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Maurice Merleau-Ponty Naseido em Rochelort-surmer. em 1908 paiclicial de antiharia 4 tmembro do jri do coneurso de ingresso na Feale normale supérieure ‘Ainda 0 ravejo naquela @20ca, com stias maneiras resorvacas, sé Jeito de ouvir com extrema atengdo, suas respostas pertinentes eum pouco enigméticas pelo siléacio que as ervolvia; havia nele algo de aristocratic, uma distancia que permitia a profundidade dos encontros (..) Maurice MerleauPonty era da raca dos grandes filsatos: em corto sentido continuava Alain ¢ Bergson; sob outro aspecto estava préxima de J.P. Sartre, e, como esto, havia scfrdo a inflznca de Huscerl ede Heidegger” Annuaire ENS, 1962, p. 54-55. 216 Os excluidos do interior* PIERRE BOURDIEU PATRICK CHAMPAGNE ‘Traaluedo Maat oF CasTRO. Rewisdo tSenien: Gove JOkO De FRETAS TERERA Fonte: Hounds. Poe « Carer Patch, "Les cin de recherche et selerees sociates Pans, 91/9 asco e102, p. 71-75, * Ess anies ras pastielmente dada sos aos eas, 0 un prolencnetedaclas ‘ne ons npc noisier de Actes de recherche en elrces srk n x ° ll =) E a. Fi Vv Frases. como sine mutes vere, espealmentpor cea decreas ‘como a de navembro de 1986 cu de novenbro de 1990, de “makestar nos liceus’, @ atribuir indistintamente a0 conjinto de uma categona extremamente diversificada e dispersa um “estado” [de sade cu de espirite), em si mesmo, mal dentificado e mal definido. E claro, efetiva mente, cue o universa dos estabelecimentcs escolares ¢ das popillagoes comespondentes constits, de fato, um continuum, do qual a percepeso eomum apreende apenas os deis extremas: partum lado, 08 estabelerimentas Improsisados, cuje multipleagao fee-se, de maneia precipitada, nes perferias desafortunadas pare acolher populacdes de alinos cacla vez mais numerosos emas desprovides do ponto de wsta cultural ¢ que debsaram de ter alguma coisa a ver com 0 Beau, fal como este se perpettou até 0s anos 50; por outro, ( estabelecimentos alkamente preservados, onde os alunos crtundos de “boas farvlias” podem seguir, cea heje, uma tejetéria escolar que no & radical- ‘mente diferente dequcla que foisequida pelos pas ou avbs. Pode ate acontecer gue, durante urna manifesiagéo, alunos fou pas) venham a se reunie pare protestar contra a “rral da Fscoin”, hoje mute cifunddo, cue néo deika de revesti formas extremamente clversficadas: as difculdades, © mesmo as ansiedades santas polos shnos das sages ncbros dos. grandes caus pparsienses e suas farilas, cferers, como o die para a note, daquelas ‘encontradlas pelos alunos dos colégies de ensino tSenico des grandes coniian- tos habitacionais das periferias pobres. Até o final dos anos 50, as instituicoes de ensino secundario conhece- ror ume estabilidade muito grande fundoda na climinagao precoce e bratal no momento da entrada em sixiémel des criancas oriancas de familias culuuraimente desfevorecidas. A seleqao com base sociel que se opereva, assim, ora amplamente acaita pelas criancas vitmas de tal selecao 2 pelas familas, una vez que ela parecia apoiarse exclusivamente nos dons rmaritor des elotes, © uma ver que aqueles que a Esecka rejitava fieavam convenclos especialmente pela Escola) dle que eram eles que naoqueriam fa Fscola. A hierarquia das estruturas de ensino, simples ¢ claramente identficavel, e, muto pasticularmente, a diviséo absohitamente nitida entre © primitio (dei, 0s "primérios”} e o secundario, estabelecia ume relagoo testreita dle homologia com a hierarquie social; e isso centrfaaia mio para persuatlr aqueles que nao se sentiarnfeitos pera a Escola deque nao exam {eitos para as posigSes que podem sev aktangadas (ou nao) pela Escola, cu sele, a8 profissbee naomanuais e, muito’ especialmente, as posicoes dirigentes no