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A literatura da época

Após a revolução artística, fruto das novas tendên-cias modernistas, no período de 1922 a
1930, surge uma Literatura Brasileira de caráter social e de um realismo regionalista. Essa nova
tendência brasileira surgiu depois do famoso Congresso Regionalista de Recife, em 1926,
organizado por Gilberto Freire, José Lins do Rego e José Américo de Almeida. Esse congresso
tinha como pro-posta básica organizar uma literatura comprometida com a problemática
nordestina: a seca, as instituições arcaicas, a corrupção, o coronelismo, o latifúndio, a
exploração de mão-de-obra, o misticismo fanatizante e os contrastes sociais.

Nessa literatura, chamada de Prosa Regionalista de 1930, devemos incluir José Américo de
Almeida, Rachel de Queiroz, José Lins do Rego, Jorge Amado, Graciliano Ramos e Érico
Veríssimo, este último com a retratação do Rio Grande do Sul. Estudaremos, a seguir, o mais
impor-tante dos autores desta época, Graciliano Ramos.

Vida

Graciliano Ramos nasceu no dia 27 de outubro de 1892, na cidade de Quebrângulo,


Alagoas, filho de Sebastião Ramos de Oliveira e de Maria Amélia Ferro Ra-mos. Dois anos
depois, a família muda-se para Buíque, Pernambuco, e logo depois volta para Alagoas,
morando em Viçosa e Palmeira dos Índios ate 1914. Graciliano estuda, então, e trabalha na
loja do pai comerciante.Em 1914, vai para o Rio de Janeiro, onde mora durante um ano e
trabalha como jornalista. No ano seguinte, volta para Palmeira dos Índios e se casa com Maria
Au-gusta Barros, que morre cinco anos depois. Graciliano já, nessa época, escreve para jornais
e trabalha com comércio.Seu segundo casamento, com Heloísa Medeiros, ocor-re em 1928, no
mesmo ano em que e eleito prefeito de Palmeira dos Índios, cidade que seria palco de seu
primei-ro romance Caetés.
Em 1930, renuncia à prefeitura e vai para Maceió, onde e nomeado diretor da
Imprensa Oficial, mas demite-se no ano seguinte, voltando em seguida para Palmeiras dos
Índios, onde funda uma escola e escreve o romance São Bernardo.
Em 1933, é nomeado diretor da Instrução Pública de Alagoas e volta a Maceió. Sua
carreira e interrompida em 1936, quando é demitido por motivos políticos. Nesse mesmo ano,
publica o romance Angústia e acaba sendo preso e enviado ao Rio de Janeiro. Dessa fase em
que passa preso resultaria, mais tarde, seu livro Memórias do Cárcere.
Ao sair da prisão, em 1937, passa a morar no Rio de Janeiro, onde escreve para jornais.
No ano seguinte, publica a obra Vidas Secas, escrita num quarto de pensão. Em 1939, e
nomeado Inspetor Federal do Ensino.
Somente em 1945, Graciliano entra para o Partido Comunista Brasileiro e, sete anos
depois, faz uma viagem a Tchecoslováquia e à União Soviética.
Graciliano Ramos morre em 20 de março de 1953 sem nunca ter retratado uma
paisagem do Rio de Janeiro. Conta-se que certa vez andava com um de seus filhos, a pé, pela
cidade. Chegaram a Laranjeiras, onde moravam. O filho parou de repente e exclamou: "Como
isso aqui e bonito! ". Graciliano ficou surpreso e perguntou se ele achava aquela cidade tão
bonita assim. Para Graciliano, Alagoas era seu único universo.

Obras
Romances

 Caetés (1933)
 São Bernardo (1934)
 Angústia (1936)
 Vidas Secas (1938)

Contos

 Insônia (1947)
 Alexandre e Outros Heróis (1962)
 Memórias
 Infância (1945)
 Memórias do Cárcere (1953)

Crônicas

 Linhas Tortas (1962)


 Viventes das Alagoas (1962)
 Viagens
 Viagem (1954)

