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A MORTE ESPERA
NO SEMI-ESPAÇO
Autor
KURT MAHR
Tradução
S. PEREIRA MAGALHÃES
Digitalização e Revisão
ARLINDO_SAN
Num planeta situado no semi-espaço,
tornavam-se verdadeiros gigantes.
***
***
***
Ras Tschubai sabia muito bem o que Rhodan estava exigindo dele. Até hoje não
tremera diante de nenhuma missão, por mais arriscada que fosse.
Hoje, porém, sem que o pudesse explicar, um temor indefinido minava-lhe a força e
intrepidez de sempre.
Rhodan deixou-lhe ampla liberdade para recusar a missão, isto é, o salto. Explicou-
lhe friamente a situação, que a teoria da teleportação, se é que havia mesmo uma tal
teoria, não tinha meios para afirmar ou negar o sucesso do salto intencionado.
Ninguém poderia prever o que aconteceria quando o corpulento e pesado africano
mobilizasse suas forças mentais e tentasse atingir o planeta Peregrino num salto de
teleportação.
Apesar de tudo, Ras Tschubai estava resolvido a tentar o salto. Já colocara o
uniforme espacial e se apresentara na sala de comando. Os oficiais em volta pareciam
querer incutir-lhe coragem e otimismo. Mas Ras sabia que isto de nada adiantava na hora
do perigo.
Que poderiam fazer por ele?
O que seus dons paramecânicos dominavam, se desenrolava num espaço mais
elevado, de cinco dimensões. Se lhe acontecesse alguma coisa por lá, estaria perdido.
Continuaria um ser desmaterializado que por toda a eternidade vagaria num universo
quase sem luz, onde não haveria nada, fora dele mesmo.
Ras Tschubai cerrou os olhos e se concentrou. Sabia onde tinha de procurar o
planeta. Os técnicos dos rastreadores estruturais já haviam identificado de onde vinham
os singulares e confusos sinais de instabilidade espacial.
Obrigou seus pensamentos a se dirigirem para lá, para onde devia pular.
Não era mais hora de ter medo e de desperdiçar a força da concentração em
sentimentos bobos e negativos. Devia ver alguma coisa, no mínimo os contornos de seu
objetivo, para iniciar o salto.
A escuridão diante de seus olhos começou a diminuir. Via círculos coloridos
bailando ao longe, nas trevas, e via surgir uma mancha sem cor definida. Esta mancha lhe
chamou a atenção, pois, se havia mesmo um objetivo, tinha de ser esta mancha
esmaecida.
Impaciente, Ras Tschubai começou a tremer. Sentiu como o suor lhe escorria pela
face e como a umidade era absorvida pela instalação de climatização do uniforme,
ficando na pele apenas uma delgada camada de sal, que chegava a sentir quando franzia a
testa. Com um pequeno afrouxamento da atenção concentrada, a mancha esmaecida
desapareceu.
“É inútil”, pensava ele desesperado, “não vou conseguir.”
Por uns instantes concentrou sua atenção nos círculos coloridos que bailavam antes
da mancha esmaecida, e que não eram outra coisa senão uma ilusão de ótica, provocada
pela compressão dos olhos.
Tentou acompanhar seu bailado naquele palco escuro, tentando calcular seu número.
Isto o ocupou de tal maneira que chegou a esquecer o que lhe estava em volta. No
momento em que deu de novo com a mancha esmaecida, viu-a mais ampla e mais clara
que antes. Mirou-a fixamente e, quando reparou que nada mais o detinha, transmitiu ao
cérebro o impulso de largada.
— Agora!
A mancha esmaecida, girando a uma velocidade incrível, veio ao encontro dele.
Ras Tschubai sentiu-se transportado pelo próprio espaço. A escuridão se afastava
para as bordas da mancha e depois de uma pequena pausa, que não podia ser medida, o
que havia diante dos olhos de Ras era apenas a mancha já bem clara, chegando mesmo a
ofuscar.
Tschubai queria se materializar, botar os pés em terra firme e abrir os olhos, como
ele sempre fazia ao término de um salto bem sucedido. Sabia que já tinha chegado ao fim,
que estava onde pretendia estar, mas... ficou perplexo e não entendia o que estava se
passando, pois tudo era tão diferente dos saltos normais...
Procurou “parar” e descer em chão firme. Mas não havia chão onde pudesse apoiar
os pés.
Não havia mesmo nada para tocar. Era sempre a mesma mancha reluzente como um
sol, para onde ele se precipitava. Levantou as mãos para proteger o rosto, mas não
adiantou nada, pois tudo que ele via, continuava vendo mesmo de olhos fechados, através
dos dons parapsicológicos de seu cérebro. Tinha vontade de gritar, sem se lembrar que
ninguém poderia ouvi-lo no espaço infinito.
Mas, neste exato momento, toda a angústia terminou com uma forte explosão, que
atingiu de cheio o corpulento africano, mandando-o para outra direção.
Conseguiu ver ainda que a mancha brilhante diminuía cada vez mais e desaparecia
ao longe. Ouviu depois um forte ruído, como o de um impacto de qualquer coisa
metálica, e sentiu que os pés se apoiavam em chão firme.
Foi então que desmaiou.
***
Quando voltou a si, ao tentar se levantar, constatou que não o podia fazer. Estava
num compartimento que parecia ter sido construído sob medida para ele.
Muitos minutos se passaram até recuperar os sentidos e conseguir concatenar, com
grande esforço da memória, os últimos acontecimentos. Lembrou-se da tentativa de
atingir o planeta Peregrino por meio de um salto de teleportação. O salto foi bem dado e
por algum instante teve a impressão de que estava tudo em ordem.
Depois, veio a tremenda explosão que o atirou para esta câmara estreita, que mais
parecia um caixão de defunto.
Que tipo de câmara era esta? Câmara de quê? Estaria mesmo no planeta Peregrino,
ou em outro lugar?
Procurou virar para o lado, mas nem isto conseguiu. Chegou a ter a impressão de
que as paredes daquele caixão de defunto se estreitavam mais para estrangulá-lo.
O suor lhe escorria do rosto. Começou então a gritar, o que, aparentemente, lhe
proporcionava algum alívio. Seus gritos lhe despertaram uma idéia interessante.
Independente do fato de estar no planeta Peregrino ou não, o capacete de seu
uniforme abrigava um transmissor em condições de funcionar.
“Se eu falar bem alto, devo ser ouvido na sala de comando da Drusus” pensou.
Tinha a certeza de que o receptor-transmissor estava ligado no momento em que se
concentrava para o salto. Lembrou-se de ter ouvido o zunido alto e fino do pequeno
aparelho. Ficou imóvel, parando mesmo de respirar para ouvir alguma coisa.
No princípio, pensava ouvir o mesmo zunido de antes. Era um ruído tal qual aquele
que surgia quando se fechava o capacete do uniforme espacial. Picou, porém, indeciso.
Segurou a respiração por mais tempo, para conseguir ouvir melhor. Mas a pressão do
sangue aumentou demais nos ouvidos. Tentou se ajeitar, buscando conforto, se é que se
pode falar em conforto naquele verdadeiro esquife, e continuou na escuta.
Depois de uns minutos, chegou à triste conclusão de que seu transmissor não
funcionava mais. O zunido não existia mais. Devia ter acontecido alguma coisa com o
aparelho transmissor, quando foi catapultado para o caixão de defunto, feito sob
encomenda.
Era uma trágica realidade: o mundo exterior lhe estava completamente fechado. Não
podia nem levantar o braço para acionar o transmissor de emergência no capacete.
***
***
***
***
Ras Tschubai trabalhava agora num quase estado de transe hipnótico. É claro que o
medo não diminuíra, mas também não impedia mais o raciocínio, pelo contrário, dava-lhe
mais força para realizar coisas que jamais faria em circunstâncias normais. Seu
subconsciente esperava para qualquer momento a descarga energética mortal, que, como
ele sabia, haveria de penetrar pelo condutor oco, isto é, pelo mesmo orifício por onde lhe
vinha a fraca claridade da câmara de ressonância.
Havia apenas um tênue fio de esperança para Ras Tschubai ser percebido pela
Drusus e assim ser salvo. Para isso lhe seria indispensável uma coisa praticamente
impossível: teria que conseguir levantar o braço esquerdo até que sua mão atingisse o
contato de emergência do pequeno transmissor, colocado na metade esquerda do
capacete, bem na região da orelha.
Depois de seu salto mal sucedido, Ras Tschubai, quando voltou a si, se viu deitado
na diminuta câmara, como um defunto no caixão, isto é, de costas e com os braços
esticados e espremidos para frente, no sentido dos pés.
Não tinha, pois, quase nenhuma possibilidade de se mover ali dentro. Ser-lhe-ia
totalmente impossível levar a mão até o capacete. Já tentara se virar, mas inutilmente,
pois a largura de seu corpo era o dobro da altura da câmara. Com muito cuidado, já havia
conseguido trazer a mão direita até a barriga, na altura da fivela do cinto. Passar daí seria
impossível porque o cotovelo esbarrava na impiedosa parede do lado direito. No entanto,
parecia este o único jeito que lhe sobrava. Expeliu todo o ar do pulmão para fora, esperou
até que a instalação automática de aeração o tivesse absorvido e até que o pesado
uniforme do espaço cedesse um pouco, tomando a forma do ventre chupado. Fez com que
a mão direita pousasse na borda superior do duro cinto plástico.
O suor lhe invadia, inclusive, os olhos, antes de ser absorvido pela instalação. Uma
dor lancinante parecia lhe estraçalhar a articulação do cotovelo. Apesar disso, deixou a
mão onde estava, depois respirou novamente. A dor no cotovelo aumentava, e os pulmões
não tinham espaço suficiente para respirar.
Foi aí que Ras Tschubai teve uma idéia.
Será que ficaria impedido de erguer o braço, caso ele fraturasse o cotovelo ou o
antebraço? Segurou a respiração o mais que pôde, depois soltou o ar e esperou
novamente com impaciência que a instalação de seu uniforme reagisse e, com a barriga
chupada, o espaço aumentasse. Empurrou então a mão mais para frente. Seu corpo estava
todo banhado em suor e o zumbido fino do aparelho de aeração, que não conseguia
evaporar tão depressa tanto suor, o incomodava como um enxame de abelhas. Não era
qualquer um que poderia conseguir, com suas próprias forças e, em estado de plena
consciência, quebrar o próprio braço.
Mas Tschubai sabia que não lhe restava outra alternativa.
A dor na articulação do cotovelo quase o fez perder os sentidos. Mas o desmaio
veio, quando se ouviu um pequeno estalo de osso e uma onda de dor atroz lhe invadiu o
corpo todo.
Porém no subconsciente, falou mais alto o instinto de conservação e logo depois ele
voltou a si. Abriu os olhos e se viu num mundo cujos contornos estavam em confuso
movimento, como que no meio de densa neblina. Sentia-se mal, mas sabia que ainda
podia mover a mão direita, embora, em todo o braço, não sentisse outra coisa do que uma
dor única e penetrante, e os dedos estavam dormentes.
Centímetro por centímetro, a mão quase sem tato foi subindo peito acima. Atingiu
primeiro o fecho magnético do bolso superior esquerdo e logo depois o ombro esquerdo,
continuando pelo pescoço. Era inacreditável com que facilidade a mão podia caminhar
enormes distâncias, com o braço fraturado.
Apesar de toda a dor, houve alegria no rosto de Tschubai ao ouvir o ruído metálico
da mão atingindo o capacete. Ajudou-o a suportar melhor o momento difícil. Continuou
avante com a mão e depois se deteve por um instante, pois já havia passado pelo mais
difícil e não queria se arriscar pela pressa a fazer algo errado e ou mesmo, num golpe
desastrado, perder de novo os sentidos.
Ouviu de repente um ruído. Começou com um zumbido surdo, foi aumentando e se
transformou num assobio claro. Seus olhos se turvaram. Alguém havia ligado o
compensador da grande nave.
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***
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A declaração séria e sincera de Atlan foi o ponto de partida para que Rhodan se
voltasse com mais atenção a um pensamento que há muitas semanas rodava por sua
cabeça. E sempre procurava deixá-lo de lado, como coisa de menos importância, pois
tinha muita coisa para fazer — ou porque tinha medo deste pensamento?
Estaria ele agindo corretamente, gastando semanas e mesmo meses inteiros à
procura do fantasma da imortalidade, que, caso encontrasse, somente viria beneficiar a
ele e a alguns de seus cooperadores? Teria ele o direito de, nesta procura do planeta
Peregrino através do infinito, expor ao perigo não só a supernave Drusus, como os mil
homens que nela estavam? Não seria mais racional se ater à ordem natural das coisas,
como sempre foi na história da Humanidade, isto é, na sucessão das gerações, na
substituição do velho pelo mais moço? Não conseguiria ele arranjar um sucessor, se
retirar e terminar a vida como qualquer outro homem?
Estava agora com cento e seis anos. Mais da metade deste tempo fora vivido no
comando da Humanidade terrana, criando o Império Solar e transformando a Terra num
grande centro de poder — aliás, de localização desconhecida — de toda a Galáxia. Era,
realmente, uma obra de que se podia orgulhar.
De uma hora para a outra, teve a impressão de que, até então, não gastara quase
nenhum tempo para pensar em si mesmo.
Em que proporções, o vertiginoso progresso do Império Solar estava ligado à sua
atuação pessoal? Quanto que ele mesmo representava para a Terra, em que dimensões ele
se identificava com os bilhões de habitantes da Terra, que haviam confiado totalmente no
seu governo? Que haveria de acontecer, se ele agora se retirasse, transmitisse seu cargo a
um outro e morresse dentro de poucos dias?
Lembrou-se de Ele, o ser do planeta Peregrino, que lhe outorgara o privilégio da
imortalidade, por assim dizer, num simples gesto de mão, como um mero presente. ; O
desconhecido dissera na época que| queria dar aos terranos a mesma oportunidade que, há
vinte mil anos atrás, havia concedido aos arcônidas — a possibilidade de conquistar a
Galáxia, de penetrar Universo a dentro e fundar um reino poderoso e duradouro. Poder-
se-ia admitir que, quando o Ser, no seu longo, ou melhor, infinito descortínio, lhe
outorgou tal privilégio, não tinha em mente uma ação importantíssima?
Que aconteceria se Perry Rhodan deixasse seu cargo? Será que seria quebrada a
continuidade do desenvolvimento?
Sem pecar por excesso de orgulho, Rhodan podia dizer com justiça que, no
momento, não havia ninguém entre seus homens que estivesse em condições de tomar
nas mãos as rédeas do Império Solar com a firmeza necessária.
Haveria uma quebra da unidade e o florescente Império Solar seria retalhado. Com
isso, se tornaria presa fácil para quem quisesse... e não era poucos os de olho-grande
contra o progresso vertiginoso da Terra nos últimos cinqüenta anos.
Rhodan pensava também na tripulação da Drusus.
Houve, em algum tempo, um indício, por menor que fosse, de que alguém
desaprovasse ou criticasse os esforços e as tentativas para se atingir o planeta Peregrino,
ou os riscos aí contidos? Ou, talvez, o Tenente Tompetch ou o Capitão Gorlat, por acaso,
manifestaram alguma crítica a respeito das missões que executaram em Solitude, missões
em que poderiam ter perdido a vida?
De maneira alguma.
Todos estavam convencidos da retidão de toda a sua conduta e de que a Terra
precisava agora muito mais dele do que antes. Todos estavam dispostos a fazer o maior
sacrifício para que ele atingisse, dentro do prazo estipulado, o planeta do mundo artificial.
Não apenas porque tinham simpatia e amizade por ele, mas por se sentirem responsáveis
perante os bilhões de habitantes do Império Solar.
E assim terminou o importante diálogo consigo mesmo, em que se perguntou, com
franqueza e senso objetivo, se não seria melhor para a Terra que ele se retirasse e
transmitisse a outro a direção do Império Solar.
