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Raymond Quivy Luc Van Campenhoudt MANUAL DE INVESTIGACAO EM CIENCIAS SOCIAIS OBJECTIVOS E PROCEDIMENTO 1, OS OBJECTIVOS 1.1. Objectivos Gerais Importa, acima de tudo, que o investigador seja capaz de conceber e de por em prética um dispositivo para a elucidagao do real. Quando um investigador, profissional ou principiante, sente grandes dificuldades no seu trabalho, as razdes so quase sempre de ordem metodolégica: “Jé ndo sei em que ponto estou’, “tenho a impressao de jd em saber 0 que procure’, “nao fago a minima ideia do que fazer para continuar’, “tenho muitos dados... mas nao sei o que fazer com eles”. Esta obra foi concebida para ajudar no empreendimento de uma tese cujo objectivo seja_compreender mais profundamente e interpretar mais acertadamente fendmenos da vida colectiva. Abordaremos numa ordem légica temas como a formulac&o de um projecto de investigacdo, 0 trabalho exploratério, a construgdio de um plano de pesquisa ou os critérios para a escolha das técnicas de recolha, tratamento e anélise dos dados. 1.2, Concepedo didactica Recomenda-se uma primeira leitura integral desta obra, para que a coeréncia global do procedimento seja bem apreendida e as sugestdes sejam aplicadas de forma flexivel, critica e inventiva. ‘S40 propostos pontos de referéncia tao polivalentes quanto possivel para que cada pessoa possa elaborar com lucidez dispositivos metodolégicos préprios ‘em funcdo dos seus objectivos. O leitor 6 constantemente convidado ao recuo critico e & reflexao llicida sobre 0 sentido do seu trabalho. 1.3. “Investigagao" em “Ciéncias” Sociais? (© que 6 que, na melhor das hipéteses, se aprende de facto no fim daquilo que @ geralmente qualificado como trabalho de “investigago em ciéncias sociais"? A compreender melhor os significados de um acontecimento ou de uma conduta, a fazer inteligentemente 0 ponto da situacao, a captar com maior perspicdcia as ldgicas de funcionamento de uma organizacéo, a reflectir acertadamente sobre as implicagdes de uma decisio politica, ou ainda a compreender com maior nitidez como determinadas pessoas apreendem um problema e a tomar visiveis alguns dos fundamentos das ‘suas representagdes. Esta obra, embora possa apoiar determinados leitores empenhados em investigacdes de uma certa envergadura, visa sobretudo ajudar os que tm ambigdes mais modestas, mas que, pelo menos, esto decididos a estudar ‘os fendmenos sociais com uma preccupacdo de autenticidade, de compreensao e de rigor metodolégico. ‘Temos de nos proteger de dois defeitos opostos: um cientismo ingénuo que consiste em crer na possibilidade de estabelecer verdades definitivas e de adoptar um rigor andlogo ao dos fisicos e bidlogos; ou um cepticismo que negaria a prépria possibilidade de conhecimento cientffico. 2. © PROCEDIMENTO 2.1. Problemas de método (o ca0s original... ou trés maneiras de comegar mal) No inicio de uma investigago, sabemos vagamente que queremos estudar tal ou tal problema, mas ndo sabemos como abordar a questo. O caos original 6 marca de um espirito que nao se alimenta de simplismos © de certezas estabelecidas. O que ndo devemos fazer, mas fazemos com frequéncia 6 a fuga para a frente: a gula livresca ou estatistica, a “passagem” as hipéteses e a énfase que obscurece. a) Agula livresca ou estatistica ‘A qula livresca ou estatistica consiste em “encher a cabeca” com uma grande quantidade de livros, artigos ou dados numéricos, esperando encontrar ai 0 odjectivo e 0 tema do trabalho que se deseja efectuar. E necessério voltar atrés © reaprender a reflectir. Pare de acumular sem método informagdes mal assimiladas e preocupe-se primeiro com o seu procedimento. b) A“passagem” as hipéteses E absolutamente necessério assegurar cada ponto ¢ realizar cuidadosamente as primeiras etapas antes de pensar nas seguintes. A “passagem” as hipéteses consiste precisamente em precipitar-se sobre a recolha dos dados antes de ter formulado hipéteses de investigag&o, e em preocupar-se com a escolha e a aplicacdo pratica das técnicas de investigacdo antes mesmo de ‘saber aquilo que se procura. ©) A énfase que obscurece Muitos julgam til exprimirem-se de forma pomposa e ininteligivel e, na maior parte das vezes, nao conseguem evitar raciocinar da mesma maneira. Duas Caracteristicas dominam os seus projectos: a ambicao desmedida e a mais completa confusaio. Pode honestamente afirmar que se compreende bem a si mesmo e que os seus textos nao contém expressdes imitadas e dectaraces ‘0048 @ presungosas? 2.2. As etapas do procedimento Hé hipéteses tedricas que devem ser confrontadas com dados de observagao ‘ou de experimentacao. Um procedimento € uma forma de progredir em direogo a um objectivo. Quais s8o os principios fundamentais que todo a investigagao deve respeitar? Gaston Bachelard resumiu 0 proceso cientifico em algumas palavras: “O facto cientifico & conquistado, construido e verificado’: = conquistado sobre os preconceitos; ~ construido pela razao; = verificado nos factos. Apresentaremos estes principios sob a forma de sete etapas a percorrer, como se se tratasse de uma pega de teatro em trés actos e sete cenas. a) Os trés actos do procedimento, Aruptura ‘A uptura consiste precisamente em romper com os preconcsitos e as falsas evidéncias, que somente nos dao a iluso de compreendermos as coisas. A uptura 6, portanto, 0 primeiro acto constitutive do procedimento cientifico.. Aconstrugao ‘A ruptura sé pode ser efectuada a partir de um sistema conceptual organizado, susceptivel de exprimir a légica que 0 investigador supde estar na base do fenémeno. E gracas a esta teoria que ele pode erguer as roposigdes explicativas do fenémeno a estudar e prever qual o plano de pesquisa a definir, as operagdes a aplicar e as consequéncias que logicamente devem esperar-se no termo da observacao. Averificago Uma proposicao s6 tem