interior dessas profissées 219 Entre as transformages ane afetaram o sistema de ensinoa partir dos anos 50, uma das que tiveram maiores consequencias foi, sem nenhiuria vida, a entrada no jogo escolar de categorias socials que, alé endo, se consideravem ait estavam praticamente exchiddas da Escola, como as pequenos comerciantes, os arteséios, os agricultores € mesmo (levido 20 prolongamento da obrigagio escolar 2té os 16 anos e da generalizagso comtelativa da entrada em sixiénte) os operanios da indistria; processo que Implcow uma intensificagio da concorréncia e um crescimento dos inves- timentos edticatives pot parte das categorias que ja utlizavam, em grande scala, o sistema escolar, Un dos efeitos rrais paradoxais deste proceso ~ a propésite do qual ‘2 falou, eom um pouca de procipitagaa e muito procanceilo, de *demo= cratlzacdo" ~ fot a descoberta progressiva, entre 05 mats despossuidos, das fungSes conservadoras da Escola “liperiadora”, Com efeite, depois de um petiodo de ilusio ¢ mesmo de euforia, os novos benelicisrios compreen- Ceram, pouco a pouco, que nao bastava ter acesso 20 ensino secundério para ter éxito nele, ou ter éxito no ensino secundéria para ter acesso 4s posigées sociais que podiam ser aleangadas com os certificedos escoleres 2, om particular, o baccalauréat*, em auiros tempes, ct seja, nos tempos «an que seus pares sociais ndo freqUentevam o ensino secundario, E-é licto super que a difusio dos mais importantes conhecimentos das ciéncias socials sobre a educacao e, em particular, sabre os fatores sociais do exito do fracasso escolar, tenha contribuido para transformar a percepgio que alunos ¢ familias térn da Escola na medida em cue i& conhecem, na pratica, seus efeitos, [ss0, sem dhivida, deve-se a uma transformagéy progressive do discurso dominanie sobre’a Escola: com eleito, apesar de retornar, ‘muilas vezes (como se iratassede inevitéveks Inpsos, por exernplo, a propésito dos "superdotados"), 20s principios de vis8o e dviso ais profundamente escandides, a vulgata pedagégica e todo seu arsenal de vegas nocbes sociologizantes ~ "handicap social”, “obstéoulos culturais” ou “insuficién- cias pedagégicas” ~ difundia a idéia de que o fracasso escolar nao € mais fu, ndo unicemenie, imputével as celiciéncias pessoais, ou seja, naturais, cos exchidos. & légica da responsabilidade coletiva terete, assim, potico a ppouco, a suolantar, nes mentes, a logica da responsebilidade individual que leva a “epreender a vitima’; as causas de aparéncia natural, como a dom ou © gosto, cedem o hugar a fatores socials mal definidos, como a insu- ficiéncia dos meios utlizados pela Escola, ou a incapactlade ea incompe- tencia dos professores (cada vez mais freqtientemente tidas como respon sdveis, peles pais, dos maus resultados des filhos) ou mesmo, mais con- fusamente aincl, 2 logica de um sistema globaimente deticiente que € pre- so refornoar ‘Ns Rs También ezado te orma shrovads “b's no eaten ‘sors tarp, ae gros elles coated ao law 2 enc neds ay lode erat de 2" gre 220 Seria necessitio mostrar aqui, evitando encorajara ihisdo finaista (ou, em termos mais precisos, © “funcionalisme do pior") como, no estado complotamente diferente do sistema escolar que foi instaurado com a chegada de novas clentelas, a estrutura da distrbuicao diferencial dos beneficios escolores e dos benelicios socisis correlativos foi mantide, no essencial, meciante uma translacao global das disténcias. Tedavia, com uma diferenca iundamental: 0 process de eliminagao foi dilerido estendido no tempo e, por conseguinte, como que diiido na duragéo, a institucao @ habitada, permanentemente, por excluidos potenciais que intreduzem nela as contradiSes € o8 confltos associados a ura escolari Cade cuio tinico objeto & ela mesma, Fm sima, a crise erénica ~ a que a lugar a instituigdo escolar e que conhece, de tempos en tempos, manifesiacées criticas ~ & a contrapartida des ajastamentos insensiveis e, rmuitas vezes, inconscientes das estruturas ¢ cisposigdes, atvaves das quais @» contradigdes causades pelo acesso de novas camadas de populayiiy ao ensino socundério, e até mesmo ao ensino superior, encontram uma forma de solugdo. Ou, ern termes mais claros, embora menos exatos, ¢ portanto ‘mais perigosos, essas *disfungdas" so 0 “praco a pager’ para qua éolam btidos os beneficios {especialmente politicos) da “democratizacac! E-clato quendo se pode fazer com queas criancas oriundas das farniias rmeis desprovidas econdmica ¢ eulturalmente tenharn ecesso aos dilerentes rivets do sistema escolar e, em particular, aos mais elevados, sem modifiear profuridamente o valor econdmico e simbSlico dos diplomas fern quesela ‘postive! attr qua'caue dotentaras eowvarh um esos, ‘ea monies, aparentel mas @ também claro que so os responsaveis diretas pelo fendmeno de desvalorizagéo ~ que esata da muliplicagéo dos diplomas ede seus deten: tores, ou seja, 0: recem-chegados - que sao suas primeiras vtimas. Os alunos cu estudantes provenientes das famillas mals desprovidas cultural: mente tém tedas as chances de obter. ao firs de uma longa ascolaridade, rusttas vezes paca com pesados sacrificies, um diploma desvalorizado; e, s¢ fracassam, 0 que segue sendo seu destino mais provével, sio votados uma exchiséo, sem divida, mais esligmatizante @ mais total do que era no passado; mais estigmatizante, na medida em que, aparentemente, tiveram “sua chance" ena media em que a definigéo da identidace social tende a ser tea, de forma cada vez mais completa, pela instituicdo escolar © mais total, na medida em gue uma parte cada vez maior de pestos no mercado do trabalho esté reservada, ror diveita, e acupada, de fata, relos deteniores, cada vez mais stumerosos, de um diploma (o que expiica que © fracasso escolar seja vivido, cada vez mais acentuadamente, como uma catastrole, ate nos metos populares), Assim, a instituigéo escolar tende & ser considerade cada vez, mais, tanto pelas familias quanto pelos proprios alinos, coma um engodo, fonte de uma imensa decencia ccletiva: essa especie de terra prometida, semelhante ao horizcnte, que recua na medida em que se avanca em sua direcdo. 221 A diversificaco dos ramos de ensino, associada a nrocedimentos de orientacao e selegdo cada vez mais precoces, tende a instaurer préticas de exchiséo brandas, ou melhor, insensiveis, no duplo sentido de conti- rruas, graduais e imperceptivels, despercabidas, tanto por aqueles que as cexersem como por aqueles que so sues vtimas, A elivinagéo brenda é para 2 climinagao brutal o que 2 traca de dons e contraons @ para 0 “dé-se a {quom cla: desdcbrando 0 processo no tempo, ela oferece équcles que tem tal vivéncia a possibildade de dissimular a si mesmos a verdade ou, pe- Jo menos, de se entregar. com chances de sucesso, a0 trabalho de ma-té ppelo qual é possivel chesar a mentir a si mesmo sobre 0 que se faz. Em cxrto sentido, as “escolhas” mais decsivas sia cada vez meis precoces (desde a trotsieme, @ no, como antigemente, sp0s 0 baccalauréat e até mais tarde) e.0 destino escolar @ selado cada vez mais cedo [0 que contribu para explcar a presenca de alunos muito jovens nes arandes manifestacoes esludentis mais recentes); mes, em outro sentido, as conseqiiéncias advin- das dessas escolhas apzrecom enda ver mais tarde, como se tudo conspi- rasse para encoralar ¢ sustentar os alunos ov estuclantes, em sursis, no trabalho que devern fazer para adiar © balanco final, a hora da verdad, em que o tempo passado na instituicao escolar sera considerado por eles