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ling C de Webling FORMACAO =D O BRASIL COLONIAL F ormacio do Brasil colanial fxr a sinsese de urés séculos de historia brasilvira. Acessivel ao puiblico leitor nao especislizado cm historia, pois oo hé erudigdes ou discussdes te6rico-mecodolégicas, mantém, no entanto, toda 2 preciso conceitual e atualidade cientifica. A the Eorrows NOVA FRONTEIRA Arno Wehling Maria José C, de M. Wehling FORMACAO DO BRASIL COLONIAL Prefacio de José Luiz Werneck da Silva 4 raontena © 1994, by Ammo Webling e Maa Jose C cle M. Wehling “Bion: Navartanteitss 2 fu Bann Bh Dogs: CH LIS eee NEOrRNT Tas ero Revisiv de orinais Rodrigo Lacerda Revie npageiber Terran da Rocha Mops ne Iconcepae itaraga eleerSica) C1P-Brasil, Canslogseto-na-on Sindicato Nacional dos Eatores de Livros) Webling, Aro. W426 Formas Wo Brasil Colonial / Arno Weblng, Maria Jove C. de M. \Webling. ~ Rio de Jansiro : Nova Fronira, 1994 4 9 mapas Incl bibiografa ISBN 85.209.0560-9 1, Brall — Hntdzia = Period colionial, 180021822. 2. trasil - Condigies econimmcay, 1500-(422. 1. Wehieig, Maria José C. de H, Title. cop - 981.08 96.0996 cpl = 98 Sumario Pretécio INF OMUGBO en ~ ’ |. Como se pensou a formagio colonial brasileira B 4H. A expansio européla no séeulo XV © a incorporasio do Brasil A transigao para a modernidade: 0 “mondo pleno”. Portal sigio para a modernidade. A expansio européia ¢ 4 preseaga portu- auesa, As Indias © o Brasil, 1498-1500, Os anos inicisis, 1500-1530. © mundo em 1500: se esbuga a integragao dos diferentes “universos- temp IL, © século XVI e a fixagie litordnes....... reeset Sh 8 conjuntura internacional. Portugal no século XL O Império Por. tuguds. A crise de 1580, O Brasil, das feirorias as capitanias. O Go vemo Geral ¢ a consolidagao do processo colonizador, 1549-1600. As disputas com espanhiis e franceses. A penetiagio territorial. Ses arias ¢ vilas. A ortodoxia e a repressio relisiosa Paroquias, odens a Inguisicgo, © ev ¢ 0 outro: os contaros intexSrmieos no séeulo XVI Imagens do Brasil na Europa, © Brasil no final do século XV IV. 0 século XVtte a expansio territorial... 99 A conjuncura internacional no sécuio XVH. Portus ¢ 0 Impéno A evolugio do Estado do Brasil A expansie geogtitica v seus von tos, A guerra do agicar. A oeupagao da Amazdnis © 0 Estado do Nis ranhio, O Brasil no final do séeuio XVIL V. © século XVIII e a consolidagie colonial...... M7 A conjuntura internacional, Portugal ¢ 0 Brasil. A eolomizacio do Centro: oura e diamantes. A colonizagio do Sul: Ria Grande ¢ Sace mento. Pernambuco, Bahia v 0 restame do Nordeste. O Estado do Maranhio e suas dificuldades. A sangiv diplomatica & expansio por tuguesa, VL. A economia colonial... 187 © sistema colonial. Latifindio ¢ escravido: pequena propriedade & trabalho livre. Aruas#o éo Esiads, politica comercial ¢ finangas. As relagdes com a Inglaterra. A economia brasileira nos siutos St € XVik extrativismo © agropecusia. A mineragio ¢ as eranstormagdes econémicas do séctlo XVII. O Brasil agririo do século X¥IN, VIL. Sociedade ¢ quadros mentais ... sentences 19 As origens, Grupos e etnias. Miscigenayao. As diferentes formas de organizagao social. Estratificacio social, grupos e einias. Mobilidade sotial, morgadios © lormagio das elites. Os seroces marginalizados. Clas ¢ rixas. Familia: casamento © divoecia, concubinato € prestitai G40. Sentimentos religinsos ¢ crengas. Soviabilidade e festas. Habita- cho rural ¢ urbana. Vestuiria ¢ alimentagao. Higione, saiide & assis- tencia. Crime ¢ castigo. Condigao fenunina, VII, A cultura colonial .. 273 A lingua falada no Brasil entonial. Os condicionamentis da culeura colonial, Literarura ¢ arte no Brasil nos séealos XVI e XVUL Literatura e arte na Brasil no séeulo XVME. A educayso na Colénia, Filosofia ¢ conhecimento cientifiew na Coidnia 1X, 0 poder na Colénia 299 Poder pablico ¢ poder privado. 