direito ao estatuto cientifico na medida em que pode ser verificada pelos factos. b) As sete elapas do procedimento Os trés actos no so independentes, constituem-se mutuamente. S80 realizados ao longo de uma sucessdo de operagies, que aqui sd0 reagrupadas em sete etapas, que estao em permanente interaccao. Etapa 1 — A pergunta de partida Etapa 2— A exploragdo: as leiluras: as entrevistas exploratérias Etapa 3 A problematica Etapa 4 — A construgao do modelo de andlise Etapa 5 ~ A observacao Etapa 6 — A andlise das informagdes Etapa 7 — As conclusdes consrauho eye ¢—A consro do medelo de ntise venmeagio taps 7 — As comcundes PRIMEIRA ETAPA APERGUNTA DE PARTIDA OBJECTIVOS Nao é facil conseguir traduzir 0 que vulgarmente se apresenta como um foco de interesse ou uma preocupagdo relativamente vaga num projecto de investigagao operacional. Uma investigacao & algo que se procura, implicando hesitagSes, desvios @ incertezas. O investigador deve obrigar-se @ escolher um fio condutor to claro quanto possivel, para que o seu trabalho se estruture com coeréncia. 4. UMABOA FORMA DE ACTUAR © investigador deve procurar enunciar 0 projecto de investigago na forma de uma pergunta de partida, através da qual tenta exprimir o mais exactamente possivel o que procura saber, elucidar, compreender melhor. Eis trés exempios: “A desigualdade de oportunidades em relago ao ensino tem tendéncia a diminuir nas sociedades industriais?" “A luta estudantil (em Franga) & apenas uma agitagdo em que se manifesta a crise da universidade, ou contém em si um movimento social capaz de lutar em nome de objectivos gerais contra uma dominacao social?” *O que predispde algumas pessoas a frequentarem os museus, ao contrario da grande maioria das que os nao frequentam?” 2. OS CRITERIOS DE UMA BOA PERGUNTA DE PARTIDA ‘A formulago da pergunta de partida obriga o investigador a uma clarificacao, frequentemente muito util, das suas intengdes e perspectivas esponténeas. Pe em pratica uma das dimensdes essenciais do processo cientifico: a ruptura com os preconceitos e as nogdes prévias. Uma boa pergunta de partida deve poder ser tratada. Deve-se poder trabalhar eficazmente a partir dela e, em particular, deve ser possivel fornecer elementos para Ihe responder. 2.4, As qualidades de clareza ‘As qualidades de clareza dizem respeito a preciso e conciséo do modo de formular a pergunta de partida. ‘A pergunta ndo deve ser vaga, mas precisa. As interpretagdes devem convergir, e 0 sentido ndo se deve prestar a confusdes. Nao deve cobrir um campo de andlise demasiado vasto. Deve permitir saber aonde nos dirigimos e comunicé-lo aos outros, Uma boa pergunta de partida teré de ser univoca e to concisa quanto possivel. 2.2. As qualidades de exequibilidade Estas qualidades estao ligadas ao caracter realista ou irrealista do trabalho: que a pergunta deixa entrever. ‘Ao formular @ pergunta, um investigador deve assegurar-se de que 0s seus conhecimentos, mas também os seus recursos em tempo, dinheiro e meios logisticos, Ihe permitirao obter elementos de resposta validos. Uma boa pergunta de partide deve ser realista, isto ¢, adequada aos recursos: pessoais, materiais e técnicos, em cuja necessidade podemos imediatamente pensar e com que podemos razoaveimente contar. 2.3. As qualidades de pertinéncia As qualidades de pertinéncia dizem respeito ao registo (explicativo, normativo, preditivo...) em que se enquadra a pergunta de partida. Exemplo: “A forma como 0 fisco esté organizado no nosso pais é sociaimente justa?* ~ esta pergunta pretende um julgamento moral, que nao diz respeito as ciéncias sociais. A confusdo entre a andlise e 0 juizo de valor é muito usual @ nem sempre é facil de detectar. Uma pergunta 6 moralizadora quando a resposta que the damos sé tem sentido em relacdo ao sistema de valores de quem a formula. © facto de um projecto corresponder a uma preocupagao de cardcter ético & politico no é, em si, um problema. Mas se o investigador deve esforcar-se or pensar nos agos entre o conhecimento, 0 ético e 0 politico, também deve evilar as confusdes entre os registos e abordar o real em termos de analise, no de julgamento moral. Uma boa pergunta de partida nao deve procurar julgar, mas compreender. O seu objectivo deve ser 0 do conhecimento, nao o de demonstrag3o. Deve poder ser encaradas a priori varias respostas diferentes, nao havendo a Certeza de uma resposta preconcebida. Deve abordar 0 estudo do que existe ou existiu, € nfo 0 daquilo que ainda no existe. Nao visa prever o futuro, mas captar um campo de constrangimentos e de possibilidades, bem como os desafios que esse campo define. Deve visar um melhor conhecimento dos fenémenos estudados @ nao apenas a sua descricao. 2.4. Formulagdo de uma pergunta de partida Formule um projecto de pergunta de partida - Teste esta pergunta de partida junto das pessoas que 0 rodeiam. de modo a assegurar-se de que ela 6 clara e precisa e, portanto, compreendida da mesma forma por todas - Verifique se ela possui igualmente as outras qualidades acima recordadas - Reformule-a, caso ndo seja satisfatéria, ¢ recomece todo 0 processo SEGUNDA ETAPA, AEXPLORACAO OBJECTIVOS ‘A pergunta de partida constitui o fio condutor do trabalho. Queremos agora saber como proceder para conseguir uma certa qualidade de informacdo; como explorar o terreno para conceber uma problematica de investigacao. A explorago comporta as operagées de leitura, as entrevistas exploratérias alguns métodos de exploracao complementares. As operacdes de leitura visam essencialmente assegurar a qualidade da problematizacao, a0 paso que as entrevistas e os métodos complementares ajudam o investigador a contactar com a realidade vivida pelos actores sociais. 