janta. Quebradeira, pin-
dahyba: Estar no apito. “ O apito não passa de uma quengada
de um mestre de quengos, arranjado, para entrar na barriga
dos p a to s .” (A Pim enta n. 2 de 1901).
A polear — Dar tratos de polé, instrumento de tortura dos
tempos coloniaes, cujo local, em que se via levantado, a actual
Praça da Independencia, tinha então e p or tal circumstancia
a denominação de Praça do P o lé . “ Chegando ao conhecim en­
to do govern ador que o seu escravo achava-se gravem ente
espancado, ordena que o soldado que o maltratára fosse preso,

42
e no dia seguinte apoleado.” (J B Fernandes Gam a). V. a res­
peito as suas Memórias Históricas de Pernambuco, T , IV p . 354.
Apoiá-d-ó-d-ó — A p oiad o! Muito bem ! Esta dicção interjec-
tiva, term inando com a soletração da ultima syllaba, um pouco
pausada e accentuadamente pronunciada, dá assim uma expres­
são mais nitida e expansiva á m anifestação de concordância e
assentimento, que exprim e.
Apom bocado — Atoleim ado, apalerm ado; sem acção, ener­
gia, e pundonor mesmo.
Apontam ento — Reparos e melhoramentos dos appare-
Ihos e utensílios dos engenhos de assucar, c trabalhos geraés
de lim peza e conservação do e d ificio da fabrica executados no
tempo em que não funcciona, afim de fica r tudo conveniente­
mente disposto e preparado para a moagem da nova safra: A n ­
dou num dinhel: c o apontamento do meu engenho este anno.
Somente Moraes consigna o vocábulo com está expressão: “ O
preparamento, apparelhação, de alguma cousa, machinas, etc.
que devem s e r v ir .”
Aporrinhado Apoquentado, aperreado, am ofinado, con­
trariado: Andar, estar aporrinhado.
Apparelho — Latrin a. “ Nas escolas do perím etro da c i­
dade servido pela R ecife Draynage, os alumnos vão sendo in ­
toxicados pelos gazes desprendidos desses focos pestíferos de­
nominados apparelhos, sem agua indispensável para fa cilid a ­
de do esgoto.” (Lan tern a Magica n. 797 de 1935). “ N o quintal
havia um lugar p or onde o rapaz se evadisse. Só restava um
um recurso: trancar-se no quarto do apparelho” . (A Pimenta
n. 497 de 1906).
Aprem iaceas — M ovim ento preparatório de qualquer cou­
sa: uma festa p or exem plo.
Apurar saúde — Impertinências, exigeneias, apcrreios, ca­
prichos: Apurar saúde com alguein, on sobre um negocio qual­
quer.
Aquilão — O emplastro diaquilão usado na cura dos fu-
runculos. N o Chile é tambem assim chamado (A q u ilo n ) e como
tal figura nos Chilenismos de Zorobabel R odrigu ez.
Aquilom bado — Refugiado, reunido em quilom bo.
Aquilom bar — Nos tempos da escravidão entre nós tinha
a expressão de reunir em quilom bo escravos fugidos das casas
ou fazendas de seus senhores. “ Aquelle m alvado conseguiu a-
quilom bar grande numero de escravos, e tem praticado com
elles toda a sorte de attentados.” Ocultar-se, refugiar se em
quilom bo. “ Os escravos aquilombaram-se no deserto, alem da
s e rr a .” (B eaurepaire R o h a n ).
A r — Estupor, paralysia: Apanhar o ar, um ramo do ar;
ar de vento; ar encanado; conhecidas moléstias que o vulgo as­
sim as denom ina. “ Os nomes de ar, ramo do ar, ou estupor,
são ordinariam ente empregados para designar a paralysia, isto
é, a consequência da hem orrhagia ou derramamento do san­
g u e .” (D r . Theodoro L a n g a a rd ). “ A r do vento. Hem orrhagia
cerebral; Paralysia facial ou M oléstia de Bell. D esvio da face,
com tortura oris Vê-se na hem orrhagia cerebral e na p araly­
sia facial — a frigo re. Como esta ultima moléstia é devida á
acção do ar frio sobre o nervo facial, o povo não sabendo
distinguir as dur.s affecções confunde-as chamando ar do vento
qualquer desvio facial.” (D r. Arnobio M arques). “ De p rim ei­
ro se apanhava um ar de vento. Morre-se actualmente de con­
gestã o .” (Fon -fon , n. 7 de 1916)..

„ Arabias — Na locução; Das Arabias; Fin orio, espertalhão,


arreliado, estróina, pancadório. “ Quem é esse traficante m ór?
Oh! é das A ra b ia s!” (A Tempestade n. 2 de 1858). “ O pessoal,
que é das Arabias, sahiu em form idável passeata, percorren do
as principaes ruas do arrabalde” . (A P rovin çia n. 50 de 1914).
Aracambuz — “ Cruzeta de madeira entre os bancos da
jangada, encavilhada nas bordas, que serve para descançar o
mastro da mesma, e para prender as linhas e utensílios de
pesca, cabeça com agua, a corda e a poita, .para, no caso de v i­
ra r a jangada, nada se p e r d e r .” (A . A . C a m a ra ). Aracambuz
ou aracambu é vo.cabulo de origem tupi; corruptela de ibirá-
camby, forqu ilh a de pau, cruzetas de pau, gancho. (M acedo
S o a re s ).

A raçary — Encontramos esta dicção como nome de uma


ave na poesia A minha terra natal (Pernam buco) de Jeronym o
V ile lla . Beaurepaire Rohan, porem, consignando-a, manda vêr
arassari, escrevendo então: “ N om e cOmmum a diversas espe-
cies de aves* do genero Pteroglossus da ordem dos Trepadores.
E* vocábulo tupi. Geralmente se escreve A ra ça ri; mas esta or-
thographia tem dado lugar a se escrever Arakary, com o aindá
o faz Au lete.”
Arádo — Esfomeado, faminto, m orto de fom e: Arado de
fom e. Este vocábulo tem curso em outros estados do N orte
com igual expressão. S ylvio Rom ero, porem o consigna com
a de guloso, e dahi a a accepção, desconhecida, entre nós.
Aram e — Moeda, dinheiro, como na giria dos gatunos do
R io de Janeiro. “ As algibeiras tenho ein crise deplorável, cho­
rando e se estorcendo á falta do arame.” (A Pim enta n. 18 de
1901). “ Solteirinho sympathico, mas sem aram e.” (Idem , n. 77
cie 1902). “ N o Restaurant Montenegro se póde, sem demora,
comer, beber gastando pouco aram e.” (Lan tern a Magica n. 791
de 1905). “ Enquanto a qncbracjeira dura e fria Me perseguir,
como um bandido, infame. Deixando-me a algibeira erma, va-
sia, M aldito seja tú, ingrato aram e.” (Jornal do R ecife n. 175 de
1912).
Aranha — Vagaroso no serviço, lento, não apressado, paci­
ente, como o vulgar araclm eido deste nome no seu caminhar e
textura das suas teias.
Aranha caranguejeira — V. Caranguejeira.
Áranhola — Caranguejo, o uça-una dos indios, segundo
MarcBrav. “ No Ceará chamam aos conservadores, carangueijos,
provavelm ente porque estas aranholas andam para traz.” (O
Diabo a quatro n. 134 de 1878).
Aranzel — Discussão acalorada entre muitos indivíduos,
com um barulho in fern al; arenga exaltada, incom m odativa; ba-
te-barbas; qu alificativo de ridiculo dado a um escripto de a-
taque contra outrem.
Arapuca — Pequena armadilha de varinhas para pegar
passaros. Vocábulo de origem tupi, um vez que para caça de
aves tinham os indios, concurrentemente com a Jaçanã, a espar-
rella ou armadilha a que davam o nome de Arapuca, ou que as­
sim ficou chamada, uma vez que é uma corruptela de arapug,
prender batendo, segundo Macedo Soares; mas Theodoro Sam­
paio discordantemente escreve, que antigamente se dizia gui-
rapuca, curruptela de guirá, passaro, e puc, bater, partir, isto
é, a armadilha que bate o passaro ou o acolhe. Enredo, m exeri­
co: Arm ar uma arapuca. Artimanha, engodo, esparrella, ardil
para pegar um incauto. Cahir na arapuca; ser victima de uma
espiculação torpe; Uma arapuca engenhosa para patos apanhar.
“ A tal consiliação Inda por cá não chegou! Isto parece arapu­
ca, Que não sei quem nos arm ou” . (O Barco dos Traficantes
n. 1 de 1858). “ Agora fo i muito manso Deitar abaixo a arapuca,
Prom ettendo d’outra feita Não p ôr a mão na cumbuca.” (A
Lanceta n. 26 de 1890). Apprehensão, captura, prisão. “ O che­
fe de policia arma seus alçapões a arapucas a vêr se apanha
novos passaros.” (Lan tern a Magica n. 238 de 1888). Casa velha
arruinada, que ameaça desabar.” Uina tal arapuca está no ca­
so de ser demolida, quando antes, para evitar-se as desgraças
que devem resuBar do seu desabamento.” (O Campeão n. 21
de 1861).
Araquan — A ve muito vulgar, da ordem dos gallinaceos
(P en elop e araquan, N ie w ), e assim chamada pelos indios. “ A
araquan presada” (Santa Rita- D urão). “ A araquan, com o ou­
tras aves; conform e as estações e a epoca dos seus amores,
m odifica o canto e muda as horas dos seus concertos. Assim,
no tempo estival, ás prim eiras horas da madrugada, rompe o
profundo silencio da selva, com gritos estridentes, em cuja so-
nancia ouve-se o pronunciar do seu nom e” . (Euphrasio
Cunha).
A rara T olo, im becil; maluco id iota. “ Então o Clodoal-
do chocou; hein? Só se elle fosse arara” . (Pernam buco n.
173 de 1913). Eu não sou nenhum a r a r a ... Ja transpuz o .c a ­
bo dos meus vinte e cinco annos. (O Carnaval, 1914). “ Cahe
depressa nesse la ç o .. . Não sejas nenhum arara: Terás por
sogro um ricaço P o r sogra, pessoa cara.” (O Destino dos
am an tes).
Aracánga — Especie de arara, segundo M arcgrav, des­
crevendo-a, e com o assim chamavam-na os indios, vocábulo
este, que a ju izo de Th eodoro Sampaio, é corruptela de arara-
acanga, cabeça de arara.
Aratánha — Vacca de pequena estatura e de chifres re ­
cu rvados; especie de camarão, pequeno, mas de grandes p in ­
ças ou patas dianteiras, vindo o vocábulo do tupi ará, papa­
gaio, e tãi bico, bico de papagaio, adunco, recurvado, e dahi
chamar-se de aratanha ás pernas tortas. Uma parlenda chas-
queando dos pretos, diz que S. Benedicto tem os olhos de
aratanha.
Aratú — Pequeno crustáceo -.ou especie de carangueijo
(G en ero Grapsus), que v ive nos recifes e nos mangues, e fa ­
cilm ente apanhados á luz de fach o. Aratú é um vocábulo in ­
dígena, assim escripto e pronunciado. A o seu pequeno tama­
nho allude esta quadra das nossas trovas populares: “ Caran­
gueijo é doutor, O siri é capitão; Aratú por ser pequeno, In s­
pector de qu arteirão” .
Araúna — Especie de arara, corruptela do tupi Araraúna
nome com que os indios, segundo Gonçalves Dias, chamavam
a arara preta ou azul ferrete. T heodoro Sampaio, porem, diz
que o vocábulo vem de ará-una, papagaio escuro, quasi negro,
especie de arara azul. “ Chô, chô, chô, araúna, Não deixa nin­
guém te pegar, araúna; Tenho dinheiro de prata, arauna Para
gastar com a mulata, arau n a.” (D e um parlenda in fan til com
certa to a d a ): “ Chô araúna! Nunca v i cousa tão sem falta de
g e ito .” (Jornal do R ecife n. 27 de 1916).
A rb o ra rio — Conhecedor pratico das plantas medicinaes

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da flo ra indigena. (D iálogos das grandezas do B r a z il). Moraes
dá A rbolario, arvorario, e manda v êr H erbolario, que define:
Pessôa que cultiva e vende hervas officin áes. “ E rva bem co ­
nhecida dos herbolarios. ” (F r e i João de, C e itá ). Assim encon-
tradamente com Moraes definem o vocábulo os poucos auto­
res que o mencionam, com excepção de Cândido de Figu eiredo
que lhe dá esta defin ição: Aquelle que é conhecedor de plantas
medicinaes.
Arenga de mulher — Chuva miuda, constante, prolongada.
Arenque — Mulher magra, mirrada, feia, repellente. Vem
do nome de um p eixe da Europa, assim chamado, de que se
fazem grandes pescas para salga e secca, e dahi, consoantemen-
te com a nossa expressão, a locução portugueza: M irrado como
um arenque.
A riacó — P eix e de agua salgada, de escamas, verm elho
e pequeno.
A riquá — Abelha grande, preta rezulente. (T rig o n a rufi-
crus, L a t r .) muito abundante e que produz excellente m el.
São porem bravias, muito aggressivas nos seus cortiços ou
ninhos, immensamente populosos, e que, com o as próprias abe­
lhas, têm tambem o nome de A ripu á. “ A gora sim, camarada,
Como lhe quero contá, Queimei a minha camisa T iran d o um
a r ip u á ... Eu v i outro aripuá, D eterm inei-m e a t ir á . .. Assubi
de pau arriba Cum facho acceso na m ã o .” (F o lk -lo re Pern am ­
bucano) . Trata-se de um vocábulo tupi, e concurrentemente
escripto arapoá, irapuá. mel ardente, m edicinal. T h eodoro Sam­
paio consigna Arapuá, corruptela de irá-apuá, m el redondo, ou
ninho de abelhas rêdondo; e Baptista Caetano, Irapuá, c o r­
ruptela de irá-apoã, m el redondo, ou ninho de abelhas arre­
dondado, ou de irá-puá, abelha levantada, ou que faz ninho no
a lto .
Aristim — Elephantiasis, ichtyose das pernas e pés.
Arlequim — Brigão, provocador, m ettido a valentão, gali-
nho de campina; personagem do auto popular do Bumba meu
boi, especie de ajudante de ordens, ou m oço de recados do Ca-
vallo-m arinho, capitão, o chefe do folguedo, typo èsse que vem
do arlechino do antigo theatro italiano em cujas peças contem ­
porâneas do apparecim ento daquelle nosso auto, invariavelm en-
i e figurava, revestid o p orem de um caracter burlesco, apalha­
çado. “ O André apresentou-se vestido de arlequim . ( “ A Lan ­
ceta n . 16 de 1890),
Arm ação — As galhas ou chifres do boi, pu veado. “ Es-
pacio na lingua do sertanejo sign ifica o b o i que tem a arm a­

47
ção aberta e esgalhada. ” (José de A le n c a r ). “ Nas passagens
de alguns rios, um dos que guiam a boiada, pondo uma arm a­
ção de boi na cabeça, e nadando, mostra ás rezes o vau, por
onde hão de pasSar.” (A n ton iD .
Arm ador — Escapula ou gancho de fe rro preso á parede,
com m ovim ento para os lados, com um outro fronteiram ente
disposto, em que se prendem os punhos das redes de dorm ir:
Arm ador de rede.
Arm arinho — “ No Ttio de Janeiro, casa de negocio em que
se vendem miudezas, com o cadarços, linhas, agulhas, sabonetes
e outros objectos de pequeno valor, correspondente ao que na
Bahia chamam Loja de capellistas; em Pernambuco Loja de
miudezas; e em Lisboa Loja de capella.” (Beaurepaire Bohan).
Entre nós porém, apezar de predom inar o citado qu alificativo
de L o ja de miudezas, já de muito que vem apparecendo o de
armarinho, si bem que, não frequentem ente em pregado. “ Na-
quelle tempo tinha elle um armarinho na pm einha do L iv r a ­
m e n to .” (O N o vo Mesquita de capote n. 3 de 1847). “ Fui ao
arm arinho com prar uma camisa e arrastei de lá com estes v o ­
lumes que estavam sobre o b a lc ã o .” (Jornal do R ecife n. 231
de 1915).
Armas de São Francisco — O mesmo que Adeus de mão
fechada. “ Attendendo aos serviços que ha prestado o dono do
engenho São Francisco, perm ittiu-se-lhe o uso das armas e bra-
zões do dito Santo” . (A Lanceta n. 6 de 1889). “ Tantas mun-
gangas fez o padre a ella que, apenas as notou. As armas lhe
mostrou Do seraphico padre São Fran cisco” . (Barbosa Vian-
n a ).
Arm azenario — Aquelle que tem armazein de qualquer ge-
nero de negocio: Arm azenario de assucar. “ Não menos de seis
mi) casas de com m ercio se acham em Pernambuco, e todas el-
las de estrangeiros, assim lojistas, quitandeiros, taberneiros, a r­
mazenar ios, trapicheiros, assucareiros etc. e t c .” (O R egene­
rador B razileiro n. 3 de 1844). “ Dantes este meco era um
arm azenario de meia coronha; hoje é outro cantar! tem muita
lie rv a ” ! (O Vapor dos Traficantes n. 219 de 1860).
A rra ! — Dicção in terjectiva de ira, enfado, contrariedade,
zanga, agastamento, com as mesmas expressões dos plebeismos
1 ortuguezes A rre!, interjeição de ira, de enfado; e Irra!, apre!
com os dem onios! com a breca!
A rraia — P eix e do mar da serie ou secção dos Condrop-
terigios, ou p eixe cartilaginoso (A rraia orhicularia, Schs.),

48
com uma cauda delgada e com prida. Especies: Jabebirete
(T ra yg o n jab era) e N arin ari (Actobatis narinari, M u ll.), a
que os indios davam o nome de Itabebirete, com a sua cauda
longa, descripta e graphicamente representada por Maregra-
vi, com a denominação de Ragoe species. Nos mares de F e r­
nando de Noronha ha uma especie chamada A rraia de corôa,
que não sabemos se é a que Gonçalves Dias consigna com o
nome de Jahybúra, ou se constitue ainda uina outra especie.
A cauda do peixe, secca, fica muito consistente, e serve de
ehicote, e diz o vulgo, que surra de rabo de arraia faz sec-
car. Especie de papagaio de papel, rectangular, com a sua
competente cauda, e que solto ao vento, preso a um cordel,
sobe a grande altura. O nome de arraia vem da sua approxi-
midade apparencia com o peixe deste nome.
Arrancada — ím peto impulsivo, violento, brusco, in espera­
do, de desagrado, malcreação, máo hum or; arrebatamento, fu ­
ror, precipitação; dito ou phrase espirituosa, incisiva, pican­
te, hilariante: O Manoel tem arrancadas do diabo.
A rrancar — Estar ancioso, impaciente, íquieto, para con­
seguir ou fazer uma cousa; querer, pretender, ardentemente
desejar, aspirar. “ O sugeitinho está arrancando para coioiur
certa mocinha da rua do A m p a ro .” (A Pimenta n. 78 de 1902).
Abalar, partir, in vestir. Nos Chilenismos de Zorobabel Ro-
driguez encontramos o vocábulo com as expressões de — huir,
retirar-se apartar-se.exem plifican do: “ Quien 'de atro se retira
Es porque teme. E los hombres no arrancam De las muge-
r e s .”
Arranca-tócos — Valentão, brabo, audaz, provocador,
insolente. “ Dá o commandante uma ordem, algum tuntuqué
ou arranca-tócos, lá porque é protegido, não faz caso, não a
cumpre.” (O Barco dos Patoteiros n. 10 de 1864). “ Palavras
não eram ditas, quando o arranca-tocos desandando a mão,
mimoseou-o com um tiroteio de cascudos.” (Lan tern a Magica
n. 207 de 187). “ Uma cabra de arranca-tocos deu quengada
e muito sôco.” (A Pim enta n. 11 de 1902)).
Arranchar-se — Aboletar-se, hospedar-se, tomar rancho.
“ Os ciganos, form ando bandos numerosos, vinham arranchar-
se junto ás villas e p o v o a d o s.” (João B rigido, A Fortaleza
em 1810).
Arranco — O mesmo que arrancada.
Arranjado — Remediado, que tem com que passar, dis­
pondo de alguns bens de fortuna; ironicam ente, porem, se diz

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do que segue caminho errado em pensar e proceder: 0 Anto-
nio está bem arranjado com a sua vidóca.
Arran jar — Ameaçar, tecer um correctivo, d esforra; de­
sagravo, vindicta, p or um acto máo praticado p o r alguem, ou
o denunciar, accusar, fazer-lh e a cama: Aauelle sujeito não
fica ensòsso pelo que fe z ; eu o arran io. Eu te arranjo, m ar­
manjo, (D ic ta d o ).
Arranjar-se — Illicita e absusivam ente,encher-se,, locuple­
tar-se, tirar bom partido numa empresa, emprego, ou incum­
bência qualquer: O meco arranjou-se naquelle lugarzinho da
Alfandega. “ Os empregos só prestam para arranjar os que os
e x e rc em .” (O Guarda Nacional n. 19 de 1843).
A rran jo —r N egocio illicito , experteza, burla, patota, ex ­
pediente; A rran jo de fa m ilia ; arranjo dh vida. “ Estava um pa-
toteiro com um arranjo entre mãos.” (M ephistopheles n. 18
de 1882). “ Houve tribofe, não é possivel; aqui houve arran­
jo .” (A Lanceta n. 153 de 1913).
Arrasa — Comedor, glutão, insaciavel. Chama-se de
Bernardo arrasa a um individuo assim guloso, vin d o a locu­
ção, naturalmente, de um Bernardo ahi qu alqu er,.de estomago
elástico, d evorador. O term o vem de arrasar, nas accepções
de encher-se, fartar-se. De arrasa; grande, com pleto, de pa­
tente, mas ironicam ente, em tom depreciativo, de troca. “ Mui­
tas vezes se mostra contista, e tem contos soberbos, de arrasa”
(A Semana n . 7 de 1890).
Arrasta-pés -— Dança, reunião fam iliar, serão dançante.
“ Voltou-se do baptisado quando a orchestra apresentou-se pa­
ra entrar o arrasta-pés.” (O G rillo n. 2 de 1902). “ A propo-
sito de tudo uma festa de arrasta-pés regada de ahiá no Cea­
rá e a m elladinha e a cachimbo na Parahyba e P ern am bu co.”
(R odrigu es de C a rva lh o).
Arrasto — Grande rede de pescaria, tecidá de algodão
fiado, de malhas regulares, e que longitudinalm ente dispostas
nos rios ou viveiros, e apertando o espaço, recurvadamente,
em caminho da terra traz em cada lanço, de arrasto grande
quantidade de p eix e. Beaurepaire Rohan trata destas redes,
mas com o nome arrastão, escrevendo; “ E ’ a rede varredoira,
a rede de arrastar, que apanha grande quantidade de peixe.,,
tendo todavia o inconveniente de trazer à praia, de envolta
com o peixe grande, o peixe ainda pequeno, que não se apro­
veita. “ Para obviar este inconveniente temos posturas muui-
cipaes se bem que de letra morta, prohibindo as redes de ma­
lhas estreitas. São essas redes de arrastão, que tem entre nós