***
Depois de pesar com frieza os fatos e depois de ter tomado sua resolução, passou a
se preocupar como poderia contribuir para a solução do mistério do planeta Peregrino,
antes que os matemáticos chegassem com seus cálculos complicados. O calendário
automático apontava para vinte e uma horas e quarenta minutos do dia 24 de abril de
2.042. Sobravam-lhe portanto ainda cento e setenta e uma horas.
Rhodan se lembrou de que, enquanto conversava consigo mesmo sobre seu
afastamento do governo do Império Solar, passou-lhe pela cabeça uma idéia furtiva. Fez
um grande esforço para trazer esta idéia de volta... Afinal ela apareceu:
A inteligência de Solitude! O Ser de Solitude, o mundo da estranha dimensão de
tempo, ser este que possuía o dom parapsicológico de separar o corpo do espírito. Era a
inteligência que Reginald Bell dizia parecer-se com uma vaca-marinha da Terra.
Ficou admirado de que estes pensamentos não lhe ocorreram antes. O estranho ser, a
quem Reginald Bell dera o nome de Natan, encontrava-se a bordo da Drusus. Tinha
preferido abandonar sua terra, ou melhor seu mundo-pátria, e não mais voltar para lá,
pelo menos não antes que se botasse um paradeiro no fantasma dos druufs. Estes haviam
retalhado as inteligências de Solitude em seis pedaços, colocando-as presas em caixas e
utilizando-as como instrumentos de alarme em postos avançados.
Natan, mais do que ninguém, poderia estar em condições de atingir o planeta
Peregrino, partindo da Drusus. Naturalmente não com a matéria, mas utilizando-se de seu
espírito móvel que podia se separar do corpo, levando uma vida independente.
Armado com um amplificador de telepatia, Perry Rhodan se pôs a caminho do
conjunto de cabinas destinadas a Natan.
Foi encontrá-lo, com todo conforto se espojando numa bacia rasa colocada na maior
de suas cabinas. Ele, ou melhor, seu corpo era uma espécie de cilindro cinzento.
Não se podia propriamente distinguir membros em seu corpo, não havia braços, nem
pernas, nem olho, nem boca, nem nada que se encontra geralmente num ser vivo
inteligente. Natan pulou logo para fora da “bacia” e ficou parado no chão coberto de terra
e com uma camada de capim. Bem perto de Rhodan.
Perry, por sua vez, se acocorou no chão, colocou de lado o amplificador de telepatia
e começou a passar a extremidade metálica sobre o corpo de Natan. Depois emitiu:
— Meu amigo, bom dia! Vim aqui para lhe pedir um grande favor.
Natan compreendeu tudo e Rhodan, de olhos fechados, viu uma figura que se erguia
e dizia:
— Fala, meu amigo, terei muita alegria em poder ajudá-lo.
Então, Rhodan começou a expor seu plano a Natan.
***
Natan ainda não tinha passado muitas horas a bordo da supernave Drusus e ficara
todo o tempo na cabina. Estava sentindo muita simpatia pelo ser que o chamava de amigo
e que o havia libertado das mãos dos druufs.
Dos elevadores e demais meios de transporte, como as esteiras rolantes, Natan tinha
muito medo. Este medo podia se tornar tão forte que lhe causava dores físicas. Sua raça
era de seres alheios a qualquer tecnologia.
Quando tinham de se locomover, ou usavam as forças do próprio corpo ou
transportavam seus espíritos para onde queriam, caso não fosse necessária a presença
física. Eram seres sem maiores pretensões, dispondo, no entanto, de um espírito muito
vivo e consideravam a função mais importante de sua vida refletir e brincar com os dons
de sua mente.
Natan jamais vira coisa tão grande como aquela cosmonave, e seu medo fê-lo
considerar a grande nave como seu inimigo. Sua mente, porém, lhe dizia que a espaço-
nave era um ser inanimado e assim, não podia ser nem amigo, nem inimigo e que era
apenas questão de tempo, pois em breve estaria acostumado com aquele ambiente
diferente.
Seu amigo, o estranho, lhe pedira para vir com ele até o grande salão da nave, que
ele chamava de sala de comando. Um bom número de outros amigos estavam presentes
para verem como um espírito abandona o corpo e vai para onde quiser.
Seu amigo lhe havia explicado que devia procurar atingir um mundo que flutuava
invisível em qualquer ponto do espaço diante da espaçonave Drusus. Em circunstâncias
normais, Natan teria dito um não a este pedido, pois o mundo invisível não lhe
interessava. Por que motivos haveria ele de procurá-lo? Mas o estranho era seu amigo e
não se recusa um pedido de amigo.
As enormes placas metálicas com que os terranos fechavam os compartimentos de
sua nave se afastaram quando Natan chegou ao posto de comando. Viu seu amigo na
outra extremidade da sala, lhe acenando sorridente. Viu ainda um grande número de
outros amigos, de pé ao lado de seu maior amigo.
Natan chegou até ao meio da sala e ali ficou deitado.
Já havia combinado tudo com Rhodan, tudo que ele iria fazer no espaço. Não havia
mais nada para ser explicado. Natan relaxou seu enorme corpo e começou a desprender o
espírito do seu invólucro material.
Ele mesmo não sentia nada, pois afinal, seu espírito era tudo, era com ele que
pensava, que sentia, que se exprimia. O corpo participava apenas de processos mecânicos
ou químicos. Natan sabia de tudo isto, embora não conhecesse propriamente a Mecânica
e a Química.
Este corpo, ele o foi deixando para trás...
Concentrou-se no semblante de seu amigo e, com seu avançado dom de imitação,
tomou suas formas físicas. Seu tamanho, de início era pequeno, pouco mais de um pé de
altura. Mas bem nítidos eram nele os traços fisionômicos de Perry Rhodan. Depois foi
crescendo e, com isso, se tornando transparente. Olhou em volta e ficou contente ao ver a
expressão de estupefação no semblante dos circunstantes, quando formou uma cabeça
bem semelhante à de seu amigo Rhodan, embora não tivesse o tempo suficiente para
caprichar mais nos pequenos detalhes.
Depois, se pôs a caminho daquele mundo invisível que devia estar flutuando lá fora,
na escuridão do espaço sem fim.
***
— Uma das mais originais formas de vida! — disse alguém, logo depois que Natan
tinha saído, deixando ali seu corpo inerte, bem no meio da sala de comando.
— Nem tão original assim, como talvez se possa imaginar — disse Rhodan. —
Extraordinário é, sem dúvida, seu dom de separar o espírito do corpo. Mas o que nos faz
voltar tão chocantemente às recordações e ao medo de assombrações de nossa infância
tem provavelmente uma explicação bem natural.
Todos olhavam atentos para Rhodan.
— É claro que o espírito é uma formação imaterial — continuou Rhodan. — O que
vocês pensam que era uma espécie de névoa, se é que chegaram a este pensamento, não o
era, realmente. O espírito não é propriamente outra coisa do que um campo, sobre cuja
natureza pouco sabemos, aliás, um campo com inteligência inata. O que nós vimos foi
tão-somente o efeito que este campo produziu em volta de si. Parece existirem aí forças
que alteram, por exemplo, o índice de refração do ar. Desta maneira, o quadro se torna
visível. O trecho da alteração no índice de refração nos aparece então como névoa.
“Chocante, porém, é a propriedade do campo de se refletir nos objetos que lhe estão
em volta e mesmo de se identificar com eles. Vocês repararam que Natan tomou minhas
formas, procurando formar um rosto igual ao meu. Estou convencido de que ele chegaria
a uma perfeição total, caso tivesse mais tempo. Não queiram saber como eu e o Atlan nos
assustamos quando vimos pela primeira vez, diante de nós, um espírito de Solitude.”
Ninguém perguntou nada. A explicação de Rhodan fora concisa e clara, mas o
fenômeno em si continuava inconcebível. Quase todos continuavam olhando na direção
para onde desaparecera o espírito de Natan, para dentro da escuridão do infinito, onde
não havia nada que pudesse alterar o índice de refração e assim possibilitar a visão do seu
espírito.
***
Foi a primeira vez que Natan se viu no espaço livre, mesmo assim não sentiu nada
de extraordinário. No início, naturalmente, experimentou uma certa curiosidade, mas,
depois que percebeu que não havia nada de mais em tudo aquilo, perdeu logo a
curiosidade inicial. Movimentava-se na direção que lhe fora indicada, esperando que
alguma coisa lhe surgisse à frente.
Não podia saber qual a velocidade de seu deslocamento, mas de qualquer forma
fazia esforço para ir mais depressa. Depois de um certo tempo, sentiu uma espécie de
onda ou correnteza que o atingiu, puxando-o para frente. Estranhou um pouco o
fenômeno, pois em toda a sua existência como espírito separado do corpo jamais fora
submetido a influências mecânicas.
Afinal de contas, no estado em que se achava, não havia nada de matéria nele, que
pudesse ser sugada ou tocada por corrente de ar ou de qualquer outra coisa. Assim, a
curiosidade lhe aflorou novamente, abafada logo depois por um vago pavor do que lhe
estava à frente, do que o puxava, sem poder ser visto.
De repente, sentiu vontade de voltar para a grande espaçonave que havia
desaparecido atrás dele e que parecia apenas mais uma estrela entre as muitas que, com
suas luzes calmas, interrompiam o manto negro do espaço.
Agora, porém, seria muito tarde para voltar. A onda ou correnteza estava mais forte.
Desistiu de tentar qualquer resistência e se deixou levar.
Viu subitamente emergir alguma coisa à sua frente, parecendo, no começo, uma
mancha clara, sem contornos definidos. Natan observou que estava sendo puxado de
encontro à mesma.
A mancha ia aumentando de tamanho, deixando ver cada vez mais nítidos seus
contornos, parecendo uma coisa hemisférica de grandes proporções. Aproximava-se dela
a uma velocidade que lhe incutia medo. Poucos instantes após, o corpo hemisférico
estava tão volumoso que não podia ser abrangido com a vista. Em compensação, viu
amplas planícies, aparentemente recobertas de capim, grandes florestas, rios, lagos e
mares. Viu um conglomerado de formas regulares, que pareciam ser artificiais e,
provavelmente, seriam o que seu amigo descrevera como cidades.
Viu também nuvens que passavam abaixo dele, bem lentamente. Mas estava vendo
tudo isto como através de um véu. Não tinha uma visão completamente nítida. Devia
haver alguma coisa entre ele e o chão lá embaixo.
No último instante ainda viu, mas não teve mais tempo de reagir: uma muralha
transparente se abateu contra ele.
Era realmente uma parede, que julgara antes se tratar de um véu, que lhe prejudicava
um pouco a visão. Foi tomado por um choque violento, quando encontrou-se com ela,
sentindo que estava penetrando em algo resistente e macio ao mesmo tempo.
Tudo isso o deixou muito confuso.
Durante alguns segundos, teve a impressão de estar sendo aprisionado. De repente,
porém, não havia mais nada em torno dele, a própria correnteza não existia mais. Natan
olhou para o alto vendo bem perto de si o invólucro cintilante que acabara de atravessar.
Não sabia de que era feito aquilo, mas já que não lhe havia causado nenhum mal,
não tinha maior importância para ele. Continuou sua descida, rumo ao solo.
Depois de percorrer a metade do trajeto, começou a sentir, inesperadamente, uma
sensação de alegria, vinda de longe. Não sabia explicar o fenômeno, até que
compreendeu que não era ele quem estava possuído de alegria, mas um outro alguém que
lhe transmitia telepaticamente seu contentamento. Natan ouviu os gritos estridentes que
ele e seus semelhantes costumavam emitir ao se sentirem possuídos de uma grande
alegria. Confuso, procurou se explicar de que maneira teria algum membro de sua raça
chegado até este mundo diferente.
Finalmente chegou à conclusão de que sempre que alguém transmitia sua alegria por
via telepática — independente da verdadeira ressonância da expressão da alegria ou da
gargalhada — seria ouvido constantemente em forma de gritos estridentes. Não havia
nenhum ente de sua raça neste planeta. Mas devia existir ali alguém que estava alegre e
queria transmitir seu contentamento.
Estava ansioso por saber o que iria acontecer, enquanto “caminhava” em direção ao
planeta. Uma voz lhe interrompeu os devaneios.
— Meu pobre amigo — disse-lhe a voz possante — onde você foi cair? Não sabe
que não conseguirá mais voltar? Deixou seu corpo para trás e nunca mais haverá de
encontrá-lo.
Natan levou um susto, não propriamente pela idéia de ter de continuar sua existência
como espírito sem corpo, mas pelo fato de que o estranho o conhecia.
— Como é que você sabe disso? — perguntou perplexo.
— Meu pobre amigo, não percebeu o campo de sucção que o puxou para cá?
Natan não podia saber o que era campo de sucção, mas de qualquer modo, entendeu
o pensamento do estranho.
— Sim, percebi sim, mas que importância tem isto?
— Você não estava em condições de reagir?
— Não, era forte demais para mim.
— Está vendo? Como é então que pretende sair daqui? Você devia ter vencido o
campo de sucção e voltado para o seu supercouraçado. Mas não conseguiu, não foi?
— Pode ser... Mas isto, no momento, não tem maior importância. Meu amigo me
virá buscar, quando chegar a hora Quem é você?
— Sou o senhor deste mundo, não tenho nome.
— Você não pode desligar o campo de sucção?
— Não, não posso. Posso fazer muita coisa, mas o campo de sucção está fora de
minha alçada. Pobre amigo, você terá que ficar aqui.
***
Às treze horas do dia 25 de abril, notando que não havia nenhum sinal de Natan, ou
melhor, de seu espírito, Perry Rhodan teve um assomo de cólera. Escaldado pela
experiência quase desastrosa com Ras Tschubai, mandou inspecionar os compensadores
estruturais, procurando saber se em suas câmaras de ressonância estava retida qualquer
formação com aparência de névoa. Os compensadores, porém, estavam vazios.
Natan devia ter tido um destino diferente do de Ras Tschubai.
O prazo para renovação da ducha celular tinha baixado para cento e cinqüenta horas.
Levando-se em conta os poucos sucessos das últimas trinta e cinco horas, desde que a
Drusus havia terminado seu último salto de transição, não sobrava nenhum motivo para
otimismo.
Quase sem interrupção, a equipe dos matemáticos trabalhava com afinco, mas tudo
que se apurou não passava de resultados parciais e mesmo assim tão reduzidos que não
eram suficientes para dar uma idéia clara do conjunto.
Depois de seis longas horas de espera e sem nenhum resultado, Atlan pediu uma
outra audiência com Rhodan. Quando o arcônida penetrou na sala de comando, trazia sob
o braço uma volumosa pasta, cheia de fórmulas e diagramas.
— Já estamos assim tão adiantados? — foi a primeira pergunta de Rhodan, após
haver cumprimentado seu amigo.
Atlan respondeu com um sorriso um tanto forçado.
— Talvez... — disse ele meio reticente. — Pelo menos, podemos apresentar uma
série de conclusões úteis.
Sentou-se, colocando a pasta diante de si. Rhodan o observou com atenção.
Calculou mentalmente que seu amigo não dormia há quarenta e oito horas. Isto não seria
nada de extraordinário tendo-se em vista os modernos medicamentos do posto de saúde
de bordo. Mas Rhodan conhecia a abjeção que o arcônida tinha por todos estes
reativantes, comprimidos ou injeções. Não havia tomado nada disto, o que provava pelos
seus olhos avermelhados de sono.
— Comece — disse Rhodan em tom mais ríspido do que intencionava.
Atlan tirou uma folha de papel da pasta e a colocou na mesa. Os oficiais presentes
na sala de comando se agruparam em torno de Rhodan e do arcônida. Não queriam perder
uma palavra da explicação.
Atlan apontou para o papel, coberto com elipses confocais, sendo que em cada
trajetória elíptica havia uma série de números e fórmulas.