Comentários críticos

Graciliano Ramos foi um escritor extremamente cuidadoso, quanto a forma de seus


livros. Reescrevia seus livros sem cessar, procurando retirar deles tudo aquilo que considerasse
excesso. De estilo enxuto, então, Graciliano sempre foi considerado como exemplo de
elegância e de elaboração.
É comum em suas obras o privilégio do substantivo em relação ao adjetivo. Por isso,
alguns críticos gostam de afirmar que Graciliano deve ter se divertido muito quando, no
romance Caetés, a personagem recebe uma carta repleta de adjetivos, denunciando o amor
adúltero de sua esposa, Luísa.
Sua obra, apesar de centrar-se em determinada região, transcende o pitoresco e o
descritivo dos regionalistas típicos da geração de 1930. Graciliano analisa profundamente a
relação do homem com o meio, explorando também o lado psicológico e o lingüístico dessa
relação.
Independente das limitações regionais, Graciliano faz uma análise profunda da
condição humana. Desse modo torna-se universal.

Resumo da obra Vidas Secas

“Será um romance? É antes uma série de quadros, de gravuras em madeira, talhadas


com precisão e firmeza.” (Lúcia Miguel-Pereira)

Chamar este romance de “série de quadros, de gravuras em madeira, talhada com


precisão e firmeza” é aludir a um de seus traços estilísticos fundamentais: o caráter autônomo
e completo de seus capítulos.
Estes podem ser lidos como peças independentes, e como tal foram publicados em
jornais, mas reúnem-se com uma organicidade exemplar. Os capítulos de Vidas Secas mantêm
uma estrutura descontínua, não-linear, como que reafirmando o isolamento, a instabilidade da
família de retirantes: Fabiano, Sinhá Vitória, o menino mais velho, o menino mais novo e a
cachorra Baleia.
Formado por treze capítulos que se justapõem sem nexos lógicos, o enredo de Vidas
Secas organiza-se principal-mente pela proximidade entre o primeiro Mudança – a chegada da
família de retirantes a uma velha fazenda abandonada e arruinada – e, o último, Fuga – a saída
da família, que, diante de um novo período de seca, foge para o Sul.
Do capítulo 2 ao 12, a família vive como agregada na fazenda, para cujo proprietário
Fabiano trabalha. Assim, passa uma fase de descanso, em relação ao seu nomadismo,
provocado pela seca.
No entanto, além da tortura gerada pela lembrança do passado e pelo medo do futuro,
o romance enfoca outras faces da opressão que se exerce sobre os membros da família seja
entre eles e os outros homens, os moradores da cidade, seja consigo próprios.
No capítulo, Cadeia, por exemplo, Fabiano vai à cidade, bebe e joga com o soldado
amarelo; quando resolve partir, este o provoca e o leva à cadeia, onde é preso e surrado. Um
ano depois, Fabiano o reencontra, agora em seu território, a caatinga. Embora deseje
vingança, acaba se curvando e ensinando o caminho ao sol-dado amarelo (cap. 11).
No episódio Contas (cap. 10), Fabiano é lesado financeiramente pelo patrão. Embora
as contas do patrão não coincidam com as da Sinhá Vitória, que as confere, Fabiano não se
defende; ao contrário, humilha-se e pede desculpas.
Outro exemplo de opressão e de falta de comunicação entre os seres da família
animalizados pela miséria em que vivem, encontra-se no capítulo 6, em que o menino mais
velho ouve a palavra inferno, acha-a bonita e procura aprender o seu significado com a mãe,
que o repele brutalmente. Já no capítulo 7, Inverno, há uma cena em que a família se reúne
numa noite de inverno, e Fabiano tenta contar histórias incompreensíveis enquanto os
meninos passam frio.
Enfim, a questão central do romance não está nos acontecimentos, mas nas criaturas
que o povoam, nas gravuras de madeira.
Com a análise psicológica do universo mental das personagens, que expõem por meio
de discurso indireto livre, o narrador nos vai decifrando sua humanidade embotada,
confundida com a paisagem áspera do sertão, neste romance transcende o regionalismo e seu
contexto específico – a seca do Nordeste, a opressão dos pobres, a condição animalesca em
que vivem – para esculpir o ser humano universal.