50
os nomes de varredoura, de arrastar, e de arrasto, sendo po­
rem este o vulgarmente usado. “ O projecto autorisa o go v er­
no, no caso de sedição ou revolta, a installar commissões m i­
litares. que julguem perem ptoriam ente não só os chefes do
movimento, como a*é os suspeitos, os que seduzirem homens
para esse fim , e todos os adversários do govern o em summa.
Oh! Que rede varred ou ra!” . (O Mocó n. 12 de 1851). “ V en ­
de-se uma rede de arrastar, de 45 braças, e uma de trasma-
Iho, ambas de fio de a lg o d ã o .” (O Cruzeiro n. 4 de 1829).
“ O Snr. Paes Barreto quer naturalmente pescar, e nesse in ­
tuito não se im porta de servir-se do anzol, do jerer , da tar-
rafa ou da rede de arrasto” . (A Lanceta n. 31 de 1890). “ A-
proveitaram as aguas turvas da revolu ção para lançarem a sua
rede de arrasto” . (Idem , n. 43). A locução Rede de arrasto
é extensiva ás mulheres loureiras, que não perdem vasa, nem
engeitam parada, naturalmente adstrictas an p roloqu io popu­
lar de que, tudo que vem Tia rede é p eixe. “ N o trem de O lin­
da, uma cigarreira da Lafayette fez uma rede de arrasto de
ra p a ze s.” (A Pim enta n. 80 de 1902). “ Está uma verdadeira
rede de arrasto a Josepha T im bau b a.” (Idem , n. 1 de 1908).
T razer de arrasto: Conducção dos páos cortados nas mattas,
àrrastados a cordas, até a estrada para dahi seguirem ao seu
destino em carros ou costas de animaes.
Arrebenta-buxo — Planta muito abundante na ilha tie F e r­
nando de Noronha, e de cujo fructo se extrahe uma bonita
tinta preta azulada, própria para escripta, macerando-se o
fructo e deitando-se o liquido no vinagre.
Arrebentado — Quebrado, arruinado, sem recursos, em
condições precarias, paupérrim o. “ Se não vieras tu m elhor se­
ria P T a quem anda na estica, arrebentado” . (A P rovín cia n.
64 de 1916).
A rrebentar — Chegar, vir, apparecer de subito, inespera­
damente: Mal acabavamos de falar no João, quando elle a rre­
benta em casa, surprehendendo a todos.
Arrebim ba o malho — Agradavel, bello, m agn ifico; com
chiste, graça, elegancia. “ Passei um S. P ed ro mesmo de a rre ­
bimba o malho. Gostoso, manhoso, superlapotico.” (A Pim en ­
ta n. 578 de 1907). Variantes: ribim bôm aio, rib im b ôm alh o.
“ Dançamos uma polka de rib im b om alh o.” (A*D uqueza do L in ­
guarudo n. 89 de 1877).
Arrefestelado — A rreliado, zangado, desapontado, irrita ­
do; genista, insupportavel, levado dos diabos: N ão te mettas
com aquelle sugeito que é um arrefestelado do cão; ninguém
sabe quanto está pelos pés ou pela cabeça.
A rreiado — O cavallo preparado com todas as peças..de sel-
laria para m ontar. Adornado, enfeitado, ornam entado! “ D on­
de vindes, mulher minha Que vindes tão arreiada? (Rom ance
de F re i J oan ico). D ’onde vindos, mulher minha, Que assim
vens tão enfeitada? (Rom ance de D . J o ã o ).
A rreia r .— P rep arar o cavallo com todas as peças de a r­
reios para m ontar: Um cavallo bem arreiado.
A rre-lá — D icção in trejectiva com as expressões de ira,
enfado, contrariedade, zanga; agastamento. Yem de longe a dic­
ção uma vez que figura naá velhas parlendas do p ap agaio:
A rre-lá papagaio ridículo. “ A re-lá com voçp; com o sab ido!”
(A Barca de V igia n. 5 de 1847). “ A rre-lá com tal fradinho de
tamanha in con tin ên cia .” (A Carranca n. 23 de 1847). “ Arre-lá,
não me am ofine com tamanha im pertinerícia ” (D e uma conhe­
cida m o d in h a ).
Arrelam pada — Mulher arisca zangada, na giria dos ga­
tunos.
A rrelia — Desordem, barulho, arruaça; distúrbio; conten­
da, disputa. “ Casar com viuva rica e travessa, embora seja uma
Arpia, que viva sempre em arenga, ou na m aior arrelia .”
(A m erica Ilustrada n. 34 de 1880). “ Trava-se uma lembrança
no bond que quasi vira em a r r e lia .” (Lan tern a Magica n. 513
de 1896). “ Não houve arrelia nem piparotadas na folgança,
mas a mocidade sahiu fazendo an avant de xis g o ttic o .” (A
Pimenta n. 20 de 1901). “ Sem que nem p ’ra que fazer uma
arrelia numa noite de festa, diante de tanta gen te!” (L a n te r­
na M agica n. 801 de 1905). “ Entre o Tonho e sua.diva, sem­
pre ha grande a r r e lia .” (A Pim enta n. 21 de 1902). De dia
bebo cachaça, De noite faço a rre lia ” . (T ro va s populares).
A rrelia d o — Malcreado, insolente, grosseiro, insuportá­
vel; desapontado; irritado, vendendo azeite ás canadas. “ E s­
tou damnado, estou queimado, a rre lia d o !” (Lan tern a Magica
n. 530 de 1897). “ Uma sogra arreliada E amante dó m exeri­
c o .” (O Destino dos amantes) “ Uma freira arreliada em
O lin d a .” (Pernam buco n. 346 de 1912).
A rreliar-se — Zangar-se, irritar-se, dar por paus e por pe­
dras. “ N o dia que a tal constembla se arreliar, não fica rá nin­
guém v iv o no R e c ife .” (A Pimenta n. 498 de 1906).
Arrenegado — O diabo.
A rrepiado — Desconfiado, arisco, intractavel, esquivo,

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inaccessivel. “ Venha cá, diga o seu nome, não seja tão a rre­
piada ” (O Tam oyo n. 10 de 1890).
A rrib a r — Desapparecer, fugir, ausentar-se, por-se ao
fresco, dar ás de v illa D iogo. “ Um dia, entendeu que a vjda
em republica não ia bem, e então arribou para um commodo
que lhe alugára a viuva T e r c ia .” (A Pim enta n. 30 de 1901).
“ Um padre pintou os canecos em S. José e term inou arriban ­
do para a Europa.” (A Pim enta n. 652 de .. 1908). “ F o i re-
cholido ao xadrez o indivíduo M anoel Cam illo p or haver a r ­
ribado com um taboleiro da casa da patròa.” (Jorn al Peque­
no n. 77 de 1913)- “ A mulher arribára com um amante por
quem mantinha uma voraz paixão.” (A lves Barbosa, O M i­
randa)-
Arroch ar — Dar, descarregar, desandar; esbordoar, es­
pancar. “ Chico, branco como cêra, arripia a cabelleira, e
Joanna arrocha-lhe o páo. ” (O P ovo n. 110 de 1858). “ O do­
no da casa havia concebido a grande disposição de arrochar-
me o cacête.” (A m erica Illustrada n. 27 de 1883).
A rrolh a r —■ Confundir, leva r de vencida o adversario
numa contenda; fazer calar-se, fica r embatucado, corrid o;
tapar a bocca a alguem p or suborno.
Arrum ação — Em prego, collocação: O Jo^o conseguiu,
uma bôa arrumação numa fabrica de tecidos- Expertesa, a r­
ranjo, traficancia. “ Esta epocha que uns dizem de progresso,
outros de arrumação. ” (Lan tern a Magica n- 471 de 1895).
Arrum ar-se — Encher-se, locupletar-se, tirar bom partido
de um em prego, commissão, ou uma incumbência qualquer:
O sujeitinho arrumou-se no seu em prego d’Alfandega.
Arta — O mesmo que arra!
A rte — Travessura, trela, traquinada; commetter uma fa l­
ta, um acto mdu, dar uma cabeçada: Este menino está mui­
to quieto e desconfiado; com certeza fez alguma arte. “ Que
as artes do smhô Juca São mesmo artes do demonio, Para
liv ra r delias vou rezar a Santo Antonio.” (D a chula Sinhô
Juca). “ A h i está no que deu a arte do moleque. T eve que v o l­
tar para casa com o corpo m oido ” (O Tico-tico n. 447 de 1,914).
A rteiro — Traquinas, treloso, travesso; emprehendedor,
habilidoso, in telligen te; prevenido, sagaz, fino- “ A onça anda­
va sempre a ver se pegava o macaco; mas o macco muito a r­
teiro, sempre escapava delia.” (S ilv io R om ero).
Articulista — Autor de artigo de jornaes; polemista que
sustenta e discute na imprensa uma questão. “ Perdoe-nos o
articulista se n a rra n d o -a ' verdade, lhe causamos algum mal.”
(D ia rio de Pernambuco n. 81 de 1916).
Aruá — Pequeno molusco gasterópode, especie de buzio
ou concha, espiral, ovoide, de um verde escuro quasi preto-
qu e se encontra nos alagadiços de agua doce, contendo uma es­
pecie de m arisco que-se com e guisado. E ’ p ro vá vel que tambem
exista nos rios, porquanto, com o refe re Fernando Halfed,
entre os mariscos, conchas e buzios que encontrou no S.
Francisco, menciona um a que chama de arruá, naturalmente
o p ro p rio aruá, com o se chama entre nós. Lopes Gama no seu
period ico Q Carapuceiro ns. 62 e 74 de 1842, faz referen cias a
um tempo do toque do aruá, e da catinga do aruá, entre nós
e chama-se de bocca de aruá, as que são recurvadas, quasi
sfemi-circulares, com o a do molusco, de movimentação, para
ab rir e fechar- Aruá, concurrenlem ente no Ceará, designa uma
especie de ostra de agua doce, arredondada, que se prende ás
pedras (G lossário cearen se); e nas Alagoas, como escreve
A lfre d o Brandão, entre os crustáceos, apparecem o pitu, o
carangueijo e o aruá, que Theotonio R ib eiro registra como ca-
rangueijo, que se cria ás bordas dos riachos e produz òs vinhos
reseos, que. são muitos inedicinaes. Tam bem entre nós, o
Lam bedor de aruá é muito preconizado com o de virtudes
peitoraes. A dicção vem do tupi, aroim, marisco, carangueijo
ou de aroaiity segundo Martius e assim com o Gonsalves Dias
escreve no seu D icçionario, consignando ainda o vocábulo
aruá concha do R io Branco, que tambem se encontra em ou-
tío s lugarèS) ao norte do paiz. Finalm ente, estudando Macedo
Soares o term o aluá, com, que é conhecida a popular e re fr ig e ­
rante bebida do norte, e que entre nós se chama alôá, como v i­
mos, acha possivel que seja corruptela de aruá, cousa agra-
davel, bôa cousa, gostpsa, apreciavel. E ffectivam ente, o aluá,
tem na Bahia o nome de aruá: “ As pretas africanas, á som­
bra de gam elleiras parasitadas, vendem o aruá fresquissim o.”
(A n ton io GarmeJo).
Âruanã — Especie de tartaruga (C h elon io s) muito abun­
dante nos mares do archipelago de Fernando de Noronha-
A rv e lo z —- Planta que prodigiosam ente vegeta na zona
sertaneja, e qúe produz em abundancia um liqu ido á especie
de leite de grande efficacia para a cura das moléstias cancroi-
des.
Assadeira — Vasilha de m etal ou b arro para assar.
Assanhado.— Inçuieto, desassocegado, boliçoso, sem mo-

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do e compostura, sem termos de gente. “ Mamãe se iTaiu-
na, com umas mocinhas assanhadas, que se postam no sereno
do ensaio da banda musical de Beberlbe.” (A Pim enta n. 615
de 1907). “ Na verdade esta viuva E ’ p or demais assanhada;
Pois tendo a cabeça branca *nda quer ser namorada.” (Id em
n. 641 de 1908). Exaltado, enraivecido, furioso- “ E ’ demais
perigoso excitar as suas iras de cobra assanhada.” (O Lidador
n. 239 de 1847). Cabello não penteado, revolto, em desalinho:
Cabello assanhado. “ Não sei que tem meu cabello Que não se
doma com banha;. Quanto mais banha lhe boto, Muito mais
elle se assanha.” (D o cyclo das nosaa quadras populares)
D erivados: Assanho, Assanhamento. “ Mamãe se damna com
o assanhamento de certa viuvinha na igreja de B eberibe.” (A
Pim enta n. 654 de 1908).
Assassinar — Pessimamente executar uma peça dramatica
ou musical.
Asseiro — Lim pa ou roçagem do matto em volta de uma
coivara, guardando-se uma certa largura, para isolal-a, afim
de que o fogo não se communique aos campos circumvisinhos,
e lavre somente no trecho encoivarado para preparo de um
roçado ou campo de plantação. “ Cabelleira atravessou o assei­
ro e penetrou no canavial.” (F ra n k lin T a v o ra ). D erivado: As-
seirar.
Assentamento — Plataform a de alvenaria nos antigos enr
genhos de assucar. onde estão assentadas as tachas de fe rro
sobre fornalhas cujo fumo sahe p or uma elevada chaminé.
Nessas tachas, commumente em numero de cinco, é onde se
lim pa o caldo da canna e se evapora até a concentração para o
o assucar cristalizar. “ E xprem ida a canna nas moendas, o cal­
do é aparado no p arol e deste segue em bicas para o assenta­
mento, o qual consta, em regra, geral, de cinco tachas, onde vai
se fazendo gradativam ente o cozim ento até a separação das
impurezas e a apuração do m el.” (A lfre d o Brandão)
Assistente — Denominação moderna de parteira, que an­
tigamente tinha o nome de aparadeira, de aparar as crianças
ao nascer, com o tratamento intim o de comadre. Para indicar
então a sua casa de residencia, se via uma cruz preta pintada
no portal. Assistente examinada: a que fez o curso de obste­
trícia no Hospital Ped ro II, ou prestou exame de sufficien-
cia no H ospital. “ A Sra. Jgnez Maria das Virgens continua a
prestar os seus serviços de asistente.” (A m erica Illustrada n.
35 de 1878). “ O pobre homem apressadamente caminhava em
procura de uma assistente para a m ulher.” ((M ephistopheles
n. 39 de 1882). “ Parteira, antigamente, era quasi sempre uma
mulata velha dos peitos grandes,' de saia e timão, e moradora
na rua da Roda, ou no beco tapado do largo da m atriz de San­
to Antonio. Se algüem dicesse que tinha visto uma senhora de
certa ordem exercendo a profissão de assistente, conform e h o­
je se chama, dizia logo: estamos no fim do mundo! Si aquel-
la gente hoje existisse e visse uma senhora respeitável, bem
trajada, andando a carro, e exercendo a profissão de assistente
cóm que pasmo não exclam aria. Coitada! Está feito p a rteira !”
(Lan tern a Magica n. 466 de 1895). E ’ dahi que vem o dictado
depreciativo da filiação de um indivíduo dç quem se <tuer
chasquear: F ilh o de meirinho com parteira.
Assucareiro — Negociante de assucar de exportação. “ Os
assucareiros especuladores, que assucar vendem de diversas
c o r e s .” (O Barco dos Traficantes n. 5 de 1858). “ Os assuca­
reiros se tem associado parà im porem o preço do assucar, e
tem conseguido.” ( A Duqueza do Linguarudo n. 88 de 1877).
Assumptar — Examinar, observar, prestar attenção; in ­
teirar-se das particularidades de uma cousa qualquer, para
descobrir um segredo, fica r senhor do assumpto, e resolver
coin acerto. “ Assumpta bem, e ápanha as tenções delles.” (A f-
fonso A r in o s ). “ Estou assumptando, era outra phrase, que
S ylvio Rom ero muito usava, de accentuado sabor nortista. (A r-
thur G uim arães).
Assungar — Subir, trepar, galgar, elevar-se; levantar p a­
ra cima: Assungar a saia, o vestido; assungar-se numa a rvo ­
re.
Atabaque ou tambaque — Instrumento musico dos africa ­
nos, especie de tambor, muito estrepitoso, e usado nos s us
batuques e bailados.
Atacar — Comprar ou vender por atacado, por completo,
uma partida de qualquer m ercadoria.
Atamancar — Retardar, remanchar, protellar, ganhar tem­
po.
Atarrachar — Apertar a alguem com pedidos instantes e
empenhos valiosos para a obtenção de qualquer cousa: O m i­
nistro viu-se tão atarrachado, que acabou cedendo. Respon­
der com vantagem, dar uma resposta de mestre, de embatucar,
de atarrachar.
Atirado — Audaz, emprehendedor, arrojad o; atrevido, -e-
tu lante.
Atôa — Insignificante, sem im poratncia alguma, desprezi-

56
v e l : G e n t e atôa. M u l h e r atôa, m e r e t r i z . A n d a r a t ôa ou a t oa m
te: mal a r r a n j a d o , de um I r a j a r d e s c u r a d o ; va g a n do , sem o r i ­
e n t a ç ão e r u m o c e r t o : A n d a r p o r ahi a 1'óra a t o a m e n t e .
Àtocalhar — Espreitar, vigiar, fazer espera de alguem em
lugar certo de passar, de transitar. “ Quebrando o namorado
os seus protestos de amisade, a moça perdeu a compostura,
atocalhou o fona e deu-lhe um baile.” (A Pim enta n. 643 de
1908). D erivado o vocábulo do tupi tocaia, vem dahi o verbo
Atocaiar, como escreve Macedo Soares, fazer tocaia ou espe­
rar a alguem; esconder-se para com surpreza atacar a ou­
trem ; assaltar nas trevas ou no erm o; Tocaiar, (Beaurepaire
R ohan) fazer esperar a alguem com o fim de o matar trai­
çoeiramente, e em bom sentido, espreitar a alguem, p or quem
se espera em certo e determ inado lugar; Paulino Nogueira,
igualmente escreve Tocaiar. que quer dizer esperar espreitan­
do alguem para atacal-o quando passar pelo lugar; em fim o
Visconde de P orto Seguro (V arn h agen ), que nos Indios Bran­
cos escreve Tucajár, com iguaes expressões.
Atrapalhoádo — P o r trapalhado, perturbado, confuso, em­
baraçado. “ P o r Baccho! Estou visivelm ente atrapalhoado pa­
ra falar da E m ilia.” (A m erica Illustrada de 19 de março de
1873).
Atravessado — Falar mal uma lingua, incorrectam ente, em-
brulhadam ente. “ Conta-se que no Ceará fizeram esta experien-
cia (a prova de Santa Luzia, para saber-se se o novo anno será
secco ou chuvoso) diante do naturalista George Gardner, mas
o sabio fazendo observações m eteorologicas, e chegando a
tini resultado differen te do attestado pela santa, exclam ou em
seu portuguez atravessado: “ Non, non, Luzia m e n tio .” (S yl-
vio R o m e r o ).
Attentado — O diabo; traquinas, boliçoso, desenvolto, es-
pritado, levado dos diabos. “ Mas a menina atentada, diz
ella, é um a b o d e g o .” (Lanterna Magica n. 565 de 1898).
Atucanar — Pedir, atorm entar impertinentemente, insis­
tir; intrigar, m exericar teimosamente, obstinadamente, p ro ­
curando sempre contar demoradas e maçantes historias; fa ­
lar aos gritos, cantarolar de modo incomm odo: Atucanar os
ouvidos, a paciência alheia. A dicção vem de tucano, conhe­
cida ave trepadora, de bella plumagem e enorme» bico, cur­
vo e dentado, cujo bater frequente sobre os troncos das a rvo ­
res e cantar agudo e estridente são assaz encommodos.
Auatá — Andar, caminhar a esmo, sem destino e orienta­
ção, á toa, á m atroca; e segundo Moraes, que recolheu o vo-
cabulo em Pernambuco, errante pelo campo, fóra de casa, p e r­
dido, exem plificando: Andam os carangueijos, as moças auatá.
A dicção vem do facto muito vulgar de ern certas epochas
deixarem os carangueijos as suas locas, e espalharem-se pelos
mangues e campos circumvisinhos, ou nadando mesmo ao ru­
mo da corrente, sem direcção nem destino, e tão inertes, que
se deixam facilm ente apanhar. O autor dos Diálogos das gran­
dezas do Brazil trata particularmente deste phenomeno, con­
cluindo: “ E dizem os naturaes, quando se acham estes can-
rangueijos por esta maneira, que andam ao atá, que sôa tanto
cómo andar lascivos.” Como que, consoantemente, refere Macedo
Soares, que andam elles assim a tôa, sem direcção, quando es­
tão na desova. No cyclo das nossas modinhas populares ha
uma sob o titulo, O carangueijo, que segundo T heodoro Sam­
paio vem da epocha da Tndepcndencia, e assim com eça: Ca­
rangueijo anda ao atá Procurando a sua entrada, Vem seu mes­
tre titio Faz dos carangueijo cambada.” Com o goyamum, espe­
cie de carangueijo, de um bonito azul, occorre o mesmo phe­
nomeno, dando-se como causa as chuvas ou es trovoadas. E f-
fectivãmente, já em 1(527 escrevia o historiador F r . V icenie
do Salvador: “ Os guaiamús em as prim eiras aguas do in v e r­
no, quando estão mais gordos e as femeas cheias de ovas,
sahom das suas cóvas e andam vagando pelos campos e es­
tradas c mettendo-se pelas casas.” Vêm de longe, portanto, es­
tas crenças sobre o phenomeno. “ Andam como goiamuns em
tempo de trovoada, ao atar, sem saber o que façam ” . (Am e­
rica Illustrada n. 2 de 1885). “ T odo mundo sabe que com a
trovoada os carangueijos andam ao atar, aos pon ta-pés.” (A
Lanceta n. 29 de 1890). A dicção vem do tupi, uatá, andar,
caminhar, vagar, e dahi uatá-bó, caminhando, como escreve
T heodoro Sampaio; Gonçalves Dias consigna o vocábulo oatá,
andar, caminhar e a locução oatá atá nhóte, vagar; c Martius
oatá (goatá) andar. Notam-se em fim, como expressões o rig i­
narias: Uataçara, o viajante, o cam inheiro; Uatacába, a v ia ­
gem, o passeio; e Uatá rame, indo, passeiando.
Au rora — Madeira pouco conhecida e explorada, porem
de préstim o a construcções civis.
Avacalhamento — Não podemos tratar deste m oderno vo
cabulo sem lançar mão de alguns lopicos de um interessan­
te artigo que a respeito do seu npparecimenlo, no R io de Ja­
neiro, escreveu O C orreio da Manhã e logo transcripto no
Pernambuco n. 260 de 1913. São estes os trechos em ques
tão: “ Este neologism o appareceu ha duas semanas, ereado por
um deputado desgostoso com o seu chefe, c todavia, já tem
fóros de cidade. 'Elle serve, principalm ente para d efin ir a
duplicidade dos p olíticos. Assim, nesta esquentada luta das
candidaturas presidenciaes, quando algum tergiversa e opina,
ora por um, ora p or outro candidato, diz-se da pessoa, não que
trahiu, que marombou, que dansou na corda bamba (phrases
antigas e renegadas), mas que se avacalhou. Na Camara, cen­
tro e foco da politica, está mesmo sendo organisado um p ar­
tido m oderno: o dos avacalhados. Como o term o está clara­
mente indicando, avacalhamento quer dizer amor ás vaccas,
amor, por conseguinte, ao que ellas demais p roveito produ­
zem, que é, salvo m elhor juizo, o leite. O avacalhado é o h o­
mem que se colloca sempre na posição de sugar, não p rop ria­
mente leite de vacca, mas o leite do Thesouro, o leite das p ó-
sições, o leite dos orçamentos, o leite do g o v e rn o . . . Não se
podendo desligar do term o avacalhamento a idéa do leite, se­
gue-se, pois, que os avacalhados são os politicos que evitam
o ostracism o.” O termo, que isoladamente appareceu, teve
logo um cortejo de derivados logicos, que reunidamente
entraram em circulação constituindo, assim as dicções do m o­
mento, da moda; e essa moda fo i logo introduzida entre nós,
pela própria imprensa indigena, e espalhada pelo vulgo, e
dahi estes conceitos de um p eriodico illustrado, do R ecife (A
Lanceta n. 158 de 1913): “ A gora anda em vóga o term o nada
parlamentar, que a oratoria apresentou em um momento dc
ogerisa: Avacalhou-se! Os clássicos levam as mãos aos céos,
indignados, mas o termo, pelo momento em que appareceu,
pela surpreza que offereceu e pela onomatopéa sym bolica que
intenta traduzir, vingou completamente e hoje se applica a
torto e a d ireito com o se nos diccionarios nada houvesse de
mais expressivo e co m p leto .” Sobre a expressão do vocábulo
e os seus derivados escreveu então o nosso illu stre conter­
râneo Bastos T igre, sob o pseudonymo de D. Xiquote, na sec­
ção Pingos e Respingos do jorn al fluminense o C orreio da
Manhã, as seguintes e espirituosas sextilhas: “ Eis a palavra
da moda Dos politicos na roda, P o r toda parte se espalha,
E ste paiz hoje em dia E ’ uma grande vaccaria Em que tudo sc
avacalha. Senador que grita forte Seja do sul ou do norte, Ou
deste ou daquelle Estedo, Do chefe sentindo o relho, Curva a
fronte, dobra o joelh o: E eil-o um typo avacalhado Cres­
ce o curral. Dia a dia Correm todos á p orfia A soltar urros de
dôr. A cavallo no terceiro, Vai a tocal-os P inh eiro, Supremo
avacalhador. Da boiada dá-se o estouro. P orem com medo do

59
couro V o lta m , Jodos num m om ento. Atropelam -se na estrada
Os estouros da boiada Depois do ayacalham ento. Mas o dono
da fazenda Sem p ôr o seu gado á venda, V ai ganhar um d i­
nheirão E diz a rir, com deleite: Vou ter o trust do leite Com
esta avacalhação” .
Avança — Introm ettido, mettediço, intruso; o que sem
convite com parece a festaS particulares, entrando cynicamen-
te p e la casa dentro, sein conhecim ento algum do dono, ina-
presentado mesmo, e sem a m enor cerem onia, dança e folga,
toma conta do buffet, e á hora do banquete avança para a
mesa, e com a barriga dando horas com e a fartar, á tripa
fo rra . “ Dir-se-hia mais João Fernandes V ieira o mestre má­
xim o do avança, não do singelo e momentoso avança para o
buffet das festas publicas, ju stificável pela fom e que não raro
punge, em m eio de esplendida prosperidade apparente, 'mas
do calculado, do manhoso avança, estratégico e táctico, feito
de humildade e insolência, do silencio e audacia, de pacivida-
de e arrojo, e cujo objectivo é conseguir um lugar v ita líc io
no banquete da v id a .” (C on de de A ffon so C e lso ). Em 1915
appareceu um period ico sob o titulo: Avança, bi-semanario,
humorístico, critico, noticioso e illustrado.
Avestruz — “ Sujeito que não bebe nada, frequentador
de botequins e gangorras.” (A Pim enta n. 65 de 1902.) “ Para
a casaa de banhos affluem alguns amadores do avestruz, que
saem cambaleantes.” (Id em n. 5 ). i Bancar avestruz: to ­
mar carraspanas; entregar-se ao v icio da embriaguez,
A v itreiro — Curruptela de alcoviteiro, e com as suas p ró ­
prias impressões.
A voadeira — Mulher sacudida, assanhada, de máos modos,
desregrada, de vida fa cil.
Avoado — Estróina, pancadorio, azoado, de cabeça nos
ares.
A voar — Atirar, jogar, lançar, arrem essar: A voar uma pe-
d ra : avoar-se no chão.
A vô-torto — O m arido da avó legitim a, que enviuvando
passa a segundas núpcias, como avó-torta é a mulher do avô
legitim o. O uvir novas da avó-torta: uma descalçadeira tre­
menda. “ Bastante fundamento tinha minha avó-torta, para
dizer-m e depois de uma grande maçada: meu netinho não
ha mal que sempre dure, nem bem que Bfenca fin d e .” (O D ia­
bo a quatro n. 2 de 1875).
A xu liar — Passar uma costura ligeira ao correr dos ex ­