8 escasser de recursos. O “tempo ad ministrativo”. Normas “profesas e confusas”. As esfevas ad ministes tivas. As instituigdes © @ agdo adminstrativa colonial. O poder e os grupos marginalizados X. A extse da colonizagio seone S13. AA coniuntura revolucionaria. Porta), o Brasile a erst, As respostas 2 crise, Insatistagdes e conflitos. O Brasil no final do seculo XVIIL Conclusio: Trés séculos depois “ 3 Bibliografia ..... - nn 343. Mapas 0 Brasil no desencravamento planctisio do séeulo XVI 0 Rio de Janeiro no inicio do séeulo XVIk prineipais coras Ocupacio terrizorial em 1600 «. Expansio tecritorial no século XVIt Ocupagio terricorial em 1700... Consolidagio tersitarial e sangio diplomatica no século XVI © Brasil e suas relagoes comerciais no inicio dy Revohagao Industrial Area mineradora como cixo econémico do Brasil — cerca am xo econdmico de rai Ocupagio tezrivorial em 1800, 4B 8 34 123 13 9 199 2215 335 Prefacio Uma avaliagdo das tematicas eleitas © das op;bes tedrico-metodo- \igicas on dos embasamentos filosoficos adorados na ancira de abordé-las ha de nos revelar a eresconte preseriga na historiografia brasileira mais recente de uma visio microscopica ou mnicrocésmi- ca do mundo social. Poucos trabalhos — e deles esta Formacao do Brasil colonial éum consistente exemplo — tém entrentado as sin- teses gerais ou patcia’s da nossa dure¢io social, mantendo aquile que Ciro Flamarion Cardoso chamou de “uma posisio conse guemte segundo a qua! o sovial é um todo estruturado € cognisci- vel"s poucos, em suma, tém valorizado uma visio felescoptea om macrocdsmrica do mundo social.! Ora, estas visdes telescépica ¢ microscdpica no so absalura~ mente excludentess os aucores desta Formagao do Brasil colonial 0 comprovam. Pois, “partindo-se de uma teoria da globalidade, 0 estuco monografico de quaisquer temas mais restritas relativos 0 homem em sociedade sera iluminado — continua Ciro Flamarion Ca doso — pela nogo que se tenha acerca da toralidade do so- cial”. E mais: 0 mesmo estudo monografico “expressar, ao nivel de cada tema, tal totalidade, ajudanda a ceveti-lo, a corrigit, quando necessirio, a visio teérica que dela se tenba”. Ao explicitarem, conto um dos seus objetivos, o de produzi- rem “uma sintese razoavelmente atualizada do conhecimento dis- ponivel sobre a historia colonial”, 0s autores privilegiaram o vié macroscépico e dele deeam conta cabal. Operando sempre com 0 nexo movimento-relagao fizeram interagir, a0 longo de uma “ges- agi mulisscculac”, duas globalidades ou totalidades refvren ciadas em evidencias microscépicas de toda ordem ¢ de veritica- Gio contrastance possivel. Desea interagao construfrai 0 sentido que, afinal, nao ¢ s6 0 da “formacao colonial”, mas, igualmente, 0 do processo hist6rico da sociedade brasileira, na qual ela se en contra tio presente, “bastando, como disia Fernand Braudel. 1 adentrar o pais algumas dezenas de quildmetros para encontrar 0 séeulo XU.” Uina destas duas globalidades em que os microcosmos refe rendam 0 macrocosmo & ce maior amplitude, © corresponderia grosso modo as primeiras épocas da estruturagio do que [mma- nue Wallerstein denominou de sistema mundial da [dade Moder fa, inicialmente restrito 4 Europa centro-ocidental.® A tecitura desta globalidade maior, na gual “as raizes ibéricas” sio sempre singularizadas, perpassa, no livro que ora prcfaciamos, todo 0 Ca: pitulo tl, mas é sempre reromada nos iens “conjuntura internacio~ nal” dos trés capitalos seguintes Segundo os autores, tal globalidade tivera 2 sua identidade prenunciada desde o século XLUXIV quando, no dizer de Pierre Chaunu, j4 estava esbogado um Mido Pleno, ponto de pattida da inflexdo marcada pela’ convivincia do “medieval” com o “mo demo”. Esta convivéncia ha de ser o fundamento de um Murdo Nove, em consrante expansio, mormente ultramarina. Destarte adotada uma concepeio sistémica ¢ na longa duragio, embora 0 espago socialmente organizado que o colonizador mais tarde cha- maria de Brasil sé tivesse sido efetivamente ineorporado i globali- dade maior no inicio do sévulo XV1, 0 comego de sua hist6ria, ain da consoante os autores, deveria ser reeuado