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Murray Bookchin CoLEGAo ESCRITOS ANARQUISTAS MUNICIPALISMO LIBERTARIO AANARQUIA Brrico Malatesta DDIALOGO IMAGINARIO ENTRE MARX E BAKUNIN ‘Maurice Cranston ‘A GUERRA CIVIL ESPANHOLA Nos DOCUMENTOS LIBERTARIOS CNT MuntcipaLisMo LIBERTARIO Murray Bookchin Tradugao J.P. Oliveira M Nu-Sol maginario tote da capa: Unigraph Bares ITurrao da capa: Pal Klee, © lugar em questo, 1922. ‘Texto extrados da obra Aurtay Bookchin ~ Tato Dipersos dicho Socius, Centro de Investigasio em Sociologia Econdmica ‘das Organizagdes, Lisboa, 1998, Pino A.A. Coho (Ltrs uaginsis) ‘Av, Pomp, 2.549 con OF Sumarezinho “Telefax: (011) 864-2964 (05023-001 Sto Paulo ~ SP “Testo - A Casa da Soma ‘Rua Dr, Cindida Espinhira, 541 Perdizes, Sio Paulo SP ~ 0500-000 Caixa Postal 70.513 - io Paulo SP ~ 05013-990 ‘email soma@nergate-com.bt ‘somasp@uol.com.br Tal: OL) 864-7046 Nu-Seol ceo de Sociabildade Libertiria do Programa de Estudos "Pos-Graduados em Citncias Sociis da PUC-SP ‘plgeocites.conv-nursol_puesp “Telefax: (011) 3670-8517 Impresso no Brasil 1999) SUMARIO Autobiografia 7 ‘Municipalismo Libertario u Para um Novo Municipalismo 27 Espontaneidade ¢ Organizagio 45 10 MURRAY BOOKCHIN Gio dessa época, a UA.W., antes de ser destruida pelos bu- rocratas. Em 1947 ou 1948, participei da greve da General Motors que durou varios meses. Quando saimos vitoriosos da greve, € retornamos a0 trabalho, et me dei conta de uma mudanga total, nto na organizagdio como entre os trabalhadores. Estava claro que © sindicalismo era agora aceito pela burguesia, © que os traba- Ihadores haviam abandonado seu espirito revolucionario, ¢ ‘estavam apenas interessados pelas vantagens materiais; em suma, reinava uma atmosfera de desmobilizagio da classe, ‘Compreendi, de repente, que a Revolugdo espanhola havia sido simultaneamente apogeu e fim, em cem anos de historia revolucionaria da classe operaria, Comecei a revisar por completo a histéria do movimento operario, de junho de 1848 a julho de 1936, e minhas idéias foram explicedas no ‘ltimo capitulo de meu livro Os anarguistas espanhdis € em meu artigo “Autogestdo © nova tecnologia” atualmente reeditado em Por uma sociedade ecoligica. + Bate texto foi extra de "Testimonios", México D.F, primavera de 1986, MUNICIPALISMO LIBERTARIO A Batalha, 127, Jancito-Margo 1990, Extra de Flom, 8, 1985, ‘Tradupto de Sérgio Garcia e Silva e Lus Garcia Silva Jeet de trabalho ¢ comunidade so os pélos em jque se tem centrado, ao longo da Historia, a teoria « pratica social radical. Com o aparecimento do Estado- ‘Nagio ¢ da revolugio industrial, a economia adquiriu procminéncia sobre a comunidade, nao s6 na ideologia capitalista como também nas virias modalidades de socialismo libertario ¢ autoritério surgidas no século passado. Esta mudanga de ténica do pélo ético para 0 econdmico foi de enorme alcance, conferindo aos di- versos socialismos inguietantes atributos burgueses. Tal evolugio foi particularmente nitida no conceito marxista de emancipagio humana através do dominio da natureza, projeto que, implicando 0 dominio do homem pelo homem, justificava o aparecimento da sociedade de classes como condigdo prévia dessa emancipagao. 