Você está na página 1de 12

1

A APLICABILIDADE DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR NAS


LOCAÇÕES IMOBILIÁRIAS RESIDENCIAIS

INTRODUÇÃO

Ao longo do ano, é praticamente impossível verificarmos no Brasil quantos


contratos de locação de imóveis, com fim residenciais, são firmados. O certo é que, para
concretizarem o mencionado contrato, milhares de pessoas procuram empresas
administradoras e locadoras de imóveis, as chamadas imobiliárias.

Essas empresas elaboram os respectivos contratos de locação de forma unilateral,


sem prévia discussão de suas cláusulas, caracterizando, indubitavelmente, contrato de
adesão. Ora, todas as pessoas que já firmaram este tipo de contrato, infelizmente,
experimentaram o dissabor que é o de não poderem discutir certas cláusulas, tendo que
aceitá-las ou não.

No mais, as imobiliárias, além de elaborarem todos os contratos de forma


unilateral, estipulam cláusulas que vão defronte a direitos sociais (direitos estes que são
protegidos constitucionalmente) da outra parte contratante, in casu, o locatário.

No mesmo prisma, as imobiliárias, em sua maioria esmagadora, isso para nós não
falarmos em 100% (cem por cento), ao redigirem os seus respectivos contratos de locação,
estipulam, com respaldo no artigo 35 da Lei do Inquilinato, cláusulas que renunciam ao
direito indenizatório ou de retenção do imóvel a ser locado, mesmo em caso de benfeitorias
necessárias e úteis.

Mas, seria justo que, devido à existência de uma cláusula contratual, uma pessoa ao
alugar uma casa para si e sua família residirem, pagando religiosamente as prestações
avençadas, venha a sofrer uma limitação, para não se falar em prejuízo, ao não ser
restituída dos valores dispendidos para a conservação do imóvel?

Assim, insurgem inúmeras dúvidas quanto aos reais direitos e obrigações das partes
contratantes.
2

Baseada nestas perquirições desenvolvemos este trabalho sempre buscando uma


melhor posição e, conseqüentemente, uma melhor proteção dos direitos do consumidor,
conseqüentemente, o locatário.

Porém, antes de adentrarmos no tema em foco, primeiramente é mister que haja


certos esclarecimentos, ainda que corriqueiros, sobre outros temas essenciais.

1. CONCEITO DE CONSUMIDOR E DE FORNECEDOR

As relações de consumo tem como sujeitos o consumidor e o fornecedor.

O conceito de consumidor vem explícito no artigo 2º do Código de Defesa do


Consumidor, ao determinar que consumidor é toda pessoa física ou jurídica que adquire
ou utiliza produtos ou serviço como destinatário final.

Conceito este muito abrangente, tendo em vista que é considerado consumidor


quem adquire ou utiliza produto ou serviço na qualidade de destinatário final; pode ser,
ainda, consumidor, aquele que é visado como possível adquirente ou possível usuário de
produto ou serviço.

Já no artigo 3º, caput, aparece o termo fornecedor, prescrevendo ser toda pessoa
física ou jurídica, pública ou privada nacional ou estrangeira, bem como os entes
despersonalizados, que desenvolvem atividades de produção, montagem, criação,
construção, transformação, importação, exportação, distribuição ou comercialização de
produtos ou prestação de serviços.

Para o nosso ordenamento jurídico, o conceito de fornecedor é dividido em


critérios, um critério de atividade e um critério econômico.

Diante disso, fornecedor é toda pessoa, física ou jurídica, pública ou privada,


nacional ou estrangeira, bem como os entes despersonalizados que desenvolvem atividades
de produção, montagem, criação, construção, transformação, importação, exportação,
3

distribuição e comercialização em relação a produtos e serviços, este é o critério de


atividade.

No segundo critério, o econômico, o fornecedor tem uma função de intermediação,


de levar os produtos e serviços ao mercado de consumo.

Logo, chega-se à límpida e ímpar conclusão de que as imobiliárias são uma espécie
de fornecedores, coadunando-se com o critério econômico, supra mencionado.
4

2. CONCEITO DE CONTRATO

Contrato é a declaração de vontade de duas ou mais partes dirigidas à geração de


determinado efeito jurídico, ou seja, é um negócio jurídico bilateral ou plurilateral. A
terminologia partes, aqui empregada, tem a acepção de pólo de interesses contrapostos.

Nos dizeres de Fran Martins, o contrato é “o acordo de duas ou mais pessoas para,
entre si, constituir, regular ou extinguir uma relação jurídica de natureza patrimonial”. Os
contratantes pactuam os seus direitos e obrigações em relação a determinado objeto,
buscando os efeitos jurídicos almejados, que é protegido pelo ordenamento Estatal.