4. ALEITURA Qualquer trabalho intelectual deve ultrapassar as interpretagdes estabelecidas, a fim de fazer aparecer novas significagoes mais esclarecedoras e mais perspicazes. E importante insistir desde 0 inicio na ‘exigéncia de situar claramente o trabalho em relagdo a quadros conceptuais reconhecidos, a exigéncia da validade extema. 1.1. A escolha e a organizagao das leituras a) Os cfitérios de escolha A selecgo das leituras deve obedecer a uma série de critérios: - ligacao & pergunta de partida, - dimensao razodvel, de modo a evitar uma sobrecarga de leituras; - privilegiar textos interpretagao e andlise, e ndo apenas de descricao; - incluir abordagens diversificadas do fenémeno estudado. As leituras: reflectir€ trocar pontos de vista com colegas ou pessoas experientes. b) Onde encontrar estes textos? E necessério saber 0 que se procura. Pega conselhos a especialistas, utlize artigos de revistas, consulte as bibliografias, indices e sumarios das obras que vai encontrando. 1.2. Como ler? O leitor deve ser capaz de captar, compreender e articular as ideias do autor. Um bom método de leitura compée-se de duas etapas: emprego de uma grelha de leitura; redacgao de um resumo. a) A gretha de leitura Divida uma folha de papel em duas colunas: dois tergos & esquerda; um tergo a direita. Na coluna da esquerda vd escrevendo a ideia chave de cada pardgrafo ou seco. No final da leitura, releia a coluna da esquerda, apreendendo as articulagdes e discernindo a estrutura global do pensamento do autor: as suas ideias mestras; as etapas do raciocinio, e a complementaridade entre as partes. Na coluna da direita devem aparecer estas ideias: 0s t6picos para a estrutura do texto. b) O resumo Fazer 0 resumo de um texto consiste em destacar as suas principais ideias & articulagSes, de modo a fazer surgir a unidade do pensamento do autor. Utilize @ greha de Jeitura e elabore um texto coerente que ligue adequadamente as ideias do autor. Nao esqueca a sua pergunta de partida. ‘Apés ter resumido dois ou trés textos escolhidos, compare-os atentamente para retirar os elementos de reflexdo e as pistas de trabalho mais interessantes. 1° critério: pontos de vista adoptados Quais so 0 pontos de vista adoptados pelos autores escolhidos e como se situam uns em relac&o aos outros? Ponha em evidéncia: as convergéncias; as divergéncias; as complementaridades. 2 critério: os contetidos Os autores podem defender teses concilidveis ou inconcilidveis. Sublinhe as concordéncias, os desacordos e as complementaridades. Responda em seguida as duas perguntas seguintes: = "Quais das leituras esto mais relacionadas com a pergunta de partida’ 10 - “Que pistas sugerem essas leituras?” ‘As respostas indicam-ihe a préxima leva de leituras. Interrompa a leitura, feflicta e troque pontos de vista. Reveja a sua pergunta de partida e reformule-a de um modo mais ponderado. 2. AS ENTREVISTAS EXPLORATORIAS Leituras e entrevistas exploratérias devem ajudar a constituir a problemética da investigacao. As leituras ajudam a fazer 0 balango dos conhecimentos relativos ao problema de partida; as entrevistas contribuem para descobrir os aspectos a ter em conta e alargam ou rectificam 0 campo de investigago das leituras. E essencial que decorram de uma forma aberta e flexivel. Servem para encontrar pistas de reflexao, ideias e hipéteses de trabalho, e nao para verificar hipéteses preestabelecidas, 2.1. Com quem ¢ util ter uma entrevista? Ha trés categorias de interlocutores vélidos: = Docentes, investigadores @ peritos no dominio de investigacao: pessoas que conhecem o tema € que tém experiéncia de investigacao; = Testemunhas privilegiadas: pessoas que pela sua posigdo, acco ou responsabilidades, tem um bom conhecimento do problema. = Publico potencial do estudo: pessoas que podem indicar a relevancia do projecto de investigagao na perspectiva do cliente final. 2.2. Em que consistem as entrevistas e como realizé-las? Principalmente nas entrevistas com as duas ltimas categorias de interlocutores, uma atitude adequada tem os tragos seguintes: Fazer o menor ntimero possivel de perguntas; ~Formular as intervengdes da forma mais aberta possivel; ~ Abster de se implicar no contetido da entrevista; u = Procurar que a entrevista se desenrole num ambiente e num contexto adequados; - Gravar a entrevista. 2.3. A exploragao das entrevistas exploratérias Devemos considerar duas fontes de informacdo: 0 discurso enquanto dado & © discurso enquanto processo. a) O discurso enquanto fonte de informacao As entrevistas exploratérias nao tém como fungao verificar hipéteses nem recolher ou analisar dados especificos, mas sim abrir pistas de reflexao, alargar e precisar os horizontes de leitura, tomar consciéncia das dimensoes @ dos aspectos de um dado problema, nos quais o investigador nao teria decerto pensado espontaneamente. Permitem também no nos langarmos e falsos problemas, produtos inconscientes dos nossos pressupostos @ pré- nogées. Devemos ouvir repetidamente as gravagées, anotar as pistas e as idelas, e evidenciar as contradicdes. b) O discurso enquanto processo Pretende-se levar o interlocutor a exprimir a sua vivéncia ou a percepgao que tem do problema. E preciso ter em atengao 0 facto de o interlocutor ir ‘elaborando o seu pensamento ao longo da entrevista Estude a possibilidade de fazer uma andlise de contetido das entrevistas ‘enquanto processo. 2 TERCEIRA ETAPA APROBLEMATICA OBJECTIVOS A problematica 6 a abordagem ou a perspectiva tedrica que decidimos adoptar para tratarmos 0 problema formulado pela pergunta de partida. Deve responder @ pergunta: “Como vou abordar este fenémeno?" Constitui uma chameira entre a ruptura e a construgao. Num primeiro momento devemos explorar as leituras @ as entrevistas e fazer um balango. Devemos depois construir a nossa problematica com base no confronto critico das diferentes perspectivas que se afiguram possiveis. Na pratica, construir a problemdtica equivale a formular os principais pontos de referéncia tedricos da investigacao: a pergunta que estrutura finalmente o trabalho, os conceitos fundamentais e as ideias gerais que inspirarao a anélise. 