2 MURRAY ROOKCHIS Infelizmente, a ala libertaria do socialismo nio propés, com a necessaria coeréncia, o primado da moral sobre 0 econémico, provavelmente em razio do nasci- mento do sistema de fabrica (lugar clissico da explo- ragio capitalista) ¢ do proletariado industrial como agente de uma nova sociedade. O préprio sindicalismo revolucionatio, apesar de todo o seu fervor moral, con- ‘cebeu a organizagdo social sindicalista pés-revolucio- aria nos moldes da sociedade industrial, o que teste- munha bem a mudanga de tnica do comunitarismo para 0 industrialismo, dos valores comunitarios para os da fibrica. Obras que gozaram de prestigio quase sa- grado no meio sindicalista revolucionario, como O Organismo Econdmico da Revolusdo de Santillan, exal- tam o significado da fabrica ¢ do posto de trabalho, para nio falar ja do papel messiinico do proletariado. Todavia, o local de trabalho (a fabrica na sociedade industrial) foi, a0 longo da Historia, ndo sé lugar de exploragdo, mas ainda de subordinagao hierarquica. Nao serviu para “disciplinar”, “unir” ¢ “organizar” 0 proletariado para a mudanca revolucionaria mas, pelo contririo, para 0 acostumar obediéncia. O proleta- riado, como qualquer setor oprimido da sociedade, liberta-se abandonando os habitos industriais e partici- pando ativamente na vida comunitatia, MUNICIPALISMO LIRERTARIO. B Da Tribo a Cidade © municipio é espaco econdmico € espago hu- mano, de transformagao do geupo quase tribal em corpo politico de cidadios. A politica — gestdo da cidade (polis) — tem sido desvirtuada em governo do Estado, tal como a palavra polis tem sido impropriamente tra- duzida por Estado, Esta degradacdo de cidade em Es- tado repugna aos antiautoritérios, dado que o Estado ¢ instrumento das classes dominantes, monopétio ins- titucionalizado da violencia necesséria para assegurar © dominio ¢ a exploragio do homem pelo homem. O Estado desenvolveu-se lentamente a partir de base mais ampla de relagdes hierérquicas até se converter no Estado-Nagio ¢, mais modernamente, no Estado tota- litério, Por outro lado, a familia, o local de trabalho, as, associagdes, as relagdes interpessoais ¢, de modo geral, a esfera privada da vida, sio fenémenos especifica- mente sociais, distintos do ambito estatal. O social e 0 estatal misturam-se; os despotismos arcaicos nao foram seno ampliacdo da estrutura familiar patriarcal €,na atualidade, a absorcdo do social pelo Estado tota- litério nada mais € que o alargamento da burocracia a esferas nfo meramente administrativas. Esta mistura do social e do estatal apenas prova que os modos de “4 MURRAY BOOKCHIS organizagao social nfo existem em formas puras. A “pureza” é termo que s6 pode ser introduzido no pen- samento social a expensas da realidade concreta. A Histéria nao apresenta a categoria politica como forma pura, assim como nfo oferece qualquer exemplo de relagdes sociais nao hierérquicas (acima do nivel do bando ow aldeia) ou de instituigdes estatais puras (até &poca recente). O aparecimento da cidade abre espa- 08 a uma humanidade universal distinta da tribo agro- pastoril, a um civismo inovador distinto da comuni- dade fechada na tradigdo ¢ que se exprime na gestio da polis por um corpo de cidadios livres. Aproximagoes a ‘uma politica nao estatal encontram-se na democracia ateniense, no town meetings da Nova Inglaterra ou nas, assembléias de seco da Comuna de Paris de 1793. Experiéneias por vezes duradouras, por vezes efémeras, que embora inquinadas por tragos opressivos caracte- risticos das relagdes sociais do seu tempo, permitem, conceber um modelo politico nao parlamentar (buro- critico e centralizado), mas civico. A Cidade ¢ a Urbe A era moderna caracteriza-se pela urbanizacao, degradagio do conceito de cidade (civitas, corpo po- MUNICINALISMO LineRTARIO 5 litico de cidadios livres) em urbe (conjunto de edifi- ~ cios, pragas, isto é, 0 fato fisico da cidade). Os dois conceitos foram distintos em Roma até a época impe- rial e € elucidativo que a sua confusio corresponda a0 declinio da cidadania. Os Gracos tinham procurado transformar a urbe em cidade, dar primazia ao cida- dio, a0 politico sobre o econdmico. Fracassaram e, sob © Império, a urbe devorou a