como umn tempo morto, um tempo perdido. Esse trabalho de mirfé pode se perpetuar, em mais de um caso, para além do fim dos estudos, especialmente devido a imprecisio o indeterri= nago de alguns lugares incertos do espago social que, pela meter dificul- datle em serem clasificados, deixam maior margem de mancbra 20 jogo duplo. E esse urn dos efeitos mais potentes e também ~ no sem motivo = mals ocultos da instituicdo escolar ¢ de suas relagSes com o espago das posigdes sociale As quais, supostamente, deve dar acesso: ela produ im intimero cada vez maior de individuos atingides por essa espécie de tmalestar erénico institvido pela experiéacia ~ mais ou mancs completa- mente recalcada ~ do fracasso escolar, absoluto ou relativo, e obrigadios a defanler, por uma espécie de Ulefe permanente, diante dos outros € também de si mesmos, uma imagem de si constantemente maltratada, machucade ou mutica, O paradigma cesses Inumerévels fracassados relativos (que & possivel encontrar até masmo nos niveis mais elevados de éxito, por exemplo: os alunos das “pequenas escolas" em relacao aos alunos das “Grandes Ecoles"*, ou os piotes desias tkimas em relagdo aos melhores, fe assim por dante) & sem dtinida, 0 contrebaiista Patrick Sisskind, cuja miseria verdadetramente profunca e real ver do fato de que tudo, no seio mesmo do universe altamente privilegiado que é 0 seu, acaba por hie lembrar cave ocupa ai uma Tosigéo rebaxada, 4 N. doR. fethighas do sniper, indents dst riers, que et Or ‘atcanoe ae dst karat axles fects «degotes ch nase, 222 No entanto, 0 trabalho de recaleamento da verdade cbjetiva da posicée ‘ocupada no seo do ssterma escolar (ou do espaco social nunca tem éxito ‘completo, nem sequer quando € apoiado por toda a Logica da insituigao e pelos sistemas coletives de delosa que dla engendra. O “paradox do Mentireso” néo & nada ao laclo das difculdades que prowoca a tmentia a s! mesmo, Tel fenémeno é perfeitamente ilustrado plas afirmagdes de alguns exclaidos, em sursis, que fazem coexist a hicklez mais extreme scbre & verdade de uma escolaridade, cujo finlco objeto & ela mesma, com a determinagao quase deisrada de entrar no jogo da iusio, ‘avez. para desfrutar mehor o tempo de hberdlade e gratuidade oferecido dessa forma pela insttuigho: aquele que tenta fazer sua a mentira que a insiituicio proclama a seu respeito esté volado, por definicdo, a dupla consciencia @ a0 doubie bind. Mes a diversificagio oficial (em ramos de ensino) ou oficicsa (em estabelecimentos ou dasces esedlares sutiiments hiorarquizados, em especial através das linauas vivag fem também como efeito contrlsuir pare reer um principio, perticularmente dissimulado, de diferencacao: os alunos “ben naseidos", que veecberam da familia um senso perspicaz do investimento, assim como 05 exemalos ot consehos capazes de ampars-lo am caso de incerteza, estio em condigées de aplicar seus investimentosno bors momento eno lugar certo, ou sea, nos bons ramos de ensino, nos bors estabelacimen- tos, nas doas segdes, etc.; a0 contro, aqules que S80 procadentes de familiasmais desprovides e, em particular, osfithos de imigrantes, muitas vezes entregues completamente @ si mesmes, desde 0 fim dos esturlos primérios, s8o Obrigades a se submeter as iningSes ca insttuiéio escolar cu ao acasc pata encontrar seu carminho num Universo cada vez mais complexe ¢ £80, assim, votados a investir, na hora errada e no lugar errado, um capital cultural, no final de contas, extremamente reduzido Eisai uim dos mecanismos que, acrescentanddo-se 2 logica da transmis- so do capital culturel, fazem corn que 2s mais attas instituigdes escolares| 2, ern particular, aquelas que condzem as posicoes cle poder econdmico € politico, continuem senco exclusivas como