onde a vida em baixa já não vale nada. As mineradoras cavam labirintos bloqueados e emprenham barragens que vazam pus que faz circular febre e morte nos rios até o mar. Os dinossauros voltaram do fundo do oceano, os crocodilos saem aos borbotões pelas manilhas, os escorpiões aprenderam a voar cuspindo navalhas e os tubarões passeiam na praia com o uniforme do choque.
As instituições continuam funcionando
e as engrenagens do acordo se encaixam quando berramos juntos o seu mantra: – Agora, sim, entra tudo nos eixos. Desinfetamos os parasitas do dinheiro. Recolhemos os homens-lixo e doamos choque elétrico às baratas pedindo esmola e aos ratos na marquise. No asfalto quem não anda de carro é alvo e na calçada quem reclama fome e frio gruda na esteira dos tanques e vira lavagem no valão dos porcos. Derrubamos todas as pontes, queimamos os refúgios mais recônditos, instalamos pregos nos bancos da praça e infectamos cobertores com tifo. Montem as forcas e preparem os postes: vamos começar a nova temporada de caça e arderão nas grandes fogueiras primeiro os inúteis e os indesejáveis, depois os subversivos, os colaboradores e os simpatizantes, depois os silenciosos e os indiferentes e finalmente todos os indecisos: encheremos até a boca transbordar todas as crateras vazias do minério que foi.
Enquanto isso lá fora os fones sussurram
nos ouvidos que aguardam a fila do embarque: – Pensem positivo, pensem em frente, não desanimem, lutem, sejam crentes, trabalhem duro e não reclamem do nada. O seu fracasso é sempre seu e de mais ninguém. Se lhes falta sonho de prosperidade ou vontade, se lhes falta positividade que atraia à sua conta bancária temperamental o mundo das maravilhas comerciais, repitam sessenta vezes feito um bate-estaca no caco de espelho no banheiro do aparelho: saúde, sucesso e riqueza pousarão amanhã mansamente no meu colo porque o mundo é justo e no fundo eu sou bom e pertenço aos de bem e mereço uma cadeira estofada de molas num camarote do inferno.