— Isto aqui — começou o arcônida — é a estrutura da parte do espaço em que se
localiza o planeta Peregrino. Com outras palavras; é a parte do espaço que está sujeita à
distorção do sistema de coordenadas, isto é, o espaço intermediário, como nós o
chamamos. O centro de gravidade do planeta coincide com um dos dois centros de
gravidade de grupo de elipses. O planeta Peregrino, em toda sua extensão, fica mais ou
menos assim.
Desenhou à mão livre, no papel, uma figura que devia ser um círculo, com todas as
trajetórias elípticas, mesmo as mais afastadas.
— Este conjunto todo se acha em rotação. Este desenho aqui — dizia ele, apontando
para a folha — deve ser considerado como um “apanhado” em determinado momento.
Daí se evidencia, ou melhor, as elipses indicam em que proporção se realiza a redução
axial em determinados pontos do espaço. Os números nas trajetórias elípticas indicam o
fator de redução, que alcança os maiores índices no interior e diminui nas extremidades.
“Durante a rotação, estes índices se alteram, o que, conforme nossa opinião, leva a
um fenômeno extremamente curioso: Como se observa, o âmbito da meta-estabilidade
não é essencialmente maior do que o próprio planeta Peregrino. De quatro em quatro
rotações, acontece uma vez que uma parte da superfície do planeta abandona
completamente o setor da meta-estabilidade.
“Mergulha, portanto, no espaço normal, ficando no entanto invisível para nós, pois
este fenômeno se dá sempre na face do planeta Peregrino que nos fica oculta. O resto do
planeta que ainda continua no espaço intermediário atua como uma espécie de campo de
proteção que impede que qualquer irradiação realizada chegue da parte não submersa até
nós. A duração desta parte não submersa não pode ser menor do que dez segundos e nem
maior do que quinhentos segundos.
“Também não sabemos, por enquanto, qual o tamanho da área do planeta que
abandona o setor de meta-estabilidade. Acho, porém, que deve ser pelo menos tão grande
que possa permitir a descida de uma gazela” — finalizou o arcônida, sorrindo.
— Quando — perguntou Rhodan — será que este fenômeno vai se repetir outra
vez?
— Infelizmente — respondeu Atlan — aconteceu pela última vez há pouco mais de
dois minutos. — Consultou o relógio. — Falando mais exatamente, foi há dois minutos e
cinco segundos. Pelo menos, foi esta a nossa medição. O tempo de rotação atinge a
duração de três horas e 36 minutos. Já que o fenômeno se dá somente de quatro em
quatro rotações, teremos de esperar aproximadamente quatorze horas, para podermos
presenciá-lo novamente.
— Isto não é nada em comparação com o tempo que já esperamos até agora — disse
Rhodan todo entusiasmado. — Se conseguirmos chegar ao planeta com uma gazela,
estará tudo salvo.
Atlan olhou-o com um sorriso zombeteiro.
— Sente-se de novo, administrador, minha sabedoria não acabou ainda.
Rhodan mostrou grande interesse em ouvi-lo.
— Você ainda tem mais coisas para explicar?
— Sim, é a respeito de Natan.
Rhodan tornou a sentar-se.
— Imaginemos o espírito de Natan — recomeçou Atlan — como aquilo que ele
realmente é: um misto de campos de quatro ou cinco dimensões. Entre um ser deste tipo e
o espaço intermediário atuam forças, como demonstraram nossos cálculos. O espaço
intermediário é para Natan um pólo que o atrai. Ou, para falar mais concretamente, atua
como uma depressão potencial, para onde ele cai, em virtude de sua posição de potencial
mais elevado. Portanto, deve ter chegado com muita facilidade ao planeta Peregrino, mas
não poderá mais voltar e ficará detido por lá. Este é o motivo por que ainda não está de
volta.
Rhodan olhou pensativo para o grande cilindro cinza no chão da grande sala de
comando.
— Quer dizer então — começou Rhodan — que devemos levar-lhe o corpo que
ficou aqui.
— Exatamente — confirmou Atlan. — E ainda existe mais uma coisa.
Rhodan olhou espantado.
— Não tenha medo, bárbaro — tranqüilizou-o Atlan. — É a última explicação, pois
nossos estudos não terminaram ainda. Lembre-se de Ras Tschubai. Uma força gigantesca
o projetou de volta, atirando-o para as câmaras de ressonância dos compensadores. Acha
que isto é um acaso? Seria possível que ele surgisse, por exemplo, num depósito de
mantimentos? Não, de maneira alguma. Não podia, não. A força que o projetou de volta,
podia transportá-lo apenas numa determinada rota e esta rota terminava na câmara do
compensador. Por quê?
“Exatamente porque o compensador, em estado de repouso, é portador de um campo
residual de cinco dimensões, que se torna assim a única entrada para a força atuante
proveniente do espaço intermediário, entrada pela qual esta força pode penetrar e atuar
em nosso espaço normal. Dando um exemplo figurativo: O espaço intermediário se
protege com uma muralha. O único buraco nesta muralha, pelo qual Ras Tschubai podia
passar, era o campo residual do compensador.”
O arcônida Atlan estava crente que ainda continuaria a explicar a Rhodan e seus
oficiais a conseqüência deste fenômeno. Mal terminara a última palavra, Rhodan se
levantou de novo e, desta vez, não o fez apenas para mudar de posição e descansar um
pouco. Erguera-se porque tinha uma idéia muito importante, referente ao assunto
explicado por Atlan, e onde, naturalmente o arcônida iria chegar.
— Um buraco na muralha! — exclamou Rhodan com entusiasmo. Era um buraco
assim que nós queríamos abrir, quando enviamos Rous através do campo de reflexão.
Fomos mal sucedidos. Isto porque o campo de reflexão tem uma estrutura diferente da do
espaço intermediário, não é?
— Perfeitamente.
— Estávamos, portanto, numa pista errada. Agora já sabemos que o campo residual
do compensador equivale a uma abertura ou buraco. Não podemos, propriamente, nos
utilizar do compensador mesmo como meio de transporte para o planeta Peregrino, pois o
aparelho não dispõe de forças para tal. Temos, porém, um outro instrumento que opera
com os mesmos efeitos como o compensador e com ele nós teremos bom resultado. Você
está de acordo, Almirante Atlan?
Atlan concordou com muita vivacidade. Seu rosto iluminado pelo entusiasmo não
dava mostras das cinqüenta e tantas horas sem dormir, debruçado nos cálculos
matemáticos.
— O transmissor fictício — ponderou Rhodan, cuja expressão fisionômica passou
da preocupação para o sorriso da segurança. — Admira-me muito termos levado tanto
tempo para chegarmos até este ponto.
Uma sensação de alívio e alegria se apoderou de Rhodan e de seus oficiais Sabiam
agora de que maneira o planeta poderia ser alcançado.
3
Rhodan achava que era uma verdadeira ironia do destino o fato de que somente
aquele instrumento que o próprio Ser coletivo criara há dez mil anos atrás seria capaz de,
nesta situação angustiante, lhes abrir caminho para o planeta Peregrino e para o Ser
eterno.
O funcionamento do transmissor fictício poderia ser explicado melhor com a
comparação já feita por Atlan: o campo de emissão do transmissor abria uma perfuração
na muralha que separava o espaço de quatro dimensões do de cinco. O espaço de cinco
dimensões, que era para ser perfurado pelo transmissor fictício, era considerado em geral
como uma esfera. O transmissor abria um caminho através dele, perfurando-o dos dois
lados. Ao sair do lado de lá, entrava de novo no espaço normal.
Agora a situação era diferente: o caminho aberto terminava no espaço intermediário.
E já que o semi-espaço não era outra coisa do que um espaço atrofiado de cinco
dimensões, bastava neste caso apenas uma perfuração.
Isto incluía, naturalmente, uma alteração no transmissor. Atlan, que entendia bem
desta matéria do ponto de vista matemático, explicou:
— Das milhares de maneiras de regular o aparelho, temos que descobrir a mais
acertada. É uma tarefa difícil. A matemática não vai mais nos ajudar muito, a não ser que
esperemos até que todos os cálculos estejam prontos. Mas não nos sobra tempo para isto,
portanto temos de experimentar.
O transmissor fictício, que prestava excelentes serviços a Rhodan, como uma arma
de grande valor, estava montado bem solidamente na grande nave. O início do raio
transportador, isto é, o local onde devia estar o objeto a ser transportado, para poder ser
atingido pela ação da quinta dimensão, podia ser regulado à vontade.
Para simplificar os trabalhos, Rhodan o instalou na sala de comando, de forma que
todas as experiências seriam realizadas ali. Rhodan iniciou a série de experiências com
pedaços de metal, ali colocados, onde o transmissor começou a funcionar.
Entrementes, fez-se uma ligação no transmissor que impedia que este funcionasse
na sua forma normal, isto é, que permitisse ver no espaço normal os pedaços de metal que
tinham sido disparados para o local onde se encontrava o planeta. Ou, falando
figuradamente: O segundo buraco, que dava saída para fora do espaço de cinco
dimensões, estava “entupido”. Se desaparecesse um dos objetos da experiência, era sinal
de que tinha sido transportado para o planeta Peregrino.
O início das experiências foi pouco promissor. Ao ligar o transmissor pela primeira
vez, o pedaço de metal deformou-se. Uma força invisível o prensou, reduzindo-o a uma
chapa, atirando-a ao chão da nave.
Rhodan acabou desligando o transmissor quando percebeu que, de um cubo
metálico de dois centímetros de comprimento de aresta, surgiu uma espécie de disco de
quase um metro quadrado.
Mudaram um pouco a regulagem do aparelho e veio então a segunda experiência.
Fracassou do mesmo modo que a primeira. E mesmo as outras experiências que se
seguiram, apesar de regulagens constantes, não chegaram ao resultado pretendido.
Neste meio tempo, Atlan, a pedido de Rhodan, tinha-se deitado para dormir um
pouco, o que não fazia há mais de cinqüenta horas. Pedira com insistência que o
acordassem assim que se conseguisse alguma coisa.
Estava se aproximando da meia-noite e irrompia o dia 26 de abril. O tempo de que
dispunha Perry Rhodan ia pouco além de cento e quarenta horas.
Pelas três horas da madrugada, se deu a primeira experiência bem sucedida. Ao
invés de se deformar, como os anteriores, o pedaço de metal desapareceu da sala de
comando, sem deixar vestígios.
Conseguira-se enfim, atingir o planeta Peregrino com os meios que estavam à
disposição dos tripulantes.
Acordaram Atlan. Dormira somente cinco horas. Mas isto fora suficiente para
reaparecer bem descansado e com muita disposição para resolver o problema. Pediu que
repetissem a experiência do desaparecimento da peça metálica e depois deu sua opinião:
— Não sabemos ainda que influência pode ter o tamanho do objeto durante o
transporte. Poderia ser que acontecesse a um homem, a um objeto voador, por exemplo, a
uma gazela, o que se passou com as primeiras duas dúzias de pedaços de metal que foram
achatados, apesar das diversas regulagens. Acho que devemos primeiro enviar para o
planeta um robô.
Rhodan autorizou a experiência. Um dos robôs de combate, que estava a bordo, foi
trazido para a sala de comando. Um monstro, pesando muitas toneladas, equipado com
armas que correspondiam ao fogo de um batalhão.
Sem nenhuma objeção, a poderosa máquina chegou até o ponto determinado por
Rhodan, que depois passou a instruir o robô sobre o que devia fazer, a missão que tinha a
desempenhar.
Completamente imóvel, o robô apenas respondeu:
— Perfeitamente! Estou preparado.
Caminhando de costas, sem perder de vista o robô, Rhodan chegou até ao painel de
comandos. Com as lentes brilhando o robô olhava para frente.
Rhodan continuava na contagem regressiva, pausadamente: — ...quatro, três, dois,
um... agora!
Um leve estalo no botão de contato... ouvido apenas por Rhodan. Pois para os
outros, este estalo foi encoberto pelo estridente estampido de metais em choque. Com
olhos arregalados, onde se lia o pânico e a decepção, os homens viram como o poderoso
robô ia se transformando. Deu um passo vacilante para frente. Enquanto isto, em frações
de segundo, uma força invisível o “apanhou pelos ombros” metálicos e...
O peito se abriu e o material eletrônico produzia ruídos de todos os tipos, como se
tudo estivesse caindo aos pedaços. O robô tentou se defender, mas eram poucas as
funções de seu corpo que ainda estavam intactas. Acabou caindo e recebendo no chão o
impacto daquela força descomunal que havia, antes, reduzido os cubos metálicos em
chapas finas.
Do soberbo robô de combate, o que sobrou foi um horrendo amontoado de metal
acinzentado. Cessou toda espécie de ruído, ficando na sala de comando apenas o cheiro
de cabos elétricos derretidos e de semicondutores incandescentes.
Tudo isto se passara em dois ou três segundos. Quando Rhodan desligou o
transmissor, já estava selado o destino do robô CQ-1.238.
Rhodan olhou para Atlan, que estava do outro lado da sala. O arcônida compreendeu
o olhar e fez apenas um gesto de resignação.
— Já supunha um desfecho assim — disse ele. — A regulagem está basicamente
certa, mas o valor do transporte tem que ser calculado de novo. Talvez seja necessário um
valor de transporte especial para cada volume de massa. Temos de calcular o valor certo.
Para isso, precisamos de uma série de objetos de experimentação de tamanhos diferentes.
Isso vai ser feito agora muito mais depressa, porque a regulagem básica pode ser esta
mesma.
Preocupado, Rhodan olhou para o calendário automático.
***
Bem no centro do enorme hangar, Reginald Bell estava ocupado em colocar em
estado de partida imediata uma nave de reconhecimento espacial do tipo gazela.
Reginald Bell era o braço direito de Rhodan, o segundo homem do Império Solar.
Bell foi um dos primeiros que ficou sabendo do resultado dos cálculos dos matemáticos.
Recebera a incumbência de descer naquela região do planeta Peregrino que em cada
14,4 horas surgiria no espaço normal e ninguém sabia ao certo por quanto tempo ficaria
neste espaço, como também se ignorava a extensão exata desta região.
Sabia perfeitamente o tipo de missão que ia enfrentar. Aceitara a incumbência
extremamente perigosa porque não somente Rhodan, mas ele também estava na
dependência de encontrar o planeta Peregrino e, com isso, o fisiotron da ducha celular.
Bell havia sido o segundo homem a receber o grande privilégio da imortalidade,
através da ducha do mundo maravilhoso.
Isto há sessenta e dois anos. Se não conseguisse renovar o tratamento revitalizador
dentro do prazo estipulado, passaria de uma hora para outra para o estado de um velho
decrépito de mais de cem anos e certamente morreria em dois ou três dias.
Somente isto seria motivo suficiente para que Reginald Bell aceitasse qualquer tipo
de empreendimento, por mais arriscado que fosse.
Não aceitou, porém, a proposta de Rhodan de guiar a gazela com sua tripulação
completa.
A grande maioria dos comandos da pequena espaçonave eram automatizados. Bell
achou que podia cumprir toda a missão com apenas um auxiliar. Perguntou ao Tenente
Tompetch se o queria acompanhar na arriscada missão, e o jovem aceitou com imensa
alegria, como se não tivesse a mínima idéia dos perigos que ia enfrentar. Bell lhe
pormenorizou as dificuldades que iriam encontrar, o enorme risco de vida, etc e etc...
Disse claramente tudo, terminando com a declaração de que não consideraria nenhuma
desonra ou covardia se ele desistisse.
Mas o Tenente Tompetch teve só uma resposta:
— O senhor quer saber de uma coisa? Já sou segundo-tenente há muito tempo, pelo
menos conforme meus conceitos. Se puder fazer alguma coisa para passar para primeiro-
tenente, é claro que não vou recusar.
Bell não tinha deixado de perceber o malicioso piscar de olho do tenente, que
acompanhou suas palavras entusiasmadas. Declarou-lhe que não se tratava de nenhuma
“promoção” para primeiro-tenente, mas ele, Bell, haveria de fazer tudo para que
Tompetch fosse rebaixado para cabo, caso a missão fracassasse.