cidade, A distingao entre 0s conceitos de cidade ¢ urbe encontra-se em outros paises como a Franga, onde Rousseau ja assinalava que “as casas fazem o aglomerado urbano (ville) mas $6 os cidadaos fazem a cidade (cit8)”. Vistos como simples leitores ou contribuintes — quase um eufemismo para siiditos — os habitantes da urbe tornam-se abstragbes, meras criaturas do Estado. Um povo cuja tinica fungio politica é eleger deputados nao é, de fato, povo mas “massa”. A politica, entendida como categoria distinta do estatal, implica a reencarnacao das masssas num, sistema articulado de assembléias, a constituigdo de um corpo politico atuando num espago de livre ex- pressio, de racionalidade comum e de decisio radi- calmente democratica. Sem autogestio nas esferas econémica, ética e politica, nao sera possivel transfor- mar os homens de objetos passivos em sujeitos ativos. © espago civico (bairro, cidade) € o bergo em que 0 X MUNICIFALISMO LinERTARIO. "7 6 MURRAY ROOKCHIN Publicanos em nivel municipal e nacional, A expressio democracia representativa é em si mesma, contradi- toria. O povo, ao delegar em drgaos que o excluem da discussio e decisio ¢ definem 0 ambito das fungoes administrativas, langa as bases do poder estatal. A sue Premacia da assembléia sobre os érgios administra- tivos ¢ a inica garantia da supremacia do cidadao sobre o Estado, crucial numa sociedade como a nossa, repleta de peritos que a extrema especializagio e com- plexidade tecnolégica torna indispensiveis. A supre+ macia da assembléia é particularmente importante no periodo de transigiio de uma sociedade administra- tivamente centralizada para uma sociedade descen- wralizada. A democracia libertiria s6 € concebivel se assembléias populares, em todos os niveis, mantiverem sob a maior vigilancia e escrupuloso controle os seus Sraaos federais ou confederais de coordenagio. Isto nao suscita problemas importantes do ponto de vista estrutural. Desde tempos remotos que as comunidades utilizam peritos e administradores sem perda da sua liberdade. A destruigdo das comunidades teve em geral origem estatal e nio administrativa. Corporagdes sa- cerdotais e chefes serviram-se da ideologia e da inge- nuidade publica, mais que da forga, para reduzir pri- meio ¢ depois eliminar o poder popular. homem se civiliza e civilizar ésindnimo de politizar, de transformar a “massa” em corpo politico deliberativo, racional e ético. Formando ¢ fazendo funcionar tais, assembléias, os cidadaos formam-se a si mesmos, por- que a politica nada é se nfo for educativa e no pro- mover a formagio do carter. (© municipio nao é apenas 0 local onde se vive, a casa, servigos de higiene e salubridade, de previdéncia, emprego e cultura. A passagem da tribo a cidade repre- senta uma transformagio radical da humanidade, tio revolucionaria como a passagem da sociedade primi- tiva (de caga e colheita) sociedade agricola e desta & ‘de manufatura. A revolugio urbana nio foi menos pro- funda que a revolucio agricola ou que a industrial Municipio e Democracia Direta ‘Ao exaltar a atividade legislativa ¢ executiva por dlegados na Comuna de Paris de 1871, Marx prestou tum péssimo servigo ao pensamento social radical. Ja Rousseau afirmava que 0 poder popular nao pode ser delegado sem ser destruido. Ou hi assembleia popular dotada de plenos poderes ou 0 poder pertence a0 Estado. A delegasio deturpou a Comuna de Paris de 1871, os sovietes e, mais geralmente, os sistemas re- 18 MURRAY ROOKCHEN unre SPALISMO LiNBREARIO 9 (0 Estado Contra a Cidade seré mero jogo de sombras. Qualquer perspectiva radi- cal em moldes libertarios perderd significado. Por pian ingénuo supor que assembléias populares de aldeia, de bairro, de cidade) possam