1. EXEMPLOS DE CONCEPGAO DE UMA PROBLEMATICA, Durkeim consegue encarar 0 seu objecto de investigagao de uma forma que sai decididamente dos caminhos ja percorridos. A sua problematica é a do suicidio como fendmeno social. Encara assim o problema de uma nova forma, propondo uma resposta original @ pergunta de partida. ‘A escolha de uma problematica nao depende do acaso ou da inspirago pessoal. O prdprio investigador faz parte de uma época, com os seus problemas, 0S seus acontecimentos marcantes, os seus debates, lades e correntes de pensamento em evolucao. 2. OS DOIS MOMENTOS DE UMA PROBLEMATICA 2.1. Fazer o balango e elucidar as problematicas possiveis Fazer 0 balango das diversas abordagens do problema e elucidar as suas caracteristicas de base essenciais. As diferentes perspectivas podem ser distinguidas através de critérios como a imagem da sociedade e do individuo, 08 conceitos-chave que estruturam o olhar sobre os fenémenos, os enunciados que organizam a reflexo. A partir daqui 4 possivel escolher & definir 0 ponto de vista préprio e situd-o no campo teérico da disciplina. Jean-Marie Berthelot apresenta uma ‘tipologia dos esquemas de inteligibilidade": causal, funcional, estrutural, hermenéutico, actancial @ dialéctico. Cada um destes esquemas constitui um modo de explicagao no sentido amplo do termo, uma maneira de estabelecer uma relago entre um fenémeno social e outra coisa: outro fendmeno social, um sistema do qual depende, um contexto, uma tendéncia, um sentido que ele oculta, estratégias ‘ou um sistema de acgao, um jogo dialéctico. Elaborar uma problematica equivale a definir conjuntamente trés elementos: © que pretendemos explicar, aquilo com 0 qual nos relacionaremos e 0 tipo de relacdo que perspectivamos entre os dois primeiros elementos. Esta relagdo é pensada em termos de causa. Ha duas concepgdes diferentes da palavra “causa. Pode ser entendida no sentido restrito de antecedente exterior ao seu efeito, que the est ligado por uma relacao necessaria. Ou pode ser entendida no seu sentido amplo, como © principio de produgdo do fendmeno que exige a explicagao. A causa é concebida como “o que, de uma maneira ou de outra, pertence a constituicao do fenémeno’. Neste caso, é possivel falar de causalidade sistémica, funcional, estrutural, actancial, hermenéutica, dialéctica, etc. Através destes diferentes esquemas de inteligibilidade esbocam-se trés abordagens complementares do social. A primeira acentua a estrutura de que © fendmeno constitui um elemento em interac¢do com outros. A segunda vé 0 fenémeno como uma realidade em devir, produzida pela acco dos seres humanos e pelas contradic6es internas nos sistemas por eles construidos. A terceira encara 0 fenémeno como a expressao de um sentido a descobrir. As perspectivas conjugam geralmente tracos de cada uma destas abordagens. O social ¢, 20 mesmo tempo, estruturagéio, acedo transformadora e sentido. 2.2. Atribuir-se uma problematica Esta fase crucial. A problematica constitui efectivamente o principio de orientagao tedrica da investigagao, cujas linhas de forca define. Da a investigagéo a sua coeréncia e potencial de descoberta. Conceber uma problemdtica ¢ escolher uma orientacdo tedrica, explicitar 0 quadro conceptual da investigacao, precisar os conceltos fundamentais @ suas relagdes, construir um sistema conceptual adaptado ao objecto da investigacao. Investigadores pouco experientes devem conceber a probleméttica conservando um quadro teérico existente. 4 QUARTA ETAPA ACONSTRUGAO DO MODELO DE ANALISE OBJECTIVOS © trabalho exploratério traz perspectivas e ideias que devem ser traduzidas numa linguagem e formas que permitam o trabalho sistematico de andlise e recolha de dados de observacéo ou experimentaco. A fase de construcdo ‘do modelo de andlise constitui a chameira entre a problematica fixada @ 0 trabalho de elucidacdo sobre um campo de analise restrito e preciso. 1. EXEMPLOS DE CONSTRUGAO DO MODELO DE ANALISE Durkeim vé no suicidio um fenémeno social ligado, nomeadamente, ao estado de coesiio da sociedade. Antes de mais, tem de definir as nog5es de suicidio ¢ taxa de suicldio de forma precisa. Estes conceitos devem traduzir a ideia tedrica numa linguagem precisa que permita reunir e comparar os dados estatisticos. Esta 6 2 fase da conceptualizacdo. Os conceitos podem ter varias dimensdes. A coesdo social inclui a coesao religiosa e a coesao familiar. Indicadores sao tragos observaveis de uma ou mais dimens6es dos conceitos, que gerarao informacao no sentido de avaliar as hipéteses. 2. PORQUE AS HIPOTESES? A organizacao de uma investigago em torno de hipéteses constitui a melhor forma de a conduzir com ordem e rigor. As hip6teses apontam o caminho da procura, fomecendo um fio condutor a investigagao e fornecendo 0 critério para a recolha de dados que confrontard as hipéteses com a realidade. 3. COMO PROCEDER CONCRETAMENTE? 1s Uma hipdtese é uma resposta proviséria a uma pergunta. Convém precisar, uma titima vez, a pergunta central da investigag&o, garantindo a estruturaco coerente das hipéteses. Para construir 0 modelo, o investigador pode centrar-se nas hipéteses deixando 08 conceitos num nivel secundario, ou fazer 0 inverso. 