Mesmo assim, o tenente continuava firme, piscando o olho e certo da vitória.
Bell iniciara os preparativos para a partida à meia-noite.
Em circunstâncias normais não seria necessário nenhum preparativo. O piloto
pediria autorização para decolagem, chegaria até a comporta do hangar e assim que as
escotilhas se abrissem, a nave saltaria para o espaço.
Mas o caso, hoje, era diferente. Tornavam-se necessários instrumentos adicionais
que pudessem fornecer o posicionamento da gazela com relação à Drusus, numa exatidão
de fração de quilômetro. Tinha-se que instalar um dispositivo eletrônico, para economia
de tempo, que fosse capaz de registrar o tempo de ligação de um microssegundo até
poucos nanos-segundos, isto é, poucos bilionésimos de segundo. Pois da duração deste
tempo de ligação, dependeria, em determinadas circunstâncias, a vida dos dois homens na
gazela.
Finalmente havia necessidade de se confeccionar um modelo que contivesse o que o
robô do planeta Peregrino havia chamado, há sessenta e dois anos, de “vibrações
individuais” de Perry Rhodan. Este modelo estaria em condições de transmitir estas
vibrações a um amplificador de telepatia, de maneira que o envoltório de proteção
existente no planeta se abriria assim que a gazela se preparasse para descer.
Quando começou a trabalhar na gazela, Bell pensava que terminaria os preparativos
em três, no máximo em quatro horas, mas já eram sete horas da manhã e o Tenente Mike
Tompetch ainda não tinha completado o modelo, que era a coisa mais importante a ser
levada com eles.
Conforme os cálculos dos matemáticos, a face iluminada da superfície do planeta
surgiria exatamente às oito horas, 57 minutos e 34 segundos. Ninguém, porém, sabia o
tempo de sua duração. Esperava-se que fosse suficientemente longo para possibilitar a
descida da gazela. Porém, nada mais que mera suposição.
Pouco depois das sete horas, Tompetch veio com o modelo. Foi colocado no
amplificador de telepatia, o que demorou mais meia hora. Bell não tinha mais tempo de
fazer experiência. O modelo devia estar em ordem, pois em caso contrário a gazela se
incendiaria no choque contra o envoltório de proteção do planeta... juntamente com seus
dois ocupantes.
Às sete e quarenta e cinco, a gazela estava pronta para a decolagem. Bell anunciou o
fato ao posto de comando e junto com a permissão de decolagem recebeu também o
último conselho de Rhodan:
— Preste atenção! Vocês sabem que é um trabalho que depende de “centímetros”. Se
vocês não estiverem exatamente no lugar indicado, não chegarão nem a ver a parte da
superfície, que dirá então conseguir descer nela. E mesmo quando estiverem no ponto
certo, vocês sabem que só dispõem de alguns segundos para penetrar no envoltório de
proteção e descer. Assim que conseguir pousar, vá imediatamente para o fisiotron. Você
dispõe de todos os mapas. Não espere por mim. Nós aqui continuaremos tentanto pôr em
ordem o transmissor fictício. Se não tivermos sucesso dentro de quinze horas,
chegaremos ao planeta pelo mesmo caminho que vocês. De qualquer maneira nós nos
comunicaremos assim que chegarmos ao planeta Peregrino. Está tudo claro?
— Completamente — respondeu Reginald Bell. — Então, felicidades, meu velho
amigo.
— Obrigado, Perry, e... faça tudo para chegar até lá.
— Está bem!
A ligação foi interrompida. Às sete e cinqüenta e cinco, a gazela G-203 começou a
deslizar para o lado interno da comporta do hangar. A passagem pela escotilha se
realizaria dentro de poucos instantes.
Às sete e cinqüenta e oito, a pequena espaçonave de conformação elíptica saiu do
gigantesco bojo da Drusus e penetrou no espaço com velocidade moderada.
Começara a grande aventura. Ninguém saberia dizer como terminaria. O prazo
concedido pelo Ser do Peregrino só expiraria daí a cento e trinta e seis horas.
***
A gazela G-203 pairava imóvel no espaço, sendo que esta imobilidade se referia à
Drusus e ao planeta. Reginald Bell regulara a pequena nave conforme os dados sugeridos
pelos matemáticos. Por falta de outros sistemas de referência, os dados de
posicionamento eram transmitidos pelo Sicocen, isto é, Sistema de Coordenadas do
Centro da Nave. Portanto, um sistema de coordenadas cuja origem era a própria Drusus,
ou melhor, o centro da Drusus.
Depois de algumas manobras, Bell tomou a direção calculada. Eram oito horas e
doze minutos. Depois disso, permaneceu sentado na poltrona, bem encostado, observando
com exatidão todo o painel e, de vez em quando, também os aparelhos de rastreamento,
trocando às vezes uma palavra com o Tenente Tompetch.
— Que horas são? — perguntou por fim.
— Oito e trinta e quatro, senhor.
Bell fez os cálculos. Ainda vinte e três minutos e alguns segundos.
***
— Achamos! — exclamou Atlan. — O valor do transporte está em relação com a
massa transportada. Uma relação constante com variação reduzida. Vai nos ser difícil
cometer outros erros, agora.
Olhando para o diagrama, Rhodan concordou com o arcônida.
O valor de transporte para uma massa de cem toneladas era apenas três vezes e meia
maior do que para uma massa de cem gramas. Para o transmissor fictício isto queria dizer
que seriam necessárias apenas cinco regulagens diferentes para cobrir a escala de cem
toneladas. Uma regulagem um pouco mais alta teria sido suficiente para salvar o robô
CQ-1.238.
Rhodan fez uma experiência com mais um robô. O resultado foi positivo. O robô
desapareceu da sala de comando e não restava nenhuma dúvida de que tivesse surgido no
mesmo instante no planeta Peregrino.
Isto aconteceu pouco antes das oito e meia. Às oito e quarenta e cinco, Rhodan
tentou de novo falar com Reginald Bell e com o Tenente Tompetch pelo rádio. Não teve
sucesso, pois a gazela neste momento já se encontrava há muito à sombra do espaço
intermediário, que exclui qualquer ligação.
Perry deu ordem para que deixassem de prontidão uma outra gazela e começassem a
transportar o transmissor dos raios teleportadores para a comporta externa do grande
hangar. Com isto, se evitavam manobras inúteis e difíceis, pois tão logo a gazela deixasse
o bojo da Drusus, haveria de incidir no campo de ação do transmissor fictício e assim
seria transportada diretamente para o planeta.
Foi o próprio Rhodan quem regulou o valor exato do transporte, embora o fizesse
um tanto a contragosto, pois sentia falta da série de testes experimentais, que sempre
costumava fazer, para maior segurança.
Consolou-se com o pensamento de que, de fato, não tinha mais tempo para perder e
de que o valor de transporte por ele ajustado nada mais era do que o resultado de um
cálculo meticuloso e por conseguinte não havia motivos de preocupação.
Eram então oito horas e cinqüenta e dois minutos, quando estes pensamentos lhe
passavam pela cabeça.
***
Poucos instantes após oito e cinqüenta e sete, o rastreador de corpos materiais
começou a dar sinais, isto é, ouviu-se um zunido fino e bem no centro da tela começou a
luzir um ponto minúsculo. Quando Bell o percebeu, já estava aumentando de tamanho.
Automaticamente, a mão direita de Bell fez um movimento para o lado, ligando o
amplificador de telepatia, que, por intermédio do modelo de Perry Rhodan nele colocado,
irradiava as vibrações individuais. Mesmo antes de poder reconhecer a imagem na tela
circular, colocou lentamente a gazela em movimento, de forma que o ponto luminoso na
tela do rastreador chegou mais para o centro.
Um tanto excitado, Tompetch exclamou de repente:
— Olhe ali, senhor. Está vendo? Reginald Bell ergueu a cabeça e viu na tela um
trecho de claridade esmaecida, que surgia ao lado do ponto luminoso, quase no meio da
parte anterior da tela, aumentando a olhos vistos, como se viesse de encontro à gazela
com toda a velocidade.
Bell procurou dominar o pavor que aquele quadro singular lhe causava e acelerou os
motores de propulsão ao máximo. Então, como que atingida pelo soco de um gigante, a
gazela deu um salto para frente, de encontro ao objetivo ainda meio indefinido.
Enquanto Bell concentrava toda sua atenção no controle dos instrumentos, o Tenente
Tompetch observava a tela panorâmica. Notou que a mancha de um branco esmaecido ia
tomando forma definida e aumentando de tal forma que se podiam ver detalhes. Uma
região ampla, de tom esverdeado que supunha ser um mar, com litoral bem recortado,
onde havia uma mata virgem bem densa, o curso de um rio bem largo — e além, a
escuridão misteriosa do espaço infinito. A imagem era redonda e contínua. Uma ilha no
espaço, aparentemente zombando de todas as leis da natureza. O tenente olhava atento,
acompanhando o rápido crescimento do mar e da mata virgem e depois, ao atingirem todo
o tamanho da tela, começaram a se atrofiar, como se estivessem encolhendo.
Uma das últimas coisas que vira — uma curva dupla no grande rio, desapareceu
logo a seguir. Era a muralha impenetrável do espaço intermediário que se abatia de novo
sobre a gazela.
— Atingimos o máximo! — disse Tompetch um tanto nervoso. — Não
conseguiremos mais do que isto.
Bell nem se moveu. Olhando de lado, o tenente percebeu que aquele rosto de
ordinário, sempre aberto e brincalhão, estava agora sério, de semblante muito carregado.
Um Reginald Bell bem diferente do que Tompetch tinha na memória. Levado por esta
descoberta, o tenente também silenciou.
O trecho visível do planeta continuava se atrofiando. Num reflexo rápido, Tompetch
calculou que o período de dilatação tinha durado cerca de setenta segundos, portanto, de
8 horas, 57 minutos e 34 segundos até 8 horas, 58 minutos e 44 segundos. Agora eram
exatamente 8 horas, 59 minutos e 5 segundos. Tinham apenas cinqüenta segundos para a
aterrissagem.
Ao ultrapassar a muralha invisível, a gazela empinou.
— Isto é o envoltório de proteção — constatou Bell. — Agora podemos dizer que
conseguimos o principal.
O pequeno trecho arredondado da superfície do planeta estava agora aos pés deles.
Sem poder acreditar no que via, o tenente notou que o círculo se encolhia cada vez mais,
e que os detalhes que vira até poucos instantes antes sumiam completamente. Abaixo
deles estava o trecho de mata virgem.
Reginald Bell fez uma aterrissagem experimental. Com as válvulas de ar
comprimido a toda pressão, arrancando mesmo algumas árvores que impediam a
aterrissagem, a pequena nave foi baixando, freada pelo jato de ar das válvulas, em
direção do centro da mancha esmaecida, que ainda se podia ver e que não tinha mais de
dois quilômetros de diâmetro.
O choque contra o solo pegou o tenente desprevenido. O solavanco o atirou para
frente. Fechou os olhos, e, sem poder reagir, teve a sensação de estar num carrossel,
girando numa velocidade louca. Estava com receio de se sentir mal e acabaria vomitando.
Mas, pouco depois, o carrossel parou de girar.
Ao abrir os olhos, viu, na tela panorâmica, que estava no meio de uma mata virgem
e acima das copas das árvores; viu também que alguma coisa de ameaçadora, misteriosa,
escura que vinha de todos os lados sobre ele. À sua frente, se ergueu Reginald Bell.
A gazela estava inclinada sobre a ramagem da floresta.
— Conseguimos!? — disse Bell, um tanto incerto. — Não há dúvida de que
chegamos ao planeta. Mas, agora a questão é como continuar.
Por cima das copas das árvores se apertava cada vez mais o cerco da muralha da
escuridão. Tompetch devia estar possuído totalmente pelo terror. Sem o perceber, seus
dedos procuraram a fivela do cinturão de segurança, abriram-na automaticamente,
afastando as duas extremidades. Levantou-se e sentiu um desejo irresistível de correr.
Bell, que parecia ler seus pensamentos, pousou-lhe a mão no ombro, dizendo:
— Calma, amigo Tompetch, o negócio não pode ser tão feio assim.
O tenente tremia. De olhos arregalados ficou vendo como a parede negra ia
encobrindo uma árvore após a outra, aproximando-se rápida da gazela.
— Olhe, olhe — gritou ele fora de si de tanto medo — ela vai nos en...
E a escuridão foi total.
Aparentemente, a parede negra os havia engolido. Não se via mais nada além das
árvores. Desanimado, o tenente olhava atônito para as lâmpadas de controle que ainda
estavam acesas na cabina de comando, como se nada de anormal tivesse acontecido.
Baixou os olhos para si mesmo, olhou para Reginald Bell que a seu lado sorria
normalmente e... de repente, teve vergonha de seu procedimento. Bateu com a mão na
cabeça, fechou os olhos.
Segundos depois, Bell ouviu suas palavras entrecortadas de soluços:
— Perdão, senhor! Comportei-me como um covarde.
Mais uma vez, Bell lhe botou a mão no ombro, dizendo:
— Não diga bobagem e não seja tão trágico assim. Aconteceu comigo a mesma
coisa. Também tive muito medo. Agora desligue toda a luz de bordo. Precisamos ter
escuridão completa se quisermos ver alguma coisa.
Tompetch olhou. Não estava compreendendo para que serviria a escuridão ali
dentro. Foi caminhando pelo chão inclinado da nave até a cabina de comando, desligando
então a chave geral. O zumbido, que até então se ouvia na cabina, cessou totalmente, e
todas as lâmpadas, mesmo as de controle dos instrumentos, se apagaram. A escuridão era
absoluta.
O tenente voltou para seu lugar. Andando às apalpadelas, chegou até o assento do
piloto, onde sentou-se, olhando para as trevas dentro e fora da gazela. Depois de alguns
instantes, conseguiu vislumbrar os contornos do espaldar das poltronas e o reflexo fraco
no vidro da tela panorâmica, chegando mesmo a perceber, a quatro metros dele, a silhueta
confusa da figura de Bell. Esfregou os olhos para afastar qualquer alucinação, pois neste
ambiente não podia haver nenhuma claridade, por menor que fosse. Era o espaço
intermediário, que, como havia aprendido, fora de qualquer imaginação humana e vazio
de qualquer coisa que um ser humano pudesse sentir, como luz, som ou calor.
Mas a imagem ali estava. Ali estava o espaldar da poltrona, o reflexo da tela
panorâmica e do outro lado, imóvel, a silhueta de Reginald Bell.
— Você está vendo alguma coisa? — perguntou-lhe Bell.
— Sim — retorquiu Tompetch com alguma hesitação. — Acho que eu o estou
vendo...
— É um bom sinal — disse Bell mais alegre. — Comigo se dá a mesma coisa. Mas
no começo pensava se tratar de mera imaginação. Portanto, há vestígios de luz neste
espaço intermediário.
Subiu um pouco mais para poder olhar melhor para a tela panorâmica. Enquanto
isto, o tenente se esforçava para reconhecer qualquer coisa na tela panorâmica. Depois de
algum tempo, viu os contornos das árvores, a selva escura que havia sido encoberta há
pouco pela muralha de trevas. Tentou reconhecer a cor do céu que pairava por sobre as
copas das árvores e se decidiu por um vermelho-escuro.
— Você também está vendo o céu vermelho, como eu? — perguntou neste momento
Bell.
O tenente confirmou.
— Temos de comparar todas as impressões — explicou Bell, ao notar a estupefação
de seu auxiliar. — Aqui, não podemos ter certeza se duas pessoas vêem as mesmas coisas
nos mesmos objetos. Eu não gostaria de cometer algum erro num assunto deste. Você
observou bem a tela panorâmica. Através do mapa, você poderia descobrir em que lugar
nós descemos?
O tenente se lembrou da curva dupla do grande rio que tinha observado com muita
nitidez e se recordava de que a gazela passara, no máximo, a uns cinco quilômetros da
margem do rio, antes de aterrissar.
— Acho que posso.
