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fe FERDINAND LASSALLE e—_T 2 A A Esséncia da Constituicao Prefacio de Aurélio Wander Bastos 52 edicéo Raberta Camineire Baggic OR LUMEN [URS Je Janeiro 190 Sumario Nota Explicativa Prelicio (Aurélio Wander Bastos) A Esséncia da Constituigg0 Introdugie Capitulo Sobre a Constituigao Que & uma Constituigéo? ei ¢ Constituigao 5 Fatores Reais do Pocler A Monarquia A Aristocracia \ Grande Burguesia Os Banqueitos A Pequena Burguesia € a Classe Operdria Os Fatores Reais do Poder € ° ° ° as Instituigdes Juridicas ~ A Folha de Papel Sistema Eleitoral das Trés Classes Senado . : Rei e o Exércite Poder Organizado € 0 Poder Inorganico vil 10 12 12 13 15 16 v7 18 20 20 22 Ferdinand tassalle Capitulo it Sobre a Histéria Constitucionalista A Constituigo Real e Efetiva Constituigao Feudal Absolutismo . nae A Revolugao Burguesa Capitulo it Sobre a Constituigdo Escrita e a Constitui¢do Real A Atte e a Sabedoria Constitucionais .... O Poder da Nacéo é Invencivel..... 0... Consequéncias veees a Primeira Consequéncia Segunda Consequéncia Terceira Consequéncia Conclusées Praticas 25 ae 31 33 34 35 35 36 38 40 Nota Explicativa As informagées sobre esta conferéncia de Ferdinand Lassalle, pronunciada em 1863, para intelectuais e opera rios da antiga Prussia, so esparsas. A Gesamtverzeichnis- des Deutschsprachigen Schrifttums (GV) (Indice das Obras Publicadas em Lingua Alema), 1911-1965, no volume 77, p. 261, editada pela Verlag Dokumentation, Miinchen, 1978, da-nos rapidas informacdes sobre as primeiras publicacdes desta conferéncia. A primeira delas, sem indica¢ao do ano, é da Livraria Vonworts, em Berlim. A segunda noticia, de maior preciséo, fala da obra como uma consolidagéo de duas conferéncias publicadas em 86 paginas, pela Vereinigung Internationale Verlags- Anstalten, Berlim, em 1923, como o volume 5 da série Elementarbiicher des Kommunismus. © mesmo indice noticia também uma publicacdo em Viena, de apenas 23 paginas, no ano de 1926, pela Wiener Volksbucbb. Esta publicacdo, agora editada pela Editora Lumen Juris, tomou como base a traducao feita por Walter Sténner na publicagéo das Edicdes e Publicacées “Brasil”, Sao Paulo, 1933, Comparando o texto com o original em outras linguas, fizemos pequenas adaptacdes de linguagem. Pre- ferimos nao divulgar 0 texto com a sua denominacio origi- nal em portugués, Que é uma Constituicdo? Por fidelidade a0 teor politico e juridico da obra, entendemos mais con- veniente publicé-la com o titulo A Esséncia da Constituicdo, 2, « Prefacio Este livro de Ferdinand Lassalle (Breslau, 1825-1864) ¢ um classico do pensamento politico constitucional. Muito embora nao tenha Lasalle se notabilizado como jurista ou intelectual erudito, especialmente como o seu contempora- neo Karl Marx (Trier, 1818-1883), mas como advogado per- sistente, ativo propagandista e inflamado militante politico e sindical, produziu trabathos de significativa importancia filoséfica: A Filosofia de Herdclito (1858) e O Legado de Fichte (1860) e juridica: Sistema dos Direitos Adquiridos (1861) e Sobre a Constitui¢ao (1863). E este ultimo traba- tho, no original denominado Uber die Verfassung, publicado em portugués com o titulo Que é uma Constituicdo?, que escothemos para dar continuidade a Coleco Classicos do Direito. Todavia, para permanecer fiel ao texto e resguar- dar 0 seu pensamento original, estamos publicando-o com 0 titulo A Esséncia da Constitui¢ao. Se o Uber die Verfassung é a contribuicao ao pensamen- to juridico classico que 0 consagrou entre os constituciona- listas, 0 seu trabalho politico mais importante é fundamen- talmente voltado para o estudo de problemas e indicacdes de alternativas para 0 sindicalismo, especialmente alemao- prussiano da época: Programa dos Operdrios, conhecido em alemao como Arbeiter Program, divulgado em 1863, A tese central deste trabalho foi a sua intransigente defesa do Aurélio Wander Bastos sufragio universal igual e direto para os operdrios, como forma de se conquistar o Estado para implementar reformas sociais. Nesta publicacdo, defendeu a necessidade de os operdrios se organizarem em partido politico independente como instrumento de viabilizagao de suas