foram no passedo. E fazer com que 6 sisiewa de ensino, amplamente aberto a todos 2, no enianto, estritamente reservado a alguns. consiga a facanha de reunir 2s aparencias de “clemoctatizegio”" cor a realidade da reprocugéo que se realiza em um grau superior de cissimulagio, portanto, com ium efcito acentuado de Jegitimacao social, Mes essa conciliagio dos contravios nao se dé sem contranartida, As manifestagSes dos estudantes dos lceus que, nos titimes vinte anos, tém surgide de tempos em tempos snb pretextas diversos, eas violéncias mais ‘ou menos importantes que, continuemenie, t€m tilo como objeto os es tabelecimentos excolares mais deserdados, nada mais sio que a manifes- tacéo visivel dos efeitos permanentes das contradicces da institiicdo escolar 223 ¢ da violéncia cle una espacio absolitamente nova que a Escola pratica sobre aqueles que nao séo feitos para ela Como sempre. a Escola exclul; mas, @ partie de agora, exclui de manera centinua, em todos os nivels do cursus* (entre as classes de transicio € 08: caus de ensino téenico no h4, talvez, mais que uma ciferenca dle grav), € mantém em sou seio aqueles que exclu, contentanda-se en telegé-los pora 9s ramos mais ou menos desvalorizados. Por conseguinte, esses texchidos do inferior so votatdos a oscilar - em fungéo, sem dtwvida, das futuagdes e das oscllacdes clas sengées aplicadas - entre @ adesdo maravilhada 3 ilusio que cla prope e 8 resignacdo a seus veredicios, entra a submiss2o ansiosa ¢ a revola imootente. Eles niio podem deixar de descobrir, mais cu menos repidamerte, que a identidade des palavras Clcou", “estudante de licen’, “professor’, “estudos secundatios”, “bacca- Jhuréat') esconde a diversidacle das coisas; que o estabelecmento indicado pelos orientadores escolares 6 um lugar que reagnipa os mais desprovides; que o diploma para o qual se preparam ¢ um certificado sem valor ("eu me prepare para um pequene G2"**, diz, por exemplo, um deles}; que o bac chido, sem as mengées indispensavels, acaba por coden-os aos ramos menos valorizados de um ensino que, de superior, 96 tem ¢ nome; fe assim por diante, Obrigados poles sancies negativas da Fscoh a renunciar &s aspiragdes escclares e socials que a propria Escola lhes havla inspitado, e, em suma, fergadosa diminuir suas pretensées, levorn adiante, sem conviecio, uma escoleridade que sabem no ter futuro, Passou 0 ‘tempo das pastas de couro, dos uniformes de aspecto ausiero, do zespeto ddevido aos professores, outos tantos sinais de aclesSo marifesados clante da instiuigéo esedar pdas criancas oriuncas das familas poptiares, tendo coada o luger, tualmente, a urea relagio mais dstante: a resignecio desencantaday, distarcada ern neaigencia impertinerte, & visivel através da indigenda exibide do equpamenio escolar, os cademos presos por um barbante ou eistico tvansportados de forma displicente em cima do ombro, os lipis de feltro descartaveis que substituem a caneta-tintero de valor oferecida para servit de encorajamento a0 investimenio escolar ou na ocasiio do aniversério, etc. fal resignagio exprime-se também pela ruitipicacéo dos sinais de provecagao em relagio aos professores, como 9 walkman ligado, algumas vvezes, ate mesmo na sala de aula, ou as roupas, ostensivamente descvida- das, ¢ muitas vezes exibindo o nome de qnupos de rack ds moda, inscritos com ceneta esferografica ou com feltro, que desejam lembrar, dentro da Escola, que a verdadeira vida encontra-se fora dela +N. do Me Pecuso (rus cu reas longo, see on neqle ra de abe, nee ou nee ‘Sialecinestel esl pi so ae longo de sua cares scl, SN. do Ri Cl ereet ne Anew. 224 Aqueles que, motidos pelo gosto da drematizagao ou pela busca do sensacionalismo, gostam de falar do ‘mabestar nes liceus”, redtuzindo-0 ~ por