— Então acenda as luzes. Vamos nos orientar.
Tompetch acionou novamente a alavanca da chave geral. Quando o conjunto
gerador começou a funcionar, ligou também a luz. Caminhando pelo chão inclinado, Bell
chegou até um armário na parede, de onde tirou uma pasta com muitos mapas.
— Você sabe — disse ele subindo na direção de Tompetch — que o planeta
Peregrino é um mundo como os homens de antigamente imaginavam: uma mesa lisa, de
cujas bordas a gente poderia cair, se não existisse o envoltório de proteção. Nós
mapeamos toda a superfície do planeta. Todas as medições são exatas, embora naquela
ocasião não tivéssemos muito tempo. Pode ser que nem todas as particularidades deste
mundo estejam registradas.
Tompetch pegou o mapa e o desdobrou na mesa, com certa impaciência e
curiosidade.
— O envoltório de proteção — continuou Bell — tem um efeito secundário muito
proveitoso, como pudemos observar. Produz um campo magnético por meio do qual se
pode determinar os pontos cardeais. O mapa foi confeccionado convencionalmente com o
norte em cima e o sul embaixo.
O dedo indicador do tenente percorria o mapa. Achou registrados vários rios, mas
nenhum deles tinha aquela curva dupla, observada com tanta clareza. Percorrendo a linha
do litoral, achou uma desembocadura de rio, que pela sua largura mais parecia uma baía.
Dos fundos desta, um traço fino e sinuoso penetrava terra adentro. E, somente depois de
uns cinqüenta quilômetros, é que apresentava a largura que Tompetch julgava ter visto.
— Nós tivemos a mesma surpresa que você. Um rio que perto de sua nascente é dez
vezes mais largo que em sua desembocadura. E sabe você de onde foi que Ele tirou esta
idéia?
Tompetch fez que não, apenas com a cabeça.
— Você conhece o Rio Amazonas? — perguntou-lhe Bell.
— Só no mapa, naturalmente.
— Bem. Então você já ouviu falar no estreitamento do leito do rio na região de
Óbidos. Até ali, o Amazonas tem vários quilômetros de largura. Em Óbidos ele se aperta
para menos de um quilômetro. Eu vi tudo isto há muitos anos atrás. Não se nota nada de
extraordinário em si. Mas, pode-se imaginar a força imensa do rio neste trecho. Ele
parece ter ficado encantado com esta imagem imponente e assim criou este rio aqui
usando o modelo do Amazonas. E, do estreitamento do leito em Óbidos, ele fez um
trecho de cinqüenta quilômetros, onde o rio dispara a uma velocidade incrível.
Tompetch ouvia meio assustado.
— O senhor quer dizer que Ele copiou isto da Terra?
— Você não sabia disto? — perguntou Bell com cara de admirado. — Este mundo é
artificial. Não só o mundo em si, mas cada curva do rio, cada montanha, cada mar é
artificial. Ele percorreu toda a Galáxia e moldou depois a paisagem, conforme seu gosto.
Um tanto perplexo, o tenente retornou a seu mapa. Continuou seguindo o curso do
rio, plasmado à semelhança do grande Amazonas, até encontrar pouco depois a curva
dupla, que havia observado antes da aterrissagem. Daquela curva dupla, Tompetch traçou
uma reta na direção noroeste, reta esta que cruzava o rio obliquamente e terminava
poucos quilômetros para o norte da sua margem, no meio de uma região, onde pela cor do
mapa, se podia esperar uma selva tropical com muita precipitação pluvial.
— Aqui, aqui — disse Tompetch — é que devemos ter descido.
Reginald Bell não disse nada. Fechou os olhos, como para se concentrar. Depois,
com os dois dedos, saiu daquele ponto onde deviam ter descido, subiu na direção norte,
cruzou dois mares, uma ilha-continente e finalmente parou no litoral sul de uma enorme
faixa de terra, situada bem ao norte.
— Não poderíamos ter escolhido lugar pior do que este para nossa aterrissagem —
dizia Bell mal-humorado. — Toda a extensão desta mesa, que é o planeta do mundo
artificial, tem oito mil quilômetros de diâmetro. Daqui até a cidade onde se encontra o
fisiotron são quase seis mil.
Olhou desconfiado para a tela panorâmica, mas, agora que as lâmpadas estavam
acesas, não se conseguia ver nada. Acabou desligando a tela.
— Vamos prosseguir o caminho; tão logo possamos ver alguma coisa — disse da
escuridão para o Tenente Tompetch. Se o radiofarol funcionar, será uma maravilha. Se
não funcionar...
Deixou em branco o que então aconteceria. O tenente ouviu quando ele se dirigiu
para o posto de comando e tomou seu lugar, soltando um prolongado suspiro.
— Sente-se aqui ao meu lado — ordenou Bell. — Pegue o mapa e dirija o
radiofarol. Algumas lâmpadas de controle estão acendendo e isto é suficiente para que
você possa fazer seus cálculos.
O tenente fez como ele mandou. Ao procurar seu lugar com o mapa na mão,
tropeçou em alguma coisa que estava no seu caminho. Assim que sentou, reparou que os
olhos se acostumavam depressa com a escuridão.
Surgiram na tela os primeiros contornos das árvores.
Bell esperou uns quinze minutos. Quando chegou à conclusão de que mais nítido do
que agora era impossível, ligou os motores de propulsão. Esperou até que surgisse aquele
ruído característico da rotação normal, que lhe dava a certeza de que tudo estava cem por
cento. Depois, lentamente, foi soltando a alavanca de partida.
Continuou a observar os menores sinais na tela panorâmica. Julgava que em breve
haveria de ver as árvores lá embaixo, cada vez mais se distanciando deles. Pura ilusão,
por enquanto tudo estava parado. Já havia soltado a alavanca de partida, pelo menos até o
meio, e nada havia acontecido. Em circunstâncias normais, a gazela teria dado um salto
para cima, como se fosse atirada por um canhão. Em vez disso, lá estava ela: parada entre
as árvores, sem se mexer.
Bell soltou mais ainda a alavanca de decolagem, olhou inquieto para a grande tela
panorâmica, sentindo o suor escorrer pela face.
Que aconteceria se os motores de propulsão enguiçassem totalmente?
Estavam encarcerados no âmago de uma mata virgem, cheia de animais
desconhecidos. O único trecho mais aberto era o rio, mas distava pelo menos cinco
quilômetros. E mesmo que fossem apenas cem metros, Bell seria tão prudente de não sair
da pequena espaçonave, pelo menos enquanto não tivesse a certeza de que suas armas
funcionariam neste três vezes maldito espaço intermediário.
Num movimento brusco, comandado por um ímpeto de ira, deu um soco na
alavanca de decolagem, deixando-a no seu ponto máximo. Não contava realmente com a
mínima possibilidade de êxito.
Mas, de repente, as árvores lá embaixo começaram a se afastar lentamente. De olhos
arregalados, Bell viu que os galhos surgiam e sumiam e, finalmente, no vidro fosco da
tela panorâmica, não se via mais nada, a não ser o vermelho-escuro do céu do planeta
Peregrino. Uma onda de pensamentos diversos invadiu a cabeça de Bell.
Pelo ruído típico das turbinas de propulsão, reparou que seu funcionamento
correspondia à posição em que estava a alavanca.
A gazela estava regulada para uma velocidade média e, em circunstâncias normais, a
espaçonave tinha que acelerar para o alto com uma velocidade X. Se não o fez, não foi
certamente por culpa das turbinas de propulsão. O gerador antigravitacional, que fornecia
o campo de amortecimento do choque, atuava na dependência da solicitação dos motores.
Já que funcionavam normalmente, devia existir agora no interior da nave um anticampo
do valor X.
Mas já que a gazela não tinha mais que a aceleração de um metro por segundo, os
dois ocupantes da espaçonave seriam esmagados em poucos instantes por este anticampo.
Portanto, não havia na realidade nenhum anticampo. Bell estremeceu todo só em
pensar no que teria acontecido se não se manifestassem estes dois efeitos misteriosos: a
força que impedia a nave de subir com a velocidade que corresponderia à posição da
alavanca, no ponto mais alto da escala, e o desaparecimento do anticampo, ao mesmo
tempo, com o primeiro efeito, portanto se neutralizando mutuamente.
Olhou rapidamente para Tompetch, mas o tenente parecia não estar preocupado com
nada. Não chegou a compreender o perigo por que passara e Bell evitou de assustá-lo.
Banhado em suor, dirigia a gazela em direção ao norte...
Mike Tompetch estava muito ocupado com o radiofarol. Examinava com freqüência
as luzes de controle e se sentia feliz, vendo que todas estavam funcionando e o aparelho,
em condições de ser usado.
Fez a primeira experiência.
Com um simples aperto de um botão, um amplo feixe de raios luminosos saltou da
gazela, e, a três quilômetros da nave, bateu de encontro à superfície do planeta; refletiu,
produzindo na tela panorâmica a imagem da paisagem embaixo.
Maravilhado, o tenente contemplava o grande painel, vendo primeiramente surgir
bem nítido os contornos do rio que fluía para o oceano em linha reta. Viu o litoral que
começava a aparecer e, mais para o sul, o relevo irregular da mata virgem.
O radiofarol estava funcionando. Com certa emoção, Tompetch comunicou a Bell
que a imagem na tela estava de acordo com o mapa.
Assim se passou uma hora — uma longa hora em que o rosto de Bell gotejava de
suor e em que o tenente não via outra coisa a não ser a monótona superfície do oceano.
Manuseando ainda o mapa, Tompetch descobriu, no litoral sul, uma ilha pequena que a
gazela teria que sobrevoar, caso mantivesse o mesmo curso. Com a reduzida velocidade
com que avançavam, esta ilha só seria atingida depois de uma hora.
Tompetch se recostou na poltrona e deu largas à sua fantasia. Casualmente, deu com
os olhos na tela panorâmica do rastreador. Estremeceu todo e, com um grito meio abafado
pela surpresa, esticou o corpo para frente.
— A ilha, senhor! — disse transtornado.
— Que ilha? — perguntou Bell.
— A duzentos quilômetros do litoral há uma ilha pequena, senhor. Estamos nos
movendo a cem quilômetros por hora, portanto só chegaríamos a ela daqui a duas horas e
no entanto, olhe, lá está ela, bem embaixo de nós.
Cético, Bell olhou para a tela.
— Será que você não se enganou ao consultar o mapa?
— Claro que não — respondeu Tompetch.
— Então o radiofarol não está funcionando, pois está dando a direção errada. Está
mostrando como se estivesse aos nossos pés uma coisa que fica a mais de cem
quilômetros de nós.
Tompetch começou a calcular. Comparou as dimensões da ilha assinalada no mapa
com as que apareciam na tela. Sua surpresa aumentou. Confuso, olhou para Bell e disse
um tanto excitado:
— A ilha... devia ter cinqüenta quilômetros de largura, senhor... e trezentos de
comprimento. O comprimento está certo, mas a largura, de acordo com a tela, mede
apenas vinte e cinco quilômetros.
Bell deu um salto de sua poltrona. Comparou as dimensões da ilha no mapa com os
dados de Tompetch e achou que realmente ela tinha cinqüenta quilômetros pelo mapa.
Depois examinou a imagem da tela e constatou imediatamente que ali a ilha tinha apenas
vinte e cinco de largura.
Começou a comparar os dois dados diferentes ou discrepantes. A ilha estava apenas
a cem quilômetros do litoral, embora a distância fosse realmente de duzentos
quilômetros, quando o mapa foi confeccionado. A largura era apenas de vinte e cinco
quilômetros, quando de fato devia ter cinqüenta.
Só podia haver uma única explicação para tudo isto: O planeta Peregrino havia
encolhido na escala de uma para dois!
4
***
Natan conversou tanto com o estranho, até que este perdeu a vontade de falar e ficou
quieto. Mas, nesta conversa toda, Natan tinha recolhido boas informações. Sabia onde
estava a cidade que era o objetivo de seu amigo. E como não houvesse ou não soubesse
coisa melhor para fazer, pôs-se a caminho dela.
Estava num estado de espírito muito esquisito. A ausência de seu corpo não o
incomodava muito, primeiro porque sabia que seu amigo o ajudaria a encontrá-lo e
depois, não seria para ele uma perda irreparável se tivesse de continuar sua existência
somente como espírito separado do corpo. É claro que haveria de sentir dores, se seu
amigo — caso não o conseguisse encontrar mais — deixasse seu corpo tão longe dele,
que os reflexos mentais não o pudessem mais atingir e assim ficassem retidos no próprio
espírito. Mas mesmo estas dores seriam suportáveis.
Porém não era isso que Natan estava sentindo. O que o atormentava era o mesmo
sentimento que tivera antes, quando passou por este espaço escuro, de caminho para o
planeta Peregrino: o sentimento da solidão. Nunca o sentira assim. Pois os habitantes de
Solitude viviam em grandes grupos e qualquer um que se afastasse por um período mais
longo, podia fazê-lo sem susto, pois alguns quilômetros para frente acharia um outro
grupo que o receberia de braços abertos. Portanto, em Solitude não havia solidão.
Até que chegaram os druufs, que acabaram pegando e prendendo os seres de
Solitude. Natan estava se lembrando que nem nesta época ele se sentira tão só como
agora. Na sua existência como espírito, podia se encontrar e se divertir com outros
espíritos também presos pelos druufs. Além de tudo, o ódio contra os druufs era tão
grande que abafava qualquer outro sentimento Mas neste planeta não havia nada. Estava
sozinho num mundo artificial, cujo senhor se acastelava numa cidade longínqua e já se
aborrecera de conversar com ele. Não havia mais ninguém com quem pudesse trocar
idéias. O que via, ouvia e sentia, tinha que guardar só para si. Mas o característico de sua
raça era exatamente a comunicação, conversar com os outros, trocar recordações e
experiências, falar sobre vivências próprias, pensamentos coletivos e assim se divertirem.
Por onde quer que se olhasse, era a solidão. Natan tinha chegado a uma planície com
muito capim, que se estendia a perder de vista, até a neblina pardacenta. Não havia nada
para ver, a não ser capim e muito raramente um ou outro besouro.
Natan estava remoendo estes pensamentos na cabeça, quando percebeu movimento
à sua frente. A princípio viu apenas traços escuros que se moviam, bem rente ao capim.
Os traços foram aumentando e Natan pôde constatar que se tratava de seres quadrúpedes
que ali chegaram a grande velocidade.
Quando ainda estavam a uns cem metros dele, notou a estranha formação de seu
corpo. Tinham cabeça e pescoço alongados, quatro patas e cauda volumosa, mas o
esquisito era que de seus dorsos crescia um segundo corpo menor, que por sua vez tinha
uma cabeça e duas pernas. Natan, mais do que depressa, correu de encontro a eles, do
mesmo modo como eles galopavam na sua direção. O primeiro dos dois animais,
percebendo a presença de Natan, parou instantaneamente. Com isso o animal de quatro
patas se empinou todo no ar, mantendo no chão apenas as patas trazeiras.
Aí foi que Natan notou que o segundo corpo, apoiado sobre o dorso do quadrúpede,
também se movimentava com agilidade e que, de repente, apareceu com uma arma na
mão, constituída de uma peça recurvada e de outra reta, que se encontravam em suas
extremidades.
Cheio de pavor, Natan viu que a peça recurvada se arqueou mais e, de repente, a
peça reta avançou para frente, cortando o ar com extrema fúria e penetrando na existência
espiritual de Natan.
O ser, que estava apoiado no outro, ficou aterrorizado. Natan, porém, correu para
frente deles. Mas viu como a cabeça, que pertencia ao segundo corpo apoiado no corpo
maior, virou para trás diversas vezes, numa tentativa de vê-lo de novo.
Aceitou o incidente banal como uma brincadeira agradável e correu no encalço da
estranha aparição. Aí aconteceu uma coisa interessante. O segundo corpo, que sobressaía
do dorso do primeiro, se desprendeu totalmente e caiu no capim. O quadrúpede continuou
correndo. O que rolou no capim se levantou novamente e saiu pulando.
