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CAPA (Layout): Ary Almeida Normans DIAGRAMACAO! Elaine R. de Olive 'SUPERVISAO: Ademir C. Schneider set B.S 304907 0) © Ritopa wa ey Todos ot dirios reervados pela Editora duea S.A Barto de Iguape, 110 —~ Tel.” PBX. 278-9332 (50 Romels) (C: Poual 8586 ~~ End. Telegrlico "Bomlivio" — 8. Paulo CONSELHO EDITORIAL, ALrneD0 Bost, da Universidade de Sao Paulo. Anis Sisto, da Universidade de. Sao. Penlo + Duous Tenxtina Movrtino, da Universidade de Séo Paulo FLivto Veseastano b1 Goto, da Pontfcla Universidade Catica Hagina Osskase, da Universidade de. Campinas Roootro Ian da Universidade de Compinas Ruy Gauvio oe Axons Cotto, da Universidade de So Paulo. Cootdenador: José Adolfo de Granville Ponce pe 08383781 A meméria de Nathan ¢ Anna, meus pais. Para Idealina e Ethel, vinculos de unido entre os Gorender e os Siixa Fernandes, A gratdéo do autor dqueles que 0 animaram a ‘esorever esta obra REFLEXOES METODOLOGICAS A interpretagdo histérica do Brasil sob o prisma de categorias sociol6gicas © milo mais como simples evolver cronolégico de Aacontecimentos politicos ~ dew seus primeitos passos numa fase em {que era muito recente a reestruturaglo da sociedade aacional con- seqilente & Aboliglo. Do distanciamento entre 0 passado ¢ 0 pre sete nascis a intuigio de que o pais tinha histéria, sto 6, de que n0 ‘s2U corpo social haviam ocorrido transformagses. Percebia-se que ‘extingdo da escravatura representava tm divisor de Epocas. Desde © inicio, contudo, ndo se fez do escravo a categoria central explica- tiva da formago social extinta. O fooo do interesse interpreativo Se concentrou sucessivamente em outras eategorias, que serviram de elemento-chave & reconstrugi conceitual do passado. O escrave, ‘sti claro, sempre figurou no quado geral, mas expicado por este ce nio o explicando. Como se devesse ocupat na hierarquia tebrica © ‘mesmo lugar subordinado que ocupara na hierarquia social objetiva, Por motivo ideolégicos, © primero tipo de interpretagdo socio- pica colocou a classe senhoral no centro do quadro e, gliando-se or certos dos seus caracteresexteriores, modelou a histria de uma sociedade putriareal e aristocrtica, Nisto se identiiearam Oliveira Vianna e Gilberto Freyre, expoentes desse tipo de interpretagao E sgnificativo terem ambos chegado ao mesmo resultado apesar da divergéncia em matéia antropologica, nfo tio complet, aids, quanto se afigura superficie. Se Oliveira Vianna legtimou a aris: {ocraca esravista brasileira pela superioridade racial, o anti-racism de Gilberto Freyre deixa margem explicita a uma legitimagio and- loga pela presumida superioridade genética dos stocks, das estixpes fou das etnias (Os dois autores mencionados incluiram a sociedade patriarcal 1a tipologia feudal, conquanto ofizesem com imprecisio, De ponto de vista ideolbgico oposto ao dees, porém com uma visfo semelhan- te do quadro histérico e os mesmos elementos sistemiticos,elabo- rou-se uma teora categoria da sociedade feudal no Brasil. A énfase incidiu no latifindio, entendido como eategoria central da gual se segue necessariamente uma forma qualquer de feudalismo, No c380 brasileiro, era preciso admitir que o feudalismo se baseou em rela- Ges escravstas ~ fenémeno considerado secundirio diante do pri- vilegiamento teérico da grande propriedade territorial ~ ou que o escravismo, entendido com superficial especificidade, eve exstencia restrta, logo submergida pela formacio feudal, desde as origens coloniais estabeleciés na maior parte do termiério. A. primeira va ante € a de Alberto Passos Guimaries © a segunda pertence a ‘Nelson Werneck Sodeé, A linha de interpretagdo oposta& anterior comegou a se formar