3.1. A construgao dos conceitos A conceptualizagao retém somente 0 essencial da realidade. Trata-se de uma construcdo-seleccdo. Construir um conceito consiste em determinar as dimensdes que o constituem e em precisar os indicadores que permitem a medicao dessas dimensdes. Existem duas maneiras de construir um conceito. Uma 6 indutiva e produz concsitos operatérios isolados; a outra é dedutiva e cria conceitos sistematicos. Um conceito operatério isolado ¢ construido empiticamente. a partir de ‘observagies directas ou de informagdes reunidas por outros, que indicam as diferentes dimensdes a reter. Nao ficam definidas as suas relagSes com outros conceitos. © conceito sistémico ¢ construldo por raciocinio abstracto inspirado no Ccomportamento dos objectos reais e no conhecimento adquirido, articulando- se com um ou outro quadro de pensamento mais geral, a que chamamos paradigma, 3.2. A construgao das hipéteses a) As diferentes formas de hipdteses Uma hipétese & uma proposigo proviséria, uma pressuposicao que deve ser verificada. A hipétese pode apresentar-se como uma antecipacéio de uma relacéo entre um fenémeno e um conceito capaz de 0 explicar. A hipétese que Pasteur formulou acerca da existéncia dos microorganismos é deste tipo. Mais frequentemente, a hipdtese apresenta-se como a antecipacdo de uma relacdo entre dois conceitos, ou entre os dois tipos de fenémenos que designam. Na sua formulagao, a hipétese deve ser expressa sob uma forma observavel. 16 b) Hipéteses e modelos © modelo 6 um sistema de hipdteses articuladas logicamente entre si, sendo ‘estas a precisdo da relagao entre dois conceitos. (© método hipotético-indutivo produz conceitos operatérios, hipéteses ‘empiricas, e um modelo mimético. © método hipotético-dedutivo produz Conceitos sistémicos, hipdteses deduzidas, e um modelo teérico. O primeira modelo desoritivo, apenas 0 segundo tem poder explicativo. c) O critério da “refutabilidade" da hipétese Uma hipétese pode ser testada quando existe uma possibilidade de decidir, a partir da andlise dos dados, em que medida é verdadeira ou falsa. Nunca demonstraremos a veracidade de uma hipdtese. Sabendo que o conhecimento resulta de sucessivas correcgdes, 0 investigador nao se esforgaré por provar a todo 0 custo o valor de objectividade das suas hipéteses. Para ser refutdvel, uma hipétese deve ter um carécter de generalidade, no devem constituir dados relativos a uma situagao particular e no reproduzivel. Uma hipétese sé pode ser refutada se admitir enunciados contrarios susceptiveis de verificagdo. A verificagio da proposi¢ao oposta infirmaria a hipétese de partida. 7 QUINTA ETAPA AOBSERVACAO, OBJECTIVOS A observagao engloba 0 conjunto das operagées através das quais 0 modelo de andlise (constitudo por hipéteses e conceitos) é submetido ao teste dos factos e confrontado com dados observaveis. Devemos responder as trés perguntas seguintes: observer o qué quem?; como? 1. OBSERVAR O QUE? A DEFINIGAO DOS DADOS PERTINENTES Os dados necessérios s40 os definidos pelos indicadores das dimensdes dos Conceitos que esto envolvidos em cada hipdtese, 2. OBSERVAR EM QUEM? O CAMPO DE ANALISE E A SELECCAO DAS. UNIDADES DE OBSERVAGAO. E preciso circunscrever as anélises empiricas no espaco, geografico e social, eno tempo. Se o trabalho tiver por objecto um fendmeno ou um acontecimento particular, os limites da andlise ficam automaticamente definidos. Caso contrério, 0 campo de anélise deve ser claramente circunserito, baseado no bom senso do investigador. Os socidlogos estudam os conjuntos sociais como totalidades diferentes da soma das suas partes. Além disso, nem sempre @ possivel recolher informagdes sobre cada uma das unidades que compoem uma populacao. O investigador tem trés possibilidades: recolher dados e analisar a populaco coberta; limita-se a uma amostra representativa da populacdo; estuda components tipicas, ainda que nao representativas da populacao. 1* possibilidade: estudar a totalidade da populagao Esta formula impSe-se quando o investigador ndo tem necessidade de informagao sobre 0 comportamento das unidades que compiem a populago, ou quando a populagdo 6 reduzida, podendo ser integraimente estudada. 18 2° possibilidade: estudar uma amostra representativa da populagéo Esta formula imp6e-se quando estdo reunidas duas condigdes: a populagao & muito volumosa, @ & necessério recolher muitos dados para cada individuo; quando é importante recolher uma imagem globalmente conforme & que seria obtida interrogando 0 conjunto da populagao. 3* possibilidade: estudar componentes no estritamente representativas, mas caracteristicas da populagao Esta é a formula mais frequente. Ao estudar as diferentes formas como um jornal noticia a actividade econémica, a melhor solugao consiste em analisar minuciosamente artigos desses diferentes jornais que tratam os mesmos acontecimentos. 3. OBSERVAR COMO? OS INSTRUMENTOS DE OBSERVAGAO E A RECOLHA DOS DADOS 3.1. A elaboragao dos instrumentos de observacdo Esta observacdo apresenta-se de diferentes formas, consoante se trate de uma observagao directa ou indirect. ‘A observagao directa é aquela em que 0 investigador procede directamente & recolha das informagdes, sem que haja intervencdo dos sujeitos observados. Incide sobre todos os indicadores pertinentes previstos. Tem como suporte um guia de observagao que ¢ construido a partir desses indicadores e que designa os comportamentos a observar. No caso da observacao indirecta, 0 investigador dirige-se ao sujeito para obler a informagao procurada. Ao responder as perguntas, o sujeito intervém a produgao da informagao. Ha aqui dois intermediarios entre a informacao procurada e a obtida: 0 sujeito observado e o instrumento de observacao, que 6 um questionario ou um guia de entrevista. ‘As perguntas indiscretas e questiondrios extensos fazem aumentar as recusas em responder € as respostas enganadoras. O questionario deve ser testado previamente de modo a detectar e corrigir deficiéncias. 3.2. As trés operagoes da observagao. 19 ‘A primeira operacao consiste em conceber um instrumento capaz de produzir todas as informagdes adequadas e necessérias para testar as hipdteses. ‘A segunda operacao consiste no teste do instrumento de observagao. AS perguntas devem ser claras e precisas, de forma a que todas as pessoas interrogadas as interpretem da mesma maneira. Além disso, a pessoa interrogada deve estar em condiges de dar a resposta, conhecé-la e no estar constrangida ou inclinada a escondé-la. No caso das entrevistas, a forma de conduzi-las deve ser experimentada. A terceira operagao é a recolha dos dados. E a execug4o propriamente dita da observacao. Os dados obtidos devem ter sido previstos no momento da concapeao da observagao. Devem dar a informagao ¢ o grau de precisio necessério para as fases posteriores. 