uma destas simplficagées do pensarrento prélégico que aressa, com tanta frequencia, no discurso quotidano ~ a0 “mal-estar dos subenbios” que, por sua vez, e:té contaminado pelo fantasma dos “imizrantes", referem-se, sern co saber, a uma das contraciobes mais fundamentals do mundo social em s2u estado aval parlaulamente viel no furcionamento de ume insttuigso scolar que, sam divida, nunca exercew um papel 40 importante ~ e para uma pareela tao importante da soctedade ~ como hoje, essa contradio tem aver com uma erdem social que tende cada vez maisa dar tudo a todo mundo, especialmente am materia de consumo ce bens materials ou simbolicos, ot ‘mesmo patiicos, mas sob as espéciesficticias da aparéncia, do simulaero ou da mitagao, como se fosse este a tinico meio de reservar para uns a posse real e legitima desses bens exclusivos. ANEXO Para elas, 0 bac G é uma lata de lixo Em sua opinido, ha uma hierarguia entre os bacs? = Com cortera, Se levarmos em consideragdo unicamente as mental dades, © bee C & muito mais cotado. As pessoas de C so muito mais apreciadas que as pessoas de G, Para elas, 0 bac G & una hata de xo. De ‘modo geral, 2 ordem de classficagio ¢ Ce D; em segukla, Ae B mals ou menos no mesmo nivel; e depois = Nesse caso, néo é verdade quando se diz que o ensino é 0 mesmo para todos? ~ Exaramento, isso nao @ vercade. Digamos. talvez na origem, Sela 0 mesmo para todas, Mas 9 consideracdo de todo 0 mundo, inclusive dos professores, por cerlas classes faz cam que... os préprios professores ni considerem 0 hac G como uma verdacletta classe, ~ Entao, como € que é considerada por eles? ~ Lata de Ixo! Para ces, essa classe recebe todas as pessoas ae, na troisiéme, no quiseram parar ¢ aqueles quel, na seconde, nao obtiveram nnotas suficientes para... enfim, para as entras secbes. Nao se sabe o que fazer com essas pesscas, entdo so colocadas ai, E uma pena, (...) Bom, © que é certo é que eas existom realmente; pergunta-se 0 que fazer ai. Alguns encortram-se nessa dlasse parque nao hi lugar em ouaras secoes, Ines nio estéo verdadeiramente contentes. Digamos que se tedoe os que foram parao bac G, por sua prépria vontark, fossem colocados na mesma classe, seria possivel desefiar qualquer outra classe. (..) A vantagem com 1 bac que eu faco [G2] & que eu pesso fazer advocacia. Se eu for para a 225 Faculdade, poderel fazer advocecta, Tambyérn posse fazer Gestio, Contabilr dado, Comércie, Hi maitas pessibildades de eenprego, anlim, mais variedas, Porcue 0s cutros, por exemplb, 08 de C, sao obrqados a fazer Engenharia, elim a ficar na érea da matemétice, Quanto aos de B, eles sio obrigados a fazar comécios os de A, literatita. Com nosso bac, podemos chegar em todos 0s dominios, Em nossa serao, iA extstem tes possibilades que podem ser escolhides. Se, além disso, formes para a Faculado, entéo, Aluna de liceu, 18 anos, bac G2.em Lagny; pai inspetor de vedas eméeassistente social; ambos sao titularesdo bac. Qirmdo mais vetho, 20 anos, estuda matemitica especialtzadc, Muitos estéo ai, porque ¢ obrigatério ir ao liceu ~ O que vocd espera de sous estudos no L.E.P? = Para comezar, cbter meu diploma e, em seguide, orientar-me gracas a dle, Em sequida, eu gostaria de continuar um bac profissional, - Eem seguida? eu ndo conseguir isso, tevez procure o BVT.S, para ser profes: sora... se eu realmente passar.... veremnos |...) No LEP, & precise estar realmente afim de trabalhar. © ambiente nio ¢ favoravel a isso = Equal 6.0 motivo? ~ As pessoas que estdo aft elas nic fem nenbuma motivagao, Muitas std aqu porque ¢ obrigatério ir ao cet ou, entao, nao tem ciutra coisa a fazer. De qualquer forma, a meioria dos pessons que estic no LEP. encontram-se ai, sabretuda, porque @ cbrigatéri ir ao lice. Aluna de ficeu, 19 anos, no 2% ano de BE.P. “Vendas-atividade merconti!”