no terreno da historiografia econémica. Aqui, a categoria central Se tornou, desde logo, a do comércio exterior, identifcando-se a histiria econémica do Brasi-eolénia e do Brasi-império com a histria da sua exportacio, condensada e periodizada segundo cer- {os produtos dominantes. Cada periodo de dominaeo de um pr ‘duto de exportaso foi considerado um cielo e, assim, toda a série histérice resultou articulada pela teria ds ciclos. Dai a conhecida periodizasao pelos ciclos do pau-brail, agicar, our, algodio e cafe Nio deita de ser interessante que a primeira obra talvez a ‘empreender uma exposigdo compreensiva dentro do espirito da teoria dos ciclos tenha sido uma obra de histéria cconémica de Portugal ¢ ndo do Brasil. Todas as Epocas de Portugal Econémico, de J. Licio de Azevedo, i excesio da primeita — uma espécie de préshistoria — correspondem a cilos de produtos coloniais. Exclui- dos os da pimenta e dos produtos afrcanos, em todos os demais se confundem as historias econdmicas de Portugal e do Brasil, Acertadamente, observou Vitorino Magalhles Godinho que, res. salvado o primeico capitulo, Epocas de Portugal Econdmico & quase 6 uma histéria comercial. * Ao historiador portugués seguiu-se J. F. Normano. Deu-nos este, com sua Bvolupdo Econémica do Brasil, uma exposigdo mais claborada da teoria dos ccls,incluindo a tentativa de explicapio do ‘mecanismo que levava i sucessio de “sistemas exondmicos interos", originados na dominancia de certos produtos de exportacio. + Ct Goon, Vteino Mapai, radi 3 Hira cone, Libs, Le wos Hongont p15 © 25 (6 ertixtes METODOLOGICAS 17 Foi com a Histiria Beondmica do Brasil, de Roberto Simonsen, que teoria dos cclosatingiu seu acabamento. Baseada em levan- fameaco fatual e em avaliagdes quantitativas inovadora, esa obra articulow em seqiéncia histérica no 6 0s produtos dominantes, da exportagio, mas também os produtos secundirios, todos eles indicadores das virias fases da formagéo econémica do pais. Pela estrcitera do seu campo de visto, a teoria dos ciclos edo aleangou o limite de suas possibilidades explicativas, restando ape- ‘nas ocupar-se dos detalhes. A nova linka de interpretacio deveria Superi-la, Ea superasdo veio, com um salto qualitative, na Formagdo do Brasil Contempordneo, Ao invés de tomar os ciclos dos produtos ‘de exportagio como épocas ou sistemas econémicos, Caio Prado SYunior descobria neles manifestagdes seqlencais de algo mais pro- fundo, de uma realidade permanente imanente ~'a esruturaexpor- ‘adora da economia colonial,» Ulrapassou-se a “histéria comer- Gale se avangou no caminho do eonbecimento do arcabougo condmico-ocial, porém, 56 na medida em que o permitia o mirante fonde se colocava’ © pesquisador — a perspectiva do comércio exte- ‘or. Este impde & colonizagio e a evoluedo brasileira o fim, o “sen tide” — conceit reiterado na obra de Caio Prado Jinior — e de- {ermina a natureza da estrutura em que se combinam ts earacteres ‘grande propriedade da terra, monocultura ¢ trabalho eseravo. * A ‘cscravidio propriamente merece poucas piginas na parte dedieada "Vida Material” — a mais longa do livro ~, s6 sendo abordada cdetdamente na parte reervada A “Vide Social”, que s€ ocupa com faspectos superestruturais © em que se inclui também a apreciagio, do patriatealismo, jé sem verdadeiea sigificagio estrutural, ‘A idéia da economia de estrutura exportadora, subjacente as modificagies de curta ou longa duragdo,inspirow a literatura histo- logrifiea posterior © estabeleceu os seus ineamentos principsis. E nesta linba de interpretagdo, embora com tratamento te6rico diverso, que se insere a obra de Celso Furtado. &, também, a linha de interpretagio que inspira toda uma corrente de historiadores paulistas, de Alice Canabrava a Fernando Novais. Em que pesem fs diferengas, une @ todos eles 0 panto de vista do qual focalizam ‘4 economia ea sociedade coloniais ~ oda sua atividade exportadora, 2, Paso Joon, Co. Ranma do Bra! Contempornco~ Colina, 4° Wid. p. 1326 6 134 ‘18 REPLEXdes, METODOLOGICAS ag Ae an © Suro: de umn stad it de inter. MSC 2 qualia asde colonial capi . vale dese captains 4,6f Doser, Nese 4 So Palo, Ca Ed Nason” iad ina Se 2 Ook Pla Nac 2+ Htéica claborouo quadto iPLicAgQES MITODOLOGICAS DO RSFOQUE... 