demandas, o que evou-o, em maio de 1863, a fundar, em Leipzig, a Associacdo Geral dos Trabalhadores Alemaes, da qual foi presidente, e Gue, historicamente, pode ser vista como a entidade que antecedeu a formagao da social-democracia alema. © Programa dos Operdrios se apéia, principalmente, em duas teses voltadas para a melhoria das condigées de vida do trabalhador (também expostas no seu livro Capital @ Trabalho, 1864, onde ainda faz reflexées preliminares sobre a teoria da mais-valia): a critica & lei de bronze dos salérios (segundo esta lei, o salario médio dos trabalhado- res tende a ser reduzido no sistema capitalista propor- cionalmente ao seu sustento e reproducao) e a proposta sobre a criagdo das cooperativas de producao constituidas de trabalhadores subvencionados pelo Estado (estas coo- Perativas funcionariam originariamente com crédito outor- gado, mas passariam, com o tempo, a subsidiar um verda- deiro movimento cooperativista). Estas teses sobre a lei de bronze e as cooperativas de trabalhadores, teoricamente, separaram Lassalle de Marx, bem como dos socialistas ale- maes que colaboraram na fundacéo do Partido Social Democrata (1869-1875), 0 que ndo lhe tira o mérito de ter levantado historicamente a discussao da teoria dos saldrios, bem como da também "questionavel” teoria da mais-valia Lassalle e Marx estiveram juntos em muitos momentos histOricos, especialmente durante a Revolucao de 1848, de tendéncias populares e democraticas. Juntos responderam mesmo processo por atuagao politica e pregagées contra © Estado na regiao de Rhin, na Alemanha, durante esse Preficio perfodo marcante também para a Franca e a Itdlia. Embora tenha sido Lassalle condenado, historicamente foi Marx quem prosseguiu e aprofundou os estudos sobre o capitalis- mo € 0s seus efeitos sobre as condices de vida do opera- riado. O pensamento marxista, superando, especialmente, a proposta das coop. és de proposicdes radicais sobre a coletivi produgao, e a lei de bi ze, com o desenvolvimento da teoria passou definitivamente o sectarismo obreirista deste sin calista que morreu em um duelo com um nobre, provocado por coloridas paixdes por uma aristocrata. SSS Se o pensamento marxista avancou historicamente so- bre as concepcées sindicalistas de Lassalle, nao ha como ne- gar a importancia de seu papel na consolidacao do sufragio universal, néo s6 na Alemanha, Muitos deputados alemaes de vinculagao operaria, eleitos com a consolidagao juridica do sufragio universal, decisivamente colaboraram, @ partir de 1872 (Assembléia Geral dos Operarios Alemaes, maio, Berlim), para a criacao e dinamizacao das cooperativas de trabathadores (Programa de Gotha), mais tarde (1891) eli- minadas do programa do Partido Social Democrata (domi- nantemente controlado pelos marxistas) como instrumento de alienacao e retragao do avanco revolucionario dos ope- rarios (Congresso de Efurt). Todavia, a evolucdo economicista e sociologista do marxismo nao conseguiu impedir que Lassalle se consagras- se como precursor da teoria critica da ordem juridica, como também de formulador dos pressupostos da ordem juridica social-democratica como alternativa & ordem juridica capi- talista. Sem usar a teoria da luta de classes nos seus dois principais trabalhos juridicos ~ Uber die Verfassung e Das System der Erworbenen Rechte — consagra-se, no exclusi vamente como constitucionalista, mas como precursor da 4 Aurélio Wander Bastos sociologia juridica, enquanto teoria critica da ordem juridl Ca. Os pressupostos da teoria critica de Lasalle nao sio idealistas e, como nao poderia deixar de ser, ele ndo é urn formalista. Todo 0 seu pensamento juridico, seja na critica a0 direito adquirido como forma de legitimacdo da trans- misao da propriedade, ou no estudo critico da Constituicdo Prussiana de 31 de janeiro de 1850 (que aboliu o sufragio universal e direto, consagrado através da Lei de 8 de abril de 1848), € essencialmente influenciado por preocupacdes Politicas € socioldgicas. Ao mesmo tempo, essas preocupa- 56es esto permeadas pelo pensamento socialista em for- mag&o e em desenvolvimento na Alemanha que antecede a ascenséo de Bismarck (1815-1898), que, durante longo tempo (1864-1890), fez a contracena conservadora ao movi- mento operario, Esta obra — A Esséncia da Constituicdo — é dos unicos trabalhos constitucionais ou sobre a sociologia das consti- tuigdes de alcance académico e popular que estuda os fun- damentos, nao formais, mas, como ele denomina, essen- ciais — sociais e politicos ~ de uma Constituicéo. 