alcangar 0 nivel de uma vida piblica libertaria sem a existéncia de um movimento libertario consciente, bem organizado © com programa claro. E este ndo podera surgir sem a Contrbuiedo de uma intelestuldade adie, iran de vida comuntri, como a inteectualidade francesa do Iluminismo, com a sua tradicional presenga nos cafés ¢ bairros de Paris, Intelectualidade bem diversa da que povoa academias e outras instituigdes culturais da sociedade ocidental. Se os anarquistas nao reforca- rem esse extrato de pensadores em declinio, com vida publica vivaz, em comunicagio ativa com 0 ambiente social, ero de enfrentar o risco de uma transformagio es idéias em dogmas ¢€ de si préprios em herdeiros resuncosos das grandes personalidades viv passado. “somes © Estado nunca absorveu, no passado, a total dade da vida social, Fato que Kroporkin assinalow im- plicitamente em O Apoio Miituo, 20 descrever a rica € Complexa vida civica das comunidades medievais. A cidade foi a principal forca de oposigo aos Estados imperiais e nacionais, da antiguidade aos nossos dias. ‘Augusto e seus sucessores fizeram da supressio da autonomia municipal a chave da administragao im- perial romana ¢ o mesmo fizeram os monarcas abso~ Tutos da época da Reforma. “Abater os muros da ci- dade” foi uma constante da politica de Luis XIII e de Richelieu, politica que ressurge em 1793-94, com a progressiva e implacavel restrisao dos poderes da Co- fnuna pelo Comité de Salvagio Piblica robespierrista, 'A“revolugo urbana”, enquanto poder alternativo, isto « desafio potencial ao poder central, foi uma obsessio do Estado ao longo da Historia. Esta tensio subsiste ‘ainda, como 0 demonstram os conflitos entre o Estado teas municipalidades na Inglaterra e América. Quando fs urbanizagio tiver anulado a vida da cidade @ ponto dde esta nfo ter mais identidade, cultura e espagos asso ciativos proprios, as bases para uma democracia terdo desaparecido ¢ a questo das formas revolucionérias As Classes Sociais em Reformulagao Pode-se jog: jar com palavras como municipio, co- rmunidade, assembléia e democracia direta, negligen- ciando diferengas de classe, étnicas e de sexo, que 20 MURRAY BOOKCHI fizeram de termos como povo abstracées insignifi- cantes. As Assembléias de Secgao parisienses de 1793 no s6 estavam em oposi¢io a Comuna e a Convengio ‘mais burguesas, como eram, internamente, campo de batalha entre assalariados e proprietarios, democratas ¢ realistas, radicais e moderados. Reduzir esta confli- tualidade a meros interesses econdmicos é tio incor reto como ignorar diferengas de classe ¢ falar de fra- ternidade, liberdade e igualdade como se estas fossem meras expresses retoricas, esquecendo a sua dimen- sio populista ut6pica. Tanto se escreveu jé sobre 08 conflitos econémicos nas revolugdes inglesa, ameri- cana ¢ francesa, que os historiadores futuros fariam melhor servigo se revelassem 0 medo burgués da revo- lugdo, 0 seu conservadorismo inato ¢ a sua tendéncia para 0 compromisso com a ordem instituida, Mais itil seria ainda revelar como as classes oprimidas da era revolucionétia empurraram as revolugdes “burguesas! ‘para fora das balizas estabelecidas pela burguesia, para cespagos de democracia a que esta sempre se acomodou MUNICIPALISMO LIBERTARIO 2 A recente evolucdo tecnolégica, social e cultural e seu desenvolvimento futuro podera alterar a tradicio- nal estrutura de classes criada pela revolugao industrial « permitir que, da redefinigdo do interesse geral dai re- sultante, possa emergir novamente a palavra povo no vocabulirio radical. Nao como abstracio obscuran- tista, mas como expressio de estratos desenraizados, fluidos c tecnologicamente deslocados, nio integrados numa sociedade