Opiniões sobre Vidas Secas

“O narrador não quer identificar-se ao personagem, e por isso há na sua voz uma certa
objetividade de relator. Mas quer fazer as vezes do personagem, de modo que, sem perder a
própria identidade, sugere a dele. [...] É como se o narrador fosse, não um intérprete
mimético, mas alguém que institui a humanidade de seres que a sociedade põe à margem,
empurrando-os para as fronteiras da animalidade. Aqui, a animalidade reage e penetra pelo
universo reservado, em geral, ao adulto civilizado” (Antônio Cândido).
Na opinião de Antônio Cândido sobre o enredo de Vidas Secas: “Este encontro do fim
com o começo [...] forma um anel de ferro, em cujo círculo sem saída se fecha a vida esmagada
da pobre família de retirantes-agregados-retirantes, mostrando que a poderosa visão social de
Graciliano Ramos neste livro não depende [...] do fato de ele ter feito romance regionaliza ou
romance proletário. Mas do fato de ter sabido criar em todos os níveis, desde o pormenor do
discurso até o desenho geral da composição, os modos literários de mostrar a visão dramática
de um mundo opressivo”. (Antônio Cândido)

Resumo por capítulo

1. Mudança

Começando o livro, o narrador coloca diante do leitor o primeiro quadro:

a) uma tomada à distância: a família no ambiente da seca.

b) a caracterização de cada membro da família pelas suas atitudes.

2. Fabiano

O narrador mostra a desintegração progressiva de Fabiano:

a) Fabiano e a vida

b) Fabiano e a seca

c) Fabiano, a família e a seca.

3. Cadeia

Continua o narrador a mostrar Fabiano diante da sociedade. Ele vai comprar


querosene: está com água. Vai comprar chita: é cara. É levado ao jogo, não sabe se comunicar,
e é preso.

4. Sinhá Vitória

A apresentação de Sinhá Vitória é semelhante à de Fabiano. Aparece a sua dificuldade


de relacionamento com os meninos, com a Baleia, com Fabiano. Sua aspiração: ter uma cama.

5. Menino mais novo

Quer espantar o irmão e Baleia. Observa o pai montar a égua. Fabiano cai, de pé. Ele
vibra. Sinhá fica indiferente diante da façanha do pai, ele não se conforma com a indiferença
da mãe. Tenta se comunicar com o pai, mas não consegue, fica chateado. A Baleia dormia. Foi
tentar conversar com a mãe, levou um cascudo. Dorme, Sonha com um mundo adulto. No dia
seguinte tenta montar o bode, mas sai sem honra da façanha. Cai, leva coices.

6. Menino mais velho


Quer saber o que seja inferno. Sinhá Vitória fala em espetos quentes, fogueiras. Ele lhe
perguntou se vira. A mãe zanga-se, achou-o insolente e aplicou-lhe um cocorote. Baleia era o
único vivente que lhe mostra simpatia.

7. Inverno

Família reunida em torna do fogo. Não havia conversa, apenas grunhidos. Ninguém
entende ninguém, já são poucos humanos.

8. Festa

Iam à festa de Natal na cidade. Na cidade se vêem distantes da civilização. Fabiano não
fala, mas admira a loquacidade das pessoas da cidade.

9. Baleia

A cachorra Baleia aparecera doente. Fabiano imaginara que ela estivesse com
hidrofobia, e amarrara-lhes no pescoço um rosário de sabugo de milho queimado. Ela, de mal
a pior. Resolvera matá-la.

10. Contas

Fabiano diante do imposto e da injustiça do patrão Nascera com esse destino, ninguém
era culpado por nascer com destino ruim.

11. O soldado amarelo

Fabiano ia corcunda, parecia farejar o solo, quando encontrou o soldado amarelo.


Lembrou-se do passado. Quis se vingar. Reviveu todo o passado. Pensou e repensou sua
condição.
O soldado, antes cheio de medo, vendo Fabiano acanalhado, ganha coragem, avançou,
pisou firme, perguntou o caminho. E Fabiano tirou o chapéu de couro, curvou-se e ensinou o
caminho ao soldado amarelo. “Governo é governo.”

12. O mundo coberto de penas

Depois do inverno, de novo seca anunciada nas arribações. Fabiano luta contra a natureza,
atira nas arri-bações.

13. Fuga

O mesmo quadro do primeiro capítulo. No primeiro quadro os meninos se arrastavam atrás


dos pais, neste os pais se arrastam atrás dos meninos. Os meninos corriam. Era o destino do
Norte – O (nor)destino.