4, PRINCIPAIS METODOS DE RECOLHA DAS INFORMAGOES N&o ha métodos melhores do que outros: tudo depende dos objectivos, do modelo de andlise, e das caracteristicas do campo de andlise. SO conhecemos correctamente um método de investigagao depois de o termos: experimentado por nds préprios. Para cada método, veremos: ~ Apresentacdo; ~ Variantes; ~ Objectivos para os quais 0 método é adequado; = Principais vantagens; - Limites e problemas; ~ Método complementar; - Formagao exigida; - Referéncias bibliogréficas. 4.1. O inquérito por questionario Apresentagao Consiste em colocar a um conjunto de inquiridos, geraimente representativo de uma populacdo, uma série de perguntas relativas a sua situagdo social, profissional ou familiar, as suas opinides, a sua atitude em relagdo a opgdes: ‘ou a questdes humanas e sociais, as suas expectativas, ao seu nivel de conhecimentos ou de consciéncia de um acontecimento ou de um problema, ‘ou ainda sobre qualquer outro ponto que interesse os investigadores. 20 ‘As. respostas so normalmente pré-codificadas, de forma que os entrevistados devem obrigatoriamente escolher as suas respostas entre as que thes 820 formalmente propostas. Variantes (© questionario chama-se “de administragao indirecta” quando o inquiridor 0 preenche, @ “de administracdo directa” quando ¢ 0 proprio inquirido que o completa. Este Ultimo proceso merece pouca confianca. Objectivos para os quais 0 método 6 especialmente adequado © conhecimento de uma populagdo: condigSes e modos de vida, comportamentos, valores ou opinides. A andlise de um fenémeno social que se julga aprender melhor a partir de informagées relativas aos individuos da Populagdo em questo. Casos em que é necessario interrogar um grande nimero de pessoas @ em que se levanta um problema de representatividade. Principais vantagens Possibilidade de quantiicar uma multiplicidade de dados @ de proceder a numerosas anélises de correlacdo. A satisfacdo da exigéncia da representatividade. Limites e problemas - Peso e custo elevado; = Superficialidade das respostas; - Individualizagao dos entrevistados, que sdo separados das suas redes de relagdes socials; = Fragilidade da credibilidade do dispositivo. Método complementar A anélise estatistica dos dados, que da utilidade e significado aos dados recolhidos, 4.2. Aentravista Apresentagso 2 Os métodos de entrevista distinguem-se pela aplicago dos processos fundamentais de comunicaco e de interacco humana. Correctamente valorizados, permitem retirar das entrevistas informagdes @ elementos de reflexao muito ricos e matizados. Caracterizam-se por um contacto directo ‘entre o investigador @ os seus interlocutores, e por uma fraca directividade por parte daquele. © contetido da entrevista sera objecto de uma andlise de contetido sistematica, destinada a testar as hipdteses de trabalho. Variantes igida 6 certamente a mais utiizada. O investigador dispde de uma série de perguntas-quias, relativamente abertas. ‘A entrevista _centrada tem por objectivo analisar 0 impacto de um acontecimento ou de uma experiéncia precisa. O investigador dispée de uma lista de topicos precisos a abordar. Objectivos para os quais 0 método é especialmente adequado A andlise do sentido que os actores déo as suas préticas e aos acontecimentos com que se véem confrontados: os seus sistemas de valores, as suas referéncias normativas, as suas interpretagdes de situagdes conflituosas ou ndo, as leituras que fazem das préprias experiéncias, etc. A anélise de um problema especifico: os dados do problema, os pontos de Vista, 0 que esté em jogo, os sistemas de relagdes, o funcionamento de uma organizagao, etc. A reconstituigao de um proceso de acgao, de experiéncias ‘0u de acontecimentos do pasado. Principais vantagens © grau de profundidade dos elementos de andlise. A flexibilidade e a fraca directividade do dispositive que permite recolher os testemunhos e as interpretacdes. Limites € problemas - A flexibilidade do método torna importante a capacidade e competéncia do investigador; - Ainformagao nao fica imediatamente acessivel; - A fiexibilidade n&o nos deve levar a acreditar numa completa espontaneidade do entrevistado e numa total neutralidade do investigador. Métodos complementares © método das entrevistas esta sempre associado a um método de andlise de contetido. As entrevistas devem fomecer 0 maximo de elementos de informagdo @ de reflexdo, que servirao de materiais para uma andlise sistemética de conteldo que corresponda, por seu lado, as exigéncias de explicitagdo, de estabilidade e de intersubjectividade dos processos. 4,3. A observacdo directa Apresentagao (Os métodos de observacéo directa captam os comportamentos no momento ‘em que eles se produzem e em si mesmos, sem a mediag3o de um documento ou de um testemunho. ‘As observagées sociolégicas incidem sobre os comportamentos dos actores, na medida em que manifestam sistemas de relagdes socials, bem como ‘sobre os fundamentos culturais ¢ ideolégicos que Ihes subjazem. Variantes ‘A observagao participante de tipo etnolégico consiste em estudar uma comunidade durante um longo periodo, participando na vide colectiva. Nos métodos de observagao nao participante, 0 investigador observa “do exterior’ Objectives para os quais o método é especialmente adequado © método € especialmente adequado & anélise do nao verbal e daquilo que ele revela: as condutas instituidas e os cbdigos de comportamento, a relacdo ‘com 0 corpo, os modos de vida e os traces culturais, a organizacao espacial dos grupos e da sociedade, etc. Principals vantagens A apreensio dos comportamentos e acontecimentos no proprio momento em que se produzem. A recoiha de material relativamente espontaneo. A autenticidade dos dados. Limites ¢ problemas = Dificuldade em ser aceite como observador pelo grupo em questo; - Oregisto dos dados e a selectividade da meméria; - Ainterpretago das observagdes. Métodos complementares © método da entrevista, seguida de uma andlise de conteudo. 