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Projeto Klauss Vianna, um resgate histórico

Depoimento de Décio Otero

Sede do Ballet Stagium, Rua Augusta, São Paulo, 9 de outubro de 2008

Entrevista à Paula Grinover

Décio Otero nasceu em Obá, Minas Gerais, em 1933. Em 1951 ingressou na escola do
professor Carlos Leite, diretor do Ballet de Minas Gerais onde conheceu Klauss Vianna e
logo se tornou um dos principais bailarinos. Mudou-se para o Rio de Janeiro em 1956 e
ingressou no Ballet do Teatro Municipal tornado-se primeiro bailarino da companhia. Em
1964, parte para uma carreira na Europa onde integra as companhias Grand Theatre de
Genéve Ballet, na Suíça, Ópera de Colônia e Ópera de Frankfurt, na Alemanha. Em 1970,
retorna ao Brasil e, no ano seguinte, funda ao lado de Márika Gidali o Ballet Stagium. Está
à frente do grupo até hoje como diretor e coreógrafo. Recebeu inúmeros prêmios durante
sua carreira e é um dos nomes mais significativos da dança no Brasil.

Décio Otero – Vamos mexer no passado...

Paula Grinover – Como você conheceu o Klauss Vianna?

Décio Otero – O Klauss eu conheci em Belo Horizonte, em 1951. Acontece que eu tinha um
colega no colegial que estava com problema na coluna e o médico receitou que ele fizesse
ginástica ou terapia e indicou o professor Carlos Leite. Então ele me disse: “olha Décio,
sozinho eu não vou não, você não quer me acompanhar?” E eu disse vamos lá. E fomos ao
Carlos Leite que foi o primeiro professor do Klauss Vianna, meu primeiro professor. Tinha
um estúdio no décimo primeiro andar no centro de Belo Horizonte chamado Edifício IAPI.
E nós fomos fazer ginástica. Um dia o Carlos Leite me disse: “pega ai naquela madeira ali”.
Eu falei ta, tudo bem, era uma barra de balé. E ele: “faz isso, faz aquilo, faz aquilo outro”.
Ai ele virou para mim e disse: “olha, você é muito talentoso, você deveria estudar dança”.
E comecei a estudar dança no dia seguinte deste encontro com o Carlos Leite e já
encontrei o Klauss na aula. O Klauss já estava no Carlos Leite há uns dois ou três anos
antes de mim. E a gente, com o passar do tempo, se tornou grandes amigos lá em Belo
Horizonte. Eu freqüentava muito a casa que ele tinha lá no centro, (bairro) Funcionários,
eu acho. E ele tinha um irmão, Ruy, e a avó, que era a avó de todo mundo. Uma avó alemã
e era uma pessoa assim maravilhosa, de um coração, generosa. A casa era aberta para
todo mundo, aquela porção de intelectuais da época, bailarinos, e eu comecei a
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freqüentar a casa do Klauss e a gente se tornou grandes amigos. Ai eu comecei a namorar


uma menina do Carlos Leite e ele começou a namorar uma francesinha, antes da Angel. E
eu já tinha muita experiência com o negócio de namorada e ele era a primeira (risos) que
ele arranjava, a Nadine. E ele disse: -“Ô Décio vamos conversar, como é que a gente faz?
Como namora?” E a gente sentava no meio-fio e ficava horas conversando. O Klauss já
dançava papeis importantes, Sílfide e outros, mas isso não era para o porte dele. Ele tinha
o biotipo de jogador de basquete, ele era um homem alto, e sempre teve muito problema
com a técnica da dança. Eu acho que foi por ai que ele se enveredou no estudo que ele
começou a fazer.

Mas eu queria contar o seguinte: foi muito engraçado porque eu comecei a estudar dança
e eu era extremamente talentoso e logo no primeiro ano eu já passei a dançar os
primeiros papéis, inclusive Sílfide, que houve até um... isso antes de a gente ficar amigo...
Um qüiproquó, um mal-entendido e eu escutei dizer que o Klauss havia dito que eu tava
pegando os papéis dele, mas era tudo bobagem e a gente fez uma reunião depois e ficou
tudo bem.