0 seu Pressuposto juridico, evidente confronto com o pensamen- to jusnaturalista e positivista, € de que as constituicées (burguesas?) ndo promanam de idéias ‘ou principios que se sobrepdem ao proprio homem, mas dos sistemas que 0s ho- mens criam para, entre si, se dominarem, ou para se apro- priarem da riqueza socialmente produzida. Tudo indica que esta obra, originalmente uma conferéncia para intelectuais € sindicalistas, se nao consolida dois trabalhos anteriores, pelo menos deies retira as suas proposicées fundamentais: um fotheto sntitulado Aes Trabalhadores de Berlim (1863), onde desenvolve a tese do sutragio universal, a evolucao das constituicdes, e critica a Constituic&o Prussiana, e um Preto manifesto conhecido como Forca e Direito (1863), publica- do apés suas divergéncias com os liberais. As suas opinides sobre as constituigdes da época, que Parecem originarias desses primeiros textos, especialmen- te a autoritdria Constituigdo Prussiana, nao so muito lison- jeiras. Ele afirma taxativamente que as instituiges juridi- Cas sao "os fatores reais de poder” transcritos em "folha de papel”. As suas opinides permitem concluir que ele acredi- ta que 0 direito dominante (a Ordem Juridica) néo_tem qualquer autonomia; seria um mero instr: scrito com 0 objetivo de coagir condutas através da ameaca de punig6es. As suas reflexdes, do ponto de vista das moder- as teorias juridicas, inclusive sociolégicas, ainda sto embrionérias, 0 que nao the permitiu, com clareza, desen- volver qualquer teoria sistematica sobre a Ordem Juridica estritamente formal ou mesmo sobre a Ordem Juridica como reflexo das ideologias socialmente dominantes, De qualquer forma, e esta € a originalidade e impor- tancia do seu texto, de todos os pensadores juridicos do século XIX, inclusive entre os marxistas, até mesmo do século XX, Lassalle, neste seu pequeno trabalho, explicita com limpida clareza os fundamentos sociolégicos das cons. tituigdes: os fatores reais do poder. Para ele, constituem fatores reais do poder o conjunto de forcas que atuam poli- ticamente, com base na lei (na Constitui¢o), para conser- var as instituicées juridicas vigentes, Constituem estes fatores a monarquia, a aristocracia, a grande burguesia, os banqueiros e, com especificas e especiais conotacées, a Pequena burguesia e a classe operdria, e 0 que elas repre- sentam da cigncia nacional. Lassalle, neste trabalho, ndo estuda o papel do exér- Cito ou das forcas policiais como fator auténomo e real do poder, mas como instrumento desses fatores. Neste senti Auréliy Wander Bastos do, Lasalle esboca também alguns pressupostos sobre as teorias que véem no exército e nas forcas armadas nao um fator real de poder, mas um instrument do poder politi- co do rei, nas monarquias, ou dos presidentes, nas repu- blicas. Da mesma forma, como em situagdes teéricas anteriores, Lasalle nao analisa o exército como instru- mento do Estado classista, como vieram a fazer os marxis- tas, mas como instrumento do agente unitario do poder: 0 rei. A sua opiniao é de que as forcas armadas sao forcas organizadas do rei e da nagao somente porque podem ser um fator real de poder. Nesses termos, desconhecendo o exército como fator real de poder, reconhece nos seus escritos que ele nao esta- ria sujeito as normas e disposig5es constitucionais, mas acima delas, ou independente delas. £ bem verdade que o quadro histérico de Lassalle nao é 0 dos nossos dias, onde as forcas armadas, juridicamente, estdo sujeitas as suas Limitagbes constitucionais. Na Prissia dos anos que antece- deram a unificagao e a industrializagao alema, por forca da propria constituicao absolutista, 0 exército e a marinha no prestavam juramento de acatar a Constituicao, mas ao ‘Monarca, que tinha poderes para nomear seus comandan- tes. As forcas armadas nao tinham sido constitucionalizadas e, como tal, no deviam satisfagao 4 nacdo, mas ao rei. Situacao