44. A recolha de dados preexistentes: dados secundérios e dados documentais Apresentacao © investigador recolhe documentos para os estudar por si préprios, ou Porque espera encontrar informagées Uteis para estudar outro objecto. Variantes Podem ser documentos manusecritos, impressos ou audiovisuais, oficiais ou privados, pessoais ou de algum organismo, contendo némeros ou texto. Frequentemente sao dados estatisticos Objectives para os quais 0 método é especialmente adequado Andlise dos fenémenos macrossociais, demograficos, s6cio-econémicos. Andlise das mudancas sociais e do desenvolvimento histérico. Andlise da mudanga nas organizagdes. Estudo das ideologias, sistemas de valores da cultura Principais vantagens - Economia de tempo e dinheiro; - Evita 0 recurso abusivo das sondagens e questionarios; = Aproveita a riqueza do material documental disponivel. Limites e problemas © investigador pode ver-se impedido de divulgar as informagdes ou pode verificar que os dados sao inadequados ou manipulados. Métodos complementares, 24 Dependem dos dados recolhidos, incluem: andlise estatistica, andlise de contetido e analise de documentos. 25 2.1. A andlise estatistica dos dados Apresentagao A utilizago dos computadores transformou profundamente @ anélise dos dados. Apresentar os mesmos dados sob diversas formas favorece incontestavelmente a qualidade das interpretagdes. Nesse sentido, a estatistica descritiva e a expressdo gréfica dos dados S40 muito mais do que simples métodos de exposicao dos resultados. Variantes: - Quando os dados so prévios & investigacdo, falamos de andlise secundaria; = Quando 0s dados foram recolhidos gracas a um inguérito por questiondrio desenhado para a investigagao, falamos de tratamento de inquérito; = Quando os dados examinados séo textuais, falamos de andlise de contetido. Objectivos para os quais 0 método 6 especialmente adequado E adequado ao estudo das correlagdes entre fenémenos susceptiveis de serem exprimidos por variaveis quantitativas, especialmente numa perspectiva de andlise causal. Principais vantagens As principais vantagens s40 a preciso € 0 rigor, satisfazendo 0 critério da intersubjectividade. Limites e problemas Nem todos os factos interessantes so quantitativamente mensurdveis, Este método permite descrever relagdes, mas nao forece uma explicacao ou sentido. Métodos complementares ‘A montante: 0 inquérito por questionério e a recolna de dados estatisticos existentes, 27 2.2. A andlise de contetido Apresentagao ‘A anélise de contetido incide sobre mensagens t8o variadas como obras literdrias, artigos de jomais, documentos oficiais, programas audiovisuais, deciaracées politicas, actas de reunides ou relatrios de entrevista pouco directivas. A escolha dos termos utilizados pelo locutor, a sua frequéncia e 0 seu modo de disposicao, a construgdo do “discurso” e 0 seu desenvolvimento so fontes de informagées a partir das quais 0 investigador tenta construir um conhecimento. Este pode incidir sobre 0 préprio locutor ou sobre as condigdes sociais em que este discurso é produzido. Exemplos de métodos utilizados: calculo das frequéncias relativas ou das co- ‘ocorréncias dos termos utilizados. Principais variantes Os métodos agrupam-se em duas categorias: métodos quantitativos @ métodos qualitativos. Os primeiros s&o extensivos @ baselam-se na frequéncia do aparecimento de certas caracteristicas de contetido ou de correlacao entre elas. Os segundos sao intensivos e baseiam-se na presenca ou auséncia de uma caracteristica ou modo segundo 0 qual os elementos do “discurso” esto articulados. ‘As andlises teméticas tentam revelar as representagées sociais ou os juizos dos locutores @ partir de um exame de certos elementos constitutivos do discurso. Podemos distinguir a andlise categorial, que consiste em calcular @ comparar as frequéncias de certas caracteristicas previamente agrupadas em categorias significativas; € a andlise da avaliaco, que incide sobre os juizos formulados pelo locutor ~ é calculada a frequéncia, direccdo e intensidade dos juizos formulados. ‘As andlises formais sao relativas as as formas ¢ encadeamento do discurso. Podemos distinguir a anélise da expresso, que, baseando-se no vocabuldrio, tamanho das frases, ordem das palavras @ nas hesitagbes, informa sobre o estado de espirito do locutor e suas tendéncias ideolégicas; a andlise da enunciaeao, que concebe o discurso como tendo uma dinamica prépria reveladora © baseia-se no desenvolvimento geral do discurso, na ‘ordem das suas sequéncias, nas repetigdes, nas quebras de ritmo, etc. ‘As andlises estruturais focam-se na maneira como os elementos da mensagem estéo dispostos, tentando revelar aspectos subjacentes implicitos da mensagem. Podemos distinguir a andlise de co-ocorréncia, que examina as associagdes de temas nas sequéncias da comunicacdo, informando acerca de estruturas mentais e ideolégicas ou de precoupagdes: 28 latentes; e a analise estrutural propriamente dita, cujo objectivo é revelar os princfpios que organizam os elementos do discurso, independentemente do contetido, tentando descobrir uma ordem oculta. Objectivos para os quais 0 método é especialmente adequado A anélise de contetido pode incidir sobre comunicagées das formas mais diversas, sendo itil para: - a andlise das ideologias, sistemas de valores, representagdes @ aspirages e suas transformagées; = 0 exame da légica de