60
t re m o s da f a z e n d a de uma p e ç a d e r o u p a q u al q u e r , d e p o i s de
e m p a n a d a ou uni da, p a r a n ã o se d e s f i a r .
Aza — Braço: Pegar, puxar por uma aza. Andar de aza
cahida; triste, muncho, succumbido. Azas da fam a: fastigio,
gloria, renom e: Andar nas azas da lama. Arrastar as azas: fa ­
zer a côrte a uma dama. “ O Totó mui prazenteiro arrastava a
aza qu ebrada.” (D ia rio de Pernambuco n. 149 de 1916). Aza
branca: especie de rola muito vulgar (Columba leucoptera,
V ie u x ). Aza negra: jettatore, pés frio s; individuo de influencia
m aléfica, perniciosa, de máos olhos. Bater azas e voa r: fugir,
desapparecer m orrer. Cortar as azas: cercear a esphera de at-
tribuições de alguem, rebaixar da sua autoridade.
Azaranzado — Confundido, aílterado, atrapalhado, pertur­
bado; desarranjado, tonto, adoidado m esm o. Macedo Soares
consigna os vocábulos assaranzado, como synonim o de avoado,
e assarranzar-se, dando a este verbo as expressões de atrapa­
lhar-se, fica r tonto, abobado. Azaranzado vem, naturalmente,
de zaranga que, segundo Aulete, se diz das pessoas atabalhoa­
das; doidivanas, que fazem tudo sem tino; cabeça de ven to:
e assim figurando na giria doS gatunos do R io de Janeiro com
as expressões de attonito, confuso, perturbado. Zorobabel R o-
dídguez inscreve nos seus Chilenismos o verbo azarearse 11a-
marse, de azar, de sobresalto, correspondentem ente a descon­
certar-se, desazonar-se, inquietar-se escamar-se.
Azarento — Em m aré de caipora, com a fortuna adversa,
em luta com os contratempos da vida, aos azares da sorte. A n ­
dar azarento: “ Prenderam o vigarista, e fo i incontinenti re-
m ettido para o xadrez do R ecife, onde elle bem deve ter la ­
mentado a sua- azarenta sorte.” (O Estado de Pernambuco n.
16 de 1914). D erivado: Azarado. “ O crim inoso utilizou-se de
uma pequena faca, instrumento de que se servira para a p ró ­
pria defesa, no momento azarado.” (D ia rio de Pernambuco n.
152 de 1916).
A zeite com broxa — Conjuncto de cousas iterogeneas,
discordes, sem nexo, sem harm onia. E ’ tradicional, que a lo ­
cução vem do seguinte facto: H avendo de uma feita grande
falta de azeite no m ercado de certa localidade, e tendo um
vendelhão uma avultada porção de broxas, sem sahida algu­
ma, aproveitou-se da opportunidade para se v er liv re de se­
melhante alcaide, só vendendo o seu azeite, que tinha em p o r ­
ção a quem igualmente ficasse com certa qüantidade de b ro ­
xas, vendo-se assim liv re delias sem preju izo algum.
A zeiteiro — Individuo que procura com insistência, im ­
61
pertinência, mas com certo geito e habilidade insinuar-se no
animo de uma mulher para conquistar os seus affectos; mão
de ãpparelho de um nam orico: e na giria dos gatunos do R io
de Janeiro, ru fiã o; amante do coração; o que v iv e á custa de
uma m ulher. “ Não gosto de v êr um velh o gaiteiro, azeiteiro.”
(A m erica Illustrada de 18 de Outubro de 1874). Mas, como diz
o rifão. Côco velho é que dá azeite. “ Meia duzia de atoleimados
azeiteiros.” (Lan tern a Magica n. 37 de 1883). D erivados: Azei-
tação, azeitar, de expressões obvias, N o carnaval de 1914 f i­
gurou um club sob o titulo, Os azeiteiros da rua Nova, que no
seu canto de marcha figuravam estes versos: “ Os azeiteiros
como uma p rova. Do grande valor sem p a r . .. Da Casa Ingle-
za As caixeirinhas vão azeitar.”
Azeitona — Caganita de cabra, assim chamada pela seme­
lhança na côr e fórm a entre uma er outra cousa, vindo dahi o
conhecido p roloqu io: A cabra apregoa m el e vende azeitonas.
Azoação — Trote, surriada; vaia de moleques com assobios
e gritaria in fern al.
Azogado — Irritad o, agastado, enfadado: genista, colérico,
malcreado, levado dos d i a b o s “ A sogra anda sempre azogada
em sua vidà.V (Lan tern a Magica n. 501 de 1896). “ O capitão
é um typo azogado, que não teme ca reta s.” (Pernam buco n.
330 de 1913).
Azoratado — O mesmo que azaranzado. “ V ai fugindo
azoratado, da m olecal re b o rd o sa .” (D e uns versos politicos
de 1833).
Azucrim — Im portuno, maçante, cacete, am olador. Aos
mais pertinazes e im pertinentes dá-se o nome de Azucrim de
aza branca, “ Os azucrins! São fortes! Olhem que é preciso
ter paciência de Christo, ou de Job, para os s o ffr e r .” (A m e ri­
ca Illustrada de 18 de F e ve re iro de 1872). “ As sogras ricas
são os eternos azucrins dós genros p o b re s .” (Idem , de 10 de
Agosto de 1873). “ Esqueci-me de perguntar ao P aiva se elle
ainda continuaria com a intenção de m etter no xadrez da
p olicia o azucrim, que á força metteu-lhe a sorte ha algibei­
r a . ” (A Pim enta n. 40 de 1902). Esta dicção não é antiga,
e no Çarnaval de 1873, quando estava em muita vóga, appa-
receu o numero unico de um jornalesco hum oristico com o
titulo: O Azucrim, que ainda circulou em 1883. D erivados:
Azucrinação, azucrinado, azucrinar. “ E uma azucrinação A
praga das loterias. Que correm todos os d ia s .” (Barbosa Vian-
na), “ Desde que appareceram as extracções diarias da lo te­
ria nacional, irrom peu neste R ecife uma praga de vendedores
62
de bilbetes, que azucrinam os transeuntes.” (A Pim enta n 40
de 1902).
Azulão — Passaro de bella plumagem e agradavel canto,
(G uiraca canoea, Less) assim chamado da sua côr de um
pronunciado azul ferrete.
Azular — Desapparecer, fugir, pôr-se ao fresco, dar ás de
villa' D iogo. “ A empreza dramatica Palacio, L y ra & C.a está
de malas arrumadas e prompta para azular-” (A Pim enta n. 15
de 1901). “ O aggressor desconhecido azulou, e o aggredido,
bastante 'contundido, fo i para casa tratar-se com panos- de ar-
ic a .” (Pernam buco n. 303 de 1902). ” 0 Chico, afinal, azu-
>u do m inistério da fa zen d a . ” (Idem , n . 156 de 1913) -

63
B
Bababi — Surra, tunda; bordoada, pancadaria velha; páo,
:acete, tabica. “ Tu és muito feio, Cavalcante, e o irm ão da
noça está se armando para te m etter o bababi.” (A Pimenta
1. 25 de 1902). “ O coió se não corre mettia-se em bababi.’
;idem n. 81). “ Meetings e barulhos por causa do sorteio mi-
it a r . .. e a gente estaciona nas immediações da Praça da In-
lependencia, á espera de v êr um bababi de verdade. (L a n te r­
na M agica n. 889 de 1908).
Babado — Folho, no sentido de tiras, em pregas ou não,
eom que se guarnecem saias, vestidos e outras peças de rou­
pa de m^ilher; e usado no diminutivo, babadinho, para indicar
o estreito, de pouca largura. Em outros tempos, porem, ti­
nham os babados mais outras applicações, como, nomeadamen­
te, nas toalhas, fronhas e rodapé das camas de armação, ou de
casal. “ A i! me largue o babado! A i! me largue, diacho! Que
diacho de p a d re!” (D a chula O ladrão do padresinho). “ As
mocinhas, cheias de laços de fitas e de saias de babados, já v i­
vem nas brincadeiras, pintando o s e te .” (A Pim enta n. 536
de 1907). Casusa, babado se usa? — (D ictado p op u la r). V a li­
mento, prestigio, influencia, empenhos de m ulher: O cabra
pegou-se nos babados da mulher do m inistro e conseguiu as­
sim uma bôa collocação. Agarrar, pegar, segurar pelos baba­
dos; abecar, abotoar, in vestir. “ O sapateiro agarrou pelos b a­
bados do preopinante e gritou-lhe; pague prim eiro as botinas,
e frite d ep o is.” '( O Cometa n. 28 de 1844). “ A garrei a velha
pelos babados, atirei-a em cima do bruto e ganhei o m u n d o.”
(A Pim enta n. 540 de 1907).
Babador — O mesmo que babadoiro, como escreve Aulete:

65
panno que se põe sobre o peito das creanças, para se não en­
xovalharem com á baba ou a com ida. O term o porem, já vem
de longe, com o se vê de Bluteau, que escreve: “ Babadouro: O
panno de linho que se põe sobre o peito dos meninos, para
que não sugem os ves tid o s.”
Babaquara — F in orio, expertalhão, sabidorio; um indi-
viduo já maduro, velhaco. “ Mãe que consente um babaquara
velho dentro de sua casa com uma filh a solteira” ! (O P ovo
n. 88 de 1858). “ De bigodes tão com pridos O babaquara sen­
tado. Yê-se naquelle momento Um pouquinho a p errea d o.”
( A Pimenta n 498 de 1906). “ O povin h o reluzente do club
dos babaquaras.” (A Lanceta n . 99 de 1913).
Babáu! — Acabou-se! E ’ tarde! Adeusinho! Está tudo p er­
dido! Não ha mais rem edios!: Babáu, sinhá M iquilina! V á cho­
ra r na cama que é lugar quente. Taes são as expressões desta
dicção in terjectiva na occurrencia de um facto consumado,
de uma pretenção frustrada, de um negocio que fracassou .”
“ Tom em lá esta liçã o . Então, ainda fazem gu efra? Querem
inda o Sete em terra? Babau” ! (de uns versos politicos de 1834
sobre a revolu ção de sete de A b ril de 1831). “ Pois então, meu
amiguinho, outro o fficio , que o de official-m aior, babáu Se­
nhor D o u to r.” (O Postilhão n. 16 de 1846). “ Agora, Doutor,
babau! Perdeu todo o seu la tim !” (A m erica Illustrada n. 35 de
1881). “ Am igo Carlos Alberto, sumiu-se tudo; babáu” ! (A P i­
menta n. 9 de 1890). “ Acabou-se a dictadura, findou-se tudo;
babáu! (A Lanceta n. 53 de 1890). “ O Velodrom o, b a b á u !...
Adeus vidinha adorada; muita gente ha de chorar de lenço na
m ã o . ” (A Pim enta n . 638 de 1908). Esta dicção é brasileira,
ou de origem portuguezia? A este respeito occorre: Bluteau,
autor do mais antigo vocabulário portuguez, não a consigna,
nem Moraes, que o seguiu: mas o continuador do seu D iccio-
nario (quarta edição, 1831) a inscreve, com o se v erifica do
signal in dicativo dos termos accrescentados, porem com esta
expressão: Golpe ou pancada de duas bolas entre si, natural­
mente copiada de Constancio, autor mais antigo, e assim che­
gamos ao D iccionario de Lacerda (1858-1859), que inscreve o
vocábulo pela prim eira vez como uma expressão de que usa o
vulgo para dar a entender que uma cousa se acabou, ou não tem
remedio, vindo dahi a sua repetição pelos modernos autores
como V ieira, Aulete e Cândido de F igu eired o. Ora, verifica d o
que o vocábulo, com as nossas consignadas expressões, já era
corrente e vulgar no B io de Janeiro em 1834, documentamen-

66
te sabido, e aqui em Pernambuco em 1846, igualmente, como
vimos e que somente em 1855-59 teve assim, pela prim eira vez,
codificação lexicologica p or Lacerda, parece que é de origem
brasileira, a menos que não appareçam documentos que des­
truam estas nossas considerações provando o contrario.
Babóca — Barranco, cóva, depressão de terren o. “ O
acompanharemos até ás babócas da matta do Bezouro em 1835,
onde o deixarem os por um p o u co .” (O Lib eral Afogadense n.
2 de 1845).
Babuzeira — Trapalhada, confuzão, desordem ; parvoice,
asneira, tolice. “ Encher um pote de asneiras, com babuzeiras
de espan tar.” (A m erica illustrada n. 2 de 1877). “ Já tarda­
va que nas repartições de fazenda não apparecessem também
babuzeiras.” (Idem , n. 37 de 1879). “ Os actos dos homens de
hoje só exprim em babuzéira extravagan te.” (Lan tern a Magica
n. 210 de 1888). “ Os socios do Club de Esgrim a foram abo­
licionistas <je mãos cheias, tão cheias como os seus annuncios
de festas estiveram cheios de banalidades e babuseiras.” (O
Tam oyo n. 4 de 1890). “ E m fim chegou o dia da forrobodan-
cia, e fo i aquella babuseira na expressão da p a la v ra .” (A P i­
menta n . 36 de 1902).
Babylonia — P red io grande, espaçoso, com muitas accom-
modações: Esta casa é uma Babylonia!
Bacafusada — Embrulhada, confusão, misturada; desor­
dem, alteração, barulhada. “ Grande bacafuzada fez a rapazeada
no th e a tro .” (Lan tern a Magica n. 10 de 1882).
Bacalháo — Azorrague de couro crú, trançado ou re to r­
cido, <Je duas ou mais pernas. “ Instrumento de açoitar cap-
tiv o s .” (D ia rio de Pernambuco n. 223 de 1829). “ O carras­
co com um bacalháo, isto é, com um açoute de quatro pernas
de couro crú retorcido e presas só no cabo, açoutou a victim a
quatro v e z e s .” (A . J. de M ello ). “ A Antonio Rodrigues, h o­
mem pardo, mandaram os vencedores (os mascates) açoitar
com bacalháos.” (G uerra dos Mascates, 1710). “ O subdelega­
do mandou am arrar o homem em um carro no m eio da p o­
voação, e descendo-lhe as calças mandou descarregar-lhe tre ­
zentos açoites com um bacalháo.” (O Echo Pernambucano n.
4 de 1847). Bacalháo de porta de venda: Mulher demasiada­
mente magra, escaveirada, em allusão ao conhecidissim o p eixe
daquelle nome, que salgado e secco vem da T erra N ova, em b a r­
ricas, ou ein caixas, da N oru ega. M etter o bacalháo: D etractar;
diffam ar, bordoada de lingua. “ Quando vires tal burro fazer
echo, M ettendo o bacalháo na vida alheia. N ão perguntes que
67
é. é F e fe c o . ” (J. Barbosa Cordeiro, 1824). P 'r a quem é baca-
lháo basta: Qualquer cousa serve; não vale a pena encommo-
dar-se.
Bacalhoada — Certa com ida feita de bacalháo. Açoite,
golpe, pancada com o azorrague bacalháo. “ N o Caixa d ’oculos,
uma dose de capacidade, e nos mais seis bacalhoadas.” (O
Barco dos Patoteiros n. 24 de 1864).
Bacamarte — M ulher alta, robusta, de typo va ro n il; cou­
sa atoa, despresivel, que não presta; cavallo ordinário, pesa­
do, máo corred or. “ Nos prados não ha bacamarte alguem que
não tenha chamado para as algibeiras dos trib ofeiros o chum-
binho a lh e io .” (O Tam oyo n. 6 de 1890). “ Houve t r ib o fe ...
sempre os bacamartes na p o n ta .” (A Lanceta n. 153 de 1913).
Bacáno — Pessôa rica, sugeito endinheirado, em condi­
ções de ser roubado. (G iria dos gatunos).
Bacatéla — P reço ou custo baixo, insignificante, baratis-
simo, de uma cousa qualquer que se com pra. “ Tu qu e.és um
burro de marca, Só mereces uma sella; E isto te offertam os
Porque custa bacatéla.” (O Diabo n. 10 de 1883).
Bacóra ^— Chapéo de feltro, duro, de cópa arredondada e
baixa. “ Bastião fo i a Olinda. Passeiou na praia e viu toda
aquella gente alegre que banhava. T eve impetos de cahir
n‘agua e, de frack e bacóra atirou-se ao m a r ... Form igão usa
frak preto, bacóra da mesma côr, e bengala de v o lt a .” (Jornal
do R ecife n. 35 de 1915).
Bacorinha — Chapéo alto, cartola. “ Tem relogio, parado,
mais inglez, cadeia de double chaine de platina, e uma baco­
rinha nova e fin a .” (O Etna n. 28 de 1882). “ O que não as­
senta bem em cabeça de fidalgo janota é aquella bacorinha,
jaca, ou cousa que m elhor nome h a ja .” (O Diabo a quatro n. !.'8
de 1877). “ Esse fona quasi velho, usa de chapéo b a corin h a .”
(A Pim enta n. 64 de 1902).
Bacorinho — P orco novo, pequeno, cevado “ F ilh o de vac-
ca é bezerro, e de porco bacorinho.” (T ro v a s populares). “ A n i­
mal suino, bacorinho, cevado, ou p o r c o .” (O Sete de Setem­
bro n. 37 de 1864). “ Na cerca da ceva o bacorinho coinchava
atolado na la m a .” (C oelh o N e tto ). O vocábulo vem do portu-
tuguez bacoro, de iguaes expressões.
Bacuráo — A ve nocturna (C aprim ulgus), cujo nome vem
do seu p ro p rio canto que parece expressal-o: Baco, baco, ba­
curáo, repetidam ente. “ Bacalháo é p eixe secco, M oleque joga
pião. O bacuráo canta á noite. M eirinhg faz c ita ç ã o .” (A M ar­
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mota Pernambucana n . 23 de 1850). In divídu o que só sahe á
noite. “ Quem sahe de noite ás escuras faz vezes de b acu rá o.”
(Id em n. 44) . Phrases depreciativas ou de tro ç a : Bacuráo de
gaiola; bacuráo de igreja.
Badejo — Enthusiasta, animado, delicioso. “ F o i um a r­
rasta-pés badejo, hontem, no Club das Pás.” (Jornal do R e ­
cife n. 91 de 1914), “ O pessoal do solado do club carnavales­
co dos Apalasadores, passou num rem elexo badejo.” (P ern a m ­
buco n. 52 de 1914). O vocábulo tem curso nas Alagoas com
a expressão de mui grande. “ Que p eixe badejo” (T h eoton io R i­
b e iro ). Badejo é o nome de um p eixe da fam ilia dos gadidas,
semelhantes ao bacalháo, vulgar em Portugal e em Santa Ca-
tharína, onde ha mesmo uma ilhota, assim chamada (T es-
phauer), e assim ignoram os donde vem o vocábulo entre nós
com aquellas expressões.
Baêta — Este vocábulo vem nas phrases de sentido equi­
voco : Eita baeta, quem não sabe não se metta; Quem matou o
cão fo i o.B aeta; e nesta: Rom per as baetas, que quer d izer: E x ­
ceder-se com alguem, ex p lo d ir'e m desabafos, rom per, cortar as
relações: O Antonio rompeu as baetas com a M aria.
Bafàfá — Azafama, confuzão, agitação, reb o liço . “ N in ­
guém mais receios tenha de haver grande bafafá.” (Lan tern a
Magica n. 459 de 1895). “ Com a m orte do caixeiro andava
o b oticário num bafafá desesperador. ” (A Pim enta n. 30 de
1902), “ A orcbestra executou o signal para uma quadrilha.
F o i um bafafá dè todos os diab os. ” (Idem , n . 57).
Bagaçada — Cousa insignificante, sem valor, in util; re ­
botalho, com o o bagaço que fica da canna de assucar depois
de exprem ida na moenda e tirado o succo ou caldo, d’ oncíe
vem a dicção.
Bagaceira — Deposito do bagaço da canna nos engenhos e,
usinas de assucar. “ As escravas de que necessita a moenda
são sete ou oito, e outras finalm ente para botar fóra o b a ­
gaço, ou no rio ou na bagaceira, para se queim ar a seu tem ­
p o . ” (A . J. A n to n il). Boi de bagaceira: rouceiro, m arralhei-
ro, vagaroso, pachorrento, preguiçoso mesmo.
Bàgageiro — Cargueiro, alm ocreve; praça de serviço ou á
disposição de um o ffic ia l; gente que se contracta mediante sa
lario para acompanhar e conduzir a bagagem das tropas em
diligencia ou em iipobilisação de campanha. (A lv a rá de. P r iv i­
legio dos Auxiliaresj de 24 de N ovem bro de 1645). “ O bagageiro
que me acompanhava, declarou-se, ao v êr que desejava visitar

69
a gruta, que nem por todo <> f inheiro do mundo se avizinharia
daquelle lugar m aldicto.” (A lfre d o B randão). Vagaroso, ron cei­
ro, em perrado, re ta rd a ta rio . “ Menina que acorda tarde, Vai
ao banho e é bagageira Para ter um certo encontro. S’ tá c o r­
tada, é tr ib o fe ir a .” (O C orreio de Olinda n. 1 de 1891). Ca-
vallo bagageiro: máo corredor, bacamarte, sem cotação nos
prados de corridas.
Bagagem — Nas locuções: Andar ou estar na bagagem, en-
caiporado, atrazado, esquecido: Ficar na bagagem, atraz, re ­
tardado, marcando passo: Chegar na bagagem, tardiamente, p or
ultimo, fó r a de tempo. “ 0 Jornal do R ecife póde chegar na ba­
gagem, mas não quiz ainda entrar no trib ofe com o D iario
de Pernam buco.” ( A Lanceta n. 59 de 1890).
Bagaróte — D inheiro, a fracção de m il réis. “ Fique com
os duzentos bagarotes na algibeira, e viva a paz de M a ria .”
(O Barco dos Patoteiros n 29 de 1864). “ Cinco bagarotes
para a boneca já estão separados das econ om ias.” (P ern a m ­
buco n. 46 de 1914).
Bago — O mesmo que bagarote. “ Cincoenta bagos p or mez
para descompor a Deus e ao m u ndo!” ÍO Guarda N acional n.
132 de 1844). “ A natureza do n e go cio então mudou, e o re ­
sultado seria perder os bellos bagos.” (O Clamor Publico a .
82 de 1846). “ E xige muitos afagos, E outros quesitos varios,
P o r cento e cincoenta bagos, Sem haver e xtra o rd in á rio s.”
(Settas, Jornal do R ecife, 1910).
Bagre — P eix e de agua salgada, (Silurus carinatus, Le-
c e p .) de que M aregravi descreve cinco especies, em que f i ­
guram o Nhandia e o Guiraguçú, e Gonçalves Dias e Guiry-tin-
ga, bagre branco.
Bahia — Nom e que os vendedores ambulaptes dão á ma-
caxêra (M anihot a ip i); e assim, ou ouvil-os apregoar: Bahia!
Bahia!, já se sabe o que é.
Bahiano — Dança rasgada, lasciva, movimentada, ao (som
de canto proprio, com letras, e acompanhamento a viola e
pandeiro, e origin aria dos africanos, transform ação das suas
danças nacionaes como o maracatú e o batuque. D o bahiano,
muito em vóga ainda, principalm ente nos divertim entos e fo l­
ganças rustico-campestres, vem a musica assim chamado pelo
tom abahianado que a caracterisa. “ O bahiano é um pro-
ducto do mestiço, é uma transform ação do maracatú africa­
no, das danças selvagens e do fado p ortu gu ez.” (S y lv io Ro-
m ero ). “ Toca bem esta viola N o bahiano gemedô, Que o Ma-