O que mais eu me lembro daquela época? Belo Horizonte naquela época era muito
sufocante para os artistas e nós tínhamos uma turma muito grande, era o Klauss a Angel ,
o Maschner (João), aquele menino das artes plásticas, o Frederico Morais...

PG – A Geração Complemento...

DO – É. O Ângelo (Ivan) que depois veio para São Paulo, era a alta intelectualidade...

PG – Silviano Santiago...

DO – Silviano Santiago, a Jura (Otero), que depois a gente se casou... E a gente vivia
naquela coisa do existencialismo, do Sartre (Jean-Paul Sartre, Paris 1905-1980), da Simone
de Beauvoir (Paris 1908-1986) e a gente batia papo sobre toda aquela angústia muito
grande sobre o corpo e tudo que a gente queria ver, inclusive a dança. Isso foi e m 1960,
62 e a gente dançava... E o Carlos Leite foi para a Europa de férias e nós resolvemos fazer
um espetáculo para ele de surpresa, para quando ele voltasse. E essa foi minha primeira
coreografia. A gente se reuniu, eu, Klauss, Angel e aquele pessoal todo e fomos trabalhar
um espetáculo, a pianista dona Zezé Negrão de Lima, a Vera Lúcia Coelho... Eu me lembro
que eu fiz a Sonata ao Luar, de Beethoven, sobre a história do louva-deus. Klauss fez a
Cobra Grande. Eu dançava a Cobra Grande e dançava o meu próprio balé com a Astrid
Hermanny. Ai o Carlos Leite chegou e a gente apresentou para ele e ele ficou muito
emocionado, disse que ia conservar no repertório. O que me chamou mais atenção foi o
fato de o Klauss se enveredar por esta coisa da lenda amazônica, aquilo aguçou a cabeça e
foi muito legal para aquela época.
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Logo depois eu fui para o Rio de Janeiro onde eu passei nove, dez anos e o Klauss
continuou em Belo Horizonte, inclusive abriu a sua própria escola na casa onde ele morava
com a avó e eu sempre que ia de férias, ia trabalhar lá, ia com a Jura (Jura Otero, sua ex-
mulher). Ele me convidou várias vezes para dançar os balés que ele começou a montar por
lá: O Caso do Vestido, do Drummond, Emanuense Belmiro, todos aqueles...

PG – Você dançou o Caso do Vestido também?

DO – Dancei.

PG - É considerado uma das primeiras obras... Ditas modernas brasileiras...

DO – Ele, para aquela época, já tava bem avançado. Ele era muito intelectual, tinha uma
cultura muito grande e começou a chamar a atenção este lado dele de estar utilizando a
dança como um novo meio de expressar o que não se usava na época... Coreografar o
Caso do Vestido era uma grande novidade. Eu lembro que ele já tinha começado a estudar
o corpo, postura, o desenvolvimento muscular, o esqueleto... Logo que eu entrei no Ballet,
tinha aquela porção de bailarinos e ele falava: “o único aqui que vai ser grande bailarino é
o Décio!” (risos) Imagina! Ele dizia que eu tinha tudo no lugar e tinha todas as condições.

A gente conversava muito. Ele tinha muitas dúvidas sobre técnica, sobre como fazer
impostação, como ajudar os bailarinos, porque naquela época, praticamente, só se
estudava dança por foto, através de foto. Mesmo no Rio de Janeiro, quando eu fui para lá,
eu era muito talentoso, e eu fui perdendo a técnica porque as pessoas não se
interessavam por você, não sabiam te ajudar ou te indicar quem soubesse. Na época era
um estudo muito impessoal. E o Klauss não. Ele se interessava, pegava na pessoa, queria
ajudar, descobrir, sempre aquele “por que”, “como”, dele... Acho que ajudou a desenvolver
esta técnica que ele, bem mais tarde, aplicou...