cibernética e automatizada. A estas camadas desprezadas pela tecnologia poderii juntar-se (08 idosos e 0s jovens, para quem o futuro se apresenta incerto por dificil definicao do seu papel na economia €na cultura, Estas camadas jf nfo se enquadram na clegante e simplista divisdo de classes correspondente 20 trabalho assalariado e a0 capital © pove pode voltar, ainda, como referéneia a0 interesse geral que se criou em torno de mobilizagdes pablicas sobre tematica ecologica, comunitaria, moral, de igualdade de sexos ou cultural. Seria insensato sub- valorizar 0 papel crucial destes problemas idcologicos, com dificuldade e suspeigao. Os varios “direitos” entdo aleangados foram-no apesar da burguesia e ndo gragas 1 ela; gracas sim aos agricultores americanos de 1770 «¢ 20s sans-culottes parisienses de 1790. E 0 futuro destes direitos torna-se cada vez mais incerto, aparentemente marginais. Ha 50 anos, j4 Borkenau fazia notar que a historia do ultimo século mostrava que o proletariado podia enamorar-se mais do nacio- nalismo que do socialismo ¢ ser mais facilmente con- duzido pelo interesse patridtico que pelo de classe 2 MUARAY BOOKCHON MUNICIPALISMO LIBERTARIO 23 nhdis, russos, franceses e italianos) pertenceram sobre- tudo a estratos em transi¢io, estratos agririos tradicio- nais em decomposicdo, submetidos ao impacto corro- sivo de uma cultura industrial. A luta operaria de hoje, que reflete os tiltimos sobressaltos de uma economia em extingdo, ¢ sobretudo defensiva, visando conservar um sistema industrial que esti sendo substituido por uma tecnologia de capital intensivo e cada vez mais cibernética. A fibrica deixou de ser o reino da liber- dade (de fato foi sempre o reino da necessidade, da sobrevivéncia). Ao seu nascimento opuseram-se 0s se~ Note-se também a enorme influéncia que ideologias como o cristianismo eo islamismo ainda hoje mantém frente a ideologias sociais progressistas, nomeadamente cecologicas, feministas, étnicas, morais ¢ contraculturais ‘em que navegam elementos pacifistas ¢ de cariz an: quico que aguardam ser integrados numa perspectiva coerente. Estao a desenvolver-se a nossa volta novos movimentos sociais que ultrapassam as tradicionais fronteiras de classe. Deste fermento pode nascer um interesse geral mais amplo pela sua finalidade, novi- dade ¢ criatividade que os interesses economicamente orientados do passado. tores artesanais, agricolas e, em geral, o mundo comu- nitirio. Obcecados pela idéia de socialismo cientifico € pela ingénua concepgiio de Marx e Engels, segundo a qual a fabrica servia para disciplinar, unir e organizar © proletariado, muitos radicais ignoraram o seu papel autoritério e hierarquizante. A aboligio da faibrica ¢ sua substituigdo por uma ecotécnica (caracterizada por trabalho criativo ¢ aparelhos cibernéticos projetados para responder s necessidades humanas) € auspiciosa na perspectiva do socialismo libertario. A revolugio urbana desempenhou um papel bem diferente do da fibrica. Criou a idéia de uma huma- nidade universal e da sua socializagio, segundo linhas racionais ¢ éricas, Removeu as limitagdes ao seu desen- A Comunidade e a Fabrica 0 “1984” orwelliano traduz-se hoje pela megalé- polis de um Estado muito centralizado e de uma socie- dade profundamente institucionalizada. B nossa obri- gagio tentar opor a esta evolucao social estatizante # cio politica municipal, A revolugao traduz-se sempre pelo aparecimento de um poder alternativo — sindi- cato, soviete, comuna — orientado contra o Estado. O cexame atento da Historia mostra que a fitbrica, pro- duto da racionalizagdo burguesa, deixou de ser 0 local da revolugio. Os operarios mais revolucionarios (espa- 2 MURRAY BOOKCHIS volvimento