19 4 escravto brasileira foi eminentemente cassia e constitu a aioe forga em que se apoiou @ insti familiar para desen- era sua econornia propria, esteio de sa unidade e do sew centripetismo”.* Sendo assim, terlamos uma reprodugio do escravismo antigo, rexesomano, eno do medievalismo, © problems reside agai em ie mo ¢ a familia patrarel que expla o escravismo colonia, ‘emo contrio ~ 0 eseravismo colonial exphea familia pati orertides os termos, descobfese que os tragos patiareais do SRavismo brasileiro estiveram condicionados © restringidos pela Sxtntaeto principalmente mercantil das unidades produtoras, ‘déntica dificuldade apresentouse diante de A. P. Guimaries « eis como pretendeu resolvé-a "Foi o modo de produc do agicar agul implantado que confor- ‘mow nos primeiros tempos da colonizagdo 0 regime de terras e, Uemais, oda a socedade que ent sobre ele se erguia. Modo de produeio taver i generis na histéria, pols que reunia elementos {de dos regimes econdicos: regime feudal da propriedade e fo regime escravista do trabalho”. © (© conhesimento histérico demoastra, no obstante, a contra- igdo formal in adjeeto da proposisdo de um regime territorial eudal associado a um regime escravsia de trabalho. Recorrer 20 fut generis conduz, no final de conta, a deixar em suspenso a s0= Tusdo teorice eoerente, Ao invés de explicar o regime territorial inoladamente por ceros (gos intitucionals, cumpria descobrir sua determinagio peas relagdes de produgdo. Evitar-e-ia a justaposigio mmecinica da_propriedade territorial a0 regime de trabalho © se tbsiria camintio & concepgo do modo de produgio em sua total dade orpinica Focilizando agora a lisha de interpretagfo, que se concentrox _no mercado e dele fez. chave explicativa da economia colonial, Constatamos Um resultado invarivel desse procedimento metodo: pico: a sobreposigio da esfere da circulagdo as relagdes de pro ddugio, Diante da presenga de categorias como mercadoriae capital, fo invés de examini-la dentro de preciso condicionamento hstérico, f racioeinio deu o passo puramente dedutivo no sentido da concepyio + ip 2, + Guns, Alert Pst, Quo Ste de Lind Sto Paolo, Ea. Fler, ively [A desobstrugio metodol6gica imple a inversio radical do en- foque! as relagtes de producio ds economia colonial precisam ser FeAMadas de dentro para fora, 2 contrrio do que tem sido feito, ‘foe de fora para dentro (tanto a partir da familia patriareal ou iio regime juridieo da terra, quanto a partir do mercado ou do Grtema colonia), A inversio do enfoque € que permitiré correla. Sonar as relagSes de producto as forcas produtivas em presenca, S eluborar @ categoria de modo de produgio escravista colonial na Son determinaglo plenamente especiica, ‘Nao é minha iia que a visio metodolégica de fora para dentro ja inde, por si mesma, dstoreiva. Com ela foi possivel estudar 4 colonizagio como ato de colonizar e tudo 0 que seu processo {mplicou para @ economia européia. Neste terreno temtico se situa ‘obra clissica de Eric Williams. Mas, se rejeitarmos 0s integracio= rismos simplifcadores ¢ considerarmos que 0 ato de colonizar riginow nas Américas modos de produgdo que precisam ser esti