Agora, o grande sonho do Klauss Vianna, e eu sei pois ele me confidenciou várias vezes,
era ser um grande coreógrafo. Só não foi, isso é opinião minha, do Décio Otero, só não foi
porque ele era extremamente medroso, tímido. Eu dizia assim para ele: “Klauss, mas
tende fazer!” E ele: “Ah não, nego...” Aquele jeitinho dele... E como eu já tava no Rio, já
tinha trabalhado com Carlos Machado, um cara que fazia musicais maravilhosos no Teatro
Serrador, e era muito amigo meu, porque várias vezes eu salvei shows dele aprendendo
um show de tarde para dançar de noite quando alguém se machucava. E eu disse a ele: “Ô
Machado, lá em Belo Horizonte tem um rapaz extremamente talentoso, um coreógrafo”.
Eu enchi a cabeça dele e ele disse: “Fala com ele para vir”. Eu falei com a Jura que estava
no Rio e nós fomos para Belo Horizonte, conversar com o Klauss. Disse que eu tinha
conversado com o Carlos Machado e que ele daria toda a infra-estrutura para o Klauss
montar o novo show do Carlos Machado. Cê sabe disso, dessa história?
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PG – Não...

DO – Então seria para fazer a coreografia do novo show que teria um tema brasileiro e
tal... Isso deve ter sido 57, 58, por ai. Nesta altura, a fama dele já tinha ultrapassado o
estado porque tinha saído uma grande reportagem na Revista Cruzeiro, toda colorida...

PG – Tem esta reportagem lá no acervo...

DO- Pois é. Daí eu levei o Carlos Machado para vê-lo e ele ficou todo entusiasmado... Bom,
para tirar o Klauss Vianna de Belo Horizonte, você não sabe o que foi! Ele ficou: “imagina,
não tem como ficar!” Ficou naquele vai-não-vai, só sei que ele veio. Começou a trabalhar
em Copacabana, no Posto 4, por ali, ele tinha um estúdio lá. E eu me desliguei porque
tinha minha vida e parece que estava indo muito bem. De repente ele resolveu desistir,
voltou para Belo Horizonte e não completou o trabalho...

PG – Ninguém comentou sobre esta história...

DO – Ele voltou para Belo Horizonte, e sempre que eu ia, a gente se encontrava, eu
dançava com a Angel na televisão, Dom Quixote, O Caso do Vestido...

PG – Carnaval... Tem uma foto sua com Angel dançando Carnaval com umas máscaras...

DO – É pode ser... Inclusive eu montei uma coreografia para o grupo dele. Ele tinha
convidado o Denis Gray para montar... Olha o que a gente lembra! Ele gostou de mais, eu
não me lembro o nome, mas foi dessa época ai. Era só forma, não tinha conteúdo não...

PG – Nós temos algumas matérias dessa época (lendo): “Nas suas apresentações do mês
de maio, o Musical Merci, levado ao vídeo pela Itacolomi sob os auspícios do
Supermercado das Mercearias Nacionais ofereceu ao telespectador mineiro alguns
espetáculos de ballet de primeira categoria. São espetáculos montados por uma equipe de
bailarinos da melhor qualificação artística e sempre empenhados no constante
aperfeiçoamento da arte do ballet. Sob a direção de Klauss Vianna, um artista consumado
e que aperfeiçoou sua técnica junto aos melhores professores de ballet do país,
dedicando-se hoje ao ensino daquilo que há anos vem estudando. Os números de ballet
que Musical Merci vem oferecendo ao público telespectador tem agradado de maneira
geral. A foto acima mostra-nos o bailarino Décio Otero, primeiro bailarino do Teatro
Municipal do Rio de Janeiro, quando dançava uma coreografia extraída por Klauss Vianna
de conhecido poema de autoria de Carlos Drumond de Andrade. 6 de junho de 1962”

DO – Então eu tava no Rio de Janeiro, já era primeiro bailarino.

PG – Quanto tempo você ficou dançando no Rio?


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DO – Eu fiquei de 1956 a 1964. Ele veio logo no começo com esta história do Carlos
Machado, ai depois eu me desliguei um pouco...