até a passagem do ulo XII para © XIV, quando “os clementos fundamentais da mo- dernidade ja se encontravam presentes” A outra das globalidades, articuladas sistemicamente © nas quais as visdes mieroseopicas ganham logica quando integradas visio macroseépica, é de menor amplitude, Ela nos remete a “colo- nia que os autores entendem como uma continua “formagio” ¢ no como um dado prévio absoluto. Em principio, a0 admitirem que “as circunstancias brasileiras, pela propria condigao colonial foram extremamente sensive's 3s oseilagées conjuntarais porzugite sa ¢ internacional” parecem aveitar a prevaleneia da dina terna ou cxégena da globalidade miaior sobre 2 dinémica interna ou endégena da globalidade rionor. Na ponderagao do peso histérico especifico destas dinimicas estariam, inclusive, “algumas raizes es trucurais dos problemas brasileiros contemporaneos”. Mas como nao reduzem a circulagao de mercadorias 0 sentido da colonizagio 68 autores acabam por configurar virias “situagées coloniais” em que se pode relativizar tal prevalencia.* E esta possivel relativizagao. se nos aprescnta perfeitamente corrente com o caminho utilizado pelos autores para estudar a globalidade menor. Para tanto, corte lacionaram — "mesmo ao prego de algumas repetigdes mas assim evitando enfoques estangues” — o diacrénico “das tendéncias his- toricas 20 longo de trés séculos” (Capitulos de ill a V! com o sin- exdnico “dos cortes transversais, destacancio a esonomia. a cultu a sociedad, 05 quadros mentais ¢ 0s mecanismos de poder” (Capi tulos de Via IX}. A apreensao visual da fotalidade que resulta desta correlagao fica eficazmente assegurada pelo uso incomam de ura cartografia histérica original, de resto igualmente til na articula: lo geozrafica das globalidades. E inegivel o fascinio que 0 altimo dos Capitulos de historia colonial que Capisteano de Abreu concluiu em 1907 vem exercen- do sobre os historiadores que se debrugam sobre uma sintese final daqueles trés séculos, a0 cabo dos quais, no dizer de Vilhena, “0 Brasil, ainda objeto ¢ ndo sujeito nas relagdes internacionais, tinha como saldo 0 fato de ser uma congregagao de pobres”. Os autores, embora construam sua sintese final nas sinteses que aparecem no cencertar dos séculos XVI, XVII e XVIH, n30 eseapam, ns sua con Clusdo, deste fascinio, conguanto sejam inegaveis as contribu: GGes que oferecem, no campo politico-administrativo, por exer plo, Tais contribuigdes originals a vin texto cldssico como o de Capisteano sio uma decorséncia natural dos trabalhos que 0s | gam a “histéria do estado colonial, em especial na segunda metade do século XVIII"; neste sentido, devemos lembrar que Arto Wehl ing € autor de estados sobre 0 fomenrismo portugués e sobre a administragZe portuguesa no Brasil, no final daguela centuiria.’ Segundo 0s aurores, a desarticulagao no processo interativo entre as duas globalidades que asseguray ima instancia, © sentido da colonizacao torna-se evidlente quando “dois fardos: a tradicao ibérica que dominava as mentalidades © a vida social e a condigio colonial gue dominava a economia e 2 agio do Estado impediam que o Brasif se incorporasse a ura nova modernidade que vinha do capitalismo industrial anglo-saxdnico ¢ do mundo politico criado pela Revolugdo Francesa”. Desta maneira, os auto res entreerzam 0 eeniétio dos “tds séculos depois”, na rotalicade do social, com a “crise da cotonizacio’ Por ¥irios titulos esta Formagao do Brasil colomial que Amo Wehling ¢ Maria José Cavalleiro de Macedo Wehling esereveram se apresenta como uma relevante contribuicdo a historiografia bra- sileica. Ja vimos que s¢ trata de uma historia que enxerga o mundo: social prioritariamente através de um tclescopio, sem desprezar a complementagio do microscépio, exatamente em um momento.em que tantos historiadores sociologicizam ou antropologs objetos de investigagio. assim “eslacelando™ a histdriasconbect ‘mento. S9 por isto a Formagao do Brasil colanzal seria wma contri buigio rara. Mas 0 6, também, por motives edicoriais: BS segura- mente trinta ¢ quarro anos que, no limite do nosso conhecimento, no se publica uma histéria que abranja todo o periodo colonial brasileiro.