tragica que simbolizava os remanescentes absolu- tistas: os reis s6 eram reis porque comandantes do corpo armado. Neste sentido, ele acredita que é uma invencioni- ce misteriosa, historicamente ultrapassada, entender que 0 chefe da nacao é também o chefe supremo das forcas de mar e terra, impedindo que o legislativo, representacao do poder que emana do povo, tenha competéncia para decidir 5 finalidades e objetivos. Prefécio Ha que reconhecer que as dificuldades de Lassalle para conciliar as suas teses sobre a Constituicao real e a Constituigao escrita séo enormes. E estas teses so 0 fun- damento da sua obra. No seu trabalho, ficam explicitas as arestas de acomodacao entre os pressupostos de suas observacées sobre as diferencas entre a Constituigéo real (fatores reais de poder) e a Constituigéo escrita ("folha de papel”). Na verdade, ele chega a afirmar que boa e dura- doura é a Constituicéo escrita que se apdia na Constituicao real, para ele proprio, os fatorés reais de poder. Mas é nesta observacao que esta a contradicéo fundamental do seu trabalho. Ao criticar a ordem estabelecida (os fatores reais de poder), ele néo demonstra suficientemente e nem ‘20 menos desenvolve teoricamente a sua hipdtese prospec- tiva: so também fatores reais de poder, e esta posicdo esta implicita e timidamente exposta em varias partes do seu livro, a consciéncia coletiva e a cultura da nacao, na opiniéo de Lassalle, o fundamento preliminar_da ordem Juridica. Entretanto, tudo leva a crer que ele acredita que estes fatores, mais abstratos do que reais, sucumbirao aos efetivos fatores reais. Nesta obra, nem ao menos esté aberto um capitulo para, especificamente, tratar da consciéncia social e da cultura nacional como fatores reais de poder. Ele chega mesmo @ aventar que se "os fatores reais” propriamente ditos afetarem a consciéncia coletiva (e os seus indicadores desta consciéncia, pelo menos os que aparecem nesta obra, so 08 interesses gerais da naco, o sentimento nacional, a integridade fisica do povo e a sua propriedade, e os conhe- cimentos técnicos desenvolvidos no seio da sociedade civil), © povo (na sua linguagem, a pequena burguesia e a classe operdria) necessariamente se rebela, ou pelo menos pode confrontar-se enquanto forca desorganizada (poder bw Aurélio Wander Bastos inorg&nico) com a forca organizada ~ o exército e a mari- nha. Mas, premido pelas circunsténcias que o envalveram e a Priissia em 1848-50, parece que quer, mas nao acredita na vitéria do povo. Lassalle no mostra muito otimismo com as possibili dades e potenciatidades do povo desorganizado: os servi- dores do povo sao retéricos, os dos governantes sao prati- Cos, utilitarios e oportunistas. Acredita mesmo que as suas Perspectivas sd se realizem em momentos histéricos de grande emaco (e comocao); mesmo assim, sé se viabilize- riam se houvesse condicées de fazer profundas reformas nas forcas organizadas a servico dos fatores reais de poder, especificamente do fator unitario — rei, adaptando-as aos interesses da nacao. Todavia, para Lassalle, se a Cons- tituigao escrita no corresponde aos fatores reais de o- der, a Constituicao real, tanto por um lado — 0 rei, a aris- tocracia, a grande burguesia ~ quanto por outro —- a cons- ci€ncia nacional — esta ameacada. Ele consegue identifi- car os indicadores da crise, mas se perde na indicacao de alternativas juridicas e até mesmo politicas. No entanto, nao ha como desconhecer que este pre- cursor da social-democracia alema “intuiu”, nos limites em que o pensamento juridico e sociolégico da época per- mitiam (ha que se considerar que Lassalle é politicamen- te formado sob o impacto da Revolucao de 1848), parame- tros gerais de modernas teorias juridicas, mas que, da mesma forma, ainda nao alcangaram a plenitude de seu desenvolvimento nas sociedades modernas, 0 que conser- va 0 mérito e resguarda a importancia atual deste seu livro. Neste sentido, muitas das suas observacdes ainda ser estudadas e aprofundadas, mesmo porque 0 nomicista @ sociologista interrompeu a elabo- racdo, pelos marxistas, de uma teoria Gemocratica do Es- Preticio tado, bem como o formalismo positivista e 0 dogmatismo jurisprudencial dos tribunais inibiram 0 desenvolvimento