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no livro O teatro pós-dramático, Lehmann associa

seu conceito de drama.


[...] O teatro já não aspira à totalidade de uma composição estética feita de
palavra, sentido, som, gesto etc., que se oferece à percepção como
construção integral; antes, assume seu caráter de fragmento e de
parcialidade. Ele abdica do critério da unidade e da síntese, há tanto tempo
incontestável, e se dispõe à oportunidade (ou ao perigo) de confiar em
estímulos isolados, pedaços e microestruturas de textos para se tornar um
novo tipo de prática. Desse modo, ele descobre uma inovada presença do
performer a partir de uma mutação do actor e estabelece a paisagem teatral
multiforme, para além das formas centralizadas do drama (LEHMANN,
2007; p. 91-92).

10. Há ainda uma terceira diferença entre as espécies [de poesias] imitativas,
a qual consiste no modo como se efectua a imitação. Efetivamente, com os
mesmos meios pode um poeta imitar os mesmos objectos, quer na forma
narrativa (assumindo a personalidade de outros, como o faz Homero, ou na
própria pessoa, sem mudar nunca), quer mediante todas as pessoas imitadas,
operando e agindo elas mesmas (ARISTÓTELES, III, 1992, p.23-25).
No trecho citado, Aristóteles parece dividir a “poesia imitativa” entre modo narrativo e
dramático. Mas o modo de narrar é dividido em dois tipos: quando há a introdução de
um
terceiro (alternância entre expressão direta do autor e expressão “autônoma” das
perosnagens)
e quando só se dá a expressão direta do autor. A este último modo, muitos teóricos
atribuiram
o que corresponderia, atualmente, ao gênero lírico, “[...] suposto que Aristóteles se
referia no
caso, como Platão, aos ditirambos, cantos dionisíacos festivos em que se exprimiam ora
alegria transbordante, ora tristeza profunda” (ROSENFELD, 2010, p.16).

Trata-se essencialmente da expressão de emoções e disposições psíquicas,


muitas vezes também de concepções, reflexões e visões enquanto
intensamente vividas e experimentadas. A Lírica tende a ser a plasmação
imediata das vivências intensas de um Eu no encontro com o mundo, sem
que se interponham eventos distendidos no tempo (como na Épica e na
Dramática) [...] Quanto mais os traços líricos se salientarem, tanto menos se
constituirá um mundo objetivo, independente das intensas emoções da
subjetividade que se exprime. Prevalecerá a fusão da alma que canta com o
mundo, não havendo distância entre sujeito e objeto. [...] À intensidade
expressiva, à concentração e ao caráter “imediato” do poema lírico, associase, como traço
estilístico importante, o uso do ritmo e da musicalidade das
palavras e dos versos. De tal modo se realça o valor da aura conotativa do
verbo que este muitas vezes chega a ter uma função mais sonora que lógicodenotativa.
(ROSENFELD, 2010, p.22-23).

Além
disso, ao comentarmos a concepção de drama de Hegel, cuja influência é perceptível no
conceito de drama absoluto de Szondi, por exemplo, destacamos que, à interioridade das
personagens, suas motivações, sentimentos, pensamentos, subjetividades, Hegel atribuiu
o
caráter lírico do drama.

No entanto, a partir dos


dramas finais de Strindberg, com suas peças oníricas nas quais “[...] tempo e espaço se
relativizam, se dissolvem, as personagens são alegorizadas, e a linguagem reproduz a
fragmentação das imagens do inconsciente” (MENDES, 1981, p.66), segundo a autora,
o
lírico teria modificado a estrutura formal do drama.

Em síntese, os aspectos formais de cunho lírico no drama seriam os seguintes: a


dinâmica de repetição/acumulação da ação dramática (ao invés de progressão linear e
causal,
há o acúmulo de acontecimentos sem tensionamento para o futuro, ocorrências que se
somam,
mas não se encadeiam); desreferencialização do espaço (paisagem subjetiva) e do tempo
(suspensão temporal, presente eterno e intenso); alegorização das personagens (em
diferentes
graus) e linguagem poética, traduzindo imagens, sensações, questionamentos (em
contraposição às réplicas objetivas, que expressariam “decisões” dramáticas).
O drama lírico é construído sobre o modelo da circularidade. A ação
dramática de uma peça como “A Espera de Godot” desenvolve-se num
movimento semelhante ao causado por um toque na superfície de um lago:
através de círculos concêntricos que se formam a partir de um ponto. O
conflito se adensa através de um acúmulo de imagens, por uma expansão do
significado que detona logo na primeira impressão; ela não progride no
sentido de um futuro, como no drama dramático, antes imita a sugestão de
um poema. Através da repetição, do estribilho de perguntas e respostas que
se fecham sobre si mesmas, cria-se uma estrutura de ritmo recorrente. O
cenário é desreferencializado, traduzindo uma paisagem subjetiva, reflexo de
ideias e sentimentos das personagens; cenário que mimetiza não um lugar,
mas uma situação. Para isso concorre o tempo “suspenso”, não-cronológico,
atemporalizando a experiência (MENDES, 1981, p. 65)
os principais desvios líricos identificados nas intrigas foram as
estratégias de monodrama, ação cíclica e poema dramático. A escolha das referidas
categorias se deu não apenas por sua recorrência, mas por serem noções que comportam
os
aspectos líricos mencionados por Cleise e que podem acrescentar a eles algumas
diferenças
entre suas estratégias de construção dramática.

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