PG – De 1962 a 1964 ele morou em Salvador...

DO – Foi quando ele conheceu Rolf Gelewski que se tornou grande amigo dele...

PG - E em 65 ele se muda para Rio...

DO – Eu não peguei ele, em 65, eu já tava na Europa. Eu peguei o Klauss quando eu voltei,
em 69, ele tava lecionando no estúdio da Tatiana Leskova e foi inclusive na época que a
Marcia Haydée fez aulas com ele e foi muito bom para ele. A gente se encontrava a noite,
tinha uma menina que trabalhava com ele, a Tereza D’Aquino. Ele morava no Posto 6, se eu
não me engano, já tinha o Rainer garotinho. Ai não sei mais o que aconteceu com ele.

PG- Você veio para São Paulo em 70?

DO – Eu vim em 1971 e não peguei mais no Rio e aqui em São Paulo não cheguei a ter
contato muito com ele.Muito raramente ele via meus espetáculos, mas a gente não se
falou muito, eu só sabia do trabalho dele, tudo que ele tava fazendo, o que ele pretendia
fazer. Uma vez ele convidou eu e a Márika para ver o trabalho dele lá no Municipal, o
Bolero. Mas não deu certo, digo no sentido de longo prazo, porque todo trabalho que
depende de dinheiro público... Troca a gestão, troca tudo...

PG – Você diz lá como diretor do Bale da Cidade?

DO – É.

PG – E vocês chegaram a ter contato para montar alguma coisa juntos? Ou você já tinha o
Stagium...

DO – Já tinha o Stagium e viajávamos muito, muito. Eu tenho uma lembrança muito


grande desta época de Belo Horizonte, do Carlos Leite, que a gente era muito amigo, mas
muito amigo mesmo. Nós, a Jura, a Angel, éramos bailarinos que tínhamos muitos
problemas com relação a aquele ideal que a gente achava que bailarino deveria ser. O
porte, o pé bem formado... E ai começou essa procura de como ajudar as pessoas com
problemas e acho que foi isso que o Klauss pode se aprofundar e chegar a um método
fantástico. Ai ele veio para São Paulo e todo mundo ia fazer aula com ele... A Zélia
(Monteiro) que era daqui e depois foi para lá, esse pessoal precursor dele, do método
Klauss Vianna... Mas ai a gente só ficava sabendo pela janela. Depois ele ficou muito amigo
do Ivaldo (Bertazzo), o Ivaldo foi para o Rio e depois brigaram porque parece que o Klauss
não gostou do espetáculo dele e ele ficou sabendo, aquelas coisas...
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Mas o Klauss era uma pessoa instigante, era um cara que fazia bem pela sabedoria, pela
cultura, por tudo que ele tinha e fora esta parte humana, que era uma coisa muito bonita.
Ele praticamente me recebeu como filho na casa dele, eu ia para lá namorar, ficava
namorando na casa dele... Teve muita coisa boa. Eu lembro bem, depois que ele namorou
a Nadinha, ele começou a namorar a Angel. Ela de família síria, Angel Abras. A gente era
assim. Eu tive uma juventude muito legal e eu tive amigos que me abriram os olhos e o
campo de percepção...

Como chama aquele outro, das artes plásticas? Éramos amicíssimos, um crítico de arte...
Frederico Moraes. E a gente ia para o sítio dele no fim de semana, a gente conversava,
andava junto e freqüentava todos os bares de Belo Horizonte, e ninguém queria mais
saber da gente porque era tanta “gastação” e a gente não pagava... (risos) Aquelas coisas
de turma. Mas foi uma época maravilhosa porque cada um, dentro do seu setor, aspirava
sonhos de ultrapassar aquelas montanhas de Belo Horizonte... (risos).

PG – Você acha que ele te deu esta confiança de que você seria um grande bailarino? Ele
te ajudou com isso?