adios em sua estrutura e dindmica proprias, eno, a visio metodo Tégien eareceri de uma volta de 180 graus para focalizar seu objeto dde dentro para fora ‘Da fecundidade desta “revolugo metodoligica” ji ivemos uma primeira demonstragao na obra de Eugene Genovese sobre a econo fia politica do escravismo, ™ A economia politica ai delineada ro €vilida apenas para o Sul dos Bstados Unidos, mas se identifica, butrossim, com o Brasil escravsta, Digo delineads porque Genovese teve insuficiente empenho na sistematizacdo categoria da teoria ‘econdimiea do escravismo estadunidense. Sua obra, néo obstante, fencerra 0 mérito de introduzi na legitima problematic da formagio social esravisa e do modo de produgio especfico que The corres= onde. ‘Outro passo sério em direglo a tal problemaitica foi dado por Ciro Cardoso, que, 20 invés da abstragio de um “modo de pro- ugio colonial, nico e indefinido ateve-se & proposigfo concreta ne {do modo de produsio escravsta colonial. Por outea parte, sou +2 Hina: Considerar Me. 4e opiniio que a proposielo de Ciro Cardoso padece das limitagdes Cece senpsarontere sok 3 | | | se ale Cy insist « enoatars he es hale wiertaa LG Pal Cte gy aD fm aie ie Pa Pag Mi ‘cera et Sout pod « ce Sew a Gen fe acs it em tn TR coy amntawan ronate como hae + i a ES ae fe en saieereccmnnecegis rer a weno ce (Corita, Arpt, Cuacernos de Pasido y Presa, 173 i 22 RELEXGES METODOLOGICAS epistemolopicas dos “modelos”, reduzindo-se a uma combinacio de tragos caracteristicos. O de que se carccs, 20 mou ver, & de uma teoria geral do escravismo colonial que proporcione a reconstrucio sistemitica do mado de produsfo como totaldade organica, como fotalidade unificadora de categorias cujas conexdes necessirias, de- correntes de determinagSes essenciais,sejam formuliveis em leis specifica. Em O Capital, emos a teoria geral do modo de produsio ca- pitalista, Com ela, deu-nos Marx o método dialtico categoral-ss- tematico através do qual aquela teora foi claborada, Que no s0- ‘mente © capitalismo constitu objeto apropriado ao tratamento por texte método, demonsirou-o Armando Castro com 0 seu monumental estude do modo de produgéo feudal em Portugal. 2, Modo de produsio © formagio social Na sintese do materilismo hist6rico ineluida no preficio & Contribigto d Cetiea da Economia Politica defrontamo-nos com tstas dus categorins axiais: as do modo de produgio ¢ de for- ‘ago social. Discut-las significa realmente diseutir 0 fundamental rho materialismo histrieo, por mais que a discussio assumma, aqui fall, aspectos escolisticos, Aspectos noglgencisveis, uma ver que fo confranto de idéias em torno da questo permite arrancat a teria rmarssta do atoleiro dogmatico em que o stalinismo a mergulhou, [Exte nfo 6 0 lugar para descer aos detalhes do debate, quer colocado no plano puramente te6rico, * quer vinculado a uma ‘questéo historca delimitada, ** Restringi-me-ei a tornar precisa rminhas posigdes concetuas. ‘A economia politica & a cigmcia dos modos de produgdo, de todos em geral e de cada um deles em especial, de sua sucessio e das transigdes de um para o outro. O modo de produgio da exis- ‘éncia material constitu o fidamento onioldgico da sociedade hu- ‘mana, Donde sera economia politica a primeira das citneiassociais, ° cxemo, Armando, Erte Bonini de Pornga dr Steer XI @ XV. Listes, Prt B11 somes, ly etago em 1964. sai Combat de Orig de LBeomomie Pitiqu Pas, ons Sodan 1957, ps °CE Lomas, Core: So Elo etal. Hl Compo de “Forman Beoné mcoSoi” Cigdosa Argentina, Curse de Paso ) Presta 1973 Ge Cate dates Recerchor Marsa (CERAM). Sve 9 Fem, Untoo Ed Espa, 173 Cartruto 1 ESCRAVISMO COLONIAL ~ MODO DE PRODUCAO HISTORICAMENTE NOVO © primeiro problema, que se