decorrentes dos vinculos do parentesco € do peso sufocante do costume. A dissolugdo do muni- jo representaria grave regressio social, pela destrui- a0 da vida civil e do corpo de cidadaos que confere sentido ao conceito de politica Para um Municipalismo Libertario (O anarquismo sempre sublinhou a necessidade de ‘uma regeneragio moral e de uma contracultura (no melhor sentido do termo), antagénica da cultura do- minante. Dai a importancia atribuida a ética, & coe- réncia entre meios ¢ fins e & defesa dos direitos huma- nos € civicos contra qualquer forma de opressio ¢ «m qualquer aspecto da vida. A idéia de contra-instituiga0 é mais problemética, Vale a pena recordar que no anar- quismo houve sempre, a par das tendéncias individua- lista e sindicalista, uma tendéncia comunalista. Esta iltima com forte orientagao municipalista, como se depreende das obras de Proudhon ¢ Kropotkin. Todas as tendéncias radicais sofrem de certa dose de inércia intelectual, a libertiria nao menos que @ socialista autoritaria, A seguranga da tradigdo pode ser suficientemente reconfortante para bloquear qualquer, MONICIPALISMO LIRERTARIO 5 possibilidade inovadora. O anarquismo tem estado obce- cado pelo problema do parlamentarismo e do esta- tismo, preocupaso historicamente justificada mas que pode conduzir a uma mentalidade de estado de sitio, de cariz dogmitico, © municipalismo libertario pode ser o tltimo re- duto de um socialismo orientado para institui 1e8 po- pulares descentralizadas, E curioso que muitos anar- quistas que se entusiasmam com qualquer chicara coletivizada no contexto de uma economia burguesa encarem com desgosto uma ago politica municipal que comporte qualquer tipo de eleigdes, mesmo se estruturadas em torno de assembléias de bairro e com mandatos revogiveis, radicalmente democriticos. Se anarquistas viessem a integrar conselhos comunais, nada obrigaria a que a sua politica se orientasse para um modelo parlamentar, sobretudo se confinada ao Ambito local, em oposi¢ao-consciente a0 Estado € vi- sando a legitimagio de formas avangadas de demo- cracia direta. A cidade ¢ © Estado nao se identificam. As suas origens so diversas e os seus papéis historicos diferentes. O fato de o Estado permear hoje todos os aspectos da vida, da familia a fabrica, do sindicato cidade, nao signfica qué sg deva abandonar toda e qual quer forma de relago humana. 26 MURRAY ROOKCHIN Os fantasmas que devemos temer so os do dogma- tismo e do imobilismo ritualistico. Estes representam para a autoridade sucesso mais completo que o obtido através da coagio, pois significariam que o seu controle esti préximo de bloquear a capacidade de pensar livre ecriticamente e de resistir com as idéias, mesmo quando ‘a capacidade de agir se encontra bloqueada pelos acon- PARA UM NOVO MUNICIPALISMO A lia, 24.25, Absil 1982. De “Tbuand a Nove Municipaion”, tecimentos. Comment, Hoboken, n° 4¢6,Val. 1, 1980, “radu de J P.Obiveen ada a crescente centralizagio do Estado ¢ a depressio de todas as formas sociais, problema do desenvolvimento de formas populares de organi- zasio social tornou-se a responsabilidade historica de um movimento anarquista importante. O mito do “Estado minimo” proposto pelos neomarxistas, pelos descentralizadores da “Nova Era” e pelos libertarios da ala direita — por bem intencionadas que sejam as suas noges — & em sltima instancia, uma justificagao do Eszado enquanto ral. Dentro do contexto da crise pre- sente, qualquer Estado minimo torna-se numa ideo- logia ingénua para o tinico tipo de Estado que é possvel numa sociedade cibernética de grandes empresas — de ato, um Estado méximo. Faz parte da prépria dialética da

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