é Mas para que possamos ir mais a tundo na demonstragio da “relevante contribuicdo” que esta Formage do Brasil colonial trae devemos aproximé-la dos “maitres-a-penser” dos estudos co- loniais em nosso pais. Capistrano de Abreu, por exemplo, esti presente nas diretrizes que 0s autores seguem ao indicarem as pul ses do povoamento do Itoral e do interior: e aqui nda se pode esquecer que Arno Wehling € responsavel por umm excelente ensaio sobre a fase vicntifieista daquele historiador.” Por sinal, xo estudar a tundo o século XV, Caio Prado Jinior, nos t6picos ¢ subs6pi- os cleitos (povoamento, vida material ¢ vida social”) também reflete 0 “fascinio” exercido pelos “trés séculos depois” de Capis: trano de Abreu. A contemporaneidade do “colonial” na formayao brasileira que Caio Prado [unior propoe magistralmente naquele mesmo estudo ¢ igualmente introjetada pelos autores; mas estes 10 mais adiante porque historicizam convincentemente as Suces- sivas leituras que, desde 0 século XVI até a atualidade, vém sendo construidas para a “formagio colonial brasileira” sob a pressio, inclusive, das mudangas que sofrem as epistemes nas continuida: des e descontinuidades da historia real. Da mesma forma, os att tores refletem a ruptura que representou para os estudos eoloniais “o sentido da colonizagio” que o mesmo Caio Prado JUinior pro- pds dando ox suportes do que se entenderia por * circulacionis- mo"; mas os autores tém, deste “sentido” unta visdo mais comple- xa, trabalkando, como alis em todo 0 livro, com “miiltiplos ni- veis ou planos interdependenres, com o ritmo temporal peculiar a cada um”, ¢ buscando uma unidade compzeensiva em uma diver- sidade explicativa, na gual “os fendmnenos politicos e econémicos, mais céleres, sio até certo ponto freados pelas reagdes do meio social ¢ este pelos quadros mencais”. Muito a maneira de Ernest Labrousse, esta & a concepga0 que metodologicamente tem “do conhecimento que chamam de historia”. icizam seus A maior complexidade do sentido cue dio 4 colouizagao vem precisamente desta concepeao e lies permite retomar as dicotontias que vinham do Mido Novo. Coexistiom, assim, na colontzagia do Brasil, 0 “moderao que politica ¢ economicamente 0 inseria nos quadros do absolutismo ¢ do capitalistmo comercial e 0 arcaizante que socialmente e no terreno das mentalidades o inseria nas estru- turgs ibéricas (os valores medievais cristios, por exemplo}, afri- (Sao Paulos Compares dss ices 1850s cua yin ean pas, Ew wm ero eras gue se apropria das contritwiaes cos specaluanymae tno, fim vin trabalho de rearstrciorifornagées © aspects’ dines oe SMbcea Pena csereyeu Um hntona da Ppubhaw (Roo janes Wace Froneeits, 1989), (C8005, ico Famarion. Yoni ractnalises, ep. et p . WALLERSTEIN, Immanuel 0 srs mda mevlerno, Trad. Caos Lite tal. Poco: Edigdes AMcontamento, v1, 1990, p 31-32 4. autores no opecam com 4 categorie analtwas de modo de produce colonial eds form soca cons qusdroteico em ques slimento a rolimica entre 95 “erelacionistx" nt linsa de Calo Pendo fans Yo siando A, Novas 0 seus uposiores, com Ciro FS, Cardosae javoh Go render, cates slimos auenos a espeaietade do pseratismo colonial scatva autoromia da dinimica mera encgena, Ver Jou Roberto do Amacai Lapa. Modo de prog e etinlade brouena. Pemopalie Vor, 1380, 5. Net sepncata da Revista do Institute Histnucs © Geoprifcn Brasil HIGH 8. 