apresenta ao estudioso do escrar vismo colonial, &, decerto, © confronto entre os portugueses, che- agados no século XVI ao terrtério hoje conhecido como Brasil, © fas tribos indigenas habitantes deste mesmo tertério desde tempos indefinidos. Com 0 descobrimento no ano de 1500 e a subseqiiente colonizagio, puseram-se, uma diante da outra, duas formagSes socias heterogéneas: a dos conquistadores europeus ¢ a das tibos Aauléctones. Os primeitos procediam da sociedade feudal ibero-iusi- tana, pioneira do mereantlismo e unia das mais avangadas do cidente europew na época, Ao passo que os ocupantes presentes ‘no terrt6rio a ser conquistado constituiam uma sociedade tribal © comunista primitiva, com um modo de vida némade, inferior aos adventicios no ques refere ao estidio do desenvolvimento das forgas produtivas. nse confronto entre dus sociedades tio heterogineas nos seus ‘modos de produso coloca a questo da resultant possivel em casos de conguista de um terrt6rio habitado. Questo inexistente quando ‘conquistadores © conquistados slo econdmica e socialmente homo- séneos, porém, que encerra mltiplas alterativas em caso contri rio, Quando Marx afrma que em todas as conquistas hi tes possibi- lidades, 6 tem em mente, na verdade, esta situagio de confronto centre sociedades heterogéneas, como se depreende do-que escreveu: “0 povo conguistador submete 0 povo conguistado ao seu préprio ‘modo de produsdo (por exemplo, os ingleses neste século na Tr- Tanda e,em parte, na India); ow ele deixasubsistr 0 antigo modo de produgdo ese satsfaz com um trbuto (por exemplo, os tacos @ as romanas); ou entdo se produz uma acdo reciproca que di hnascimento a wena forma nova, a wma sinese (em pare, nas onauistas germina". 54 EscRaviswo COLONIAL — mOpO DE PRODUGKO. Se examinarmos © que ocorreu com a conquista portuguesa do territério brasileiro, verficaremos que neahuma das tts possibi- lidades apontadas acima se efetivou, O modo de produgio feudsl, dlominante no Portugal da époce, no se transferia a0 pais con quisiado. Tampovco os portugueses deixaram subsist © modo de Drodusio das tribos indigenas nas reas que, sucessvamente, sub- Inetiam 20 seu dominio, Resta a hipétese da sintese. O modo. de produsdo resultante da conguista — o escravismo colonial — nio pode ser considerado uma sintese dos modos de produslo preexis- fetes em Portugal eno Brasil. Ao tempo em que se iniciou a colo- sizapo do Brasil empregavam-se eseravos na economia portuguesa, ‘mas este emprego tinha carter subsidiério, complementar. Refiro: me aqui, esti claro, ao Portugal continental e no as ihas atti as, uma vez que estas, & semelhanca do Brasil, entram no conceito de conquista € colonizagfo. No Portugal continental, o emprego de escravos teve, sem divida, a significagio de um sintoma rele- vante da conjuntura por que transitava 0 pals, sem que indicasse {8 tendéncia fundamental de desenvolvimento da formagio social portuguesi. Apesar do retardamento mutissecular que Ihe imporiam, as relagdes de produelo feudais, enrjecidas pela propria expansio Uultramarina, esta tendéncia era a da transformagio capitalist ‘Quanto aos indigenas brasileiro, nenhuma evidéncia ocorre de que ‘= encontrassem sequer em evolusio no sentido do escravismo. Impfe-se, por conseguinte, a concluséo de que 0 modo de pro- dug escravista colonial & inexplicével como sintese de modos de produsto preexistentes, ao caso do Brasil, Seu surgimento nfo fencontra explicacio nas diregdes unilaterais do evolucionismo nem do difusionismo, No que o escravismo colonial fosse invengio arbitra fora de qualquer condicionamento historico. Bem 40 con \tirio, o.seravismo colonial surgiu e se desenvolveu dentro de de- terminismo