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Onde estamos?

Onde estamos? Estamos no inferno


onde a vida em baixa já não vale nada.
As mineradoras cavam labirintos bloqueados
e emprenham barragens que vazam pus
que faz circular febre e morte nos rios até o mar.
Os dinossauros voltaram do fundo do oceano,
os crocodilos saem aos borbotões pelas manilhas,
os escorpiões aprenderam a voar cuspindo navalhas
e os tubarões passeiam na praia com o uniforme do choque.

As instituições continuam funcionando


e as engrenagens do acordo se encaixam
quando berramos juntos o seu mantra:
– Agora, sim, entra tudo nos eixos.
Desinfetamos os parasitas do dinheiro.
Recolhemos os homens-lixo e doamos choque elétrico
às baratas pedindo esmola e aos ratos na marquise.
No asfalto quem não anda de carro é alvo
e na calçada quem reclama fome e frio gruda
na esteira dos tanques e vira lavagem no valão dos porcos.
Derrubamos todas as pontes, queimamos
os refúgios mais recônditos, instalamos pregos
nos bancos da praça e infectamos cobertores com tifo.
Montem as forcas e preparem os postes:
vamos começar a nova temporada de caça
e arderão nas grandes fogueiras primeiro os inúteis
e os indesejáveis, depois os subversivos, os colaboradores
e os simpatizantes, depois os silenciosos e os indiferentes
e finalmente todos os indecisos: encheremos até a boca
transbordar todas as crateras vazias do minério que foi.

Enquanto isso lá fora os fones sussurram


nos ouvidos que aguardam a fila do embarque:
– Pensem positivo, pensem em frente,
não desanimem, lutem, sejam crentes,
trabalhem duro e não reclamem do nada.
O seu fracasso é sempre seu e de mais ninguém.
Se lhes falta sonho de prosperidade ou vontade,
se lhes falta positividade que atraia
à sua conta bancária temperamental
o mundo das maravilhas comerciais,
repitam sessenta vezes feito um bate-estaca
no caco de espelho no banheiro do aparelho:
saúde, sucesso e riqueza
pousarão amanhã mansamente no meu colo
porque o mundo é justo e no fundo
eu sou bom e pertenço aos de bem
e mereço uma cadeira estofada de molas
num camarote do inferno.

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