Mas para que os contratos sejam eficazes, integralmente válidos e surtam efeitos,
há necessidade de apontarmos, ainda, três princípios basilares: o primeiro é o princípio da
autonomia de vontade ou liberdade contratual, que elucida que os indivíduos, partes na
relação contratual, são livres para contratar ou não, para escolher o outro contratante e
estipular o conteúdo das cláusulas contratuais, a este último fenômeno dá-se o nome de
poder de auto regulamentação dos contratos; o segundo é o princípio da obrigatoriedade,
também chamado de princípio da intangibilidade do conteúdo contratual, este princípio
tem a sua origem do brocardo romano pacta sunt servanda, e enuncia que o contrato é lei
entre as partes e, por isso, não pode haver retratação unilateral nem revisão judicial das
cláusulas, em regra; e, por derradeiro, o princípio da supremacia da ordem pública e dos
bons costumes, na qual impõem o interesse público sobre o provado, limitando a
autonomia de vontade.
5

3. CONCEITO CONTRATO DE ADESÃO

O contrato de adesão vem disciplinado no artigo 54 do Código Defesa do


Consumidor, definido como sendo aquele contrato cujas cláusulas tenham sido aprovadas
pela autoridade competente ou estabelecidos unilateralmente pelo fornecedor de produtos
ou serviços, sem que o consumidor possa discutir ou modificar substancialmente seu
conteúdo.

Os contratos de adesão são aqueles que se caracterizam pela ausência de vontade de


uma das partes contratantes, ou seja, as cláusulas são pré-dispostas por uma das partes sem
qualquer possibilidade de discussão ou modificação pela outra. A única manifestação de
vontade que há nesta espécie de contrato é a de aderência ou não ao contrato, em caso
afirmativo, a parte terá que aceitar todas as cláusulas.

Cláudia Lima Marques, em brilhante obra, explana que o contrato de adesão é um


documento “já impresso, prévia e unilateralmente elaborado, para a aceitação do outro
parceiro contratual, o qual simplesmente adere à vontade manifestada no instrumento
contratual”.1

O ínclito doutrinador Orlando Gomes ensina que “contrato de adesão é o negócio


jurídico no qual a participação de um dos sujeitos sucede pela aceitação em bloco de uma
série de cláusulas formuladas antecipadamente, de modo geral e abstrato, pela outra
parte, para constituir o conteúdo normativo e obrigacional de futuras relações
concretas”.2

Este tipo de contrato vem sendo a cada dia mais utilizados nas relações de
consumo, como também pelo Poder Público, que o emprega nas suas contratações em
massa, ditando regras a serem utilizadas pelas concessionárias em suas relações de
consumo.

1
MARQUES, Cláudia Lima. Contratos no Código de Defesa do Consumidor. 3 ed. São Paulo: RT, 1999, p.
58.
2
GOMES Orlando. Contrato de Adesão. São Paulo: RT, 1972. p. 3
6

4. APLICAÇÃO DO CDC AOS CONTRATOS DE LOCAÇÃO

Como já explanando, nos contratos de adesão as cláusulas são pré-elaboradas por


somente uma das partes, sem qualquer modalidade de questionamento ou impugnação pela
outra, ou seja, há a ausência de vontade de uma das partes contratantes.

Com muita propriedade, Antônio Herman de Vasconcelos e Benjamin ensina:

“É de grande a importância da aplicação do CDC aos contratos de


locação em virtude de sua relevância social e de extrema
vulnerabilidade fática, que se encontra o indivíduo ao necessitar
alugar um imóvel para sua moradia e de sua família, tal
vulnerabilidade aliada a um mercado de oferta escassa, parece
incentivar práticas abusivas, na contratação (cobrança de taxas
abusivas, por ex.) e na elaboração unilateral dos contratos; o
fenômeno é mundial”.

Sabido é por todos que as imobiliárias elaboram os seus respectivos contratos de


locação de forma unilateral, na qual o locatário tem somente uma opção: aderir ou não ao
contrato.

Assim, pelo todo o enunciado, concluí-se que, aos contratos de locação firmados
com as imobiliárias deve ser aplicado e obedecido os ditames do Código de Defesa do
Consumidor, visto a proteção contratual nos contratos de ordem pública, com o intuito de
equilibrar as partes e, conseqüentemente, dar uma maior transparência nesta modalidade
contratual.
7

5. CONCEITO DE BENFEITORIAS NECESSÁRIAS

Existem três espécies de benfeitorias, as necessárias, as úteis e as voluptuárias. Mas


somente vamos dar ênfase às benfeitorias necessárias, que vem disciplinada no artigo 96,
parágrafo 3º, do Código Civil Brasileiro3, visto o objeto do presente estudo.