. Mde, exoperiria, ocupase aiuaimente de criangas com dijiculdades menteis. Pai caminhoneiro, aleodlatra, Pais divorciados hé oito anos. O que seria de mim se nao houvesse a escola = Meu problema é que ex nfo. consgo interesserme. por isso fos ‘estudos] (...) ~ Mas.entito, 0 que leva vecé a continuar no liceu? Snead] A prime. ab au Abo’ sel, A sogunda vida [oral silénciol, eu nao sei, Porque eu nao me interesso pela escola, eum pouco uma espécie de marcha forgada. — Mas voce ndo acha que, ne final, conseguind alguma coisa? — Com certeza, mas eu néo creo multo nisso. Ex nao sei, Do ponte devista da escola, au deaxo 0 tempo passar. Eu nao me coloco am questia 226 ioulas as mandi... no, eu odo acredlito na escola. Eu ereio que se trata de uma espécie ce marcha forgada, & isso ‘A maioria das pessoas séo um poueo empurradas pelos pais, mas, segundo parece, nao é ess2 0 seu caso? ~ Quando ax digo “marcha forgeda", @ em telago a... nao que et seja verdadeiramente um cameirinho, mias eu ndo sé... a escola para mim, isso néo traz grande coisa... mas, mesmo assim, eu estou aqui. O que eu feria se eu ndo fosse 4 escola...? Eu creio que, « rigor, esta pode ser uma resposta, é iss0, Nao tenho qualquer disposicéo para me estalfar ou preparar um B.E.P. Eu creio que @ mais em relagdo a “que seria de mim se no houvesse a escola?” Entéo, por anquante, 2u continuo ai, @ ‘sso. Talvez, um dia, eu venha a descobni sua utidade,(...) Mas uocé ndo gostaria de fazer, mais tarde, algo que the interessa? = Mmm... Bem, eu nao sei. Eu erelo que é dificil fazer qualquer coisa que nos interesse [silencio]. Nao, & verdade, eu néo sei para onde eu vou, de fato, Eu penso que... ue eli ndo sou tinien . mas, de fato ... Nao, endo sel, Eu sei que eu me oriento para umn bac B e, depois, cu nao sei Eu no sou um super bom aluno, entéo eu no croio que... eu pegarei acaulo que me desem, talvez, hein (-..) — Mas serd que isso toma voce deprimido ou nao? = Bam... sin, nao ... 1850 ndo me toma deprimido. Isso me detxa deprimido, quando eu penso risso, ou seja. trés vezes por ano, Eu ndo me coloco multas questées, é isso. Entim, eu deixo andar e depois verse-a (..) 0 pesseal fez @ pesseata, sobretudo, para denunciar utm mal-estar =O que era esse makestar? — Ber, nada... esta vida de cachorro que se tem neste leu de merda Irises). (.) Eu me’ de estado de espnto em rélagso ao Leau, porate 2 sain ‘com ume gata, seus pats sao pelagogos [inde professora de espanol e pai professor de di-ito], Fu tinha pak que nia andavam atrés de mim, eu estava entreque a mim mesmo... Esseambientede pedlagogos, sso me sensibilzou meso assim. Ext me dei conta de que ora preciso quie au tenlasse accitar a ascola, em vez de estar contra, € isso. Eu era contra Dorque et, na escola, © quemedesagrada, & .... 60 negécio aleatério que ha por tris... incusive no censelho de classe, onde os julgarrentos de valor so feilos sobre pessoas. que nem so conhecicas... A escola reproduz as hieraiquias, bom, bem iss0, isso me... s80 me repugnia um pouco, Nem tedos tam sua chance, exaiamente... nem todos esiao em um mesmo pe. Esiudante de ficeu, 19 anos, aa premiere B em um lice de periferia, Pais divorciados, mae vendedora, pai caixeiro-viajante, de pois de fer sido bombeiro, Estes extratos so provenientes de antrevistas realizadas por Lucien Aver, Jean-Patrick Pigeard € Delphine Fenget. 227 nN x fe} i =) = cy q re) As contradig6es da heranga PIERRE BOURDIEU Trodhugdo: Macats De Casino Ferisdo teerice: GUAHIERIE JOACDE FRATAS TEKERA Fonte, Boon, Pre, “Las comrade de Theta paiienes signet fn ROORDIPL. Bg) 1 Musee du monde, Pre, Eains di Sol, 2983. 9 m6,

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