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theus e o Fid elis São dois cabras dançado.” (D o auto popular
do Bumba meu b oi.) “ 0 tocador da viola Chama-se F elician o;
0 ’ que bello mulatinho Para dançar o bahiano.” (T ro va s
p op u la res).
Bahú — Confidente, depositário de um segredo. Aulete
consigna a phrase Sêr bahú de alguem como fam iliar, e com
aquellas expressões, não dando porem a negativa, na occur-
rencia da revelação de um facto qualquer, ou de um segredo
confiado: Não ser bahú de ninguém. Entre nós occorre ain­
da: Bahú grande, a casa; Bahu de quatro pontas, trouxa de
roupa de uso: Aquélle sugeito quando chegou aqui veio ape­
nas com a roupa do corpo e um bahú de quatro pontas, com
os seus muafos, enfiado no braço.
Baiacú — P eix e de agua salgada, da ordem dos Plectogna-
tas, das especies vulgarm ente conhecidas p or Baiacú-caixão
(O stracion quedricorais et bicadautus) e baiacú de espinhos,
havendo mais uma de nome desconhecido. Entre os indios ti­
nham as tres especies os nomes de Guamaiacú-apé, Guamai-
acúatinga (D id on punctatus C u y .) e Guamaiacúguará. F re i
V icente do Salvador descreve os peixes desta especie com o
nome de Majacús, concluindo: “ Tanto que os tiram fó ra d’a-
gua incham tanto, que de com pridos que eram ficam redon ­
dos como uma bexiga cheia de vento, e assim se lhe dão um
couce rebentam e soam como um m osquete.” Vem dahi, cha­
mar-se de baiacú a um sujeito inchado, gordo, e a um preteu-
cioso, cheio de ventos* de fumaças. “ Quando o typo se senta
num vagon parece um baiacú: estoura, não estou ra.” (A P i­
menta n. 66 de 1902). Baiacú ou maiacú, é uma corruptela
do tupi mbaê-acú, cousa quente, bicho quente. (T h eo d o ro
Sam paio).
Baié — Especie de porco que não cresce muito, de pés
curtos e que. prodigiosam ente engorda. “ Você com essas bo­
chechas de porco baié é capaz de illu d ir a m eio m u n d o.”
(O Barco dos Patoteiros n. 20 de 1864). “ O besta do gallego,
bebado com o uma cabra, ferrou no somno e roncava com um
porco b a ié .” (A Pim enta n. 36 de 1902).
Baile — Descompostura rasa, em plena rua, ou de porta
a porta, e geralm ente entre mulheres de má vid a . “ Des­
compostura grossa. Arm a branca das mundanas.” (J o rn al do
R ecife n. 91 de 1914). Dar, levar, tomar um baile. “ Olhe que
perdoamos, porque na occasião em que davam-nos aquelle
baile de elogios, de descompostura, ■exhalava tanto alcool que

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nos encommodou o orgão resp ira tó rio . ” A D errota n . 8 de
1883). “ Um dia, p or questões de ciumes, a bella coquette deu
um baile na irm ã da amasia do d ele g a d o .” (A Pim enta n. 12
de 1912).
Baita — O mesmo que badejo. “ Estupendo. Nunca visto.
M aravilhoso. F o i um successo baita.” (Jorn al do R ecife n. 91
de 1914). “ E o Pás não pesa pouco: é o mesmo um peso
baita.” (A P ro vín cia n. 52 de 1914).
Baixa — Campo de cultura do capim de planta para fo r ­
ragem dos animaes, em terrenos planos, baixos, húmidos, ou
á margem dos rios para fa cilita r a sua irrigação, e dahi a
denominação vulgar de baixa de capim, até mesmo o fficia l,
para a cobrança dos respectivo imposto m unicipal. “ Vende-
se dous sitios em S. José do Manguinho com grandes baixas
plantadas de capim.” (D ia rio de Pernambuco n. 95 de 1829).
“ José M anoel é proprietário de uma grande baixa de capim
em B e b e rib e .” (O Rebate n. 3 de 1883).
Baixada — T erren o baixo, plano, ou um valle pequeno,
ao. pé de uma lomba, ou entre montanhas. Aulete registra o
vocábulo com o particularm ente do Brasil. “ V ictorin o ficara
cahido na baixada, estorcendo-se nas convulsões da m o r te ...
Se quizer canna, vá cortal-a na baixada.” (F ra n k lin T a v o r a ).
Baixo — Andar curto, passeiro, do cavallo, e assim, de
vagaroso caminhar, e dahi cavallo b aixeiro.
Balabrega — Um typo ahi qualquer, in significan te; pan-
tom ineiro, charlatão, porcalhão. “ Os balabregas não foram
felizes nas suas m agicas.” (Lan tern a Magica n. 234 de 1888).
Balaço — Bala, corruptela talvez de balazio, que A u le­
te consigna como- term o fam iliar com as expressões de gran­
de bala, golpe de bala. Passar um balaço, desfechar um tiro .
“ Quando a gente menos espera, o balaço de um m alvado faz
do fe liz d esgraçado.” (O G rillo n. 2 de 1902).
Balaeiro — Vendedor ambulante de fructas, ovos e ou­
tros generos, em balaios presos p or cordéis ás extrem idades
de um pau ou calão, que carrega aos hom bros. “ O fio do
telephone que se quebrou na rua D ireita, alcançou o in d iv í­
duo José de tal, balaeiro, m orador no J iq u iá .” (Jornal do
R ecife n . 158 de 1914). “ N a casa, vivia m maritalmente, ha
annos, o balaeiro Manoel Jorge e a mulher Josepha de t a l. . .
Brincando E m ilia com um balaeiro que passava fo i pelo mes­
mo fe r id a .” (Idem , ns. 58 e 60 de 1915).

Balaio — Especie- de cesto feito de timbó, da casca da


folha do dendezeiro ou de outra qualquer substancia vegetal,
de tamanhos c form as diversas, e para differentes usos. Ba­
laio de costura, de compras no m ercado; um baiaio de ovos,
laranjas, etc. Tão bom é o balaio como a tampadôra. (P ro lo -
quio popular). “ Meu balaio de costura Tem um segredo no fun­
do; Queirer-me bem, quem despreso Querar-me mal todo mun­
d o . . . Balaio, meu bem, balaio, Balaio do coração. Quem ti­
ver o seu balaio Não saia com elle não, Que os rapazes são
travessos botam o balaio no c h ã o .” (F o lk -lo re Pernambuca­
n o) .
Balanceiro — In d ivíd u o encarregado do serviço de p e­
sar. “ Até o Baptista, balanceiro da Alfandega deu o seu fo r ­
robodó em Santo A m a ro .” (Lanterna Magica n. 430 de 1894),
Balandrau — Peça de roupa, comprida, a sobre-casaca
ou croisé, em allusão á opa ou balandrau dos irmãos da San­
ta Casa de M isericórdia. “ Uma carta pedindo que toquemos
fogo no balandrau do Sr. Austerliano. ” (Am erica Ulustrada
n. 34 de 1879).
Balde — Vaso de folha de ílandres á especie de cuba para
o serviço de conducção d’agua. “ O pobre olindense que com ­
prava um balde d ’agua por um vintem, vae com pral-o agora
por d ou s.” (Annaes da Assembléa Provin cial, 1877) “ Quan­
do o carregador punha o balde d ’agua á cabeça, succedeu o
mesmo c a h ir .” (D iariq de Pernambuco n. 76 de 1915).
Baldo — Especie de dique, ou barragem de terra, barro
ou alvenaria, que fórm a as paredes dos açudes para reprezar
as aguas e evitar o seu espraiamento nas eppchas em que
augmentam de volum e. “ O açude do L im oeiro ficou com o
baldo destruído, de modo a tornar necessaria a sua reconstruc-
ção” . (R ela torio das Obras Publicas, 1869). “ Um baldo ou re-
preza de terra, com cerca de 300 metros de extensão, susten­
ta as aguas do açude de V illa B e lla .” (Idem , 1880). Este v o ­
cábulo tem concurrentemente a variante Balde, si bem que,
menos corrente. “ O povoado do Campo Grande estava quasi
que sem communicação com a cidade, porque tanto im porta
a difficuldade que havia, não se querendo passar por dentro
das propriedades particulares ou pela eambôa da Tacaruna e
haldes dos v iv e ir o s .” (Idem , 1867).
Baleia — Mulher alta, gorda, pesada, vagorosa, indolente,
assim chamada em allusão ao conhecido cetáceo deste nome,
o m aior dos animaes. Os indios, porém, chamavam-nos Pyra-
ocú, Paraná-ocú póra, peixe grande, que vive no mar largo,
isto é, a baleia. (Gonçalves D ia s).
B alieira — Pequeno barco de quilha, com toldo, e m ovido
a remos, do serviço de repartições m arítim as. B alieira da A l ­
fândega, do C orreio, etc. O term o vem das embarcações des­
tinadas á peSca da baleia.
Balisa — Mala de mão, na giria dos gatunos; indivíduo
que vae á frente dos clubs ou troças carnavalescas, em ca­
briolas, empunhando uma especie de maça dourada, rem i­
niscências dos balisas dos antigos regimentos.
Bambá — “ Dança dos negros africanos, em circulo de
homens e mulheres, que cantam uma toada com o estribilho:
Bambá, sinha! Bamba querê!, ao som de palmas cadenciadas
em aplauso a um ou dous dos dançadores que, no centro da
roda, executam varios passos e figuras.’’ (M acedo Soares).
Vem da letra daquelle estribilho a denominação do bailado,
bem como o de Bambaquerê, com que tambem é conhecido,
segundo aquelle escriptor, desde a Bahia até Matto Grosso.
Aqui, em Pernambuco, não conhecemos dança alguma africana
com um ou outro nome; mas, que effectivãm ente existiu, em
outros tempos, apesar de apagadas as suas reminiscências,
com provam estes versos, estribilho de uma dança abahiana-
da, com toada própria, e que talvez assim mesmo desfigura­
dos, tragam a origem , entre nós, dos proprios dos Bambás a-
frican os: ô Bambá de lêlê, ê bambá de quero: Tanta moça bo-
bita, ô bambá, Mas não é p ’ra você.
Bambear — A ffrou xar, esmorecer, dim inuir em forças,
actividade, influencia, ardor, intensidade. O vocábulo vem,
naturalmente, de Bambar, tornar bambo, afroixar, que Au-
lete consigna com a nota de poucò usado.
Bambo — F azer uma bola, acertar ou caram bolar no jo ­
go de bilhar, mas sem as suas regras, e somente p or um aca­
so feliz, p or um Bamburrio, de que talvez venha o termo.
Bam boleio — Meneios, secudidelas, saracoteios no m axixe
e em outras danças lascivas. “ Aguenta, mulato, que o teu
bam boleio é gostoso com o o d ia b o .” (Jornal do R ecife n. 91 de
1914).
Bamburral — Gurruptela de bambual, floresta de bambus,
a taquaruçú dos indios, taquara grande, grpssa, a graminea
guada, que na phrase de Alm eida Pinto, poàe chamar-se o g i­
gante das gramineas. De bamburral veio o nome de um anti­
go engenho situado no m unicípio de Am aragy, onde hoje cam­
peia a usina do mesmo nome. “ O vaqueiro segue o gado no
disparo, e logo após elle rom pe os mais densos bamburraes.”
(José de A le n ca r). “ Lourenço tinha o espirito preso a certa

74
ordem de ideas que o envolvia como em cipoal, mais inestrica-
vel do que o enredo do bamburral por onde i a . ” (F ra n k lin
T a v o ra ). Moraes consigna Bamburral, lugar lenteiro, o r ha
herva de pasto; e Couto Magalhães dando o vocabu co­
mo de origem tupica, diz que quer dizer, matto ralo.
Banana — In divíduo m olleirão, palerma, p oltrão; gesto
o ffen sivo feito com a mão fechada.. “ Sinto certos entalos se
der-lhe banana ou fig a .” (A Pim enta n. 8 de 1902) .“ Recuando
um passo largo hom érico, dei-lhe p or despedida um adeus ba-
nánico.” (Id em n. 93).
Bananeira — Mulher, que só tem um filh o, como a bella
musacea deste nome que só dá um cacho. Bananeira que já deu
cacho, o p olitico ou um indivíduo qualquer, decahido, encos­
tado, sem im portância e prestigio algum. “ P erd id o o penna-
cho, sou agora bananeira que de ha muito já deu o cacho.”
(Lan tern a Magica n. 22 de 1888). “ Arreda, afasta, abandona,
E ’s bananeira de um cacho; Podes dar couces á roda Meu dou­
tor de b a rb ica ch o .” (Pernam buco n. 93 de 1914).
Bananeiral — Plantação de bananeiras (Musa paradisiaca)
dispostas em touceiras, a que os indios davam o nome de paco-
tyba, de onde, p or corruptela vem pacotuba, para designar a
pacoval, bananal bananeiral.
Banca bahiana — V . Bozó.
Bancar bicho — V ender pules do jogo assim chamado, e
pagar o prem io do bicho que bater, ou que der, de accordo
com a sorte grande da loteria fed era l. “ Em 1896, quando
iniciou-se o m aldito jogo do bicho, todo mundo queria ban­
car.” (A Pim enta n. 8 de 1901). “ Vendendo bicho no Cabo, T é
em Prazeres bancando, Se dá o c u jo ... de rabo, Mette quen-
gada, arribando. (Idem , n. 24).
Banda — Corrente do galé, na giria dos presidiários de
Fernando de N oronha. Não ter banda com ninguém; não res­
peitar, considerar, leva r em conta a pessôa alguma.
Bandalheira — Acção de bandalho, baixeza, infam ia; ar­
ranjo, patota, lad roeira. “ Toda a bandalheira está no Nabuco,
mais no M ad u reira.” (O Guarda N acional n. 131 de 1844).
Bandão — Porção, abundancia, quantidade avultada, gran­
de numero; Um bandão e um rumão de cousas bôas. “ A que­
bra do O liveirinha, de rapina fo i bandão.” (O Campeão n. 86
de 1862). “ De irmandades e sociedades recreativas, tem elle
um bandão de diplomas e cartas paten tes.” (A Pim enta n. 53
de 1903). “ Uma procissão com um bandão de gente tão gran-
de com o a dos Passos aqui no R e c ife .” (A Lanceta n. 110 de
1913).
Bandeira — Adulação, lisonja, engrossamento, muitas v e ­
zes descambando em baixeza e servilism o. “ A imprensa mais
sensata ás vezes deita bandeira.” (A Lanceta n. 46 de 1890).
“ O bom rapaz ficou cheio de vento, inchado com a bandeira.”
( A Pim enta n. 3 de 1902). D erivados: embandeiramento, em ­
bandeirar. Procissão religiosa, com ruidóso apparato, geral­
mente á noite, para o hastepmento da bandeira de um santo nas
proxim idades da celebração da sua festa. “ Eu já v i um certo
arraial uma bandeira destas, e julguei estar observando uma
dessas saturnaes dos antigos rom anos. ” (Lopes Gama, 1838).
“ Uma vez hasteada a bandeira, teve in icio a p rim eira n o ve n a .”
{J o rn a l do R ecife n.' 110 de 1915).
Bandeira da M isericórdia — “ A pessôa que faz os bons of-
ficios de medianeira, que, busca estabelecer a paz em qualquer
decidencia, já desculpando, já intercedendo, já im p lo ra n d o.”
(D r. Castro L a p e s ).
Bandeira ingleza — (Estar de) A mulher na epocha do
fluxo menstrual. Essa bandeira ingleza é a de com m ercio, que
é verm elha, e não a nacional ou real, que é branca.
Bando precatório — Cortejo civico, que percorre a cidade
solicitando donativos pecuniários destinados, em geral, ás vic-
timas de uma catastrophe ou calamidade qualquer. “ Assim em
1885 se chamou o que esmolou em b en eficio das victim as do
terrem oto na H espan h a.” (C . T esch au er). “ São d o b a n d o
precatorjo, Têm andado em p e d ito rio .” (Barbosa Y ia n n a ).
“ Façam igrejas mas com o seu dinheiro e o seu trabalho; fa ­
çam bandos precatórios, festas, bazares, carreguem pedras e ti-
jollos e demonstrem assim, a fortaleza de sua f é . ” (A rch iv o
Maçonico n. 86 de 1913).
Banga — V oz que não tem expressão própria, mas que é
empregada como que para accentuar uma phrase negativa ou
de desdem, de pouco caso: Já disse que não faço isto. Banga!
Que me im porta que faça ou aconteça? Banga! A dicção porem
figura nas locuções: Banga lê lê, de expressão equivoca; Banga
las cambangas (estar ou andar d e), desoccupado, sem o que
fazer, vadiando, na pelintragem ; é Banga la fumenga, in dica­
tiva de uma pessôa ou cousa de nenhuma im portância e va lo r:
uma festa, um poeta de banga la fum enga; um typo ordinário,
sem cotação, desclassificado. “ Na passeiata do D r. José Má-
riano, o que mais attrahiu a attenção publica, fo i um carro

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conduzindo uns banga-la-fumengas.” (O Binoculo n. 4 de
1881). “ Tem muita graça um Banga la fumenga, Que diz que
fo i agora allumiado, De cara feia, provocando arenga, P o r não
ser sempre coronel cham ado. ” (Lan tern a Magica n . 813 de
1905).
Banguê — M ovei grande, pesado, antigo, sem gosto e artfe;
os antigos engenhos de assucar, pelo p rim itivo processo, ao
ar livre, para os distinguir das modernas usinas, onde ha o re ­
curso ao vacuo, cujos productos tem mesmo no m ercado o qua­
lific a tivo de assucar de banguê. “ Os usineiros vão receber mais
de cem contos de réis, e nós bangüês, só vamos receber 500
réis p o r sacco de assucar.” (Lan tern a Magica n. 672 de 1901).
“ Os importantes engenhos X inxaim e Jaguaré, ambos com
bangüês bem m on tados.” ( A P ro vín c ia n. 178 de 1913). Ou-
tr ’ora, tumba, esquife, padiola de conduzir cãdaveres. “ Um
banguê a um canto, coberto com uma baeta preta, e apenas
alumiado p or üm bico de vela num ça stiça l.” (O Campeão n.
43 de 1862). “ Você tem barriga grande do tamanho de banguê;
Menina que historia é essa, Menina que tem v o c ê .” (A M ar­
mota Pernambucana n. 49 de 1850). São aquellas as accepções
do vocábulo entre nós, de quantas são conhecidas em lo ca li­
dades diversas. Agora, algumas particularidades a respeito.
E m m eiados do seculo X V III, como escreve L o reto Couto, ha­
via no R ecife um padre chamado o C lérigo do banguê, que ti­
nha p or missão acompanhar á sepultura os pretos defuntos,
africanos, negros novos, ou mesmo os crioulos, que não eram
irm ãos do Rosário, uma vez que estes tinham esquife proprio,
cqnduzidos pela. con fraria encorporada, de cruz alçada, e acom­
panhado do seu respectivo capellão. De uso geral, e bem as­
sim o vocábulo da sua designação, encontramos referencias a
respeito, na Bahia, em uma velha cantiga que com eça: N egro
Gege quando m orre V ai p ;ra tumba do banguê;” na cidade de
Januaria, em Minas Geraes, nestes versos-de uma chula corren ­
te: “ N egro mina quando m orre Vai na tumba de banguê; Os
fradinhos vão dizendo Aribú tem qui fa z ê .” Em fim , numa c i­
dade do in terior do Ceará, a Granja, nesta quadrinha popular
do tempo dà Balaiada, em 1840: “ O chimango quando m orre V ai
dentro de um banguê; Os urubú vão dizendo L á vai o nosso
cu m ê.” Tratando Varnhagén no seu F lo rilé g io das nossas m o­
dinhas antigas, refere-se á bahiana: Banguê que será de ti?
glosada p or G regorio de Mattos, por onde se vê que a dicção é

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antiga e remonta-se mesmo ao seculo X V II, uma vezi que aquel-
le poeta falleceu no R ecife em 1696. E ffectivam ente, nas suas
obras, !vem a glosa em questão sobre o titulo: D ialogo entre o
demonio e a alma, e Uá qual escreve, a não ser p or uma ficção
poética, que Banguê fôra um indivíduo que m orreu na flo r dos
annos, e a cujo espirito aconselha o dem onio: “ Canta, baila,
folg a e ri, Porque os que não se alegram . Dous infernos m ili-
ta ra m .” Quanto á origem do vocábulo, a nós como a muita
gente, nomeadamente S ylvio Rom ero, afigurava-se que ban­
guê era uma dicção exótica, de origem africana, introduzida,
com o tantas outras, pelos escravos im portados daquellas re ­
giões, e ainda em face do seguinte, que escreve Gonçalves V i-
anna, com a indicação da fonte origin aria da citação abonato-
r ia : “ Chambo é o mesmo que banguê, canhamo, na A fric a o ri­
ental. Fumam com delicia e soffreguidão o chambo, a que no
sul se dá o nome de banguê.” A lfre d o de Carvalho, porem, veio
dissipar todas as duvidas estudando o vocábulo na sua in te­
ressante monographia, Phrases e palavras, ficando assim ave­
riguado que é de origem asiatica, em face do seguinte trecho,
colhido da obra muito conhecida do capitão R ich ard F . Bur-
ton, The H ighlands o f the B rasil: “ Notando em S. João d ’El-
R ei, em Minas Geraes, a presença de uma liteira conduzida por
duas mulheres, e a lli chamada banguê, ensina o illustre philo-
logo e viajante que esta palavra deriva, ligeiram ente altera-
rada da industanica banghi, usada nas margens dò Ganges p ara
designar idêntico m eio de transporte. Que esta fo i a p rim ei­
ra accepção de banguê entre nós, não padece duvida; que o
vehiculo fo i directamente im portado da ín dia nos assegura
Varnhagen. O term o é pois asiatico e não a fric a n o .” F in a l­
mente assim se pronuncia Aulete, dizzendo que banguê é liteira
rasa, coche de coice, na ín d ia .
Banguéla ou banguélo — Desdentado na frente, “ Não póde,
leva r arrocho Leão do N orte banguelò e coxo.” (Lan tern a M a­
gica n. 511 de 1897). “ Ao Euclides, banguelo, dou com bate.”
( A Pim enta n. 58 de 1902). “ Quebaram-se-te os dentes na in ­
vestida, E hoje, triste, apanhado, confundido, N ão passas de
uma vib ora banguela.” (O Estado de Pernambuco n. 96 de
1914). O vocábulo vem do costume que tinham os escravos
africanos oriundos do rein o de Banguela, situado na A frica
Occidental, de arrancar os dentes in cisivos das crianças, em
tenra idade, como igualmente fazem os australianos, ficando
assim desdentados, e conhecidos p or banguelas, não somente

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por tal circumstancia" como pela sua procedência: um negro
banguela.
Banha de cheiro — O mesmo que Agoa de colonia.
Banha de soldado — Agua.
Banheiro — Barraca tosca, de madeira ou palha de co­
queiro, á margem dos rios ou do mar para uso de banhos.
“ Hontem tivemos barracas, mas que lá no meu R ecife eu clas­
sifico de banheiros para banhos salgados.” (A Pim enta n. 1 de
1902). “ Desappareceu de um banheiro em Apipucos uma cruz
de ouro com uma volta grossa .” (O Cruzeiro n. 183 de 1829).
“ Vamos p’ ra casa prim inho, Diz apressada a vestir-se: Neste
banheiro visinho Tem gente que está a r ir -s e .” (O s banhos de
C a x a n g á ).
Banhista — O que dá banhos em uma estação balnearia,
no litoral, como conhecedor, da localidade e bom nadador
e assim inspirando confiança aos que se entregam ao seu servi­
ço. C yrillo Alves da Silva popular banhista, das praias de
Olinda, quem retirou do mar o corpo do m allogrado D r. Ben­
to A m érico” (Jornal Pequeno n. 249 de 1915).
Banho — Carão, reprimenda, admoestação severa: Dar,
levar, tomar um banho. Banho de Assento; semicupio; Banho
de santo; lavar o corpo com uma toalha m olhada; Banho p er­
dido tomado de pé, despejando agua sobre a cabeça; Banho sec-
co; aspirar por algum tempo o ar salino do m ar; Banhos de
igreja; casamento, de grandes virtudes para a cura do hyste-
rismo das moças. “ Antigamente receitavam para as hystericas
banhos de igreja; agora a salvação está nos banhos do m ar.”
(Lan tern a Magica n. 208 de 1887). “ Para evitar-lhe o desvario
D iz o bom velho vigá rio : Dê-lhe banhos de igreja.” (A Pimenta
n. 3 de 1902). “ Não sejas com o eu tão resgu ardada... Olha,
o banho ‘das igrejas é cousa bem cobiçada.” (Lanterna Magica
n. 703 de 1902). A locução vem de banhos, proclamas de casa­
mento. Banho de chuvisco: o que se toma recebendo a agua
por um crivo ; Banho de passarinho, ligeiro, curto, breve, en­
trar nagua e sair.
Banja — Basca, partilha, machadinha, quota parte que ca­
be a cada indivíduo numa partilha de lucros. “ Certo sub-de-
legado vai na banja dos bagos que o carcereiro manjuba.” ,0
Postilhão n. 8 de 184(3). “ O P ixote cai na banja, Que não íc
fora desdouro.” (O Papa-angú n. 3 de 1846).
Banqueiro — O perário dos antigos engenhos de assucar,
immediato do mestre da fabrica. “ O mestre do assucar ganha