Entende-se como benfeitorias necessárias às obras ou atos indispensáveis à


conservação do bem, com o objetivo de impedir a sua deterioração, ou que permitem uma
normal exploração econômica do bem. Como exemplos podemos citar os reparos de um
telhado, a substituição do sistema elétrico, a adubação do solo, o esgotamento de um
pântano, o pagamento de impostos, etc.

Nesta espécie de benfeitoria, o locatário faz jus ao direito de retenção do imóvel até
o recebimento dos gastos comprovados, mesmo que houver pedido de retomada pelo
locador, salvo se o contrato constar renúncia expressa do locatário quanto às mesmas,
posição esta que vem sendo muito discutida em nossos Tribunais, como passaremos a
estudar.

3
§ 3º: São necessárias as que têm por fim conservar o bem ou evitar que se deteriore.
8

6. DO DIREITO DE INDENIZAÇÃO POR BENFEITORIAS NECESSÁRIAS NOS


CONTRATOS DE LOCAÇÃO IMOBILIÁRIA RESIDENCIAL

Muito se tem questionado sobre a aplicação do direito de retenção ou a indenização


pelas obras realizadas para conservação do imóvel locado, ou seja, pelas benfeitorias
necessárias.

Uma primeira corrente afirma a existência de uma incompatibilidade entre o artigo


35 da Lei do Inquilinato (Lei 8.245/91) com o artigo 51, inciso XVI do Código de Defesa
do Consumidor (Lei 8.079/90), onde a primeira afasta totalmente a aplicação da segunda
ao tratar das benfeitorias necessárias.

Para essa corrente, se em um contrato de locação houver cláusula expressa de


exclusão de indenização por benfeitorias necessárias, fica afastada a incidência da lei
consumerista.

Este posicionamento, no entanto, vem sendo amplamente discutido por uma


segunda corrente ao afirmar que, por ser o artigo 51, inciso XVI do Código de Defesa do
Consumidor norma de ordem pública, são nulas de pleno direito quaisquer cláusulas
contratuais que possibilitem a renúncia do direito de indenização por benfeitorias
necessárias.

Posição esta também amparada pelo artigo 4º, inciso I, deste Códex, in verbis:

Art. 4º. A Política Nacional das Relações de Consumo tem por


objetivo o atendimento das necessidades dos consumidores, o respeito
à sua dignidade, saúde e segurança, a proteção de seus interesses
econômicos, a melhoria da sua qualidade de vida, bem como a
transparência e harmonia das relações de consumo, atendidos os
seguintes princípios:
I - reconhecimento da vulnerabilidade do consumidor no mercado de
consumo;
9

O Código Civil Brasileiro, em seu artigo 424, segue o mesmo entendimento ao


prescrever que nos contratos de adesão, são nulas as cláusulas que estipulem a renúncia
antecipada do aderente a direito resultante da natureza do negócio, ou seja, são nulas as
cláusulas que importem em prévia renúncia dos direitos do aderente.

O Ilustre Juiz Duarte de Paula, na Apelação 213.070, onde foi Relator, Tribunal de
Alçada de Minas Gerais, analisando a existência de cláusulas abusivas em contratos de
adesão, assim decidiu:

“A lei veda a imposição destas cláusulas, mormente quando


utilizadas em contratos de adesão, onde a superioridade econômica e
jurídica de uma das partes leva a imposição de todas as cláusulas do
negócio sem qualquer possibilidade de discussão da parte mais fraca.
A esta cabe somente aderir ou não aderir ao contrato, como um todo,
sem previsão alguma de negociação para efeito de acordo, já que o
contrato lhe é apresentado pronto, estereotipado, alheio a qualquer
restrição humana, fato que compromete sobremaneira o prestígio da
autonomia da vontade”.

A respeito do tema objeto do presente estudo os julgados abaixo transcritos


elucidam:

Segundo a Lei do Inquilinato, havendo ressalva em contrário ao direito de


indenização por benfeitorias no contrato, não tem o locatário à pretensão. É nula de
pleno direito, segundo o Código do Consumidor, a cláusula que possibilite a renúncia do
direito de indenização por benfeitorias necessárias. Não se conhece do direito de
retenção, porém, ressalve-se o direito do locatário de pleitear por benfeitorias
necessárias em ação própria (Ap 196054050, 5° Câm. do TARS, j. 13.6.96, rel. Jasson
Ayres Torres, JUIS-Saraiva n° 12) – grifo nosso.