DO – Sem dúvida nenhuma, sem dúvida nenhuma. Ele demonstrava que achava que eu
tinha muito talento. Ele era mais velho que eu e me ajudou muito. Para todo mundo que
ele podia falar sobre a minha pessoa, ele falava, sobre meu talento. Ele ficava muito feliz
quando eu ia para lá fazer aula com ele e, no Rio de Janeiro, cheguei a fazer aula com ele
também quando ele estava na Tatiana Leskova. Inclusive a Tereza que levou a Márcia
Haydée lá. Ela estava em turnê, bailarina em turnê a técnica vai que vai, vai embora. E
parece que ela adorou a aula, porque o Klauss era um mestre. Ele colocou o esqueleto da
Márcia todo no lugar direitinho. Era um terapeuta, não só do corpo, mas da alma. Foi um
grande cara e teve uma vida muito curta para tudo aquilo que ele poderia ter feito, fez
muita coisa, mas poderia ter feito muito mais. E a Angel é uma grande Diadorim, uma
grande mulher, porque perder o marido, depois perder o filho naquela coisa trágica!

E ela foi uma grande companheira para ele. Eu lembro que ela ajudava muito na escola e
no balé dele e ele sempre brincava: “Angel ta ficando louca, imagina que ela recebeu a
mensalidade do bailarino e (risos) botou no bolso e sentou em cima!” Ela é muito legal!

PG – E vocês não têm mais contato?

DO – Muito pouco, uma vez ela veio a São Paulo e veio aqui, mas a gente se desligou né,
mas eu sempre fico sabendo do que ela ta fazendo lá na faculdade... Cada um vai para o
seu caminho. A gente dançou lá no Rio no Centro Cultural do Correio, mas ela não
apareceu...
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PG – Teve uma época que o Klauss foi crítico de dança do Jornal do Brasil e ele escreveu
um texto chamado Recado para Décio e Márika...

DO – Eu tenho este texto!

PG – Você lembra?

DO – Foi quando ele tava no Rio e a gente foi dançar na Sala Cecília Meireles. E quando eu
vim para São Paulo com a Márika, ele tinha ganhado um prêmio junto com ela, eles
dividiram o prêmio, cada um com uma peça. Ele com O Exercício e ela com uma peça que
eu não lembro o nome.

PG – A gente tem algumas coisas bacanas no acervo com você... Podemos ver... fotos,
programas, material de imprensa... Tem uma entrevista que o Klauss deu em Belo
Horizonte quando ele montou o Dã-Dá e ele falava: (...) Belo Horizonte Tinha tudo contra:
primeiro eu não tinha físico, tinha uma perna mais comprida que a outra, eu nunca
conseguia fazer certos passos, certos tipos de trabalho, mas eu era aquele bailarino que se
apresentava muito bem. E tinha o rival (rindo) que era o Décio Otero, que tinha uma
técnica muito bonita. E o Décio ficava danado porque elogiavam a minha maneira de
apresentar e não falavam da técnica dele, esse tipo de coisa.(...)

DO – (risos) Havia essa coisa, eu comecei a contar e não quis me alongar muito... Quando
eu entrei para o Carlos Leite e peguei os papéis que ele fazia, ai deu confusão. Ai deu uma
confusão tremenda. Eu me lembro que um dia, eu cheguei no Carlos Leite chorando
porque eu gostava muito do Klauss já, e eu disse; “olha professor disseram isso e aquilo”.
Ai o professor foi falar com o Klauss sobre isso... E o Klauss veio, chegou perto de mim para
se justificar e explicar que foi um mal entendido e disse: “Imagina que eu vou atrapalhar a
carreira do menino!” Eu nem sabia que estava tomando o papel dele, nem nada... E ai
depois passou esta confusão e a gente ficou muito amigo, muito amigo mesmo. E ele
achava mesmo que tinha uma perna mais comprida que a outra, ele era um jogador de
basquete. Eu me lembro de uma foto que se eu encontrar eu vou mandar para você... Eu
sentado no chão com ele...

PG – Qual a grande lembrança que você guarda dele?