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todos os djas 640 réis e o banqueiro 320 r é is .” (L o re to Couto).
Individuo que banca nos jogos de parada e de bicho. “ Nesta
quadrinha te espicho, Para te v er colocado Como banqueiro de
b ich o” . (E strellas de Junho, R ecife, 1916).
Banzar — Estar pensativo, preoccupado, andar á toa,
desatenciosamente, sem destino certo, desorientadamente. D ic­
ção de origem africana, vem do verbo Cubanza da lingua bun­
da ou angolense, que sign ifica pensar, segundo Capello e Ivens,
citados p or Beaurepaire Rohan, que accrescenta; Parâ quem
conhece bem a expressão deste veFbo, é elie mui expressivo,
e não lhe reconheço equivalente na lingua portugueza.” Ma­
cedo Soares, porém, diz que vem dò congo banza, pensar,
considerar, e talvez scismar. Seja como for, o vocábulo já ti­
nha curso entre nós no século X V II, com o se vê, deste versos
de GreSorio de Mattos: “ Inda assim eu não soubera O como
tens trastejado Na banza dos meus sentidos.” “ E banzando
e pateta, e todo m olle.” (A Carfança n. 56 de 1846). “ Gemo,
suspiro e dou ais, Banzo, cuido é entresteço.” (F o lk -lo re p er­
nambucano). “ O Barretto andou banzando pelas ruas e pelos
campos.” (C lodoaldo de F reita s).
Banzé — Discussão acalorada, alteração, bate-barbas; a r­
relia, barulho. Banzé de cuia, que acaba trovejan do o pau.
Banzeiro — M olleirão, indolente, inactivo, descuidado; sem
vida, energia, acção. “ Banzeiro como. orelhas de c a c h o rro .”
(O Papa-angú n. 2 de 1846). “ Uma administração banzeira e
frouxa ia levando a nossa bella p rovin cia de Pernam buco ás
portas do abysmo.” (O Vapor do R io Form oso n. 17 de 1857),
“ Semana destemperada, sem pimenta e sem limão, vai correndo
banzeira.” (O G rillo n. 2 de 1901). “ A semana fo i pacata, m ol­
le, banzeira.” (A Pim enta ii. 549 de 1907).
Banzo — M olle, triste, pensativo, pasmado. Teschauer re ­
gistra este termo com o propriam ente pernambucano, com a-
quellas expressões, e o rigin ário do Kim bundo.
Banquára — O mesmo que babaquara. Rohan consigna
este vocábulo como o rigin ário de Pernambuco, e com a expres­
são de experto, diligente, sabido: José é um baquara que se
sahe bem de tudo aquillo que emprehende; concuindo: Não
encontro este vocábulo no DiccioTnario portuguez-brasiliano; e
nada posso aventurar sobre a sua origem . Em guarani Baquá,
synonim o de Cabaquá, tem diversas significações, todas ellas
no sentido de activid ad e. Assim é que uma phrase em que figura
este vocábulo é traduzida do seguinte m odo: con sus porfias
alcanço de mi lo que quiso (M on toya), o que está tle accor-
do cora o. sentido que lhe dão. em Pernam bu co.
Barata — Mulher devota, beata, papa-missa, que não sae das
igrejas, e em geral, velhas mal arranjadas, cavillosas, repel-
lentes. “ Velha de lenço é barata.” (O A lfin ete n. 10 de 1890).
“ Na ordenação de tres ou quatro form igões na igreja de S.
Pedro, houve uma profusão enorme de baratas.” (O Diabo
a quatro n. 90 de 1877). “ A festa que houve na igreja do Rosá­
rio fo i uma exposição de baratas, quasi em sua totalidade.”
(A m erica Illustrada n. 29 de 1882).
Barávo — P o r bravo, com a mesma expressão de applau-
so, enthusiasmo, concordância, assentimento; assim pronuncia­
do, ou com a variante bravô. Ora barávo! Quem tem cabello
pichaim cheira a jasmin; quem não tem cheira tambem; Bara-
vo china! Quem não sabe lêr não se assigna. (D ictad os). “ O
p ovo do ora baravo larga-se para a sala das audiências, e a lli
qualquer dos juizes de d ireito arranja o eu recebo a vós.”
(Lan tern a Magica n. 468 de 1895). “ Ahi, Maricas, meu anjo!
B aravos! que perna grossa!” (Id em n. 492 de 1896). “ In teira ­
mente espiritualisado, poz-se a dizer palavras, e que pala­
vrões! Ora Ora b aravos!” (Idem , n. 4 de 1882).
Barbatão — O boi bravio, amontado) e ainda não marcado
com o fe rro da fazenda. “ O gado barbatão nascido no matto,
ou amontado, ou fugido das fazendas.” ( José de A len ca r).
“ Tenho corrido muito gado N ovilh ote e barbatão Nos carras­
cos e r e s tin g a s .... Fui bezerro, fui garrote, Capado em b ar­
batão Garrote de ponta lim pa Se trata p or barbatão.” (V e r ­
sos sertanejos). “ Não atino com a etyinologia deste vocábu­
lo, escreve Alencar, que se não genuinamente cearense, veio
provavelm ente da ribeira de São Francisco (P ern a m b u co ). N e­
nhuma analogia tem elle com o termo baguá que no sul desig­
na cavallo, e não sei se tambem o boi amontuado. Póde ser
que barbatão não passe do augmentativo de barbato, para sig­
n ificar o longo e denso pello do gado criado no matto. Não
seria desarrasoado tambem deriva-lo de brabo, variante rús­
tica de bravo. Neste caso o augmentativo se afastaria da fo r ­
mação gram m atical; mas destes solecissimos ha muitos exem ­
plos no dialecto popular.”
Barbudo — P eix e de agua salgada, de escamas,.
Barca — Grande embarcação de pasageiros c carga do al­
to S. Francisco, movidas a varas ou remos, e conduzidas por
pilotos práticos e perfeitos conhecedores do rio, seus can-
naes, cachoeiras e pedras que difficultam a navegação. Va-
riain estas embarcações de 60 a 100 palmos de extenção s o ­
bre 12 a 16 de largura, com fundo de prato, tendo algumas dei-
las um toldo na pôpa, coberto de palha ou capim, ou mesrúo
de madeira, com janellas e portas envidraçadas, para alojamen­
to dos passageiros. Fernando H afeld, que dá uma minuciosa
noticia descriptiva destas embarcações, menciona uma deno­
minada Nossa Senhora da Conceição da Praia, com 112 palmos
de com prim ento, largura proporcional e 8 de fundo, consigna
esta curiosa particularidade: Cada embarcação leva comsigo
uma boziaa de chifre, concha grande marilima, ou feita de
folh a de Flandres, não só para annuciar a chegada quando
aproximam-se a qualquer porto, mas tambem para se cum pri­
mentarem entre si na occasião de encontro, sendo estabelecido
e observado com todo o rigo r certa superioridade, de sorte
que as canôas e ajoujos devem salvar as barcas, porem estas
soberbamente passam por ellas e não respondem; as barcas
entre si se salvam reciprocam ente, bem como as canôas e ajou­
jos entre si observam a mesma cerim onia; em fim é uma a l ­
gazarra que os barqueiros acham mui agradavel.” Trata em­
fim da barca de passagem do Joazeiro, em Petrolina, uma barca
grande de vela, para pasageiros, carga e tranporte de gado. D e­
rivad o: Barqueiro: a gente de tripulação e serviço das barcas
do rio de S. Francisco. “ Ingrato barqueiro, Não sejas asism;
Vem cá nesta barca Tem pena de m im.” (O Diabo a quatro
n. 117 de 1878).
Barcaça — Pequeno barco de navegação costeira, de trans­
porte de generos diversos entre os portos do estado e outros
dos visinhos, com um ou dous mastros, fundo de prato, ar­
mação de cavernas, camorotes internos na prôa e pôpa, com
escotilhas de descidas, para alojamento da tripulação, cober­
tura, e embonos lateraes, de páo de jangada, para manter o
seu equ ilib rio em marcha. M ovida a velas no mar, e a varas
á entrada e sahida dos portos, constitue um genero de embar­
cação só conhecida desde o Ceará até uma certa parte do lit-
tora l da Bahia. A noticia mais remota da barcaça entre nós,
consta do ataque do forte do Cabedello, na Parahyba, em 1634,
accommettido por uma esquadrilha de sete navios e seis bar­
caças, expedida do porto do R ecife para semelhante fim. “ A3
barcaças em Pernambuco, escreve Alves Camara, tambem
concorreram como as jangadas do Ceará, se bem que diversa­
mente, para a emancipação do elemento servil. Ellas deram
pasagem daquella para esta província a centenas, ou milhares
de escravos fugidos, escondendo-os no porão p or entre a car­
ga para assim livral-os, da acção da policia, tornando-se des-
taform a uma ponte fluctuante entre as duas províncias, por
onde se estabeleceu uma corrente de em igração. P ara isso mui­
to concorreu o Club Abolicionista Cupim, nome este que tam­
bém serviu para baptisar uma pequena barcaça, que fo i apres-
sentada como sym bolo da redempção nas festas, que houve
p or occasião da libertação dos escravos do b airro do R ec ife .”
D erivado: R arcaceiro: mestre ou dono de barcaça.
Baroneza — Especie de alga, planta aquatica, dicotyledo-
nia, da fam ilia das Nympheaceas, de bellissim a flo r ro^o-
purpura, que na estação invernosa cobre os alagados, e des­
ce ás enchentes dos rios, form ando no seu transito extensos
lençós de um bellissim o verde-purpura. “ A aguas do Capiba-
rib e passavam velozes, muito turvas, arrastando baroneza.” (O
Estado de Pernambuco n. 28 de 1914). “ A cascavel apparece
pelas grandes enchentes conduzidas nos bancos de baroneza ou
agua-pés, planta aquatica que, como ilhas fluctuantes, o rio
arrasta nas suas aguas revoltas.” (A lfre d o Brandão).

Baronista — P artido politico, que pelos anos de 1840 se­


guia a orientação do seu chefe o Barão da Bôa Vista, vindo
dahi a sua denominação. A lv o das chacotas dos adversários,
e assim, cantado em prosa e verso, è dessa epocha um lundú
que com eça: “ Mandei fazer um balaio Das barbas de um ba­
ronista, Para enbarcar no balaio, Meu bem, Daqui para a Bôa
V ista.” Pelos annos de 1846 teve o partido a denominação de
Saquarema, até que os liberaes, em represalia de os chamarem
de Praeiros, deram-lhe o qu alificativo de Guabirú, que p re­
dominou. com o do Conservador, até o seu desaparecimento
e m . .. 1889, com advento da republica.
Barra — Brioso, audaz, destemido, respeitado: Chegou a
b arrai A dicção é tambem, equivalentem ente conhecida na gi-
ria portugueza. T h eoph ilo Braga escreve a respeito; “ Homem
valente, na linguagem p rovin cial, acha-se empregada p or Luci-
lio na form a de bárra no sentido de homem g ro s s e iro .” Peça
de fazenda, larga ou estreita, que guarnece em volta o extre­
mo da saia do vestido, do mesmo tecido, ou õ iffe ren te. “ M eni­
na de saia branca Sapateia no tijo lo ;; A barra do seu vestido E ’
prata, parece ouro.” (T ro va s populares).
Barraca — Tapar, encher de barro a armação, construc-
ções de madeira e panno, levantadas nos pateos das igrejas de
arraial na epocha das suas festividades religiosas, e onde se
vende bebidas, bolinhos, sorvetes, quinquilharias e outros ge-
neros: As barracas ou barraquinhas de Santo Am aro. “ A b ar­
raca Independeneia tem de bom o mamulengo.” (Lan tern a Ma­
gica n. 515 de 1897). Especie tenda, tambem assim ligeiram en ­
te construida e levantada nas estradas ruas e praças dos su­
búrbios, de uma pequena m ercancia de bebidas, café, pão, c i­
garros e outros generos. “ A victim a para manter-se, tem ar­
mada, num sitio p roxim o á ponte do Maduro, uma barraca,
onde vende café e comidas fr ia s .” (Jorn al Pequeno n. 139 de
1915). Vem dahi o nome de barraqueiro dado ao dono de taes
barracas. Eu me avacalho com as besteiras dõ João P atricio
barraqueiro na E n cru zilh ad a.” ( A Pim enta n. 16 de 1914).
Tenda, ou vistoso pavilhão levantado nos campos de corridas
de Cavalhadas, os nossos tradicionaes torneios hyppicos, e on­
de, terminadas as justas, se recolhem os cavalleiros, os juizes
e o u tra s. pessoas em ruidoso rep a sto. O vencedor do p relio
ganha a barraca, e é o barraqueiro, isto é, o am phitryão da
festa.
B a rra c ã o '— Casa de negocio de generos diversos, p rin ci­
palmente molhados e fazendas, de ligeira construcção, de m o­
do a ser facilm ente desarmada e levantada de novo, acompa­
nhando assim ao serviço de construcção de uma estrada de
ferro, fabrica, exploração e trabalhos outros, proporcionando
deste modo ao pessoal de operários todos os recursos neces­
sários. “ Comia, mooó, préa, Sem dever no barracão.” (C a n ­
cion eiro do N o rte ). De um destes barracões, levantado em
Santo Am aro das Salinas, quando se construía o caminho de
ferro, originariam ente de R ecife a Nazareth, é que vem o nome
do povoado Barracão, alli situado.
Barrado — Enganado, errado, illu d id o: V ocê p ’ra mim
vem barrado. “ Eu que contava refrescar o frade, sahi barrado,
porque Salomão metteu-me o pau pelas costas.” (A Pim enta n.
540 de 1907). “ Tendo-se barrado o experto retiro u -se.” (J o r­
nal Pequeno n. 214 de 1914).
Barragem — O mesmo que baldo. “ O baldó ou barragem do
açude será de barro, assentado em terreno solido que a lli se
encontra pouco abaixo do n ivel do solo.” (Açude de Alagôa
de Baixo. Annexo ao R elatorio das Obras Publicas, 1880). “ O
açude de Garanhuns consiste em uma pequena bacia form ada
por uma baragem de terra.” (Idem , 1871). “ A barragem do

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açude de Caruarú é de alvenaria de pedras, nada havendo a
temer das cheia^ (Idem , 1880).
Barranca — Górte ou quebrada escarpada á margem dos
rios, guarnecendo assim uma grande ou pequena extensão da
corrente.
Barrão — P orco inteiro, de lançamento; reproductor ou
pae do lote nos campos ou fazendas de criação de gado suino;
homem concupiscente, lascivo, voluptuoso, fem ieiro. Moraes
registra o term o barrão e apezar de o dar como vulgar e mais
usual entre nós que o de varrão, de que é corruptela, manda
a este vêr, que define: P orco não capado, para fecundar as p o r­
cas de criação, como assim vem em outros lexicons.
Barrear — Tapar, encher de barro a armação de m adei­
ra de uma casa de taipa; revestir ou rebocar de barro lima
parede.
B arreira — Córte alto, escarpado ou não, á margem dos
rios ou riachos, de mais ou menos extensão: Barreiras grandes,
á .margem septentrional do rio Goyanna. “ O meu riacho só
enche Com aguas na cabeceira; Cada neblina que cai, Dá de
b arreira em b arreira.” (V ersos de d esafio). Sopé das colinas de
argilla, escalvado e caprichosamente cortado, ferid o, pelas
aguas que descem do alto: as Barreiras de S. João, em Olinda.
Posto de cobrança do imposto de pedágio. O art. 25 da L e i
P ro vin c ia l n. 9 de 1835, determ inou o estabelecim ento de b ar­
reiras nas estradas publicas para a cobrança de passagem ou
trânsitos, destinado ao melhoram ento e conservação das mes­
mas estradas, pontes e aberturas de cannaes, o qual fo i assim
mandado executar pela le i orçam entaria de 1839: T axa das
pontes da Magdalena e dos Carvalho, e das que para o futuro
forem estabelecendo, pagando vinte réis cada cavalleiro, e o
mesmo cada boi ou cavallo; e oitenta réis cada sege, carro ou
carroça. “ O cobrador da B arreira ou Manguinho não deixou
passar o vigário, que acompanhado do seu acolito conduzia o
V iatico a um enferm o sem pagar a im portância do pedágio dos
respectivos c a v a llo s .” (O Barco dos Traficantes n. 31 de
1858).
Barreiro — Lugar de onde se tira o barro para o fab rico de
tijolos e telhas, obras de ceramica, de pedreiro, e usos diversos.
“ Subindo o rio fica o engenho chamado Barreiros, que quer
dizer sitio onde ha muito barro, e ahi se costuma cozer mui­
tos vasos e telhas para a coberta de casas.” (E lias Herckman,
1639). P oço de agua potável, sem o revestim ento de paredes,

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como as cacimbas. “ Em alguns pontos viam-se fundas cóvas,
algumas das quaes se converteram em barreiros onde as chu­
vas deixavam aguas estagnadas.” (F ra n k lin T a v o ra ). “ Com
as ultimas chuvas o barreiro tran sb ord ou .” (D ia rio de P e r ­
nambuco n. 161 de 1916).
Barretada — Homenagem manifestação de agrado, obsé­
quio, gentileza e distinções a alguem, para assim, lisonjeada
e captivamente conquistar a sua consideração e bôas graças.
Dar uma barretada. Mas, se nisto entram elementos estra­
nhos de que abusivamente se lança mão, vem dahi dizer-se
Dar uma barretada com o chapéo alheio, ou concurrentemen-
te. Fazer cortezia com o chapéo alh eio. Um cumprimento
intimo, expressivo, affectuoso, rasgadamente expansivo fe i­
to. com *o chapéo, distinguindo-se assim de um cortejo cere-
monioso, respeitoso. “ Oh! que zumbaias, que barretadas, que
cortezias, que os eleitores recebem nos dias proxim os ás e lei­
çõ e s !” (A Carranca n. 42 de 1842). A dicção vem do antigo
uso do barrete, simples, de estofos ordinários, ou luxuosos,
como os de velludo ou sêda, e até mesmo publicamente usados
pelos ecclesiasticos emquanto não tiveram prohibição d ioce­
sana 'em 1734; e dahi, nos tempos coloniaes, e de caracter
geral, as chamadas E leições de barrete, para vereadores e ju i­
zes ordinários dos termos ou municípios porque cédulas da
votação eram recolhidas em um barrete, e das quaes, ainda em
1822 faz Caneca mensão nos seus e scrip to s.” 2 de Julho de
1746. Eleição de barrete para um vereador de Fortaléza sa-
hindo p or mais votado o capitão-mòr Francisco da Silva Coe­
lh o . ” (C hronica do C ea rá ).
B arriga — Interesse, insaciavel ganancia, deshonestidade;
falta de escrupulos, b rio e caracter; o sacrifício de tudo pelo
bem-estar e conveniências próprias, segundo os princípios de
que — Os meios justificam os fin s; Tudo é licito, comtanto
que se consigam os fin s. Elevada a Barriga á altura de um
principio, e divinisada mesmo, escrevia assim um period ico do
R ecife, em tempos idos, os seguintes conceitos em uns versos
hum orísticos: “ Viva, viva o Deos-Barriga Venerado no B ra­
s i l . . . O seu culto é tripa c h e ia !... Quem adora o D eos-Barri­
ga, Lam be o chão, porem não p e c c a ... V ive alegre, o mundo
é seu .” (A Carranca n. 15 de 1847). E um outro p eriod ico se­
cundava depois: “ Jurára pelo D eos-Barriga acabar com a guer­
r a . . . porque nesta bòa terra do progresso barrigudo os la ­
drões tem p r iv ile g io .” (O Barco dos Patoteiros n. 84 de 1886).