“Direito de retenção por benfeitorias. Cláusula contratual excludente. Benfeitorias


necessárias. Nulidade. Contrato firmado na vigência do Código do Consumidor - arts. 35
da Lei 8.245/91 e 51, inc. XVI, da Lei 8.078/90. Prevalência desta. Direito de retenção,
todavia, não acolhido, por falta de especificação das mesmas. Tendo em vista o disposto
10

no art. 51, XVI, da Lei 8.078/90 (Código do Consumidor), que prepondera sobre a Lei
8.245/91, por ser norma de ordem pública, é nula de pleno direito à cláusula contratual
firmada sob sua égide, que possibilita a renúncia do direito de indenização por
benfeitorias necessárias. A despeito da nulidade, a pretensão de retenção do imóvel por
benfeitorias não pode ser acolhida, se elas não foram relacionadas com especificações,
minúcias, circunstâncias, natureza e época de construção”.(Ap. 0076084100, 7a Câm. do
TAPr, j. 10.4.95, rel. Leonardo Lustosa, JUIS-Saraiva nº 12) – grifo nosso.

Ressalta-se que, os insignes Magistrados nos recursos acima mencionados, agiram


de acordo com os aspectos da proteção prevista pelo Código de Defesa do Consumidor, por
não permitir que a lei especial posterior revogasse a lei geral de caráter público.

No mais, o artigo 1.219 do Código Civil, concernente a este raciocínio, prescreve


que o possuidor de boa-fé tem direito à indenização das benfeitorias necessárias e úteis,
bem como, quanto às voluptuárias, se não lhe forem pagas, a levantá-las, quando o puder
sem detrimento da coisa, e poderá exercer o direito de retenção pelo valor das
benfeitorias necessárias e úteis.

Continuando, José da Silva Pachedo leciona:

“As benfeitorias necessárias, que têm por fim conservar o prédio


evitando que se deteriore, são da competência do locador. Entretanto,
se o locatário as fizer, pode cobrar o seu valor de quem era obrigado
a fazê-las e não as fez. Como todo possuidor de boa-fé, tem o
locatário direito à indenização das benfeitorias necessárias, podendo
exercer sobre a coisa beneficiada o direito de retenção (arts. 516 e
1.566 do CC), à semelhança do que ocorre em toda locação (art.
1.199 do CC)”.4

Logo, os contratos firmados com as imobiliárias que contenham cláusulas que


estipulem a renúncia às benfeitorias necessárias, seja ela expressa ou não, são nulas de
pleno direito.

4
PACHECO, José da Silva. Tratado das locações, ações de despejo e outras. São Paulo:
RT, p. 366.
11

CONCLUSÃO

Como já salientado, os locatários vem sofrendo inúmeros prejuízos ao não serem


restituídos dos valores dispendidos para a conservação do imóvel locado.

As imobiliárias, aproveitando da vulnerabilidades dos locatários, rezam os seus


contratos de forma unilateral, sempre com a instituição de cláusulas abusivas, como a
renúncia ao direito de indenização por benfeitorias, tanto as necessárias como as úteis.

Deve-se refletir que, no momento em que as pessoas precisam locar um


determinado imóvel para residirem não o fazem com calma, com todo o tempo do mundo.

Logo, não há como manter uma postura dócil e pacífica frente às reiteradas lesões
aos direitos dos locatários e, conseqüentemente, a insubordinação a lei.

Por conseguinte, balizado com os dispositivos legais, acórdãos e posições


doutrinárias, supra elencados, concluímos que nos contratos de locação residencial
celebrados com as imobiliárias há a aplicação do Código de Defesa do Consumidor e,
conseqüentemente, são nulas de pleno direito às cláusulas que instituem a prévia renúncia
do locatário ao direito de indenização por benfeitorias necessárias.
12

BIBLIOGRAFIA:

ABREU FILHO, José de. O Negócio Jurídico e sua Teoria Geral. São Paulo: Saraiva, p.
34.

BENJAMIN, Antônio Herman de Vasconcelos e. Código Brasileiro de Defesa do


Consumidor. São Paulo: Forense Universitária, 1991. p. 251.

GOMES, Orlando. Contrato de Adesão. São Paulo: RT, 1972. p. 3.

GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil – Parte Geral. 10 ed. São Paulo: Saraiva,
2003, p. 94.

MARQUES, Cláudia Lima. Contratos no Código de Defesa do Consumidor. 3 ed. São


Paulo: RT, 1999, p. 58.

MARTINS, Fran. Contratos e Obrigações Comerciais. 14 ed., Rio de Janeiro: Editora


Forense, 1996.

MAZILLI, Hugo Nigro. A Defesa dos Interesses Difusos e Coletivos. 3 ed. São Paulo:
Saraiva, 2003 p.

PACHECO, José da Silva. Tratado das locações, ações de despejo e outras. São Paulo: RT,
p. 366.

Você também pode gostar