DO – Do Klauss? Não sei, em uma palavra só fica difícil... Agora no todo, ele foi um
processo muito feliz de aprendizado de vida para mim, uma das coisas que eu lembro que
tiveram, numa grande parte da minha vida, enorme importância. Foi um abridor de portas
que me mostrou o que era bom, o que era para ser estudado, as idéias, o que a gente
devia fazer, me abriu a cabeça para o mundo. Eu vinha de uma família muito humilde,
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minha mãe era praticamente analfabeta e ele me abriu o sentido de grandes descobertas,
de grandes descobertas! O que ler, o que escutar em música, foi um professor de vida!

PG – O que você se lembra da aula dele?

DO – Eu lembro de uma coisa de impostação de coluna lombar. O grande problema de


bailarino é lordose. Então, ele mandava a gente encostar na parede, encostar toda a
coluna, flexionando a perna e, muito lentamente, ir esticando e mantendo a coluna na
parede. Era para a gente perceber o que seria o ideal de ir trabalhando na barra com a
coluna no lugar. Esse exercício eu lembro muito...

PG – Você usava estas coisas na suas aulas?

DO – Ah sim, muitas coisas eu usava. Eu não tive tempo de me aprofundar em um método,


mas sempre me interessei em ajudar o bailarino com o que a gente vai adquirindo durante
a vida, se conscientizar, trabalhar, impostação, etc.

PG – Os valores que ele tinha ficaram na tua aula...

DO – Ficaram e até hoje eu sou assim, procuro ajudar os bailarinos neste sentido. Porque o
que nos fez muito mal na época, foi não saber cientificamente o porquê das coisas. A
gente ficava muito angustiado com o porquê de a perna não subir? Por que é assim? E isso
é que me levou a ir para a Europa, não para fazer carreira, eu não queria ser primeiro
bailarino, mas para aprender. O que me perturbava muito na época, como eu te disse, é
que eu era muito talentoso em Belo Horizonte, tudo que eu fazia para a direita, eu fazia
igual para a esquerda, mas com o passar do tempo, no Rio de Janeiro, eu fui perdendo
essa técnica. E comecei a grilar: mas por que eu tô perdendo? Devia estar melhor! Alguma
coisa está errada no método. Ninguém chegava em você e falava: “olha cuidado com isso,
faz assim...” E eu pensava: quem sabe na Europa eu consigo aprender alguma coisa... E
aprendi. A técnica lá já era muito mais desenvolvida. Aqui, a gente procurava o protótipo
através de foto, não tinha referencial, cada um ficava voltado para seu próprio umbigo, no
Teatro Municipal do Rio. Teve na época a Nina Verchinina que começou a montar seu
método de aula que era uma coisa com mais contexto. Mas clássico não tinha nada.
Dançavam os primeiros papéis as estrelas que nasciam a “Deus deu”. Então “Deus deu” a
perna bonita para dona Beatriz Consuelo, dona Maria Angélica e elas eram grandes
bailarinas. Mas não havia um método que várias pessoas pudessem fazer. Hoje em dia, o
método de ensinar a dança clássica progrediu tanto que você pode fazer vários primeiros
bailarinos através de trabalho. Antigamente, era primeiro bailarino quem “Deus deu”. E os
pobres coitados ficavam de cenário a vida inteira. Hoje está até difícil porque todo mundo
tem a perna lá no alto... Essas chinesas, cê já viu!
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PG – Você teve grandes mestres na Europa?

DO – Tive o Serge Golovine (Monte Carlo, 1924 – Paris 1998), do Gran Ballet do Marques
de Cuervas, a Mary Skipping era uma grande professora inglesa e tinha uma outra que eu
não lembro o nome e depois ficou muito famosa em Nova Iorque e todos os bailarinos do
American Ballet Theatre faziam aula com ela...

PG – Que bacana saber que vocês foram grandes amigos... e ele te deu este impulso
inicial.

DO – Foi uma grande admiração de ambas as partes. Eu por ele, pela cabeça, a paixão pela
cabeça e ele que achava que eu seria o ideal de bailarino... Ele me admirava muito!

(FIM)

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