86
“ H averá p or ahi quem duvide que o nosso mundo p olítico é
governado pelas necessidades da b a r r ig a ? ... A p olitica da
barriga é uma grande realidade, e a mais sabia, proficua e se­
gura de todas as p o litica s . . . A alma de todos os ganhadores
politicos está na barriga.’* (O Campeão ns. 22, 25 e 26 de 1861).
“ Entre a patria e a barriga Colloquei minha am bição:
A patria que leve o diabo, Mas a barriga, isto n ã o .” (L a n te r­
na Magica n. 508 de 1896). “ B arriga: Fonte do p a triotism o.”
(Idem , n. 52 de 1897). De tudo isto vem q conhecido Patriota
de barriga, de obvia expressão. Gravidez, parto: A p orqu i­
nha teve oito bacorinhos nesta barriga. “ Vende-se uma escra­
va, parida, da prim eira barriga, p roprià para criar. (D ia rio
de Pernambuco n. 120 de 1829). Bôa barriga: a m u lher de côr
que tem filh os alvos e de bons cabellos. Barriga de ítimtim:
volumosa, inchada. Ditados populares: D or de barriga não
dá uma só vez; B arriga inchada não é fartura, p elle de carne
não é gordura; Barriga cheia pé dormente, vou p ’ra cama
que estou doente: Estar com a barriga dando horas: com f o ­
me; Estar com a barriga pegada no espinhaço: muito m agro;
Estar com a barriga á, bocca: perto do parto.
Barrigada — Nas phrases: Dar barrigada, fraquejar, es­
m orecer; fazer feio, asneiras e tolices; mostra-se pusilânime,
recuar, correr. “ Ora Sr. Nabuco; os seus correligion ários es­
tão dando barrigada.” (O Guarda N acional n . 132 de 1844).
“ Nunca dei barrigada, como estão dando os moços d’a g o r a .”
(O Carapuceiro n. 21 de 1847). “ Ora Sr. K e lly ! para que
Vm c. veio dar barrigada em Pernam bu co?” (O Guarda N a cio ­
nal n. 23 de 848) . “ Os tutús que metteram na cabeça do p re­
sidente da província, fizeram -no dar grandes barrigadas. ”
(O Patuléa n. 10 de 1850). Não sêr de barrigada: de se não
leva r em conta, caçoar, zombar, não se respeitar e tem er.
“ Eu que não sou de barrigada, persegui-o atrozm en te.” (O
Vapor dos Traficantes n. 227 de 1860). Tom ar barrigada: de­
bicar galhofar, encarnecer, troçar. “ O Bôa Vista desta vez
tomou muita b a rrig a d a .” (O Guarda N acional n. 131 de
1844). “ Andavam de cabeça levantada, tomaram barrigada,
mas agora andam de crista cah ida. ” (Lan tern a M agica n. 233
de 1888).
Barrigudo — O mesmo que barriga. “ Berna ven tu radoQ S
barrigudos, porque delles é o rein o da p apan ça.” (A m erica
Illustrada de 15 de Junho de 1873).
B arriqu eiro — O perário que faz o serviço de refa zer as
barricas de farinha de trigo, ou do reino, como é vulgar, Ti-
cando assim um pouco menores, e em geral, destinadas á ex­
portação de assucar branco: Uma officin a de barriqueiros. “ O
barriqueiro Julio de Andrade quando trabalhava nos misteres
de sua profissão, feriu-se num dos p é s .” (Jornal do R ecife n.
306 de 1915).
Barroca — Pequena cavidade na parle in ferio r do quei­
xo, ou nas faces, sendo estas permanentes, ou formadas por
occasião do riso. As barroquinhas na mulher constituem um
predicado de belleaa e graça. Em um dos cânticos dos nossos
presepios ou pastoris retratando o Deus-menino, figuram estes
versos: “ Barroca na barba, E nas bocliechinhas, Que ao riso
se abrem T ão engraçadinhas.”
Batatão — Perna grossa, bonita, bem contornada.
Batatas — Na phrase despreeiativa de Mandar plantar ba­
tatas, como expressões de desdem, enfado, aborrecim ento, des-
preso; e nesta locução in terjectiva: Bôas batatas!, na occur-
rencia de uma toleima, asneira, descahida, ou absurdo, e ex-
travagancia de uma idéa 011 conceito. “ Ora que sempre te
conheci com bôas batatas!” (A Sentinella da Liberdade n. 1
de 1847).
Bate-barbas — Disputa, contenda, altercação; discussão
acalorada, exaltada. “ O Tunda-Chumbe chegará ao ponto onde
se dera o vehemente bate-barbas.” (F ra n k lin T a v o r a ).
Bate-bate — O mesmo que bate-barbas. “ Elles se enten­
dem no seu bate-bate de ajuste de contas. (Lanterna Magica
n. 195 de 1887). “ Fiquei um pouco espantado com o bate-bate,
e depois do susto passado fui dar um p asseio.” (A Pim enta n.
405 de 1906). Bebidada feita do succo do maracujá, aguarden­
te e mel de abelhas.
Bate-bocca — O mesmo que bate-barbas e bate-bate. “ A
propaganda eleitorál continua a fazer 0 prato do dia lá pelo
Congresso N acional. E ’ o que na linguagem popular se po­
deria chamar 11111 verdadeiro bate-bocca. ” (Lan tern a Magica
n. 736 de 1903). “ Ora que bate-bocca por causa do orçam en­
t o !” (Idem , n."*764 de 1904). “ N o inquérito littera rio houve
uma bôa parte - consagrada aos bate-boccas e falatoriòs. ”
(Idem , n . 802 de 1905).
Bater a bota — M orrer.
B ater a linda plumagem — Fugir, azular, desapparecer,
pôr-se ao fresco. “ Bateram a linda plumagem as ciganas da
rua das T rin c h e ira s .” (A Pimenta n. 487 de 1906).
Bater-bandeira — Capitular, render-se dar-se p or ven ci­
do, submetter-se. “ O Club botando a procissão na rua fez
uma chacina, e o governo que tem medo de sangue, vae a ba-
ter-bandeira.” ( A Lanceta n. 20 de 1890).
Bater o pinho — T ocar viola . “ Em menos de um quarto
de hora bateu o pinho e rompeu o sam ba.” (F ra n k lin T a v o ra ).
“ Num compasso bem medido Estão no pinho a bater.” (R o-
dolpho T h e o p h H o ).
Baticum — Barulho, ruido, sussurro; falatorio, vozeria,
conversa animada, discussão acalorada. “ O’ de casa? Apenas
estas palavras resoaram dentro, os m oradores fizeram uma
pausa e o baticum cessou.” (F ra n k lin T a v o r a ).
Batida — Pegadas, pisada, rasto: Seguir a batida.
Batocada — Calote, espiga, facada; máo negocio, prejui-
so: Tom ar ou levar uma batocada. “ Receioso de alguma bato­
cada, quero pôr-m e em salvagu arda.” (O Barco dos Patotei-
ros n. 4 de 1864).
Batucar — Ralhar, atucanar, azucrinar; im pertinentem en­
te insistir num pedido, numa pretenção; m artellar, barulhar,
fazer bulha; gritar, cantar aos berros, tocar mal um instru­
m ento; dançar o batuque. A visinha leva todo o santo dia a
batucar no piano, “ Como uma rem iniscência dos tempos de
antanho, o pessoal do batuque batucou com gosto a noite in ­
te ir a .” (Jornal do R ecife n. 53 de 1914).
Batuque — Sussurro, vozeria, altercação; berreiro, bulha,
barulho, e dahi a locução Batuque de cuia, que já vem de lon ­
ge, como a encontramos, servindo de titulo a um artigo pu­
blicado no p eriodico A Sentinella da Liberdade no seu n. 16
de 1848. Dança africana ao estrepito de instrumentos de p e r­
cussão. O pessoal do batuque batucou com gosto a noite in ­
t e ir a .” (Jornal do R ecife n. 53 de 1914).
Bêba — Bebedeira, carraspana: Tom ar uma bêba; Debaixo
de uma bêba medonha.
Bebaça ou bebaço — Individuo que bebe muito, beberrão,
ou que habitualmente se entrega ao v ic io da embriaguez. “ A
alegria em mim será insana vendo a meu lado todos os be-
b aças.” ( A Pim enta n. 29 de 1901). “ Estou, le ito r amigo, que
não valho da bolça de um bebaça nem um tu sta.” (Idem , n.
43 de 1902). Oh! meu Deus! Livrae-nos deste maluco, bebaço.”
(O Paladim n. 20 de 1851).
Beber — Diz-se do cavallo que pode livrem ente appare-
cer em qualquer parte, p or não ser furtado. A ’ o fferta de ven ­
da de um cavallo por pessôa desconhecida, e que se tem du-
vidas da legitim idade da sua propriedade pergunta-se: Este
animal bebe em qualquer parte? “ Chamo papa-capim, porque
é essa a gira dos que furtam cavallos. Bebe no norte, bebe no
sul, quando o passarinho pode ir livrem ep te a estas p aragen s.”
( A Duqueza do Linguarudo n. 79 de 1877).
Beber-fum o — Fumar, cachim bar. Locução antiga, p ri­
m itivam ente usada na accepção generica de fumar, encontra­
mo-la já empregada, com o mais rem oto ponto de partida, em
uma carta que o govern ador geral do Brasil D . Duarte da Cos­
ta dirigiu ao rei em 8 de A b ril de 1555, na qual, fazendo gra­
ves ' accusações ao bispo D . P ed ro Fernandes Sardinha, men­
ciona entre outros factos, que escummungara elle em P e r ­
nambuco ao donatário da capitania do Espirito Santo, Vasco
Fernandes Coutinho, “ de mistura com homens baixos, por
beber fu m o ;” e que na Bahia, p or achar que um pobre homem
bebia fumo, mandou pol-o nú da cintura para cima, com os fu ­
mos ao pescoço. Naquelles tempos, com o ainda p or dilatados
annos depois, o fumar constituía um v icio .horrendo, e cau­
sava grande escandalo, principalm entê pela sua origem gen­
tílica, e o bispo do Brasil não tolerava que as suas ovelhas o
praticasse. N o seculo X V II, o Padre Antonio V ieira, seguin­
do os princípios de tolerancia da p olitica dos jesuitas, não
condemnava francam ente o uso do fumo, mas aconselhava
em um dos seus sermões, tento no fumo que se fuma, que se
bebe. Para com pleto desabono e ruina dos rapazes, escreve
um chronista nosso referindo-se a esses tempos idos, era bas­
tante affirm ar-se que o in fe liz fumava, para estar irrem issi-
velm ente perdido, embora as tias, a avó e muitas vezes a p ró ­
pria mãe tivessem a bocca torta pelo uso do cachim bo. A o que
parece, a phrase beber fum o era geral, uma vez que uma can­
ção flam enga do seculo X V I, e que no seguinte, ao tempo da
sua dominação em Pernambuco, teve curso entre nós diz, que
o beber fum o é um excellente rejnedio, e que mais vale não
beber de mais. “ O tabaco fraco só presta para se beber no ca­
c h im b o ... Já ouvi dizer que o fumo do cachim bo bebido pela
manhan em jejum, moderadamente, desseca as humidades do
estom ago.” (A n ton il, 1711). Ainda ein nossos dias era vulgar
a phrase como se vê desta quadrinha do cyclo das nossas tro ­
vas populares: “ Sinh’Anninha bebe fum o N o seu cachimbo de
prata; Cada fumaça que bota E ’ um suspiro que m a ta .”
Bebida — Nom e que dão, na zona sertaneja, a certos e
determ inados mananciaés ou depositos de aguas pluviaes, on-
de costumam beber os animaes, quer domésticos, quer silves­
tres. Na estação da secca, quando é geral a falta d ’agua, são
as bebidas lugares idoneos para as caçadas, pela multidão de
aves e outros animaes, que alli se reunem. Tom am assim tam­
bem a denominação de bebidas, os depositos naturaes e cava
dos na rocha, de mais ou menos profundidade, conhecidos
por tanques ou caldeirões. Bcaurepaire Rohan, que registra o
vocábulo, diz que é vulgar não somente em Pernambuco, como
em outras partes do norte. “ Bebendo numa bebida, Comendo
tudo num rasto, D orm indo numa m alh ada.” (C ancion eiro do
N o r te ). “ A rez que se procurava, ou era esperada na bebida,
ou caçada no m a tto .” (Irin e o J o ffily ).
Bêbo — P o r bebedo ou bebado, como vulgalmente se diz,
para indicar um individuo embriagado, ou que se entrega ao
im m oderado uso de bebidas alcoolicas, predilectam ente a ca­
chaça. Vocábulo só usado pelo populacho, vem dahi esta lo ­
cução in terjectiva! Quem está bêbo ahi?, e a sua figuração nas
extravagentes cantigas do mesmo populacho, como nestes v e r­
sos do estribilho de uma delias, com o seu particular modo de
expressão: Vai bêbê, V ai te embêbedá, V ai fazé baruio Pra-o
sordado te pegá. “ Está bêbo, negro, s’tá bêbo cão, Fala c’os
outros, com migo n ão ?” (C ancion eiro do N o r t e ). A dicção é
tambem usada no dim inuitivo, Bebinho, e assim fam iliar e vu l­
garmente mesmo, com as expressões de tonto, a dorm ir, c o ­
chilando, cahindo de somno; sem se poder suster: O menino
está bebinho de somno. Moraes assim a consigna com as par­
ticulares expressões de bebado moderado, pouco bebado. “ A
Synesia, embriagada, andou assim p or todo o m ercado. C oi­
tada tão m o ç a ... tão bebin ha!” (A Pim enta n. 611 de 1907).
Bêco — Nas locuções: Barulho no bêco, novidades conten­
das, arrelias. “ V ai haver barulho no beco, frevos, o diabo de
saias e outras cousas m a is .” (D ia rio de Pernambuco n. 49 de
1916). Beco sem sahida, homem casado. Desoccupar o beco,
deixar um lugar alheio. Quebrar beco ou quebrar o beco, afas­
tar-se de alguem com quem não se quer falar.
Beduino — Desconhecido, ingrato; o que só conhece o
am igo na prosperidade e o abandona e despresa na adversi­
dade, como o beduino, que adora o sol ao nascer, e o apedreja
no occaso. Já vimos, amadissimos leitores, quaes foram os
troncos deste famoso b ed u in o .” (O Foguete n. 9 de 1845).
Beicinho — C e r t o p r o n u n c i a m e n t o dos l abi o s c o m e x p r e s ­
são de- e n f a do , de s de m, despreso; r e cusa contrariedade, zan­
ga. “ Com que consciência farão beicinho para despender uns
trinta e dous vin tén s?” ( A Misselania P eriod iqu eira n. 2 de
1833). Empenhada a D elphina no seu namoro, quando os seus
olhares se chocavam com outros, puxava um beicinho de en­
fado, porque então procurava m order o p a to .” (A Pim enta n.
63 de 1902).
B eiçola — Beiços volumosos, grossos, molles, cahidos, de
um feio aspecto. Uns tantos tem a particular designação de
beiço de algu id ar.

Beiçoláda — Golpe violento, de mão aberta, sobre os bei­


ços, e dahi o term o: Dar, levar umas beiçoládas.
B eija-flor — C olibri (T ro ch ilu s supersiliosus, V ie ill. ) de
v a ria s>especies, do mesmo porte, feição e delicadeza, mas p ar­
ticularmente distincta pela coloração viva, brilhante, bel-
lissima plumagem de cada uma delias. M arcgravi descreve v a ­
rias especies desta pequenina ave, estudadas entre nós, com
o nome indigena, vulgar, de guainumby, guainam by. “ E o beija
flo r no campo p or entre as flores adeja.” (Jeronim o V ile lla ).
Moraes o registra com o nome de P ica -flor, dando porem como
concurrentes os de beija-flor e chupa mel, porque se nutre de
m el das flores; e consoantemente Gonçalves Dias, registran­
do o term o tupi Oaincumby, com a expressão de p ica -flo r.
Esta denominação de b eija -flor dada entre nós ao trochilus, é
a unica vulgar, corrente, sendo assim desconhecidas aquellas
duas outras mencionadas p or Moraes, que se tiveram curso no
seu tempo, desappareceram p or com pleto. Entretanto, trata-se
de um term o antigo, e documentadamente, já vulgar na Bahia
em começos do seculo X V III, com o se v ê destes versos de
um Romance sobre os passarinhos consignados p or Nuno M ar­
ques P ereira no seu liv ro , de vulgarização contem porânea: “ E
logo p or esses ares Remontando o B eija flo r Tocando hia
nas azas Com donaire um b ello s o m .” Particularm ente entre
nós confirm am o facto o nome de B eija-flor de antigos enge­
nhos situados nos municípios de Agua Preta, V ictoria e Ama-
ragy, e de um riacho neste ultim o; e contemporaneamente,
pelo de varios periodicos litterarios, tendo apparecido o p ri­
m eiro em 1849. N o Ceará tem tambem a mimosa avesinha o
nome vulgar de b eija -flor com o se vê destes versos lo c a e s .”
Um beija-flor já vi m orto A o pé de verde roseira. Deu-lhe a
m orte agudo espinho De uma rosa tra ç o e ira . . . A rosa cheia
de espanto Disse um dia ao b eija -flo r: Para que me beijas tan­
to? Ter-me-ás, acaso, am or?”
Beijoca — Na giria portugueza, ou como voz burlesca, se­
gundo Aulete, tem a expressão de beijo em que os labios se
abrem fazendo estalido. Entre-nós, porem, tem sua differença,
como definiu um period ico desta capital, com a b rejeirice p ró ­
p ria dos seus conceitos: “ E lla indaga docemente. Si entre
b eijo e beijoca Ha alguma d iffe r e n ç a ... O beijo é dado de
leve E deve ser muito breve P ’ra não causar sensação! A
beijoca é d ifferen te: P ara que seja bem dada D eve sêr forte,
frem ente. E alem disso chupada.” (A Pim enta n. 15 de 1901).
“ Uma beijoca de bahiana, oh! tem o sabor de cangica de m ilho
v e r d e .” (A m erica Illustrada de 14 de Dezem bro de 1873). “ E
depois choravas o teu amor extyicto, as cócegas e beijoquinhas
que presonhavas.” ( A Lanceta n. 155 de 1913).
Beijos — Bolinhos esphericos, ou bombons, mettidos em
pequenos pedaços de papel de seda, de cores diversas, com as
extrem idades recortadas, oü enfeitados com pequenos chro-
mos. “ Os beijos são uma especie de bolinhos de polvilh o, com
bastante assucar. . . N ão ha quem não goste dessa gulodice
fabricada pelas moças b o n ita s ... Fazem estalar a lingua c
am ortecer de goso o~s o lh o s . . . Sabem bem, abrem o appetite,
mas não alim entam n a d a ... antes pelo co n tra rio !” (Fon -fon ,
Outubro de 1915).
Beijú — Especie de bolo de gomma, ou massa de m andio­
ca, com côco,e e assado ao forn o en volvid o em. folhas de ba­
naneira, tendo este ultimo, concurrentemente, o nome de ma-
casado; ou em fórm a de discos, finós, chatos, da mesma gom ­
ma ou massa, com igual preparo, e torrado em vasinha apro­
p ria d a .” Com dous páos de mandioca no caco faz um b e ijú ,”
(Juvenal G a len o ). “ E como ninho d’ am ores. T em todo lugar
as trocas. Tam bem ella lhe mandava Seus beijús e ta p io ca s.”
(O Carapuceiro n. 65 de 1842). O beijú é de origem indígena.
Da mandioca, escreve Th eodoro Sampaio, faziam os indios bo­
los torrados a que denominavam mbyú donde vem o nome
beijú, vulgar no Brasil, significando enroscado, enrolado. A
esses beijús, allude já a narrativa de uma visita que o Padre
da N obrega fez a Pernam buco em 1551, dizendo que á sua
chegada os indios desceram logo de suas aldeias a dar-lhe a
bôa vinda, carregados de caças, legumes, beiju’ s e farinhas.
Depois, faz Anchieta referen cia aos beijús de mandioca da
Bahia; e Gabriel Soares, contemporaneamente, descrevendo-os,
d iz que são feitos de massa de mandioca estendida em um
alguidar sobre o fogo, de maneira que ficam tão delgados e
iguaes como obreias, e assim muito seccos e torrados. A esta
especie, accrescenta o nosso autor dos Diálogos das grandezas
do Brasil uma outra, escrevendo: “ Tam bem se faz da m andio­
ca depois de relado em fresco umas como obreias, a que cha­
mam beijús, e p or outro nome tapioca, das quaes se servem
em lugar de p ã o .” M arcgravi emfim, que esteve entre nós
na p rim eira metade do seculo X V II, diz tambem: “ E x farina
siccata form ant placentas, mispendo cum aqua sim plici in
massam, et coquendo super prumas vocant que nomine brasi-
)ien si b e jú .”
Beirada — Margem, beira, extrem idade de um terren o; si­
tuada baixa que ladeia um rio, riacho ou lagôa. “ Se eu não
descobrir neste mattão ou p or estas beiradas de rio o Cabel-
leira, hei de saber noticias delle seja onde f ô r . . . E ra agora
occasião de apparecer quem andava p or estas beiradas arro-
tanto tanta v a le n tia .” (F ra n k lin T a v o r a ).
Bejupirá — Saboroso p eixe do m ar. Tratando o autor dos
D iálogos das grandezas do Brasil do pescado da terra, men­
ciona em prim eiro lugar o “ regalado vejupirá, porque creio
delle que, entre os demais peixes de posta, pode leva r a palma
a todós em bondade, e que fica muito superior ao presado
solho da nossa H espan h a.” De vejupirá, originariam ente, e
berupirá como posteriorm ente o registra Santa R ita Durão
lio seu poema, vem dahi o nosso bejupirá, cujo termo, de qual­
quer form a, é de origem tupi.
B elch ior — A lfarrabista; casa de vender objectos usados.
Beletrista — E scriptor, litterato, homem de letras.
Belga — In dividuo que não tem o que fazer, desoccupado,
ocioso, que anda enchendo as ruas de pernas. “ Muitas pessoas,
talvez, ignoram a razão porque chamam belga ao individuo,
que não tem occupação. Em m il oitocentos e cincoenta e tan­
tos p o r aqui appareceu uma força de belgas, que quasi todos
se em pregaram no serviço da empreZa de illum inação a gaz
carbonico, então em andamento. Não sabemos se esses es­
trangeiros foram mandados v ir engajados, ou p or qualquer
fórm a, para o dito serviço. Mas, se não nos falha a memória,
eram elles em numero muito superior a cem . Foram os belgas
os estrangeiros que peior tratamento receberam do nosso c li­
ma. N ão sabemos, porem, si o que lhes succedeu fo i devido
ao mesmo clima, ou si á crapula, a que se entregaram . T a l­
vez a natureza do trabalho, o serviço ao ar livre, da canalisa-
ção subterrânea, contribuísse para o mal daquelles europeus.
Em pouco tempo tornaram-se magros, amarellos, com os pés
cheios de bichos, e trocaram a pá pela cachaça e o trabalho
braçal pela vida de m endigos. Era deplorável o estado de um
b e lg a . . . O nosso povo, porem, que não perue occasião de bem
applicar um epitheto, começou a chamar a todo sugeito vadio
e vagabundo, belga, e assim diziam : Fulano é um belga; Si­
crano anda belgando; isto é: anda enchendo as ruas de pernas
o substantivo belga e o verbo belgar, que talvez ainda venha a
p or não ter o que fazer, a moda dos belgas. E assim crearam
fazer parte dos nossos futuros d iccio n a rio s.” (Lan tern a Ma­
gica n. 201 de 1887). A o que vimos de transcrever, temos ape­
nas que accrescentar o adjectivo belgança, de expressão obvia,
e que concurrentemente, appareceu. “ Bacharel que anda b el­
gando p or ahi p or essas ru a s.” (A m erica Illustrada n. 25 de
1872). “ Muitos belgas da justiça querem mamar na teta da v a ­
qu in h a .” (Idem , n. 19 de 1877). “ Os belgas nos ensinaram a
curar as consumições na rua do Im perador, ou a distrahir os
cuidados á sombra das arvores na L in gu eta .” (Idem , n. 2!i
de 1880).
Beliscão de frad e — O que é dado com os nós dos dedos
indicador e medio, convenientemente encolhidos.
Beltrano — Nom e usado em linguagem commum para de­
signar um indivíduo indeterm inado ou pessôa que sé não co­
nhece ou cujo nome não se recorda, não se sabe, ou se não
quer declinar. “ Um tabellionato em fa vor de Fulano, um car­
go de inspector de alfandega para Sicrano, uma sinecura em
qualquer m inistério para Beltrano.” (A P rovín cia n. 85 de
1915). Aulete registra Beltrão, com estas mesmas expressões,
naturalmente p or que assim é corrente em Portugal, mantendo
a sua originalidade, mas entre nós degenerado em Beltrano.
B em tivi — canora (D e n tiro stri). de bella plumagem, e es­
pecies differentes, duas das quaes tinham entre os indios os
nomes particulares de Pitanguá-araponga, e Pitanguá-guaçú. O
seu nome" vulgar porem, vem do seu p rop rio canto, que asisrn
o parece pronunciar, canto esse, que nas proxim idades das ha­
bitações, como diz o vulgo, indica visita, ou chegada p ró x i­
ma de uma estimada pessôa ausente. Passaro insectívoro, dá
caça, como o anura, ao carrapato que ataca o gado. Bem tivi
de igreja: um casquilho que a frequenta assiduamente, mas
sem o menor espirito religioso.
Bendegó — Certo penteado de mulher, e ao seu appareci-
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mento, mesmo de homem. “ M orta a gaforina, resuscitou com
o nome de beitdegó; e actualmente, um m oço para ser correcto
é preciso a indispensável gaforin a transform ada em bendegó.”
(Lan tern a Magica, 11. 455 de 1895). Tanta tolice que fede, tanta
asneira que faz dó, gaforina de moleque já se chama bendegó.”
(Idem , n. 467). “ Oh! visinha! p ’ra onde se bota, assim tão b o ­
nita hoje, de b en d egó?” (A Pim enta n. 49 de 1902). “ Madamc
Dasofia De fita no bendegó, P o r cinia tanta faro fia P o r baixo
canella só.” (A Lanterna n. 104 de 1913). Bendegó vem do cele­
bre aerolitho deste nome, o rigin ário da localidade em que ca-
hiu, no in terior da Bahia, e que transportado para o R io de
Janeiro em 1888, com muito trabalho e difficuldades pelo seu
avultado peso e volume, se vê hoje no Museu N acianol. Ben­
degó, segundo T heodoro Sampaio, é um nome barbaro, de o r i­
gem tapuia.
Bentas — Sedula falsa. “ Pedindo um cabalista eleitoral
a um pardo arm ador para votar na sua chapa, deu-lhe uma das
sedulas bentas de 5^600.” ( 0 P ro letário n. 9 de 1847). “ E as­
sim está o homem, como muitos outros, senhor de muitas p ro ­
priedades e com bastante riqueza adquiridas por m ilagre das
bentas portuenses.” (O Vapor dos Traficantes n. 106 de 1859).
“ Soprou-lhe o vento em popa po.r m ilagre das bentas que r e ­
cebia de Portu gal.” (O Barco dos Patoteiros 11. 7 de 1864).
“ Chegou ao cumulo da felicidade pela venturosa passagem das
bentas.” (Idem , 11. 26). As bentas começaram a apparecer em
circulação no govern o do Barão da Bôa Vista (1841-1844). co­
mo marisco, á fartar, e se passaram sem cuidados, sem risco a l­
gum. (O Artista 11. 2 de 1847); vindo esta denominação do no­
me Bento de um com m erciante portuguez vulgamente conhe­
cido p or Bento Nevalhão, que os jornaes da epocha aponta­
vam como o im perador e passador de sedulas falsas, e dahi cha-
m al-o o citado period ico em um artigo publicado no seu n. 8,
o Bento das bentas, consoantemente com o que escreviam ou­
tros. “ Enriqueceram á custa de contrabandos e das bentinhas
sedulas navalháes.” (A V oz do Brasil n. 37 de 1848).
Benzer — Usar pela p rim eira vez um objecto, uma cousa
qualquer que se com pra. Insinuar-se alguem no animo de ou­
trem, captar a sua confiança, exercer uma absoluta in flu en ­
cia sobre a sua pessôa, dominando-a mesmo, e assim conseguir
tudo quanto queira ditado p or seus interesses, muito embora
resultem com prom ettim entos e prejuisos: O João benzeu o An-
tonio p or tal modo, que consegue e faz delle tido quanto quer.