sécio-econdmico rigorosamente definido, no tempo € 10 espaco. Deste determinismo de fatores complexos,prevsamente, que o escravismo colonial emergiu como um modo de producto 4e caractersticas novas, antes desconhecidas na histria humana, [Nem ele constitu repetigdo ou retomo do escravismo antigo, co- Jocando-se em seqliéncia “regular” ao comunismo primitivo, nem resultou da conjugasio sinttica entre as tendéncias inerentes & formagio social portuguesn do século XVI ¢ as tribos indigenas O estudo da estrutura eda dindmica do modo de produgdo eseravista colonial, como se fart na Tercera Parte deste liveo, demonstears ESCRAVISMO COLONIAL ~ MODO DE PRODUGKO... 55 ‘0 que desde logo vem afirmado, ou sea, que se tratou de um modo de produséo historicamente nove, pois & outta conclusfo no cabe thegar se este estudo puser em relevo leis especificas distntas das Teis de outros modos de produ. Marx, als, apés a delimitagdo das t8s possibilidades deriva- das das conguistas, aventou a stuasio em que, dé maneira implicita, se encerra uma quarta possbilidads. Sobre tal stuagio, que importa ‘por inal no emprego do trabalho eseravo, assim se manifestou: “Quando se rouba o escravo, roubasse diretamenteo insirumento de producto, Mas & preciso que a produdo do pais, para o qual Se roubou,esteja organizada de ral uaeira que adiitao trabalho dos escraves ou entdo (como na América do Sul, ete.) & preciso ‘que se crie un modo de produdo que corresponda descravidao”.* Com efeito, ocorzeu na América do Sul, mais exatamente no Brasil, a cro de um novo modo.de produgdo, cujo reconheci- ‘mento, se pensado em suas profundas implicagdes, corrobora as ‘modernas lias de pesquisa ¢ de generalizagio sstemitica do ma- terialismo histbrico. "Tal reconhecimento tem sido dificultado ou mesmo impedio, no obstante, por algumas afirmagdes do proprio Marx, sobre as fquais € conveniente que nos detenhamos. Uma dessas afirmagies, referente sem divida aos Estados Unidos, e extraida dos Gran. disse, & 2 seguinte’ 4 eseravidio dos negros — wma eseravidlo puramente indus- trial ~ que desaparece sem tardanga e & incompativel com 0 de- senvolvimento da sociedad burguesa, pressupde a existéncia de tal sociedade: se unto a essa eseraviddo no exisissem outros testados livres com trabalho assalariado, todas as condiges sociais hos estadorescravistas assumiriam formas pré-cvlizadas”. > ‘A esta, aeresoenta-se outra afirmago, também pertencente aos Gnandrisse, na parte dedicada is Formen "Que aos dos das plancagens na América ndo sb os chamemos agora de capitalisias, sendo que o sejam, se baseia no fato de (qe eles existe como wana anomalia dentro de wm mercado mun- ‘dial baseado no trabalho lire”. * [No primeiro trecho, a sociedade burguesa € dada como pres- suposto da eseravidio moderna, sem implicar a identificagdo entre td bp 188 2 I Bmantr Pander, Ope. .18, + Bid pe. 56. ESCRAVISNO COLONIAL — MoDO DF PRODUGKO. ambas. Quanto a propria escravidio moderna, Marx a define como “puaramente industrial, assim a diferenciando da esravido patria cal antiga, O segundo trecho & bem mais incsivo. Embora nfo @ diga expressamente, a interpretagdo literal do texto conduz a con- siderarenpitalista 0 modo de producio das plantagens americanas, {que emprezavam eseravos, uma vex que seus dnos sho deslarados c Fitalistas, Mas esta elasiicago ape diseusivamente ao conceit de anomatia, sob 0 argumento de sua inclusio no mercado mundial capitalista. As anomalia sociais nfo sio inconcebiveis — sem rela- ‘elo com julgamentos de valor — e um exemplo delas pode ser [dentificado nas redugbes jesuitcas rioplatenses. Creio, porém, in plausivelclasificar de anmalo um modo de produgfo que repre- ‘sentou uma tendéneia