Natan foi compreendendo melhor. Cada um destes dois seres era constituído por
duas criaturas. De um quadrúpede, isto é, daquele que agora corria atrás do grupo dos
outros e de um outro que estava em seu dorso e agora tinha caído no capim. O que caíra
do dorso do quadrúpede era muito semelhante, quanto à construção do corpo, a seu amigo
da grande nave. Apenas tinha roupa diferente e um enfeite colorido na cabeça.
Natan então tomou uma nova forma e identificou-se com o ser de duas pernas, que
continuava correndo... Natan o ultrapassou e parou na frente dele. Chegou a ver como o
ser de duas pernas arregalou os olhos e abriu a boca. Ouviu um grito de horror e, para
acalmá-lo, fez um gesto que, para ele. Natan, significava paz.
No entanto, o estranho ser puxou um objeto, feito de um pedaço de madeira e de
uma parte metálica, que até então estava metido na cintura, escondido pela roupa que
envolvia o corpo do estranho. Levantou o tal objeto na altura dos olhos, deu um passo em
direção a Natan, apontando-lhe o objeto.
Natan ouviu um ruído muito forte que provinha do objeto de extremidade metálica e
viu que algo, passando através de seu espírito, penetrara no chão. O ser estranho soltou
mais um grito angustioso e caiu de costas no chão. Não se movia mais.
No espírito de Natan agora só havia confusão. Era uma mistura de admiração e de
horror. Não pretendia de maneira alguma fazer mal ao estranho. Mas, certamente, devia
haver algo em sua existência como espírito, que provocava medo nos estranhos. Ele ainda
estava vivo, como Natan reparou pelo movimento rítmico da parte superior do corpo.
Haveria de levantar logo e correr atrás do animal de quatro patas, que havia caído.
Para não assustar mais os estranhos, Natan se transformou numa névoa amorfa e se
afastou dali.
De repente, ouviu novamente os guinchos estridentes que externavam a alegria do
invisível senhor do planeta. Ouviu o que estava dizendo:
— Pobre amigo, você o espantou e, ao mesmo tempo, se assustou com ele. Não
tenha medo. Ele não tem vida real, é apenas uma sombra.
Natan não estava entendendo nada e o estranho notou sua confusão.
— Você não disse que tinha um amigo, que estava esperando lá fora que acontecesse
alguma coisa para ele conseguir penetrar neste mundo, não é verdade? É da terra dele que
vem este ser, que você acaba de ver. Lá o chamam de índio.
Natan olhou para trás e ainda viu o ser estranho deitado no capim.
— Dá impressão de ser real — disse o senhor do planeta em tom amigável —
embora não passe de uma sombra.
Natan não compreendeu bem o conceito de sombra. Não podia ser a mesma coisa
que existência como espírito, pois o ser estranho era real e podia ser tocado. Ele, parecia
conhecer um outro tipo de transformação espírito-matéria.
Natan aguardou que Ele continuasse se manifestando. Isto, porém, não aconteceu.
Aquela conversa tão curta parecia ter bastado para Ele. Natan olhou para o alto e viu um
animal estranho, de duas asas abertas, deslizando pelo ar. Acompanhou-o com os olhos
por um tempo e depois continuou sua caminhada.
***
A distância da ilha oceânica até o litoral norte devia ser, conforme o mapa, de mil e
oitocentos quilômetros. No entanto, o valor que Tompetch podia deduzir da tela do
radiofarol oscilava entre setecentos e oitocentos quilômetros. A incerteza provinha do fato
de que a velocidade com que a gazela se deslocava não era bem conhecida.
Reginald Bell, para este fim, confeccionou uma fórmula própria, já que não podia
contar muito com a comparação entre o mapa e o quadro apresentado na tela panorâmica.
A atrofia, ou seja, a redução de tamanho, estava cada vez mais acentuada. No início,
quando sobrevoaram a estreita ilha do oceano, a escala de redução era de um para dois.
Agora, porém, chega a um para dois vírgula três. Bell perguntou a si mesmo se esta
atrofia era conseqüência da falta de exatidão na medição ou se era realmente um
fenômeno da natureza que se processava no momento.
Fazia mais ou menos dez horas que a gazela estava a caminho, desde que
conseguira, com toda força, se desprender do solo da mata virgem, onde parecia colada.
Bell não se afobou em procurar explicações para o encurtamento da superfície do
planeta. Lembrou-se do que ouvira, antes de partir do bojo da Drusus e procurou fazer
uma relação com o que vira com os próprios olhos na tela do rastreador.
Alguém havia trazido à baila a teoria do espaço intermediário, conforme a qual o
planeta Peregrino se encontrava numa região espacial de instabilidade de rotação. A
rotação dizia respeito aos fusos do hiperespaço e se alterava, sendo que esta alteração
estava em função permanente da velocidade da rotação.
E o que queria dizer mesmo “alteração de um fuso”?
Bell conseguiu se lembrar de que só se falou da atrofia ou do encurtamento. Para um
observador, que estivesse fora da rotação do sistema, o encurtamento de um fuso espacial
não significava outra coisa do que uma redução nas proporções, ou na escala. Uma
região, que, para um observador que estivesse dentro do sistema em rotação, tivesse o
comprimento de um quilômetro, teria para um outro de fora apenas quinhentos ou cem
metros, de acordo com o índice de atrofia. Com isto, estaria explicado o problema que
preocupava tanto a Bell e a Tompetch.
Bell reconhecia, porém, que esta explicação não era nada tranqüilizadora, pois do
mesmo modo como os eixos do espaço, também os fusos horários poderiam estar sujeitos
a alterações. Isto significava de novo que não havia nenhuma certeza quanto ao valor do
tempo no planeta Peregrino, comparado com o do interior da gazela.
Entrementes, a gazela tinha deixado para trás o oceano equatorial e ia iniciar agora a
travessia de um continente de uma extensão de cerca de dois mil e quinhentos
quilômetros, no sentido norte-sul. Este continente separava o oceano do mar do norte.
Pelo menos conforme o mapa, sua largura era de dois mil e quinhentos quilômetros.
Na tela do rastreador, quando Tompetch procedeu à primeira medição, esta largura
era de apenas mil quilômetros. O fator de atrofia ou encurtamento tinha aumentado mais
uma vez. Estava agora na proporção de um para dois e meio.
Bell percebeu com satisfação que pelo menos este resultado lhes era favorável. Se,
por acaso, não soubessem de quanto tempo ainda dispunham, então era realmente muito
interessante ter que percorrer dois ou três mil quilômetros, em lugar de seis ou sete mil.
Foi este o último pensamento que lhe passou pela cabeça, antes que os motores
deixassem de trabalhar.
De um momento para o outro, cessou o zumbido típico que há mais de dez horas
consecutivas enchia a sala de comando. Ouvia-se de vez em quando um grito angustiado.
De olhos arregalados, Tompetch fitava a tela, vendo como os contornos do continente se
ampliavam com velocidade crescente, parecendo vir, numa carreira desabalada, de
encontro à gazela. Os dispositivos antigravitacionais mantinham a gravidade normal
dentro da nave. Nem Bell, nem o tenente sentiam os efeitos desagradáveis da queda livre.
No entanto, não havia dúvida alguma de que a gazela despencava e, dentro de
alguns segundos, se estatelaria de encontro ao solo.
Bell não perdeu tempo. Com um único aperto de botão, reforçou os campos
magnéticos de proteção ou, em outras palavras, o envoltório protetor da gazela, ouvindo
no mesmo instante, com imensa satisfação, o bramido que fez estremecer a fuselagem da
nave, bramido este provocado pelo atrito com o ar.
Bell bateu com a mão fechada num outro interruptor, dando ao envoltório de
proteção um campo gravitacional adicional, que atuava contra a gravitação do planeta
Peregrino e assim freava a queda. O tenente Tompetch viu na tela do rastreador que, ao
entrar em ação o campo gravitacional, a imagem da tela voltou ao normal. O sibilar do
vento produzido pela velocidade excessiva da queda diminuiu e a gazela descia como se
estivesse presa a pára-quedas gigantescos.
Por meio do radiofarol, Mike Tompetch calculou a altitude em apenas mil e
duzentos metros e a velocidade da queda em seis metros por segundo.
— Não está acreditando que desceremos muito bem nesta velocidade? — perguntou
Bell, inesperadamente. — Seis metros por segundo não é demais. Encoste um pouco a
cabeça no espaldar e fique bem firme.
O mundo de um vermelho-escuro, para onde caíam, estava muito esquisito. O olhar
de Bell percorria a tela, procurando reconhecer qualquer coisa que lhe servisse de ponto
de orientação. Viu uma faixa escura, quase horizontal, na tela e supôs tratar-se da linha
divisória entre o céu e a terra. No lado de cima, a tela estava avermelhada e no de baixo,
preta. Mais do que isto, não conseguiu ver.
Ainda achavam-se a dois ou três mil quilômetros de seu objetivo e Bell sabia que,
sem a gazela, jamais chegariam a este objetivo.
***
Perry Rhodan olhou em volta. Atlan sorriu, Marshall e Noir estavam encafuados em
suas poltronas, com os olhos arregalados de medo. Ali el Jagat parecia ainda
inconsciente, começando neste instante a querer voltar a si. O corpo inerte de Natan foi o
único que nada sofreu com a terrível manobra.
— Não sei o que aconteceu — disse Rhodan, tentando fazer com que sua voz
acalmasse o ambiente de terror. — Mas de qualquer maneira, conseguimos suportar o
pior e aqui estamos.
Atlan, pensativo, soltou o fecho magnético do cinturão de segurança, deixou-o bem
frouxo e respondeu:
— É a alternância de um espaço para o outro. Provavelmente, o raio transportador
do transmissor fictício é um meio um tanto impróprio para chegarmos a este espaço
intermediário. Santo Deus, para mim, a impressão era de que uma bomba iria explodir no
momento decisivo.
Perry Rhodan não pôde prestar muita atenção nas palavras de Atlan. A seus pés,
estava o planeta tão importante para ele. Era como ele o tinha ainda na cabeça. Ele, ser
eterno, já devia ter notado que tinha hóspedes. Rhodan estava esperando que Ele se
manifestasse.
Mas a gargalhada borbulhante que finalmente se fez ouvir não deixou tempo a Perry
para refletir melhor. Antes que o eco desta gargalhada chegasse ao seu cérebro, sentira
uma coisa diferente: as turbinas da gazela pararam.
A reação de Rhodan foi instantânea!
Dois movimentos rapidíssimos: um aperto de botão para reforçar o envoltório de
proteção e um empurrão leve na alavanca que provocava um campo de gravitação
artificial. Só depois de ter feito isto, ele I passou a pensar nos controles das turbinas.
Apertou a chave geral de controle, que acenderia todas as lâminas dos aparelhos que
estivessem em funcionamento normal. Num relance de vista, Rhodan constatou que
somente uma única lâmpada não acendera.
Toda a aparelhagem estava intacta com exceção apenas de um único setor.
Era o setor de produção de energia para os motores de propulsão. Alguém ou
alguma coisa devia ter sugado toda a energia da nave, enquanto ela “lutava” na transição
do espaço de Einstein para o espaço intermediário.
Rhodan estava tranqüilo. Ainda havia uma série de geradores a bordo, e, se tivesse
um pouco de tempo, haveria de ligar entre si o aparelho de antigravitação e os geradores
do envoltório de proteção de tal maneira que, ao invés de fornecerem sua energia para o
campo de gravitação ou para o envoltório de proteção, haveriam de encaminhá-la toda
para os motores de propulsão. Com os recursos que lhe estavam à disposição, haveria de
conseguir isto em três ou quatro dias.
Quanto ainda lhe restava?
Consultou o calendário.
Ao ler os números da data, que eram fosforescentes, teve vontade de dar um salto e
de estrangular o relógio, pois estava certo de que alguém havia falsificado a marcação de
tempo. Lembrou-se ainda de que, antes de a gazela deixar o bojo da Drusus, ele mesmo
havia examinado o funcionamento do relógio. Neste meio tempo, ninguém teria tido a
possibilidade de mexer no relógio. O que estava vendo, estava correto, embora não
soubesse explicar como isto tinha acontecido.
O calendário indicava 15 horas e 32 minutos. A data era 30 de abril de 2.042.
***
O choque contra o chão do planeta não fora assim tão ruim como Reginald Bell o
imaginara. Houve, realmente, um estrondo muito forte. Bell teve a impressão de estar
sendo imprensado contra o estofamento de sua poltrona. Foi tomado por uma ligeira
sensação de dor.
Bell se levantou resmungando e olhou para a tela. A primeira coisa que observou foi
que lá fora ficara mais claro.
Tentou se lembrar de que tamanho era a imagem quando ele olhou para a tela pela
última vez. O alcance da vista não tinha mais do que cem metros de extensão. Agora,
porém, havia se ampliado pelo menos para um quilômetro. Somente além deste limite é
que os contornos começavam a sumir na escuridão. O céu brilhava agora num vermelho
muito intenso.
Entrementes, o tenente também já se levantara. Parecia confuso, mas a convicção de
que havia acontecido algo que ele realmente compreendia, fê-lo voltar à antiga segurança.
— Podemos fazer uma vistoria nos aparelhos, senhor — disse o Tenente Tompetch.
Se soubermos o que está falhando, haveremos de resolver tudo num instante.
— Você é um rapaz inteligente, Tompetch. Mas eu já testei tudo durante a queda.
Você não vai acreditar, mas alguém sugou toda a nossa energia de propulsão, como quem
suga toda a água de uma esponja. E aproveitando a comparação: a esponja está agora tão
seca que não se consegue mais tirar uma gota nem com uma prensa hidráulica.
— Mas o campo antigravitacional e o envoltório de proteção...
— ...estão em ordem, perfeitos. Provavelmente são um tipo de energia que não
interessa ao sugador. Estou compreendendo o que você quer dizer: podemos mudar as
ligações e assim voar com o campo antigravitacional e o envoltório. E é isto que vamos
fazer. Antes, porém, quero examinar alguma coisa por aqui.
Tompetch apontou com o dedo para a tela panorâmica:
— Você quer dizer lá fora? — Bell fez que sim com a cabeça.
— Naturalmente. Temos de descobrir muita coisa ainda. Por exemplo, como está
funcionando a instalação do rádio, quanto ao transmissor lá fora e o receptor aqui dentro
da nave. Pois, afinal de contas, não é o fisiotron que me deve procurar, mas eu é que
preciso encontrá-lo. Mais cedo ou mais tarde, isto tem que acontecer.
Examinou bem seu uniforme de expedição, dando muita atenção ao capacete
pressurizado que até então estava dependurado nas costas, como se fosse um
equipamento sobressalente. O tenente acompanhava estes preparativos com muita
curiosidade.
— Eu pensava que o planeta Peregrino fosse um mundo muito agradável no tocante
à gravitação, à composição atmosférica e à pressão do ar. O senhor receia algo de
anormal no planeta?
— Você está vendo bem que sua superfície se encontra em estado de atrofia ou
encurtamento. Imagine só se todas as moléculas do ar que se aglomeram num centímetro
cúbico fossem comprimidas para dentro de um espaço que tivesse apenas a metade deste
volume?
— Santo Deus! Não me tinha lembrado disso. Então a gravidade também
aumentaria não é verdade?
— Deveria aumentar — explicou Bell — se ela não fosse artificial. O dono deste
planeta regula a gravidade a seu bel-prazer.
Resoluto, Bell puxou o capacete para cima da cabeça e esperou até que ele, por si
mesmo, se encaixasse na peça do uniforme em volta do pescoço.
— Vou descer agora da gazela — sua voz saía abafada, através do alto-falante
externo. — Fique perto do receptor e preste atenção para ver como você me consegue
ouvir.
Tompetch fez um gesto de que estava compreendendo tudo. Ficou ali, atento,
enquanto Bell desaparecia pela escotilha.