96
A prim eira venda do dia, seja qual fô r o negocio e na qual a-
bsolutamenle não se admitte o fiado, para não o encaiporar.
A pessoa que tem bôas mãos e benze o negocio comprando qual­
quer cousa, corre o dia p ropicio para o seu dono; e geralm ente
as mulheres, segunido os preceitos de tradicional supersti­
ção ao receber o dinheiro dessa prim eira venda, benze-se com
elle, devotamente fazendo o signal da cruz e pronunciando as
palavras rituaes.
Beocio — Sim plorio, ingênuo, toleirão, facil, papalvo. “ Es­
ses senhores que desembacam da Beócia, só entre beocios
podem vender a sua pomada.” (A m erica Illustrada n. 20 de
1877). “ Só beocios acreditam no immenso poder dos reis.” ,(4t
Duqueza do Linguarudo n. 97 de 1877). “ Os partidários da comi-
panhia lyrica tem se tornado uns verdadeiros beocios.” (O Bino-
çulo n. 23 de 1882). “ P ois eu, murmura um beocio Com voz
firm e e collosal. Dçsejo apnas ser socio Da fazenda federal
(Jorn al do R ecife n; 286 de 1915).
Beque — As ventas, um ;na'riz enorm e: Quebrar o beque
de prôa. “ Um beque tal, que haveria duvida, se fosse preciso,
dar-se a vinte que o não tivesse.” (O Telegraph o n. 6 de 1850).
“ Quem é você, que está ahi de beque erguido, e com fumaças
de alterosa p ro a ? ” (O Barco dos Patoteiros n. 4 de 1864). “ E n­
trou na loja, a cavalgar o beque pequeno e lindo pincenez d oi­
rado ” (O João Fernandes n. 11 de 1886).
B ereberé — Um troca tintas ahi qualquer, um João nin-
gum; uma cousa insignificante, de ponco valor. Um presente
bereberé
Berim bello — Pequena peça, com movimento, que prende
de uma outra m aior, com o o pingente, ou antes o p ro p rio p in ­
gente assim chamado.Os berim bellos de uns brincos ou rosetas.
Castello de Martim B erim b ello: indicação chula de uma casa
de habitação. Dona B erim bella: Nom e com que intimamente se
designa uma senhora quando não se sabe com o se chama, ou
sabendo-se, não se o quer declinar p or certos m otivos: Aquel-
la D. Berim bella, sabe, passou hontem p or aqui.
Bernarda — A lvoroto, motim, revolta, levantamento, sedi­
ção. Sobre a origem deste vocábulo correm varias versões,
cada qual mais desencontrada; mas, destacando uma delias
p or se achar codificada ém uma obra que conta já duas edi­
ções, as Frazes feitas, do illustre e fecundo publicista João R i­
beiro, a consignamos, e discutindo-a, daremos depois o que de
real e verdadeiro podemos apurar sobre a questão ficando,
ao que nos parece convenientemente resolvida. “ A expressão
Bernarda tem um antigo etimo e significa motim revolta á mão
armada, e fo i tomada ás bravatas do famoso Bernardo dei Car-
pio, o invisavel cavalleiro, como resa o seu romance de in ve­
rosímeis façanhas. “ Bernardo dei Calpio pelo que podemos
colher das licções da H istoria, e não do romance, fo i um va­
lente cabo de guerra, que floresceu no seculo nono. E ra f i ­
lho do- Conde de Saldanha e da infanta D. Ximena, irm ã de
Affon so I I re i das Asturias, cognominado o Casto, e contra
quem se revoltou, porfim , vindo dahi, principalm ente, a lenda
das suas façanhas. Tom ou elle parte em muitas batalhas, no­
tando-se entre ellas a de Roncesvalles, na passagem dos P y ri-
neos para a França, contra o im peràdor Carlos. Magno, ven ­
cendo os celebres Pares de França, de tão notáveis destaques
nas legendas carlovingianas, Bernardo dei Carpio combateu
sempre em campo franco, em guerra aberta, em campanhas
legitim as; era um m ilitar arregimentado, disciplinado, um
chefe de exercito, um homem de responsabilidade,, em fim ; e
assim não é licito encaral-o como um arruaceiro, agitador, ca­
beça de motins, um chefe de apaniguados bandoleiros a p ro ­
vocar desordens e revoltas, levantes e sedições. “ H eroe hes-
panhol do seculo IX, como escreve P in h eiro Chagas no seu
D iccionario Popular, illustrou-se immensamente p or façanhas
magnificas contra os m o u ros.” A gora as nossas objecções.
O vocábulo é moderno, originariam ente brasileiro, e se assim
não fosse, e viesse das bravatas de Bernardo dei Calpio, seria
•originariamente da Hespanha, patria sua, c conhecido desde
tempos remotos uma vez que floresceu elle no seculo nono.
e concurrcntemente em Portugal, cujo idiom a possue grande
numero de termos originários do castelhano, o que não acon­
tece, verificando-se mesmo, que somente depois de creado,
vulgarisado e correndo 110 Brasil, é que teve codificação nos
lexicons portuguezes. Term o geral, - corrente, e portanto já
com fóros de cidade, surgiu para designar os motins e rus­
gas populares que occorriam no periodo de exaltação política
nacional, que tiveram como ponto geral de partida os pro--
nunciamentos que irrom peram em 1820 em p ról do procla­
mado systema constitucional, naquelle mesmo anno, e na p ró ­
pria m etropole pelo triumphantc revolução do P orto . E m -1824
já o term o era corrente no R io de Janeiro com o se vê de um
D ialogo politico, e instructivo, entre os dous homens da roça,
André Rapozo, e seu compadre Belonio Sim plicio, á cerca da
Bernarda do R io de Janeiro e novidade da mesma, alli pu-

98
blicado na Imprensa Regia, em 1821; em 1822 houve em S.
Paulo um m ovimento insurreccional conhecido, originariam en­
te, com o nome de Bernarda de Francisco Ign acio; e concur-
rentemente entre nós, pelas referencias de Caneca nas suas
obras, houve uma Bernarda no R ecife em 1822. Assim vulgari-
rizado o moderno term o excluma um period ico corcunda des­
ta capital dirigindo-se a uni patriota exaltado; “ 0 flagelo da
numanidade, director das B ernardas!” (O Cruzeiro n. 175
de 1829. Até aqui, em ligeiros traços, a genesis do vocábulo,
e agora a sua origem , a sua procedência histórica, externada
em uocumento de fé e autoridade, e alem de tudo, contem po­
râneo, o p eriodico bahiano, O Semanario Civico, no seu n. 35
de 25 de Outubro de 1821, nestes termos precisos e claros: “ Co­
mo muito de nossos lentores não saibam o que quer dizer —
— Bernadinha, — vamos explicar-lhe. 0 ex-m inistro V illa N o ­
va de odiosa memória, querendo dizer que era uma estrava-
gancia, ou Bernadice, a revolução de Portugal, chamava a
Constituição a ,Bernarda. Daqui vem dar-se no R io de Janeiro
o mesmo nome a todas as revoluções que tem havido por
aquella causa: dizendo-se que a de 2G de F e vereiro fo i o p r i­
m eiro parto da Bernarda de 22 de A b ril, o segundo, o m otim de
5 de Junho, o terceiro, etc.” A esses partos da Bernada
fazia ainda depois referencias um p eriodico do R ecife nuns
versos hum oristicos: “ Ha uma só contingência Quando a B e r­
narda é parada; E ’ furar-nos a barriga Alguma bala perdida.”
(O A rtilh eiro n. G1 de 1843). Moraes, que viveu e m orreu em
Pernam buco em 11 de A b ril de 1824, não teve tempo de con­
signar o vocábulo na terceira edição do seu D iccionario im ­
presso em 1823, e nem os lexicographos que posteriorm ente ap-
pareceram, como Constancio, Lacerda e Faria, quando aliás,
já era conhecido e vulgar; até que emfim, já em nossos dias,
Y ie ira o contemplou como um nome chulo que o povo dá ás
revoltas, insurreições ou levantes, mas sem dizer que este povo
era o do Brasil, uma vez que escrevia em Portugal, e dahi a
vulgarização do termo pela sua codificação nos lexicons m o­
dernos. Assim demonstrada, e documentadamente com prova­
da, a origem do vocábulo Bernarda, em nada a prejudica o que
á respeito escreveu o illustre autor das Frazes feitas, em face
do seu p rop rio subtítulo: Estudo conjectural de locuções T ra ­
ta-se de uma conjectura, portanto.
Beroncio — Sugeito de poucas falas, retrahido, desconfia­
do. “ O descurado beroncio se achava desde pela manhã pe-

99
ilJtHtbl r Wl": • T ,:!| f*l
r « t i c * s t * l i.u • « • *. o

gado à janêllã da sua d iv a .” (A Pim enta n. 71 de 1902).


Berrante — R evolver, na giria dos gatunos do R ecife, liem
com o no argot da malandragem do R io de Janeiro, em que
tem tambem o nome de João meia duzia. naturalmente em
allusão aó numero de balas que contem,
Besouragem — In triga, enredo, aleivosia surda. “ Manda­
ram-nos d izer tão extravagantes cousas daquellas duas crea-
turas, que só p or falar temmemos um raio. B esou ragen s... be-
souragens.” (A Pim enta n . 56 de 1902). Cochicho, falas oc-
cultas còm segredo e reservas, conversas, insistente, ao ouvido,
á meia voz, como o zumbido roufenho do besouro, d ’onde vem
a d icç ã o . “ As besouragens do Cam illo são cousos que enca­
bu lam .” (Idem , n. 57).
Besta — Adm irado, pasjno, sorpreso: Ficar besta, de boe-
ca aberta, de queixo cahido. “ F iqu ei be3ta, enlouquecido, por
tua causa, crea n ça. ” (A Pim enta n . 64 de 1902). Explorado,
sobrecarregado de pesados encargos, fatigantes trabalhos, ex­
cessivas despesas, Besta de carga. O novo eterno besta.
Queiroz de todos os tempos. (Jornal do R ecife n. 135 de 1916) .
T olo, ignorante, estúpido; papalvo, sim plorio: Besta encorpa­
da; besta quadrada; com er por besta. “ Podendo andar a bon­
de, sem ser conhecido, não vou andar a pé, que eu não sou
b esta .” (A, Pim enta n. 381 de 1905). “ Mamãe se damna com o
enthusiasmo de certos typos bestas.” (Idem , n. 549 de 1907).
D ictados: Cavallo grande, besta de pau; Quem tem besta não
com pra besta; Quem é besta, pede a Deus que o mate e ao dia­
bo que o carregue; Quanto mais besta, mais peixe. “ Se fores
ao mar pescar. E a fortuna te não deixe, Faze-te besta, bem
besta, Quanto mais besta mais peixe.” (T ro va s p op u u lares).
Bestar — Andar á toa, sem destino e orientação certa; preo-
ccupado com qualquer cousa: Andar bestando pelas ruas.
Bestalhão — Muito besta: Bestalhão encorpado. “ Tanta la­
ranja madura, Tanto lim ão pelo chão, Tanta menipa bonita,
Tanto rapaz bestalhão.” < Quadras populares). “ Essa gen­
te não toma mais juízo nem vergon h a! Ora andem “ bestalhões!,!
(O Clamor Publico n. 1 de 1845). “ V in de bestalhões, p ôr em
prova a vossa san d ice.” (A m erica Illustrada n. 8 de 1882).
“ Gastar o seu dinheiro em jogo de bicho, é preciso ser um tolo
um bestalhão.” (Idem , n. 522 de 1897). “ T od o besta, quer ser
sabio quando encontra um bestalhão.” (A Pim enta n. 631 de
1908). Moraes consigna o vocábulo, quem manda v êr bestarrão,
que da com o chulo, e augmentativo de besta.

100
Besteira — T olice, parvoice, sandice; “ inépcia, dicto, ac­
ção ou obra que revela ignorancia, falta de senso ou tino,” co­
mo escreve Aulete sobre o termo fam iliar asneira, que corres
ponde á besteira da nossa giria. Besteira do compadre T e i­
xeira embrulhado numa esteira. (D ictado fa m ilia r). “ 0 tal ba­
rão dos traques e das besteiras barão.” (A m erica Illustrada de
28 de Setembro de 1873). “ Um brinde eu quero erguer! V a ­
mos saudar á b esteira!” (A Derrota n. 4 de 1883). “ Não se con­
cebe tão grande asneira. Não se imagina tanta tolice; não se
perdoa tanta besteira, Não sé commenta tanta sandice.” (A P i­
menta n. 13 de 1902). O termo tem também curso no Ceará
com as mesmas accepções: “ Venha cá minha senhora, Deixe
^de tanta besteira ” (D e uma Sarabanda lo c a l).
. .Bestialisado — Como besta, reduzido á besta. “ Depois do
15 de N ovem bro o povo tem assistido bestialisado a todas es­
sas coiisas em que entra como Pilatos no Credo.” (Lantern
Magica n. 555 de 18898).
. .Bestiologia — A sciencia ou arte de ser besta. “ P rovou
em bestiologia ser um form oso estudante lá do Brum na aca­
demia.” (A m erica Illustrada de 21 de Dezem bro de 1873). “ Ma­
mãe se damna com as besteologias do José Antonio.” (A Pim en ­
ta n. 493 de 1906).
. .Bestialogico — T olo, asneirão, ignorante, desfructavel;-dis­
curso ou escripto consoantes. “ Ao povo não se d irige serões
bestiologicos. (A m erica Illustrada de 12 de Maio de 1872). “ O
homem tem dado thema para algumas prelecçõec bestialogi-
cas ao vate suino.” (O Diabo a quatro n. 155 de 1878). “ Ter-
se desenvolvido ultimamente a pilhéria de se escrever bestia-
logicos e mandal-os para a typographia com o nome de p es­
soas illustres.” (A m erica Illustrada n. 47 de 1880). “ Está para
v ir á luz um liv ro importante, que terá titulo: Cousas bestia-
logicas.” (Idem , n. 35 de 881). “ Asneiras, desastres, foram o
conteúdo da grande e bestialogica peça oratoria.” (Jornal P e ­
queno n. 35 de 1916).
Bestidade — Acção, cousa de besta. “ Uns camellões que vi
vem azucrinando os ouvidos desta pobre humanidade com as
suas bestidades.” (A m erica Illustrada n. 23 de 1882). “ Disse o
vigá rio ser essa historia de casamento c iv il uma bestidade.”
(A Pim enta n. 45 de 1902). “ Fazer versos é tolice, fazer prosa
é bestidade.” (Idem , n. 577 de 1907).
Bêtas — D ifficuldade, trabalhos, riscos, situações criticas,
perigosas mesmo; e dahi a phrase: Vêr-se mettido em bêtas,
para im prim ir a contibencia de taes situações. “ T u ’, pelo que
tenho sabido, tens te visto em bêtas. (O Campeão n. 104 de . . .
1862). “ O Canuto viu-se em bêtas, numa trança brutal, muito
çncrencado.” (Pernam buco n. 298 de 1913).
Eéte — Planta medicinal, mencionada por Jeronym o V i
lella. E ’ a piperacea Betys, estudada por Alm eida Pinto.
Beú — A mulher de V erónica e as suas duas companheiras
que figuram em algumas procisões da quaresma, e particu lar­
mente na do enterro do Senhor entoado a da Verónica, á cur­
tos intervallos, um cântico de musica terna, cuja letra é esta,
extrahida dos Threnos ou Lamentações do P rofeta Jeremias
(Cap. I Vers. 12): “ O’ vos ones, qui transites per viam, atten-
dite, et videti si est dolor sicut dolor meus.” Este cântico tem
p or estribilho repetido pelas duas outras mulheres esta letra
de. instituição ecclesiastica: Heu! H eu! D om ine! E ’ d’ esta d ic­
ção interjectiva, Heu!, que em obediencia á musica pronunciam
ellas Heu, que vem a corruptela de Béu dada a essas tres figu
ras das citadas procisões: Maria Béu; as beús. “ Todas cobertas
de fumo, são behús estas caiporas?” (Lan tern a Magica n. 253
de 1889). “ Traz da Angelina vinha a sua com panheira Celes­
tina vestida de Maria beú.” (A Pimenta n. 74 de 1902).
Bexiga — Canudo, logro, máo negocio: Levar tomar uma
bexiga.
Bexigada — Estopada massada, cousa encommoda, en fad o ­
nha. “ Mas fo i uma bexicagada a tal cousa do sermão.” (O Etna
n. 13 de 1882).
Bexiga lixa — Variola confluente. “ Vaccina-te, pois te arris­
cas a m orrer de bexiga lix a .” (Z izin a & Esm eralda) N o sul
porem, tem o nome de P elle de lixa, como se vê de Langaard.
Biába — Bordoada, pancadaria grossa, na giria dos gatunos.
Bibóca — Barranco, grota, escavação, ou como m elhor ex ­
prim e o vocábulo em sua origem , do tupi, Ybibóca, corruptela
de iby, terra, e bog, rachada fen d id a :'ca m in h o cheio de b ibo­
cas, isto é, depressões, buracos causados pelas enxurradas, se­
gundo ficou a estrada cheia de bibocas.” (Beaurepaire Rohan).
Em Fern an do de Noronha ha um m orro chamado Bibóca, em
cuja fralda Occidental nasce o riacho Maceió.
Bicáda — Um trago de cachaça, uma bordoada: Dar, tomat
uma bicada. “ T iv e vontade de dar uma bicadinha, pois esta­
va inteiram ente secco.” (O Diabo n. 6 de 1883). “ Quando lhe
aperta a lua e toma alguma bicadinha, insulta aos visinhos. '
(A D errota n. 13 de 1883). “ Segundo dizem os bicadores, a b i­
cada é o unico preservativo contra o cholera.” (Lan tern a Ma-

102
gica n. 93 de 1884). “ Sou amante da branquinha, Do cajú sou
camarada, Sou amigo do copinho Quando sorvo uma bicada.'’
(A Pimenta n. 640 de 1908).
Bicado — O mesmo que alegre. “ Tú, bicado, na marqueza,
Não deste por tal fineza.” (A Pimenta n. 10 de 1902). D eriva­
dos :Bicador, bicar, de expressões obvias.
Bicháno — Nom e fam iliar do gato. “ O amor da titia é b i­
chano a miar no postigo.” (Lan tern a Magica n. 18 de 1882).
“ Era manso, bem manso o meu bichano, iun gatinho de pello
avelludado.” (A Pimenta n. 13 de 1902). “ Eu quizera, Sinhá,
ser o g a tin h o ... T er de ti tanto affecto e tanta estima Quanto
ao bichano fazes de carinho.” (L e o v ig ild o Sam uel). “ O bicha­
no é symbolo da felicidade, sendo preto.” (D r. Lins e S ilva )
Moraes registra Bichano, e manda ver Bexáno, que dá como
termo fam iliar, na accepção de gato novo. (V . Pich an o)
Bichão — Homem de superior m erecim ento; de grande im ­
portância, prestigio e influencia; valentão, sabidorio, experto.
“ Vmes. fechem os olhos, e peguem num, que é um bichão.'’
(O Vapor da C alifórnia n. 11 de 1849). “ P o r isso nas letras pa-
trias sou tido como bichão.” (O P olich in ello n. 1 de 1895). “ O
Mello, eu conheço; é um poeta bichão.” (A Pimenta n.4 d e ..
1902). “ Sou advogado bichão Em traquejos federaes: Quem me
entrega uma questão Não perde, nunca jamais, Tenha ou não
tenha razão.” (Idem , n. 7) “ A lto lá, seu v igá rio ! Sou bichão!
(O Sachristão, n. 1 de 1903).
Bichar — Encher-se de bicho. “ O feijão bichou: m ilho
bichado” . (T h eoton io R ib e iro ).
Bicheira — Ferid a com bichos que infesta os animaes bo­
vinos e cavallares, preferentem ente na região um bilical. Taes
bichos, segundo Beaurepaire Rohan, são as larvas de certos
insectos que depositam seus ovos nas feridas; mas como es­
creve Langaard, taes larvas são produzidas pela mosca vare­
jeira, e depositadas já vivas, mui pequenas, nas feridas, apre­
sentando porem, em pouco tempo, um grande desenvolvim en­
to . Para a cura da bicheira, a superstição popular tenr ensal-
rnos proprios, que dispensam o m ercúrio ou outro qualquer
m edicam ento. “ Ha novellas, que á semelhança do L e Roy, até
para cura da bicheira s erve” . (O Car,apuceiro n. 25 de 1839).
B icheiro — Individuo que v iv e do jogo do bicho, bancan­
do ou vendendo. “ Os bicheiros são talentosos e saberão dis­
farçar o jogo que hoje a policia tanto persegue” . (Lanterna

103
Magica n. 528 de 189.7). “ A policia deu forte caça aos bich ei­
ro s ” . (Idem , n. 574 de 1898). “ Quem não paga é caloteiro,
quem vende bicho é b ich eiro ” . (A Pimenta q. 21 de 1901).
Bichento — Que tem bichos. (P u le x penetrans) nos pés.
“ Pés de moleque bichentos, com os dedos arrebitados” . (L a n ­
terna M agica) n. 172 de 1886).

Bicho — Q ualificativo de desdem ou despreso. “ Mas o b i­


cho, coitadinho! tambem anda doentinho” . (Lan tern a Magica
n. 762 de 1904). “ Aquelle bicho tem um andar de mosca ton­
ta” . (Idem , n. 441 de 1894). Papão ou tatu’ para fazer medo
aos meninos: Não faças isto, não vás a lli; olha que o bicho te
come, te pega. Indivíduos cacete, pau, cuja presença enfada,
desagrada: L á vem o b ich o; de certa habilidade ou predica­
dos: “ Zé b oi é bicho bom no p in h o” . (Jorn al do R ecife n. 91
de 1914). N o dim inuitivo, porem, é um term o affectivo, cari­
nhoso, dado ás crianças: Vem cá, meu bichinho.
Bicho cacáo — O mesmo que bichão. “ Zé Grande dá ca­
beçada, P o r ser um bicho cacáo” . ( A Pfm enta n. 20 de 1901).
O dictado occorre tambem com este qu alificativo com plemen­
tar: da folh a miuda.
Bicho-carêta — Um troca-tintas, ou valdevinos ahi qual­
quer. “ Ouço dizer a qualquer bichp-casrêta, que os senadores
e deputados são mandatarios do p o v o ” . (O Carapuceiro n. 17
de 1837). “ Os eleitores não devem cerrar os olhos e votar ce­
gamente em qualquer bicho-carêta.” (O Diabo n. 6 de 1883).
“ Esquecidas as nobres acções, todo bicho-carêta é agraciado” .
(Lan tern a Magica n. 236 de 1888).
Bi,cho,-carpinteiro — O que ataca, principalm ente ás crian ­
ças, como diz o vulSo de modo a ser inquietas, não parar em
lugar nenhum, andar sempre em m ovim ento, e não pod er es­
tar assentadas p or muito tempo.
Bicho de sete .cabeças — Uma cousa insignificante, de no-
nada, cavillosa e aleivosam ente encarecida, commentada, re ­
provada e punida mesmo, como de muita im portância e gra­
vidade: P o r uma cousa de nada faz-se um bicho de sete cabe­
ças! A locução vem dá l^abula, e tomada na hydra ou serpente
da lagôa de Lerm a, que tinha sete cabeças, que renasciam ao
passo que se lhe cortavam , até que H ercqles conseguiu matal-
a, term inando assim o te rro r e os damnos que causava o h or­
rendo bicho de sete cabeças.
Bicho do matto — Individuo inaccessivel, desconfiado, re-
trahido, grosseirão.
Bicho dos pés — Nigoa, pequeno insecto da ordem dos di-
pteros (P u lex penetrans, L in n .) sobre o qual, Pisonis, que
principalm ente o estudou, em Pernambuco, escreve: Minu-
trissimos verm icolos lusitanis Bicho, brasiliensis Tunga hoec
terra nutrit” . R egistrando Aulete o term o Nigoa, diz que o
pequeno insecto deste nome, é origin ário da A fric a e da A m e­
rica m eridional onde tambem é chamado tunga ou bicho dos
pés, consoantemente assim com aquella denominação indigena
citada p o r Pisonis. Segundo Langaard, é a fem ea dessa peque­
na pulga muito frequente no Brasil, que se introduz debaixo e
ent red or das unhas ou em qualquer outra parte dos pés, fo r ­
mando depois um sacco cheio de ovos, que cumpre extrahiv
todo, pondo um pouco de cal de parede no buraco. “ Olhei-lhe
p ’ ra os pés, Benzi-me de m edo; P ’ra mais de cem bichos T i ­
nha em cada d e d o ... O negro é bicho de pé, E ’ peste, é sujo,
é m orrin h a” . (F o lk -lo re Pernam bucano). “ Os belgas em pou­
co tempo tornaram-se magros, amarellos, com os pés cheios
de bichos.” (L an tern a Magica n. 201 de 1877).
Bicho papã|0 — Monstro horrendo, im aginario, com que
se faz medo ás crianças para as conter ou adorm ecer.
Bico — Guarnição ou peça de desenho variado, larga ou
estreita, terminando ao c orrer da extrem idade in fe rio r em
bicos ou pontas angulares ou semiculares, harmonicamen-
te dispostos, para enfeite de toalhas, lenços, fronhas, roupa de
crianças e mulheres e outras peças de tecidos. F eito de linhá
branca, com bilros, sobre um pique ou m odelo em papel en­
corpado colorid o de amareUo á gengibre, e preso a almofada,
vem desses recortes ou bicos da peça a sua denominação entre
nós, como a de bicão na Bahia. “ Emquanto houver boceteiras
vendedeíras de bicos e rendas, o deus frech eiro não ha de pa­
decer falta de bons procu radores” . (O Carapuceiro n. 69 de
1837). “ A borreço as velhas que usam de calças com rendas e
b icos” . (Lan tern a Magica n. 10 de 1882) . “ Vistosos cabeções
de que pendem, não sem acertadas, combinações, bicos e ren ­
das bem feitas e elegantes” . (F ra n k lin T a v o r a ). D inheiro, a
fracção de m il reis: cinco bicos, dez bicos, etc. “ Esses sim, é
que hão de salvar o Brasil depois de pagos os bicos que d eve” .
(O Patusco n. 4 de 1886). “ Custando um bico só, a Serpentina
(L iv ro s deSortes) se vende em toda a p arte” . (A Pim enta n.
33 de 1902). “ Levem uma pelega de um bico e terão a respe­
ctiva garrafa da sympathica brazileira, (Jornal do R ecife n.
49 de 1914).