314,00 ¥: 6 da Histdia admissioariv do eas lati, Fo ss. 1986), Vicente Tapaigs org}, Dicininihabioyrdjicn de storia res gecarefon¢anropologes brava. Rio de fanca,IHGB vf, 1951, p. 152 0 Je So Pal, comexi a puss {ters gerd chao bras ann esol sul, com tos auton, sob a diegao J Selo Bustos Hehe: fo no Suis 2 Eto melnoramento,& Sc Paulescompor fear a Hiss do Bru de cio Vina, ce print volume ts cea perio clonal 7 Ver separa da Revise do THGB n° 311, Vieme Taps ri op ct p. 192-193, 7 vere 8. Novas, Funando A. Porngal Bral nacre do aetigavistena colo U777-1808), S40 Paulo: Huss, 1999. Vera posgio dos aooreen tan “das anerputagecssobe 0 stcna colonal eo mutcaulene ter toe 4) Y-NCEHLING, Arno. Ox miedo objotidade bic ecnos ds Ahn Wi. 2.1995, ede Rio de Janeiro: C2 Introdugao Formagio do Brasil colonial & um livro que, na intengiv dos a res, rem teés objetivos: ser uma sintese razoavelmente atualizada do conhecimento disponivel sobre a histéria colonial; anslisar as linhas bisicas de organizagao do Bras entre os séculos MX'Le XIX (1808}, considerando a interagao dos niveis politico, econdmieo, social, incelectual e das mentalidades; ¢ apontar algumas raires vs- trururais dos problemas brasileiros contemporaine’ Para iss0, os autores praticamente dividieam 2 obra em duos partes. Lima, em que se acentuaram as tendéncias hist6ricas a0 longo de ts séculos; ona, ta qual realizaram cortes transver~ sais, destacando a economia, a sociedade e os quadros mentais, & cultura € 6s mecanismos de poder. As necessérias correlagdes entee 6 dois segmentos, mesmo ao prego de algumas reperigdes, visa- ram a evitar dois enfoques estangues, um dinimico, eronolégico ou discrénico, ¢ outro estatico, atemporal ou sincronico. De qualquer modo. no espirito dos autores — e, esperamos, no texto do livto — est& presente a idgia, gue por tanto tempo aprenderam ¢ ensinaram, de que o conhecimerts do que ch mos historia compreende multiplos niveis ou planos interdepen~ dntes, acima citados, cujo ritmo temporal é peculiar a cada um. E que, em principio, os fendmenos politicos ¢ econdmicos, mais céleres, sao até certo ponto freados pelas reagdes do meio social e este pelos quadeos mentais. Aplicada esta concepsio do historia dor francs Ernest Labrousse 8 histéria colonial brasileira. n dificil imaginar que, s¢ a historia “politica” e “econdmiva primeiros séculos deste pais era moderna, pois se inszria nos qua dros do absolutismo ¢ do capitalismo comercial, a historia “so- cial” e das *menralidades” era arcaizante, pois se baseava em es- truturas ibéricas medievais, africanas ¢ indigenas pré-coloniais. A preceupagao de apresentar uma visio tanto quanto possivel integrada dos diferentes niveis ou planos historicos, somouse a de apontar as relagdes entre as circunstincias brasileiras ea conju tura portuguesa e incernacional. Pela propria condigio colonial, © pais foi extremamenze sensivel as oscilagbes conjunturais. Dai as introdugdes aos capitulos Ifa V1, que procuram assinalar o signifi- cado dessas relagoes, Finalmente, os atrores destacaram a iniportancia dos sspectos intelectuais ¢ estéticos no contexte histdriea colonial. Fizeram-no por dois motivos: por estarem convictos do seu significado como instrumentos simbdlicos e/ou de racionalizagao dos demais niveis histéricos; e porque, por suas raizes ibérieas, © Brasil colonial, co- mo o restante da América Latina, padeceu de uma dissocia. verdadeiramente esquizofrénica, entre sua realidade material, vol tada para o mercado europen, 0 capitalismo e o “mundo moder- no”, ¢ suas concepgdes intelectuais e mentais, identificadas com os valores cristdos medievais. A busca das ra76es para isso, bem co- mo de suas consequéneias, parecetr-ihes wustificar © destaque da- quelas questies. O livro se destina a um pablico leitor néo especializado em his- tria, eujas informacdes sobre o tema supostamente corzespondem 0 que foi estudado nos bancos escolares, bem como ao resultado de leituras assistematicas e a sua prépria observagio. Tal suposto, cestacado pelos edirores desde a concepeio da obra, explica-se pelo remor legitimo de que ela fosse redigida em linguagem académica cifrada, tie comum em trabathos de cigneias sociais. Os autores procuraram, assim, um ponto equidistante, tanto do texto académico como da narrativa didatica, pois também nao se trata de um manual escolar. Se 0 conseguiram ou ndo, somente o leitor dird, Acreditam, porém, que a propria natureza do conhe-

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