Bell já havia reparado na tela panorâmica do interior da gazela que a aterrissagem de
emergência fora realizada numa região que Ele, o senhor do planeta Peregrino, idealizara
para imitar uma natureza exótica de qualquer parte do Universo.
Bell nunca vira plantas tão esquisitas assim, como aquelas em volta da nave,
sobressaindo do capim rasteiro. Embora estas plantas lhe fossem completamente
estranhas, pôde observar nelas as conseqüências da atrofia ou do encurtamento. Este
fenômeno se abatera sobre todo o planeta, e o estava transformando suas paisagens em
formações grotescas.
Bell deu com uma árvore que tinha muita semelhança com a nossa amoreira
comum. Seu tronco que, em circunstâncias normais poderia ser redondo e ter uns trinta
centímetros de diâmetro, apresentava agora uma forma elíptica. O eixo da elipse
continuava sendo de trinta centímetros, mas seu lado mais estreito não passava de dez
centímetros. Seus galhos se dirigiam todos num só sentido, ou para a esquerda ou para a
direita. Nos outros dois lados estavam muito encolhidos, não alcançando nem a metade
do tamanho normal.
O mesmo fenômeno se repetia em outras coisas. Não muito distante da gazela, Bell
viu uma pedra no chão, lisa como um disco de gramofone. Apanhou-a, virando-a num
ângulo de noventa graus. Aí aconteceu o seguinte: toda a superfície começou a encolher.
Por conseguinte, podia-se afirmar que o encolhimento obedecia a uma certa direção.
Esta direção coincidia, como Bell averiguou logo, com o eixo norte-sul do planeta.
Poderia ser um mero acaso. Mas enquanto pensava nisto, veio-lhe à cabeça a idéia de que
poderia aproveitar este fenômeno para seus objetivos. Mas ainda preocupado
infantilmente com o que aconteceu à pedra em forma de disco, esta idéia tão importante
acabou desaparecendo. Passou para os meandros do subconsciente. Quando, cinco
minutos depois, tentou se lembrar do que havia pensado, já era tarde, a boa idéia tinha
mesmo evaporado.
Fez algumas experiências de comunicação via rádio com seu auxiliar a bordo. Notou
de início que as coisas já não eram como antes. Apesar de estar apenas a uns cinqüenta
metros da nave, ouvia Tompetch com grande dificuldade e concomitantemente o tenente
lhe comunicou que a ligação estava horrível. Bell chegou um pouco mais perto da gazela
e o som melhorou. Afastou-se novamente uns metros e o som piorou, chegando mesmo a
sumir, quando atingiu cem metros.
Começou então a calcular, pois o assunto lhe interessava muito. Tompetch ia lhe
dando informações sobre as condições de recepção, registradas por um medidor de watts.
Por meio destes dados, Bell foi constatando uma certa regularidade. Chegou a formular o
seguinte teorema: se chamarmos a distância entre o transmissor e o receptor de r, então,
em condições normais dos transmissores eletromagnéticos, a potência de irradiação
chegada ao receptor era de l/r2.
Se o transmissor estivesse a vinte metros do receptor, então a potência de onda
recebida seria apenas de um quarto do que haveria de receber, caso o transmissor
estivesse somente a dez metros.
Aqui, porém, a situação era outra. Havia de fato uma relação de funcionamento
entre o transmissor e o receptor, no tocante à potência de recepção, mas esta relação era
de l/r6.
Se a distância fosse duplicada, a potência de recepção baixaria de um vinte e cinco
avôs. Era um fato novo, estarrecedor. Talvez a própria energia irradiada era sugada por
alguma, coisa existente no ar. O fenômeno tinha uma estranha semelhança com o
desaparecimento da energia de propulsão dos reatores. Bell se deu ao capricho de
formular uma hipótese bem fundamentada, que explicasse cabalmente os fatos. Mas não
lhe foi possível, pois não dispunha dos informes necessários e rigorosamente calculados.
Voltou aborrecido na direção da nave, passando de novo por aquela espécie de amoreira-
selvagem, cujo tronco fora reduzido a oito centímetros.
Levantou o braço e olhou para o barômetro, que, juntamente com outros medidores,
estava embutido no plástico do uniforme. A pressão do ar atingia no momento a 2,8
atmosferas.
***
Foi a primeira vez que Perry Rhodan se aborreceu com a ruidosa gargalhada.
Enquanto a gazela descia numa velocidade reduzida de salto por pára-quedas, a risada
enervante do Ser do planeta Peregrino lhe furava os tímpanos, deixando-o vermelho de
irritação.
Comprimiu as mãos contra os ouvidos, mas foi inútil. O ruído continuava
transmitido por via telepática. Andou de um lado para o outro como se houvesse uma
direção determinada de onde provinha o ruído, gritando a todo pulmão, num acesso de
ira:
— Pare com isto, estúpido! Não há nenhum motivo para rir.
E a gargalhada cessou de repente. Rhodan não estava bem certo se era esta a
maneira adequada de falar com Ele. Mas isto pouco lhe interessava. Não precisava e nem
queria ouvir mais esta risada boba.
Percebeu que seus companheiros olhavam-no atônitos. Quase no mesmo momento,
“ouviu” uma voz longínqua, mas nítida:
— Um pouco nervoso, meu amigo? — a transmissão soava curiosa e afável ao
mesmo tempo. Portanto, Ele não se agastara por ter sido chamado de estúpido. — Eu, no
seu lugar, também ficaria nervoso. Você ainda está a quatro mil quilômetros do fisiotron
e só tem trinta horas para alcançá-lo. Como é que você vai conseguir chegar até lá?
— Não sei ainda — respondeu Rhodan em voz alta, pois tinha a experiência de que
os pensamentos ficavam mais claros quando eram expressos por palavras bem
articuladas. — Não tenho a menor idéia. Mas fique tranqüilo, velho amigo, chegarei lá na
hora certa.
Mais uma vez, a gargalhada estrondosa invadiu os sentidos de Rhodan.
— Estou me divertindo como um rei — disse Ele. — Nunca presenciei uma
situação como esta. Já preguei algum susto em pessoas esquisitas que me queriam
prender numa dimensão de tempo diferente da minha. Naturalmente este susto me custou
um grande número de “eiris”.
— Um grande número de quê? — perguntou Rhodan.
— De “eiris” — respondeu Ele prontamente. — Chamamos assim a energia de
estabilização espaço-tempo.
— Ah! Sim... — disse Rhodan, embora não tivesse compreendido patavina.
— É claro que depois arranjei novas energias — continuou Ele. — Mas já que
você e seus amigos aqui estão, não preciso mais delas. Vocês conseguiram tudo que era
necessário para colocar a mim e a meu mundo na órbita certa.
Rhodan ainda não estava compreendendo nada e o confessou abertamente.
— Você não precisa compreender nada, meu amigo — disse Ele, todo feliz. —
Aconteceu tudo espontaneamente. Foi suficiente vocês chegarem aqui.
Neste exato momento, a gazela pousou em terra firme. O solavanco não foi tão
grande, mas alguém deu um grito de dor. A seguir, tudo voltou à calma de há poucos
segundos. Rhodan não perdeu sua serenidade, — Temos aqui no planeta uma outra nave
— disse ele ao Ser. — Que sabe a respeito desta espaçonave?
— Absolutamente nada — respondeu Ele. — Esta segunda nave não se acha em
meu plano de tempo. Deve estar no espaço normal, com seus tripulantes.
— Quer dizer então que não estão neste mundo?
— Não estou dizendo isto. Estão neste mundo sim — Ele começou a rir novamente.
— Às vezes sinto vontade de me encolerizar, pelo fato de que não posso me distrair
vendo como esta gente se arranja num espaço que lhes é estranho.
— Por tudo que é mais sagrado! — exclamou Rhodan. — Gostaria de poder
compreendê-lo.
— Não procure compreender nada, meu amigo. Pense apenas que você tem
somente trinta horas de prazo, trinta horas que passam depressa. Faça alguma coisa, se
não deseja morrer.
Com isso acabou o diálogo. Rhodan não conseguiu mais falar com Ele. Gostaria
muito de perguntar por Natan, que também devia estar em algum lugar do planeta
Peregrino.
Deu um giro em sua poltrona, ficando de frente para seu pessoal.
— Sei que não vai ter muito sentido, mas se fizermos um grande esforço, haveremos
de comutar os dois transformadores — disse, com um sorriso forçado.
Olhou para John Marshall, o grande telepata, chefe dos mutantes. Marshall
correspondeu a seu olhar. Rhodan não parecia muito alegre, mas compreendia que não
podia jogar fora toda esperança.
Ouviu-se então a voz fria e pausada de Atlan:
— Creio, meu amigo, que não tem mesmo sentido nos esforçarmos pelos geradores.
É tarde demais e não nos sobra tempo para fazermos toda esta mudança. O salto da
Drusus para cá nos custou tempo e toda a energia de propulsão. Acho que nós devemos
nos preocupar em descobrir primeiramente como foi que isto aconteceu. Se descobrirmos
isto, poderemos talvez achar o caminho para refazer o prejuízo mais depressa, do que
através da mudança total dos geradores.
Olhou para Rhodan com muita atenção, dando a entender que esperava uma
resposta. Estava sério, e seu rosto exprimia preocupação de um modo como nunca se
notara antes.
— Talvez... — respondeu Rhodan. — Mas não podemos construir nada sobre um
talvez. Temos de agir, mesmo que pareça completamente sem sentido. Quem sabe
conseguiremos uma ligação de emergência, que...
— Quem sabe... — interrompeu-o ironicamente Atlan. — Você está repetindo o meu
talvez.
Perry Rhodan fez um gesto de ira.
— Com os diabos! Quero arranjar alguma coisa para minhas mãos terem o que
fazer, é tudo. Não posso ficar aqui sentado pensando a vida toda. Isto não é comigo. Mas
se você acha que poderá encontrar uma solução por este lado, almirante, ninguém o vai
impedir.
Neste momento, Ali ei Jagat deu um salto de sua poltrona. Rhodan olhou-o
espantado e reparou que estava pálido como cera, com os olhos fixos na tela.
Acompanhou o olhar de Jagat e conseguiu ver na grande tela, entre as árvores, uma figura
estranha que se tornava cada vez mais nítida. Usava uma couraça da Idade Média e no
antebraço esquerdo trazia um escudo de combate, na mão direita, uma longa espada. Esta
figura estava montada num cavalo, resguardado com placas de ferro no peito e na cabeça.
Parou o cavalo bem diante da comporta da gazela. Pegou uma lança e bateu com toda
força a chapa de aço da comporta. Simultaneamente, os microfones externos captaram
uma voz encolerizada:
— Quem é que se atreve a penetrar nos domínios do Conde Llandrindod sem ser
convidado? Fora com ele! Terá que me dar contas de seu atrevimento.
No mesmo momento, ecoou a gargalhada do Ser de Peregrino, que se divertia com o
incidente.
***
***
Reginald Bell teria que constatar muito cedo que a contração de um planeta inteiro
não podia deixar de ser perigosa para quem o havia conhecido como um todo invariável.
Não sentira isto antes, mas quando viu que a primeira montanha se precipitava contra ele,
percebeu então as conseqüências desta contração ou atrofia.
Bell estava de pé diante da espaçonave para ver como as coisas se desenrolavam.
Nos últimos minutos, o fator de encurtamento ou contração havia aumentado muito.
Podia-se ver a olho nu como a superfície do planeta se contraía — aliás só numa direção.
A largura e a altura das coisas ficavam as mesmas, somente seu comprimento é que se
alterava, até níveis grotescos. A pressão do ar não subia, como Bell imaginara, na mesma
proporção do fator de distorção. Enquanto este último andava pela escala de um para dez
mil, a pressão do ar havia subido apenas vinte vezes. Os pequenos geradores de campo,
para proteção contra pressão excessiva, que foram montados pelo Tenente Tompetch, não
chegaram ainda a ser usados.
Com a distorção de um para dez mil, o litoral sul do mar do norte distava deles
apenas duzentos e cinqüenta metros. O litoral do oceano equatorial, que conforme o
mapa, devia estar a vinte quilômetros da gazela, estava ali, a dois metros. Bell sabia
agora, que ele próprio haveria de parecer para os habitantes do planeta como um monstro
disforme de cinco quilômetros, o que naturalmente o inquietava bastante.
Seu corte transversal estaria certo, mas seu achatamento exagerado lhe daria a forma
de uma barra muito alongada. Portando, um homem-barra, como ele mesmo se intitulava.
As botas de seu traje espacial, que para seus olhos eram de quarenta centímetros,
haveriam de parecer, nas dimensões de contração deste planeta, ter um comprimento de
quatro quilômetros. No entanto, a altura, como também a largura, permaneceriam
inalteradas.
Quando a escala da distorção atingisse um para cem mil, o mar do norte estaria
apenas a vinte e cinco metros deles e as pontas das botas de Bell estariam tocando o
litoral do oceano equatorial.
Mas os interesses de Bell não estavam no sul, mas no norte. No primeiro movimento
que fez sentiu logo que o ar lhe impedia os movimentos. A pressão era agora de cinqüenta
atmosferas. Mas o ar se comportava como se fosse líquido.
Bell tinha que fazer um esforço incrível I somente para se virar. Ele mesmo não
chegou a reparar como seu corpo se modificou. As botas que há pouco chegavam até o
litoral do oceano, voltaram ao tamanho normal, assim que Bell terminou sua meia-volta e
tornaram a crescer desmesuradamente quando completou a volta inteira. Do mesmo
modo, seus ombros cresciam e depois se contraíam e caso se deitasse no chão, no sentido
norte-sul, teria um comprimento de cento e oitenta quilômetros.
Depois ficou parado, com os olhos fixos no norte, vendo que o mar se transformara
numa poça d’água. Viu o litoral do continente do norte que surgia de uma penumbra
avermelhada e os edifícios da grande cidade, construída nos rochedos do litoral. Viu
também como a água vermelha do rio ia de encontro às margens íngremes e depois
fluíam para o mar. O esquisito em tudo isto é que estava vendo uma coisa que, pelo mapa,
distava dele quatro mil quilômetros.
Constatou, com um certo mal-estar, que quanto mais olhava para as construções da
cidade, mais transparentes elas ficavam. Chegou a recear que fossem desaparecer
totalmente, caso a distorção da contração ainda continuasse.
Quando a pressão do ar chegou a cem atmosferas, e a distância até a cidade era de
apenas alguns metros, ouviu o alarme interno do traje espacial. Gritou para Tompetch
para que ligasse os geradores do campo de proteção.
Exatamente no momento em que o tenente estava respondendo, viu que o morro do
litoral sul do mar do norte, cuja aproximação ele já vinha observando, não iria apenas
passar a seu lado, mas atropelá-lo...
Certamente o morro não era nenhum monstro, mas seu flanco leste, que corria
suavemente para a planície, era suficiente para cortar toda esperança de fuga de Bell e de
Tompetch. Ficou parado, fascinado com o fenômeno do morro andante, progredindo em
sua direção. Esperou para ver o que ia acontecer. O céu irradiava uma luz avermelhada.
Em suas dimensões normais, o morro teria alguns quilômetros de extensão, mas com a
distorção de um para um milhão, devia medir correspondentemente também alguns
milímetros.
Bell teve um calafrio só ao pensar que a contração, em que o planeta Peregrino se
encontrava, pudesse ter influências na constituição molecular da matéria e que, agora, o
flanco do morro apesar de reduzido a poucos milímetros, conservasse a mesma força de
antes, isto é, continuasse na impossibilidade de ser transposto.
Era, porém, totalmente impossível tentar um desvio. Olhou em torno e viu
Tompetch subindo na comporta. Estava com um dos geradores preso na cintura e
conseguia se mover com facilidade, graças à proteção de seu campo magnético. Ao invés
disso, Bell tinha que se mover como se estivesse dentro de uma lama pegajosa, de tão
pesado que o ar ficara. Ainda teve tempo de alertar Tompetch:
— Cuidado com o morro! Ele se aproxima de nós.