105
Bico ide tesoura — A ve sertaneja, muito vulgar.
Bicos — Arranjos, negocios, encommendas; cousas in si­
gn ificantes: T e r ainda que vêr, arranjar, ou satisfazer uns
bicos, ou mesmo biquinhos, como concurrente e mais frequen­
temente se d iz.
Bicuda — P eix e de agua salgada (Isiophorus americanus,
C u v .), a que os indios chamavam Quebuçu’, e mudado em bi-
>
cuida, pelo bico ou aguilhão agudo e duro, com que pronuncia­
damente term ina a cabeça. Faca de ponta. “ O capitão fo i
preso publicamente, com uma fàca de ponta, mas logo que
chegou á casa do Aragão, fo i immediatamente solto e entre­
gue a bicuda” . (O Clam or Publico p. 66 de 1845). “ E p o r se­
gurança Me puz afastado Tem endo as bicudas Que vem do Pas­
m ado” . (O Viapor dos Traficantes n. 260 de 1860). “ Oh! pa­
tife ! espera que já te arranjamos, disseram;, e descascam as
bicudas de Pasm ado” . (A m erica Illustrada n. 14 de 1883). V.
Pasmado.
Bicudada — Facada. “ Bateu a mão a um faquéo, e cor­
reu-lhe uma bicudada, que não o alcançou” . (O V ap or dos
Traficantes n. 198 de 1860).
Bicudo — Passaro canoro, de um bello canto, forte, es­
tridente, porem muito harm onioso, sonoro e agradavel, e por
isto tido em grande apreço; é de bico grosso e adunco, vera
dahi o seu nome vulgar. “ Como m elros são negros os bicudos,
Mais destros e agradaveis no seu c a n to ... Bello e querido
Bicudo, Stás tam mudo! Porque não queres can tar?” (Jerony-
mo V ile lla ). Dous bicudos não se beijam. (D ictad o p o p u la r ).
E scravo clandestinamente im portado da A fric a depois da L e i
da repressão do trafico, que baixou em 7 de N ovem bro de
1831, regulamentada p or decreto de 12 de A b ril de 1832 e re*
mettida ao govern o de Pernam buco para os devidos fins por
A viso de 17 daquelle mez e anno. “ Chegou ao norte de Goy-
anna um lanchão da costa d’A frica, trazendo uns cem bicudo?
que foram apprehendidos pelas autoridades policiaes daquel-
la cidade” . O Clam or Publico n. 42 de 1845). “ E ’ verdade
que desembarcaram 300 bicudos e, que só 50 foram remèttidos
ao chefe de p olicia; mas o que querem ? A maldita peste lam ­
beu os outros” . (Id em n. 87 de 1846). “ A i dos trezentos b i­
cudos que tenho lá na B ah ia!” (O Patuléa n, 18 de 1850). “ Des-
ía eleição depende a bôa chegada e desembarque de um carre­
gamento de 800 bicudos” . (O Gallego n. 7 de 1850).

106
Bidé — Pequeno m ovei de quarto de dorm ir, collocado
junto á cama, para a guarda do vaso, em uma peça in ferior,
com portinhola; e na superior, com tampo de m adeira ou m ár­
more, para a palm atória ou castiçal e a caixa de phosphoros.
B ife —. O inglez. Codificado o vocábulo nos nossos lexi-
cons mas com as expressões particulares que tem na culinaria,
é um corruptela da palavra ingleza beef, boi, e dahi a sua appii-
cação depreciativa aos filh os da velha Albion, p or serem
grandes com edores de bifes. “ O F letch er é um c h e fe ... A h !
bife de uma fig a ! Se um dia te pegamos de geito tu has de
aprender a tratar com sinceridade” . (Lan tern a Magica n.
875 de 1907). “ O bife que desorganisa a Companhia de Olinda,
é um homem teim oso” . (A Lanceta n. 60 de 1912).
Bigode — P a ' n in h o de canto regular, mas de pouca vida
na gaiola. Tem cabeça branca com uma pequena lista p re­
ta, recurvada, sobre um lado e outro do bico, á laia de bigode,
vindo dahi o seu nome vulgar.
Bilhete — Cascudo, peteleco na çabeça: Dar, levar, tomar
uns bilhetes.
B ilh eteiro — t) que vende bilhetes de loterias. O b ilh e­
teiro fulano vendeu o numero tal, que tirou a sorte grande” .
(Lan tern a M agica n. 178 de 1887). “ O Yianna, bilheteiro da
loteria de Sergipe, compareceu de calças arregaçadas” . (A P i­
menta n. 39 de 1902). “ As bilheteiras! Genuinos m eirinhos de
saias, embrulhadas em chales, cabellos de cocó á moda boei-
r o ” . (Lan tern a M agica n. 813 de 1905).
B ilheteria — Saleta nos vestibulos dos theatros e casas
de diversões onde se vendem os bilhetes de ingresso.
Bilo-bilo — M ovim ento do dedo indicador sobre os labios
das creanças para as agradar e fazer sorrir, pronunciando-se
o bilo-bilo, repetidam ente. “ O Sr. Osorio com um dedo nos
labios fazia o bilo-bilo. (O Di,abo a quatro n. 150 de 1878).
Bilontra — Bohemio, um desoccupado gamenho, industrio­
so, que v ive de expedientes, sangrandõ á humanidade, mas
com certa encadernação e ares de homem serio, e assim en­
chendo as ruas de pernas, ou estacionando nos cafés e Restau­
rants. “ Essa igrejin h a de bilont,ra da im prensa” . (O João
Fernandes n. 43 de 1887). “ Ja não ha quem indague da vida
deste b ilon tra” . (A Pim enta n. 1 de 1902). “ O caminho da glo ­
ria, na expressão de um bilontra nosso camarada, é semeiado
ide cacos de ga rra fa ” . ( A Illustração n. 3 de 1895). “ Bohemio,
descuidado, hoje chamariam a G regorio de M a tto s'd e bilon-

107
tra ” . (A ra rip e Junior). Este vocábulo vem do R io de Janeiro,
dos annos de 1885, tendo por ereador o popular e original ty-
po de rua vulgarmente conhecido por Castro Urso, que na-
quella epoca, descuidosa e despreoccupadamente ali passava
vida folgada e milagrosa, e sobre o que Carlos de Laet e s c re ­
veu o seguinte, em um folhetim publicado no Jornal do Com-
mercio, em 9 de Março de 1886: “ O Urso metteu uma palavra
no diccionario. Para variar chamavam-no Lon tra: e elle re ­
torquia antepondo com agudeza p hilologica o p refix o b is ...
Oh Lon tra! oh Lon tra! berrava a molecagem. E vocês são Bi-
lontras!, respondia o philologo. F o i assim que nasceu o termo
de accordo com as prescripções glottologicas” . Naquelle mes­
mo anno appareceu na côrte a peça O Bilontra, revista de 1885,
que fez as delicias das platéas dos seus theatros, e assim vul-
garisado o r..ivo termo, teve immediatamente curso entre nós,
de sorte que, e ainda em 1886, deu-se o nome de Bilontra ao
orçamento p rovin cial em discussão na Assembléa Legislativa:
e a imprensa opposicionista e os periodicos illustrados acom­
panhando a corrente, no mesmo tom se pronunciava. “ 0 ob­
jecto que presentemente mais desafia a curiosidade publica é
o orçamento B ilon tra” . (Lan tern a Magica n. 161 de 1886).
Emfim , encerrada a Assembléa, e uin outro p eriodico (O João
Fernandes n. 3), noticiando o facto, exclam a: “ Surgiu num
laborioso parto um monstro, um bilontra, um zero, um sangue-
suga, o O rçam ento!” Assim vulgarisado o termo em todo o
paiz, Beaurepaire Rohan c Macedo Soares o inscrevem nos
seus Vocabulários, e transpondo mesmo as suas raias, fo i ter
voga em Portugal, e codificado p or A lberto Bessa no seu liv ro
A giria portugueza como termo popular, o mesmo que p elin ­
tra, indivíduo sem importância, e emfim por Cândido de Fi-
gueredo no seu Diccionario, como voz portugueza com as ex­
pressões de velhaco, espertalhão, e como brasileira com as de
homem despresivel, que frequenta lupanares e más compa­
nhias. E assini se escreve a h istoria!. ..
Bilrada — Cacetada, paulada: Dar, tomar umas bilradas.
“ Em poucos minutos choveu cacete, que for serviço. Tom ei
bilradas a valer.” (Jornal Pequeno n. ‘26 de 1915).
B ilro — Cacete curto, grosso: Metter o bilro. “ T alvez os
seus 2.000 homens de que fala o Pedro II, e talvez armados de
bilros, não lhe appareccssem” . (A Ponte daí Boa Vista n. 6 de
1836).
Binga — Chifre de b oi usado pelos pedreiros para servi­

108
rem-se d ’agua nos trabalhos do seu o ffic io ; tabaqueiro òu cor-
nimboque, no alto S. F ran cisco. O vocábulo é tomado da
lingua bunda ou angolense, e com a p rópria expressão de chi­
fre, como, em geral.
Biquara — P eixe do mar, de escamas, tão vulgar entre
m s como nos mares do archipelago de. Fernando de Noronha.
Biquinho — D im inuitivo de bico, para distinguir o largo
do estreito; certo pronunciamento dos labios como expressão
de enfado ou desdem, ou em contrações, como prenúncios de
choro: Fazer biquinho.
Biquinhos — Umas tantas cousas miúdas, de pouca m on­
ta, que restam fazer para a conclusão de um trabalho ou ser­
viço qualquer; pequenos aprestos ou preparativos com plem en­
tares á qualquer cousa; pequenas encômmendas ou com pro­
missos a satisfazer. “ Mandou preparar a casa da Relação, pa-
ramental-a de m obília e mais alguns biquinhos, com enormes
gastos” . (O Guarda N acional n. 7 de 1843). “ A pedra funda­
mental do Hospital Pedro II, custou ao thesouro provincial,
com mais alguns biquinhos, como canôas de areia, de cal, de
Ujollos, etc. etc., 4:000*000” . (A Carranca n. 4 de 1847). “ O
Vasco andava oecupado em arran jar dinheiro para satisfazer
uns biquinhos de que ainda estava em d ivid a ” . (O Consérvador
Verm elho n. 29 de 1863.
Birrada — Uma cousa qualquer, que occorre, de causar
encommodo, contrariedade, p reju izo: Esta fo i mesmo uma
birrada! Cousa excellente, supimpa, vistosa, de crescer os
olhos: Um forrobod ó, uma rapaziada de b irrada! “ Mesa chi­
que, de birrada, para fazer "eleições a supapo e cannelões” .
(A m erica Illustrada n. 17 de 1880). “ Contracto de bocorio,
que um certo fin orio, camarista de birrada, sob palavra f i ­
ze ra ” . (Idem , n. 13 de 1881). Variante chula de bilrada, e
com as sua próprias expressões. “ O F igu eiró leva um mar-
m elleiro para desancar o Sr. L eclerc com algumas birradas
para acalm ar-lhe as com ixões da lingua” . (A Lanceta n. 51
de 1890). “ F o i uma birrada só, no alto da cabeça, e o cabra
fo i espernear na lama do b ecco” . ( A Pim enta n. 487 de 1906).
B irro — O mesmo que b ilro. M anejei o b irro, contei pon­
to. fiz um riseado, e 'a rru m e i outra porrada na caixa do ca-
tharrc* do camarada” . (A Pim enta n. 487 de 1906).
Bisaco — Em bornal, sacco, muchila. “ Bati a mão no
bisaco E logo o fumo lhe d ei” . (Cancioneirjo do N o rte ).
Bisca — Individuo de caracter equivoco, de má fé, trapà-

109
ceiro: A qu illo é uma bôa bisca. “ H averá nesta cidade quem
não conheça esta bisca? E ’ uma joia de preço; a seu tempo
será em palhado” . (O Diabo a quatro n. 45 de 1876). “ A pe-
quena naturalmente não sabe com que bisca está tratando” .
(A Pimenta n. 553 de 1907). Experteza, astúcia, sagacidade,
trapaça. “ Deixe-m e embarcar esta bisca, com a qual estou
empenhado, para que não venha o az apanhal-a” . O Barco
dos Patoteiros n. 11 de 1864) .
Biscate — Mulher moça, atoa, avoadeira. “ Vou atraz de
biscate, um biscate qualquer, muito barato” . (A Pimenta n.
1 de 1901). “ Ha bois, ha sambas, ha grandes pastoris, muitos
biscates bellos da m ilic ia . ” (Idem , n . 28) .
Biscoitar — O mesmo que abiscoitar. “ Muitas branqui­
nhas tem feito, sendo p mais notável a que ultimamente p ra ­
ticou com cs inglezes, a quem biscoitou uns poucos de contos
de re is ” . ( A Tentativa; F eliz n. 4 de 1849). “ A ’s quintas feiras
lá vão para palacio biscoitar o chá de S. Excia. (O Clarim
n. 11 de 1878).
Biscouteira — Vaso p ro p iio de guardar biscoutos.
Bisnaga — Pequeno tubo de fina lamina de chumbo, fle ­
x ível, contendo tinta para pintura e aquarella; e maior, de
tamanhos diversos e -grossuras proporcionaes, contendo agua
perfumada, que seringa de um pequeno o rific io apertando-se
o tubo, usada nos jogos de entrudo, pelo carnaval. “ Bisna­
ga é uma pequena seringa inventada por John Gosnell con­
tendo liquido cheiroso, de que se costuma fazer muito uso
pelo ca*rnaval” . (O Clarim n. 13 de 1878). “ Que S. S. em­
punhe, em vez da questionada vara, uma bisnaga” . (O Diabo
a quatro n. 34 de 1876) . “ Nas vitrines de varias lojas figu­
ravam expostas as mais finas bisnagas, a la mode de P a ris ” .
(O Binoculo li. 7 de 1882). Pelo carnaval de 1890, e outros
posteriores circulou um jornalzinho humorístico sob o titu­
l o : A Bisnaga.
Bisnagar — Molhar, brincar, jo ga r com b&sjiagas pelo
carnaval. “ O inspector da Alfandega, de bisnaga em punho
a bisnagar a quem passava” . (Lanterna Magica n. 5 de 1882).
"Encom m odar, satyri&ar, massar, d ep rim ir. “ Fra D iavolo
não pode concluir neste numero as suas bisnagadas” . (O D ia­
bo a quatro n. 7 de 1875). “ Bisnagamos os nossos leitores
com algumas charadas” . (Idem . n. 31 de 1876).
Bispar — Observar, espiar, espreitar; olhar com atten-
ção, com interesse; surprehender, ver qualquer cousa que se

110
faz sem ser suspeitado ou com preh en dido. Term o muito v u l­
gar entre nós com semtelhantes accepções, vem, poreni, da gi-
ria portugueza, e já corrente em meiados do seculo X Y l l t e ­
mo assim contemporaneamente escreve D . Francisco Mano­
el: “ Bem encaixava sobre as ordens aqui agora o bispar, que
é palavra da giria a respeito de Ver” . Moraes registra o ter­
mo, como fam iliar, como as expressões de ver de longe, lo ­
brigar, e dahi successivamente, até Aulete, com a mesma in ­
dicação, e correspondentes accepções, um pouco destoantes
das nossas.
Bitacula — Cara, rosto; o nariz, as ventas. “ 0 seu anta­
gonista, zaz, foi-lhe ás bitaculas” . (A m erica Illustrada de 26
de Janeiro de 1873). Sorrias sempre que eu passava, e hoje
viras-m e áa bitacula” . ( A Pim enta n. 14 de 1902). “ A mulati-
nhá sahiu á procura do meco, e encontrando-o deu-lhe um
baile especial, ameaçando ir-lhe á bitacula” . (Idem . n. 86 ue
1902). “ Levantei-lhe pela bitacula o pé da bota, e me esca
puli ” (Id em n. 571 de 1907).
Blusa — Especie de camisola ou paletó, de lã ou linho,
frouxo, largo, de apertar na cintura, usado p or soldados e
operários; corpete de um tecido qualquer, não muito aperta­
do, afoBado, de mangas curtas ou compridas, para vestir, ge-
realmente, com saia de outra fazenda de cor d ifferen te. “ As
blusas variam infinitam ente. Cada m odelo apresenta um as­
pecto particu lar. A renda, o filó , a musselina de seda se al-
liam ao velludo, ao tafetá, ao setim ” . (Jornal Pequeno n. 51
de 1916). “ M m e ... Bem confeccionada saia de flan ella cre­
me, e fin a bluza branca, bordada” . (Jormal do R ecife n. 315
de 1913).
Boa hora — . Parto, delivrance, com o se diz m odernam en­
te, ou como nos tempos de antanho, livram ento, bom succes-
so e dahi estas invocações da V irgem M aria ditadas pela p ie­
dade christã, e bem assim, a da Boa Hora., “ Immensos lo u vo ­
res Demos á Senhora, a denominada Mãe da Bôa H o ra ” . (V e r ­
sos de um n o v e n a r io ). Deus lhe dê uma bôa h ora: Votos de
um parto feliz, p ro p icio .
Bobage ou Bobagem — Asneira, tolice, palhaçada; cousa
sem im portância, insignificante, atoa, que< pouco ou nada v a ­
le, de interesse secudario: Desgraça pouca é bobage, e muita
é calungage. (Dictaido popular). “ Não gasto meu dinheiro
em bobages” . (A m erica Illustrada n. 34 de 1879). “ Astrono-
m o de bobagem, aconselhára o dia da lua cheià pará a rega-

111
ta, visto ter chovido na lua n ova” . (Lanterna Magica n. 125
de 1885).
Bobéa — O mesmo que Bobagem. “ Fala-se p or ahi que o
Sr. Barão quer fazer bobéa, afim de v e r se encarta o seu m i­
moso no numero dos treze deputados” . (O Guarda Nacional
n. 127 de 1844). “ Theatro em Santo Am aro. Empreza de bo­
béa” . (A m erica Illustrada de 28 de Julho de 1872). “ Ourives
da rafaméa, douradores de bobéa” . (Idem , de 7 de Dezem bro
de 1873).
Bobó — Certa especie de peixe mencionada p or Jerony-
mo V ile lla ; comida muito vulgar, de origem africana, como
indica o seu nome, feita de feijão preto ou mulatinho, liem
cozido, e form ando uma especie de massa ou papa pouco con ­
sistente, coberta com azeite de dendê, e com certa dose de
pimenta em p ó. “ Criado pela Mariquinhas, em fraldas de ca­
misa, rufando na cuia, e comendo bobó na ribeira da Bôa
V ista” . (O Azorrague n. 7 de 1845). “ Não temeis arrebentar
a panella do b o b ó ?” (O V apor dos Traficantes n. 210 de
1860).
Bobóca — O mesmo que Bibóca.
Babozeira — O mesmo que Babuzeira. “ Aquelle coronel
não nasceu para estas babozeiras” . (A m erica Illustrada n. 6
de 1879). “ Nós queremos que O Estado varie alguma cousa,
dê-nos noticias politicas, mortes, tiros, facadas, bonds des-
carrilhados, pintos de quatro pernas e outras bobozeiras
iguaes” . (O M ajor Leal n. 1 de 1890) .
Boçal — Assim se chamava ao negro novo que chegava
da A frica escravisado, emquanto não aprendia alguma cousa
do portuguez, dos prim eiros preceitos da religião, e ficava
pratico no serviço que lhe era destinado, conseguido o que,
d ecorrido certo tempo de aprendizagem e pratica, dava-se-
lhe o-nom e de ladino. “ O negro ladino e creoulo olhava com
desdem o parceiro bocal, alheio á lingua do senhor” . (Ca-
pistrano de A b reu ). Este qu alificativo porem, concurrente-
mente com o de negro novo, já vinha da segunda metade do
seculo X V II, quando a elle se refere G regorio de Mattos, di­
zendo ein uma das suas Satyras: “ N egro ladino é c r io u lo ...
Porque io d o s entendaes, Os ladinos e os boçaes.”
Bocca de lôbo — Sargeta, “ Aqui, as ruas alçadas são bem
servidas de boccas de lô b o ” . (Jornal do R ecife n. 157 de 191G.
Bocca de sino — Bacamarte de cano curto e grosso, que
na extrem idade superior abre um pouco, ficando assim a

112
bocca com um diâmetro superior, coin a feição de um sino,
vindo dahi r. denominação vulgar da arma, não somente cor­
rente entre nós, como em alguns outros Estados do norte.
“ Vicente Lopos tomou o seu bocca de sino, a que dava o no­
me de canario, e quando em acção, ao disparar o prim eiro
tiro, recitava sempre em altas vozes esta quadra: Quando o
canario abre o bico, Turba-se o tempo, meu bem ; Chore
quem tem de chorar, Que não sou pae de ninguém” . (R e v is ­
ta do Instituto do Ceará, T . X X IX , 1915).
Boccado — Alim ento, comida, refeição : T ira r o boccado
da bocca; tirar a alguem os meios de subsistência. “ O ra­
paz, mal engole o boccado, monta logo a cavallo” . (O Vapor
dos Traficantes n. 111 de 1859). “ Eu estava de fome, De fo ­
me traspassado: Mulher de minh’alma Dá-me um boccado” .
(F o lk -Io re Pernam bucano). “ A i! que desgosto profu ndo! Co­
m o ganhar o boccad o!” (A Pim enta n. 20 de 1901).
Boccal — Bigode. Vem lahi a plirase Boccas e ponteira,
alluriva a pêra e bigode.
Bocca-moIIe — P eixe de agua salgada, a que os indios
davam o nome de Pirá-jurum em beca.
Boccas — Pessoas que constituem uma fam ilia habitan­
do o mesmo lar; O João tem uma carga muito pesada; sus­
tenta dez boccas.
B occorio! — Voz in terjectiva para im por silencio, corres­
pondente a vulgar de caluda!, ou empregada quando não se
quer falar ou dar opinião sobre uma cousa qualquer p or da­
dos m otivos. De boccorio: dizer, prom ettendo fazer alguma
cousa, mas por com prazer, simples form alidade e fa'nfarrice,
para se mostrar, sem o animo de verdade, firm eza e delibe­
ração de cumprimento da palavra: Cousas de boccorio; de
bocca; dos dentes p’ra fó ra . “ P oz -o meco nos cornos da lua,
e abonando-o, de boccorio, já se sabe” . (O vapor dos T r a fi­
cantes n.° 97 de 1859). “ Mas qual! Era tudo patriotagem de
boccorio” . (Lan tern a Magica n.° 46 de 1883).
Boceta — Nom e antigo e generico de ttix a , da papelão,
madeira ou folha, para usos diversos. (Boceta de folh a com
balas cada uma de vinte libras, noventa e sete” . (In ven tario
das armas e petrechos deixados pelos hollandezes, 1654).
Caixa de rapé, de formas diversaá, feita de tartaruga, ch ifre ou
chumbo, e em tempos que o rapé fez epochas, ou que teve
a sua epocha, de ouro ou prata, artisticamente trabalhadas.

113
“ Sou um dos prim eiros tabaquistas do mundo, disse elle, sa­
cando do bolso uma boceta” . (O Paiz n.° 59 de 1856). “ Uma
boceta cara, repleta de bom rapé” . (A Pim enta n.° 28 de
1902). “ Menina me dai tabaco. Nessa vòssa bocetinha, Que
a minha ficou em casa, Fechada na gavetinba” . (T ro va s p o ­
pulares) .
Boceteira — Mulher que se em pregava no pequeno com-
m ercio, ambulante, de miudezas e réndas, accoimhodadas em
caixas ovaes ou cylindricas, de madeira fina, com tampa, e
vistosamente pintadas, e que tinham o nome vulgar de boce­
tas. As boceteiras pagavam um imposto municipal, que v i­
nha da lei orçam entaria de 1837-38, e ainda figurava, nom ea­
damente na de 1855, sob esta rubrica: Taxa de 2$000 paga
annualmente pelas licenças que obtiverem os mascates e bo-
céteiras, que venderem no niunicipio. “ Vende-se uma negra
boceteira, moça, bôa figura, no becco da Lingueta casa n. 1.”
(O Cruzeiro n.° 24 de 1829). “ Emquanto houver boceteiras
vendedeiras de bicos e rendas, o deus frech eiro não ha de
padecer falta de bons procuradores” . (O Carapuceiro n.° 69
de 1837).
Bocó — Im becil, tolo, papalvo. “ Não julgue que o sor-
veteiro é algum bocó; moleque firio, estradeiro, dá tinta em
muito doutor” . (A Pim enta n.° 637 de 1908).
Bóde — Mulato, mestiço. (M acedo S o ares). “ A o tales*
tiço deu-se o nome de cabra, bode, e outros titulos malsinan-
te s .” (S y lv io R o m ero ). A especie porem, é muito vasta; e
como escreve Luiz Gama, autoridade insuspeita, na sua p oe­
sia, A Bodarrada, “ Bodes ha de toda a c a s ta ... Uns plebeus,
e outros nobres, Bodes ricos, Bodes sabios, importantes. E
tambem alguns tr a ta n te s ...” E até mesmo. “ Onde habita a
Divindade, Bodes ha santificados Que p or nós são adorados.”
“ Bode de cabello grande M erece ser penteado Com pente de
cinco pernas Para não ser c o n fia d o .” (Quadras p op u lares).
“ Quanto as minhas qualidades physicas, é fraqueza, sou mo­
reno na lingua daquelles que julgam que r.ão me conheço
neste ponto; na linguagem o ffic ia l sou' pardo; e na minha
sou bode ou cabra; mas fiquem tambem sabendo que tenho o
sangue v e rm e lh o .” (D e uma correspondência do M onitor Sul
M ineiro, de 1884, citada por Macedo o S a re s ). “ Nos lundu’ s
e nas modinhas São cantadas as b od in h as.” (L u iz G am a).
Bòde quando não berra salta; Olhou p ’ra num, olhou p ’ra um
bode, com a minha vida ninguém póde; V iva quem tem bigode;
quem tem cavanhaque é bode. (D ictados) . P ara indirecta-

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mente se chamar de bode a um individuo que pouco demonstra
a sua origem mestiça, diz-se, que, em pequeno, coçou a ore­
lha com o pé. D erivados: Bodengo, com igual expressão de­
preciativa e Bodejar, de sentido obvio. Segundo Teschauer,
chama-se bode ao mulato, p or causa