Fuga

A vida na fazenda se tornara difícil. Sinhá Vitória benzia-se tremendo, manejava o


rosário, mexia os beiços rezando rezas desesperadas. Encolhido no banco do copiar, Fabiano
espiava a caatinga amarela, onde as folhas secas se pulverizavam, trituradas pelos
redemoinhos, e os garranchos se torciam, negros, torrados. No céu azul as últimas arribações
tinham desaparecido. Pouco a pouco os bichos se finavam, devorados pelo carrapato. E
Fabiano resistia, pedindo a Deus um milagre.
Mas quando a fazenda se despovoou, viu que tudo estava perdido, combinou a viagem
com a mulher, matou o bezerro morrinhento que possuíam, salgou a carne, largou-se com a
família, sem se despedir do amo. Não poderia nunca liquidar aquela dívida exagerada. Só lhe
restava jogar-se ao mundo, como negro fugido.
Saíram de madrugada. Sinhá Vitória meteu o braço pelo buraco da parede e fechou a
porta da frente com a taramela. Atravessaram o pátio, deixaram na escuridão o chiqueiro e o
curral, vazios, de porteiras abertas, o carro de bois que apodrecia, os juazeiros. Ao passar junto
às pedras onde os meninos atiravam cobras mortas, Sinhá Vitória lembrou-se da cachorra
Baleia, chorou, mas estava invisível e ninguém percebeu o choro.
Desceram a ladeira, atravessaram o rio seco, tomaram rumo para o sul. Com a fresca
da madrugada, andaram bastante, em silêncio, quatro sombras no caminho estreito coberto
de seixos miúdos – os meninos à frente, conduzindo trouxas de roupa, Sinhá Vitória sob o baú
de folha pintada e a cabaça de água, Fabiano atrás de facão de rasto e faca de ponta, a cuia
pendurada por uma correia amarrada ao cinturão, o aió a tiracolo, a espingarda de pederneira
num ombro, o saco da malotagem no outro. Caminharam bem três léguas antes que a barra do
nascente aparecesse.
Fizeram alto. E Fabiano depôs no chão parte da carga, olhou o céu, as mãos em pala na
testa. Arrastara-se até ali na incerteza de que aquilo fosse realmente mudança. Retardara-se e
repreendera os meninos, que se adiantavam, aconselhara-os a poupar forças. A verdade é que
não queria afastar-se da fazenda. A viagem parecia-1he sem jeito, nem acreditava nela.
Preparara-a lentamente, adiara-a, tornara a prepará-la, e só se resolvera a partir quando
estava definitivamente perdido. Podia continuar a viver num cemitério? Nada o prendia aquela
terra dura, acharia um lugar menos seco para enterrar-se. Era o que Fabiano dizia, pensando
em coisas alheias: o chiqueiro e o curral, que precisavam conserto, o cavalo de fábrica, bom
companheiro, a égua alazã, as catingueiras, as panelas de losna, as pedras da cozinha, a cama
de varas. E os pés dele esmoreciam, as alpercatas calavam-se na escuridão. Seria necessário
largar tudo? As alpercatas chiavam de novo no caminho coberto de seixos.
Agora Fabiano examinava o céu, a barra que tingia o nascente, e não queria
convencer-se da realidade. Procurou distinguir qualquer coisa diferente da vermelhidão que
todos os dias espiava, com o coração aos baques. As mãos grossas, por baixo da aba curva do
chapéu, protegiam-lhe os ombros contra a claridade e tremiam.
Os braços penderam, desanimados.
– Acabou-se.
Antes de olhar o céu, já sabia que ele estava negro num lado, cor de sangue no outro,
e ia tornar-se profundamente azul. Estremeceu como se descobrisse uma coisa muito ruim.
Desde o aparecimento das arribações vivia desassossegado. Trabalhava demais para
não perder o sono. Mas no meio do serviço um arrepio corria-lhe no espinhaço, a noite
acordava agoniado e encolhia-se num canto da cama de varas, mordido pelas pulgas,
conjecturando misérias.
A luz aumentou e espalhou-se pela campina. Só aí principiou a viagem. Fabiano
atentou na mulher e nos filhos, apanhou a espingarda e o saco de mantimentos, ordenou a
marcha com uma interjeição áspera.

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