Viu ainda como Tompetch olhou com calma para a ameaça inesperada e aguardou
firme seu destino, sem desviar os olhos daquilo que iria esmagá-lo. O morro estava quase
rente a eles, questão de poucos centímetros. Era uma estrutura lisa de rochedo, porém
muito delgada.
Mas não era a montanha que vinha ao seu encontro, mas eles é que eram impelidos
contra ela!
Bell se recurvou para frente, a fim de abrandar o impacto com os ombros. Sentiu
uma dor imensa no ombro direito. Por um momento, teve a impressão de que seus ossos
estavam sendo triturados. Mas, de repente, descobriu triunfante uma fenda que corria de
alto a baixo na muralha de pedra.
Recurvou-se para trás e teve vontade de xingar aquele ar horrível, pastoso, que o
impedia de caminhar melhor. Lançou-se mais uma vez para frente, mas a dor foi agora
menor. Bell ouviu um ruído que lembrava o latido de um cão. No mesmo instante, a
fenda se ampliou e a muralha de pedra partiu ao meio, começando a cair. Os pedaços
eram finos demais.
E, na montanha, se abriu uma brecha, pelo menos três vezes maior que o corpo .de
Bell. Ele ainda ficou olhando para a muralha, que apesar de delgada, tinha mais de
duzentos metros de altura.
Bell sorria feliz com o que acontecera. A muralha estava agora cortada em dois
trechos. Em circunstâncias normais, ele e seu ajudante seriam atingidos pelos enormes
blocos de pedra. Mas, devido ao fenômeno da contração, esses blocos não passavam
agora de fragmentos de poucos milímetros de espessura, não podendo feri-los com
gravidade.
Preocupado, procurou por Tompetch. Estava parado ali perto, sem correr nenhum
perigo. O campo magnético de proteção fez com que ele não precisasse se utilizar dos
ombros, como fizera Bell. Na hora do choque, Tompetch se jogou para frente e, no
mesmo instante, se abriu uma segunda fenda na muralha.
Minutos depois o morro atingiu a gazela, mas já então Bell não tinha mais receio,
pois a espaçonave era um milhão de vezes mais resistente do que ele. Realmente, a
delgada parede do morro se partiu em dois ao tocar na gazela.
Bell tentava imaginar o que se passava neste momento no planeta Peregrino, isto é,
lá onde os habitantes fantasmagóricos desse mundo artificial estavam sentindo os efeitos
da contração, que eles mesmos não percebiam. Veriam três coisas disformes: Barras
quilométricas, que eram na realidade dois homens e uma formação de vários quilômetros
de extensão, a nave gazela. Estes objetos estavam num crescimento rápido. Destroçavam
tudo que lhes estava no caminho: árvores, arbustos, casas e até mesmo morros. Neste
momento, o planeta devia estar convertido num verdadeiro caos. Cada movimento
daqueles três objetos — verdadeiros monstros em relação com a contração geral —
provocava um tufão de enormes proporções. Árvores que ainda estavam de pé, eram
arrancadas do chão e levadas pelo planeta afora. Se existissem seres humanos ali,
certamente seriam também lançados para longe. O mar começou a se agitar, dando
impressão de que suas águas estavam fervendo.
E eles mesmos, os três monstros, não percebiam nada. E não podiam notar mesmo,
pois uma árvore de dez metros de copa, parecia para eles com menos de um centésimo de
milímetro. Mesmo que as árvores fossem muitas vezes maiores, não lhes seria mais de
uma sombra sem valor, cujo contato não podiam sentir.
Por uns instantes, Bell estava ali parado, remoendo estas idéias, tentando medir a
desgraça que ele mesmo estava causando. Seu consolo era que os seres do planeta
Peregrino eram em geral seres fantasmagóricos, criados ao bel-prazer do senhor supremo
deste mundo. Com a mesma facilidade com que eram destruídos, podiam ser criados
novamente. Portanto, praticamente, nada se perdia.
E também não havia propriamente uma morte, quando uma rocha ou uma árvore se
abatia sobre alguém. Tudo era sombra, até mesmo seus corpos.
A voz tranqüila de Tompetch o veio arrancar destas divagações.
— Ligue seu gerador, senhor, a pressão do ar subiu a cento e vinte atmosferas.
Bell tentou se virar, mas não conseguiu. Tompetch notou seu apuro e aproximou-se.
Bell, muito assustado, reparou que alguns minutos mais tarde nem conseguiria mais
levantar os braços para pegar o gerador. O ar se havia transformado em algo semipastoso
e pesado. Com muito custo afivelou o gerador na cintura do seu traje espacial. Teve então
a sensação de que aquela carga de chumbo que comprimia todo o seu corpo havia caído
por terra. Experimentou levantar o braço e viu que não sentia mais nenhuma dificuldade.
Por trás do morro, apareceu o mar do norte. A ponta da bota de Bell já estava
ultrapassando o litoral. Do outro lado do córrego, pois era esta a impressão que dava o
antigo mar, via-se o litoral íngreme do continente norte. A cidade no topo do morro não
era mais que uma sombra. Pela contração progressiva, Bell achava que não iria mais
identificá-la. Se o mar a norte se havia transformado num regato de poucos centímetros, o
que seria então da cidade?
No meio destes pensamentos, ouviu um grito. Olhou para o lado e deu com o
semblante tranqüilo de Tompetch, olhando distraído para o mar estrangulado. Além disso,
a voz que ouvira era muito diferente da do tenente.
— Puxa vida! — disse ele mal-humorado.
No mesmo instante, a voz voltou a se manifestar:
— Apresente-se, Bell, estou em ligação com você. Quem está falando é John
Marshall.
A resposta de Bell foi uma risada. Virou o rosto, como se estivesse vendo o
semblante de Marshall em qualquer lugar e respondeu:
— Puxa, já era mesmo tempo de vocês se manifestarem.
***
***
***
A situação ainda era esta: O mar do norte continuava a ser uma pequena poça
d’água, com pouco mais de meio metro de largura. Se Bell desse um passo pequeno, já
estaria do outro lado, isto é, no continente do norte.
Mas estava hesitando muito em dar este passo, sabendo que isto causaria grande
agitação na atmosfera, movimentando seu corpo de mil quilômetros de comprimento.
Levantou bem devagar o pé direito. Guardara bem na memória o local onde estava a
cidade. Não conseguia mais vê-la, pois seus edifícios, de tão microscópicos, haviam
desaparecido. Tinha, porém, certeza de que não prejudicaria ninguém, pelo menos não
intencionalmente. As conseqüências do pé-de-vento, que sua passada provocaria, não as
podia imaginar.
Mike Tompetch faria também os mesmos movimentos que Bell. Seguindo seu chefe,
levantou o pé, transpondo todo o peso do corpo para a perna esquerda, inclinou-se em
câmara lenta para frente. Depois que o centro de gravidade do corpo atingiu o meio do
mar, começou a conduzir o pé direito para frente.
Veio então o momento trágico.
Não estava mais se agüentando sobre o pé esquerdo e tinha que descer com o outro
pé, com mais velocidade do que queria. Desesperado, olhou para Bell. Mas a situação de
seu chefe não era melhor que a dele. Ambos perderam o equilíbrio no mesmo momento.
O tufão que agora varreria o planeta seria muito forte.
Depois, Bell não tendo mais coragem de virar o rosto para trás, olhou apenas com o
canto do olho e viu a gazela parada ali mesmo, tão perto que esticando o braço podia
tocá-la. Quando acabasse a contração, já estaria a quatro mil quilômetros deles.
— Estamos a cinco quilômetros a oeste da cidade — explicou a Tompetch. —
Temos pois que caminhar um pouco. A contração só atua do norte para o sul. Do oeste
para o leste, não há alteração nenhuma. Caminhemos com cautela. Não temos tempo de
sobra, mas também não queremos transformar o planeta num deserto. Se levarmos duas
horas para atingir a cidade, teremos agido com bom senso.
Puseram-se a caminho, com muito cuidado.
***
Uma cena tão grotesca assim, Perry Rhodan jamais tinha visto. As duas barras
enormes, que outra coisa não eram senão Bell e seu tenente, apesar de toda cautela,
provocavam grande agitação na atmosfera. Rhodan então deu ordem para que o
fenômeno fosse filmado. Dispositivos ultra vermelhos proporcionavam uma filmagem
normal, embora os olhos dos espectadores quase não conseguissem ver os movimentos
feitos sob densa poeira.
Rhodan olhou novamente para o relógio. Tinham ainda dezenove horas.
***
Durante a caminhada para a cidade, se deu o clímax da contração e, daí para frente,
seria a lenta volta ao normal. Foi com estupefação que Bell constatou que o movimento
de volta ao normal ia bem mais rápido do que o aumento da contração.
Uma hora e meia após o ponto máximo da contração, na região do continente norte,
a cidade começou a crescer diante de seus olhos. Os contornos dos edifícios, até então
reduzidos a uma espessura inimaginavelmente delgada, dilatavam-se, quebravam a luz do
sol, produzindo um lindo efeito de cores para os olhos dos dois viandantes.
Meia hora depois, quando já estavam entrando na cidade, o mar do norte já estava
tão amplo, que não conseguiam mais ver sua gazela. E pouco tempo depois, desaparecia
também o litoral sul do mar do norte.
Apesar disso, seus ombros ainda estavam largos demais para penetrarem na cidade.
As ruas pareciam estreitas para eles. Tiveram que esperar.
***
***
***
***
O céu ficara de novo mais claro, quando Bell e Tompetch deixaram a torre e se
dirigiram para a praça, onde havia a grande galeria. Caminhavam por ruas desertas da
cidade gigantesca, que estava morta e parada — com exceção do vulto que saiu de
repente da sombra de uma casa.
Reginald Bell se lembrou dele — o homem de roupas esfarrapadas, com a
cartucheira caída na barriga e os dois polegares enganchados nela.
— Alô, onde vão estas duas figuras? — perguntou ele.
Era a mesma voz que ouvira há mais de sessenta anos, no mesmo lugar.
— Para onde estão indo vocês? Conhecem esta cidade? Sabem qual é a distância
entre Dodge e Wichita? Queria ir até lá.
Bell fez cara de quem não estava gostando muito daquele encontro e respondeu:
— Trinta e oito milhas, estranho. Você não tem um cavalo?
A figura abanou a cabeça.
— Não. Foi abatido pelos vermelhos. Estou agora procurando outro, mas quem vai
achar um cavalo nesta cidade miserável?
Dizendo isto, a figura desapareceu subitamente, como se nunca tivesse estado ali.
A praça ficou vazia de novo e Bell sentou-se no chão. Não sabia que horas eram,
nem quando terminaria o prazo. Sabia apenas que não entraria no fisiotron, antes de Perry
Rhodan. Era o segundo homem do Império Solar e jamais queria ser mais do que isto.
Mike Tompetch não tinha tantos cuidados assim. Andava de um lado para o outro,
contemplando as construções da cidade. Ouviu, de repente, o zunido característico da
gazela, que se aproximava da cidade, depois de ter atravessado o mar.
Bell levantou-se e abanou as mãos para saudar os companheiros.
***
***
Depois de ficar parado na praça muitas horas, sem que nada acontecesse, Natan
resolveu andar pela cidade, olhando os enormes edifícios. Não gostou. Sentia saudades da
grande espaçonave, que era muito mais agradável do que esta cidade morta.
Em sua desolação, não reparou que a gazela havia descido na praça. Continuava
perambulando pelas ruas, quando o sol artificial já estava para se pôr.
Perry e Bell estavam diante da gazela, contemplando o céu avermelhado.
— Esquisito — disse Rhodan — estamos em dois espaços diferentes. Você
continuou no Universo de Einstein, enquanto eu me encontro no mesmo espaço
intermediário do planeta Peregrino. Você está vendo o céu vermelho e meio escuro, eu o
vejo claro e azul. E apesar disso, podemos conversar um com o outro, ver e apalpar as
coisas.
Bell não disse nada.
— Parece — disse Rhodan depois de curto intervalo — que a vida orgânica está em
condições de superar certos limites da natureza. É um mistério que...
Parou de falar, quando notou que uma sombra saía da rua e entrava na praça.
Constatou que aquela névoa indecisa tomava as formas de uma figura humana e vinha
flutuando em sua direção.
— Natan! — exclamou Rhodan. — Natan está aqui de novo.
No mesmo instante, reboou a gargalhada do Ser do planeta, sobre toda a grande
praça. Veio tão depressa, que Rhodan se assustou.
— Preste atenção. É agora que algo vai acontecer.
Rhodan viu como a existência como espírito de Natan desapareceu pela comporta
aberta da gazela. Bell deu um passo rápido para frente e perguntou atônito:
— O que que Ele está dizendo? Que significa...
Não terminou a frase.
O fim do mundo começou inesperadamente. Bell sentiu-se atirado para o lado, como
se tivesse recebido um estrondoso pontapé de um gigante. Logo depois, sofreu a mesma
dor aguda da desmaterialização, que havia experimentado há pouco no fisiotron. Estava
tudo escuro e ele estava morrendo.
Sim, morrendo de medo.
Esperava rebentar-se em pedaços a qualquer momento.
Ao invés disso, porém, a dor cessou de repente. Bell se viu deitado no chão da
grande praça, olhando para um céu que agora estava tão azul como o céu do Arizona. E
no meio do céu, estava o sol artificial do planeta.
***
— Cheguei a saber alguns segundos antes de acontecer — disse Atlan — não tive,
porém, tempo para lhe comunicar, administrador.
Rhodan respondeu apenas com um sinal da cabeça. Estava ainda com os reflexos da
dor, a mesma dor que sentiu na transição da gazela com os raios transportadores.
— Eu disse desde o princípio — continuou Atlan — que o espaço de meio tempo,
em que se encontra este planeta, era uma formação muito instável. Bastaria um
movimento leve para alterá-lo e fazê-lo voltar à estabilidade. Mas, felizmente, isto já
aconteceu. O planeta Peregrino está no espaço normal. Sabemos, desde alguns segundos,
que temos contato normal com a Drusus. Não está a mais de dez minutos-luz do planeta
Peregrino. A volta ao espaço normal nos custou um dia e meio. Estamos agora no dia três
de maio, nove horas da manhã.
“A energia de que o planeta Peregrino necessitava para sair da instabilidade do
espaço intermediário não era pequena. Tirou-a dos mecanismos de propulsão das duas
gazelas. Mais ainda: a energia sugada das naves não foi suficiente para provocar a
reviravolta no ambiente do planeta. Quem forneceu a energia faltante foi a instalação que
Bell e Tompetch descobriram e ativaram na cidade.
“E finalizando: Quando a energia necessária para a inversão do espaço intermediário
estava quase toda reunida, faltava ainda um nadazinho para provocar o transbordamento.
E quem o forneceu? Foi Natan, quando, cansado e desolado, voltou a seu corpo, deixando
neste mundo a energia que trazia consigo para manter sua existência como espírito.
“Isto é um resumo de toda história. Haveremos de calcular tudo com exatidão e
dureza, quando desvendarmos a teoria do espaço intermediário.”
Virou-se para o lado e sorriu para Ali el Jagat. Este correspondeu ao sorriso.
— E também iremos dar toda atenção, teórica e prática à dimensão do tempo
relativo dos druufs.
Rhodan levantou-se, deu um passo à frente, tropeçando no corpo de Natan, que mais
parecia uma vaca-marinha. Natan não escondia sua alegria de estar de volta. Rolava feliz
no chão, soltando guinchos de alegria, que não eram ouvidos, por serem emitidos em
vibrações de ultra-som.
Rhodan olhava para a tela panorâmica. A vinte metros da comporta da gazela, via-se
o grande portão que dava para a galeria do fisiotron.
“Que mundo extraordinário é este!”, pensou Rhodan, o administrador.
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Em Últimos Dias de Atlântida, título do próximo livro
da série, lances estupendos acontecem. E Atlan, o arcônida
imortal, vai reviver um pouco da mitologia da Terra.