dominante, durou séculos, avassalou enormes extensBesteritorias, mobilizou dezenas de milhoes de seres humanos servi de base & organizagio de formagées socaisestiveis e incon fundiveis. A tee de que o escravismo americano coasttuiu um ea- pitalismo anémalo (ou foi uma aberracdo, como dsseram depois ‘outros historiadores) reflete um entendimento imaturo que, com re- lagdo a este problema, era certamente 0 de Mark, quando desen- volvia, sem finalidade de publicagto, as reflexdes preparatérias de 0 Capital, Nesta obra, atese sobre a anomalia esti ausente de todo, ¢€0 tratamento que seu autor di questdo do eseravisme americano ‘© traduz em conceituaglo muito diferente © oposta a anterior. As idias de Marx a respeito da escravidio haviam atingido um e=- tidio de emadurecimento que se manifesta, de maneira homogénes, no texto proprio de Capital como também no seu Capitulo Iné= dio, que 0 autor deixou apenas em rascunho.° ‘Acredito estéril a posigio dos que sacralizam cada ponto © ‘ada virgulasaidos da pena dos clssicos do marxismo, 0 que obriga a rejetar sequer a possibildade de contradigdes entre uma e outra passagem de escrtos de periodos diferentes, como se of clissioos também nifo devessem percorrer os camino penosos da elabora- ‘fo tedrica, em eujo curso a hipétese e o erro fazem parte do pro- exsso de conquista da verdade. Considero correla, « propSsito, a adverténcix de Gramsci de que se devem distinguir entre ns obras Dublicadas sob direta responsabilidade do autor ¢ as outras, que representam material preparatério sem finalidade de publicagio ou ® Ma, KEI Coil Lito 1 ~ Capo VI Unie). 3°, Bucoos As Sig ‘eit Agena E1914 [SCRAVISMO COLONIAL ~ MOBO DE PRODLGKO.... 57 que $6 postumamente vieram & luz. ® Em caso de contradiéo tex- tual, &evidente que 0 requisito de autenticidade, do ponto de vista do pensamento conclusive do autor, pertence ao texto publicado sob sua inequivoea responsabilidade. Fao, contudo, a ressalva de que, do nosso ponto de vista de leitores, os textos valem pelo que Slo, importando menos se se destinaram ou nfo & publicagio. A. riqueza dos Gruxdvisse nfo se iavalida nem diminui pela sua natu- teza de rascunho para uso exclusivo do autor. Considero leytima, ‘em conseqincia, a preferéncia por uma formulagdo dos Grundrisse a0 invés de outra de'O Capital, sabido, ademas, que porgses impor- tantissimas do material preparatério no chegaram a receber ela- Doragio defintiva na obra de Marx publicada em vida. Estrita- mente pelo que diz e pelo critério cieaifieo em si mesmo, sem si bordinagio @ argumentos de autoridade ou de autentcidade fill6- ica, € que, na questio do escravismo americano, considero ina- cnitivel a tese do carter capitalista, andmalo ow ndo, Tanto mais, fdiciono a titulo de reforgo, que o proprio Marx se encarregou de ‘demonstra essa inaceitablidade com 0 que sobre 0 assunto escre- ‘yeu em sua obra principal. Enquanto nio nos empenharmos a fundo na economia politica «do modo de produgio escravista colonial, seremos sempre tentados pelos raciocinios operantes com as analogias entre caracteristicas ‘comuns a fendmenos histdricos distintos. As analogias podem ser~ lites ejustfcdveis, mas exigem sempre o miximo de cautela, s0- ‘retudo quando se apresentam como recurs fil que poupa © pros- seguimento da andlise edo trabalho discursivo,E tentador equiparar 6 escravismo colonial ao capitalismo e ito nos conduz a um beco Cf. Grass, Antonio. Marian Soo. Op. i 9.167. * Dist pont de visa, petotese a utters das dillon de aumento de ‘Erma Lak em sue pons sor Co Prk. Eat ing steno mt ‘Soro de Hats dar Btn Eom fide spot em Mitte abe ‘Starter caitaita de exruvdo smerzanaLacay empenhese sma ff 8 purtrdsaceagio