funcionamento das organizagdes, gragas aos documentos que elas produzem; ~ oestudo das produgées culturais ¢ artisticas; - aandlise dos processos de difusao e de socializacdo; - a andlise de estratégias, do que esté em jogo num conflito, das interpretagbes, das reacgdes; - a reconstituigao de realidades passadas nao materiais: mentalidades, sensibilidades. Principais vantagens Métodos adequados ao estudo do no dito, do implicito. Obrigam o investigador a manter uma grande distancia em relacéo a interpretagdes espontaneas, em particular as suas prOprias. Permitem controle posterior. Limites e problemas Alguns métodos baseiam-se em pressupostos, no minimo, simplistas. Outros 80 muito pesados e laboriosos. Cada método tem um campo de aplicagdio muito restrito. Métodos complementares Métodos de recolha de dados qualitativos, que se situam a montante da anélise de contetido. Entrevistas semidirectivas, recolha de documentos & inquéritos por questionairio. 2.3. Limites e complementaridade dos métodos especificos Nenhum dispositive metodolégico pode ser aplicado de forma mecanica. O rigor no controle epistemolégico do trabalho néo pode ser confundido com rigidez na aplicag&o dos métodos. 29 ‘A problematica e © modelo de analise primam, assim, sobre a observacao. Os dados 86 ganham existéncia através do esforco taérico que os constr verdadeiro rigor nao é sinénimo de formalismo técnico. O rigor nao incide primordialmente sobre os pormenores da aplicagdo de cada procedimento utiizado, mas sim sobre a coeréncia de conjunto do proceso de investigacao eo modo como ele realiza exigéncias epistemolégicas bem compreendidas. 30 SETIMA ETAPA, AS CONCLUSOES OBJECTIVOS ‘A conclusao de um trabalho é uma das partes que os leitores costumam ler em primeiro lugar, procurando nessas paginas indicagdes do interesse que 0 trabalho pode ter. A concluséo compreende geralmente trés partes: uma retrospectiva das grandes linhas do procedimento; uma apresentago pormenorizada dos contributos para 0 conhecimento originados pelo trabalho; 8 consideragdes de ordem pratica. 1. RETROSPECTIVA DAS GRANDES LINHAS DO PROCEDIMENTO. - Pergunta de partida na sua formulagéo definitiva: - Apresentagao das caracteristicas gerais do modelo de andlise e das hipdteses de pesquiss = Apresentagao do campo de observacdo, dos métodos utlizados e das observagoes efectuadas; = Comparagéo entre os resultados esperados e os resultados observados, ¢ uma interpretagao das diferengas. 2, NOVOS CONTRIBUTOS PARA O CONHECIMENTO 2.1. Novos conhecimentos relativos ao objecto de andlise Trata-se de mostrar em que 6 que a investigago permitiu conhecer melhor este objecto. Estes novos contributos tém uma dupla natureza: juntam-se aos conhecimentos anteriores relativos ao objecto de andlise; matizam, corrigem ‘ou pdem em questo os conhecimentos anteriores, Os novos conhecimentos evidenciam-se na resposta as duas perguntas seguintes: ~ *O que sei a mais sobre 0 objecto de andlise?” = *O que sei de novo sobre este objecto?” Quanto mais o investigador se distancia dos preconceitos do conhecimento corrente @ se preocupa com a problemética, mais probabilidades tem a sua Contribuigao de novos conhecimentos ser de tipo correctivo. 31 2.2. Novos conhecimentos tedricos © investigador definiu uma problematica e elaborou um modelo de andlise composto por conceitos e hipéteses. Este dominio concreto foi progressivamente revelado, e foi sendo posta & prova a pertinéncia da probleméttica e do modelo de anélise. © investigador deve avaliar, a posterior’, 0 seu proprio trabalho teérico relativamente: & pertinéncia da problematica; e & operacionalizagéo do modelo de andlise. A partir deste exame critico podem ser formuladas novas perspectivas tedricas. Um novo ponto de vista, a reformulacdo de uma hipdtese, a redefinicao de um conceito, ou a afinagao de indicadores. 3, PERSPECTIVAS PRATICAS ‘As conclusdes de uma_investigagéo raramente conduzem a aplicagdes praticas e indiscutiveis. Entre a andlise € a decis4o pratica, ndo & possivel, nomeadamente, contornar a questo do juizo moral e da responsabilidade. No seu sentido mais negativo, a ideologia pode consistir precisamente em fixar de forma indevida conclusdes normativas em nome de pretensas verdades cientificas. Nao ha investigador capaz de influenciar duradoura e profundamente as praticas socials que néo se imponha um incessante trabalho de autoformacao teérica. 32 Etapa 1 ‘A pergunta de partida Formular a pergunta de partida tendo 0 cuidado de respeitar: —as qualidades de clareza —as qualidades de exequibitidade —as qualidades de pertinéncia ‘A-exploragio, As leituras As entrevistas exploratérias + Seleccionar os textos + Preparar-se para a entrevista + Ler com método + Encontrar-se com os peritos, tes- + Resumir temunhas © outras pessoas + Comparar: implicadas + Adoptar uma atitude de escuta 05 textos entre si 0s textos com as entrevistas _ ° sbertura + Descodificar os discursos Ftapa 3 A problematica + Fazer © balango € descrever as probleméticas.possiveis + Definir uma problematica J Ftapa 4 J ‘A constiuigio do modelo de-andlise * Construir as hipsteses © 0 modelo, precisando: as relagdes entre os conceitos —as relagbes entre as hipéteses Construir os conceltos, precisando: —as dimensoes 0s indicadores Etapa $ 1K observago + Delimitar © campo de observagio + Conceber o instrumento de observagio + Testar o instrumento de observacto + Proceder & recolha das informagdes Etapa 6 ‘A anflise das informagdes + Descrever e preparar os dados para a andlise + Medir as relagdes entre as varidveis ‘+ Comparar os resultados esperados com os resultados observados + Procurar 0 significado das diferengas te I AS coniclusdes + Recapitular 0 procedimento + Apresentar os resultados, pondo em evidéneia: — 05 novos conhecimentos — a8 consequéncias praticas ey

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