Tiel do memo texto, sem aboetelo 4 eda ea AD ‘neo yet tap ea por Gander Fran apretna at ower acters ‘um pesto gue ands no aa sete profidiadeSscusiva. Lalas oder standoma eta lao etfs, oico bale eer a [roman nero de Mare com m0 Cap V La, testo “Peano Y'Caplatnene ox Amen Latin” I Move de Procin nica Latin Op ate pak [58 ESCRAWIBMO COLONIAL — MODO DE PRODUGAO, sem saida, Iqualmente tentador ¢ equipari-lo ao eseravisno antigo, “A esa tims tentago cede Genovese quando esereveu que 08 sis temas escravistas das Américas devem ser compreendidos como um modo de produgdo essencialmenteareaico, donde nio ser paradoxal que 0 historiador se refugie na idéia to informe de “um paradoxo tspectico”.* Pela sua escala,o escravismo americano apresentou fs aparéncia de ressurreigio do escravismo mediterrineo antigo, so- bretudo o romano. Ha em ambos, de fato, 0 trago comum do tra- _balho escravo como tipo dominante de exploracio da mio-de-obra, ‘Mas estrutura e a dindmica foram distintas em um e outro, tanto ‘que a sociedade imperial romana se defrontou com © impasse re- “presentado pela impossibilidade de evoluedo do eseravismo pa- real arcaico ao eseravismo mercantil modemo, Limito-me, por éenquanto, &referénciasucinta do argumento, dexando para adiante sua exposiglo sistematia. Também, a titulo de registro para posterior desdobramenta, screscento que, no set estudo de histria comparada, prcisamente or se omitir na pesquisa das leis especficas do modo de produyso, Genovese se vu em difculdade teorica para admitr a propria espe- ificdade do escravismo colonial. Essa difculdade foi agravada pela ‘confusio categorial entre modo de produgto e formacio socal, 0 ‘que no The permit diferenciar entre a determinagio essencal do modo de produdo escravista colonial, idéntca em todas as areas fem que existu, © @ assimilagfo pela superestrutura das formagSes ‘scravistas, em cada pais, de elementos peculiares de suas respect ‘yas metrOpoles, Tais elementos superesiruturais so importantes para a caracterizagdo multilateral das classes escravstas nos vos palses © dos respectivs sistemas de aliangas de elasses nas mett6- poles, O maior mérito do estudo de Genovese consist, por isso, na justficada énfase com que stlienta a necessidade de investignsio esses elementos diferenciadores. O que niio cabe & consideri-ios tum criténio definider do modo de produgio como tal. Como ji foi dito, a presente obra pretende estudaro escravismo colonial a0 nivel categorial-sistematico do conhecimento historco. * Cf Grows, Bags D. “The American Save Systems in Word Petpet: ‘The Word the Sashes Made, Nova lords, Panton Book, OR pe 2 26 SGRAVINO COLOMIAL — MOBO DE PRODUGKD..._ 59 ‘Ao invés do um desdobramento cronolégico, teremos a anise de Categorias © de relagdes categorais, ou seja, a estrutura © a dind- mica do sistema considerado em sua totalidade orginica. Essa ani lise nos conduziré uo mod de produeo como sintese mais universal possivel e, com hase nela, & formagdo social eseravista no Brasil, ‘como redlidade hist6rica nacionalmente earacterizada. Se a forma- (Ho social esravista teve no Brasil pecuiaridades que s6 nee se en ‘contrardo, ji 0 modo de produgio dominante, em sua coneretidade Conceitual, como pensamento da concretidade empiria, correspon- ‘den & mesma categoria histrica que exist em todos os paises es- truvistas do continente. Endo serei demasiado pretensioso se disser que povcos palses oferecem, tanto quanto © Brasil, os elementos fatuais adequades 4 compreensio de tal categoria, uma vez que, justamente aqui, o eseravismo colonial teve duraglo e riqueza de Aleterminagaes maiores do que em qualquer outa part.

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