de uma teoria aberta da ordem juridica Por isto, no que se refere especificamente a evolucao do Direito Constitucional, ha que reconhec deu significativa contribuicao a teoria do voto universal e direto como instrumento de conquista do poder e demo- cratizacéo do Estado. Da mesma forma, ndo deixa de ser ilustrativa a sua teoria diferenciativa entre a Constituicéo real € a Constituicao escrita (formal), assim como o seu reducionismo sociolégico, que, circunscrevendo a tradicio- nal figura imperativa do Direito — a lei fundamental — aos fatores reais de poder, pée definitivamente em questao a légica da racionalidade juridico-formal e abre a discussio sobre a teoria da eficacia das leis. £ bem verdade que entre os juristas nao ha qualquer consenso conceitual sobre a “lei fundamental”, mas o determinismo lassalista chega a reconhecer que, confun- dindo-se com os fatores reais de poder, ela é uma exigén- cia da necessidade dos proprios fatores de poder, de tal forma que, substantivamente, s pode ser aquilo que real- mente é, nunca 0 que deveria ser. Neste sentido, Lassalle introduz os subsidios sociolégicos que servem de negacao & moderna teoria do Direito de Hans Kelsen (Praga, 1881 1973). 0 quadro tedrico de Kelsen se desenvolve princi palmente com base na "norma pura”, vazia de contetido, sem qualquer esséncia expressiva ou representativa da forca ou de pressupostos ideolégicos. As normas se apli- ‘cam no por serem eficazes, mas validas: porque derivam e se fundamentam, numa dimensao exclusivamente hie- rarquica e l6gico-formal, umas nas outras, cu seja, as in- feriores nas superiores. T www ‘Aurélio Wander Bastos Muito embora, na posigao kelseniana, a Norma Funda- mental adquira contornos tedricos mats amplos, ac contra- rio de Lassalle, ele nao a confunde com a prépria Constituicao, enquanto norma juridicamente superior. Para Kelsen, a Norma Fundamental & um pressuposto que ante- cede a propria ordem juridica que dela deriva, mas dela no é parte. Ainda diz: a ordem juridica é um todo pleno e coerente que responde a todos os problemas, nao por ser eficaz, mas por ser valida e aplicavel pelos tribunais. Nao ha 0 que discutir sobre a sua plenitude, muito embora, para Lassalle, da diferenca histérica em que se encontrava de Kelsen, 0 formalismo juridico, como o conheceu, nada mais € do que um instrumento para transformar fatores escusos em lcidos principios, coerentes e herméticos propésitos. No fundo, sem qualquer abertura juridica, insistindo, como Lassalle insiste, em que o problema constitucional é¢ um problema exclusivamente politico, que deve ser resol- vido politicamente, ele fecha as comportas do seu sistema fica preso a um circulo vicioso sem qualquer possibilida~ de de provocar modificacdes ou rupturas na ordem estabe- lecida. Desacredita da capacidade do legislative para emendar as constituicdes, porque provocaré sempre rea- es, da mesma forma que desacredita que as assembléias nacionais — que em um Unico momento ele chama de assembléia constituinte — possam romper o tragico drama das contradicées entre as forcas que apdiam a Constituigao real e a consciéncia nacional rebelada. Lassalle nao aprofunda, neste livro, a tese da assem- dléia constituinte: ele a viveu, ndo como ume experiéncia nistorica positiva, apés a Revolucdo de 1848, mas como um ne seriado em que as conquistas democraticas foram aulati 2 revogadas pelos contra-revolucionarios. A sua resisténcia & teoria da assembiéia constituinte, de Preficio certa forma, subsidia a sua inclinacao politica preliminar: a teoria da rebelido como instrumento de organizacao de um Estado popular. Mas, da mesma forma, exceto nas suas explicitas opinides sobre a necessidade de se desarticular 05 fundamentos de forga da Constituicao real, ele nao defi- ne como se construiria, como se organizaria um Estado de novo tipo, ou uma ordem juridica democratica alternativa. Este é 0 paradoxo interessante do seu trabalho: co do constitucionalismo que desconhece a importancia do Direito como instrumento de organiza¢ao social_ mesmo tempo, escrevendo sobre o que é uma Constituicao, ensina exatamente o que nao deve ser a esséncia de uma Constituicao. Rio de janeiro, 25 de marco de 1985 Aurélio Wander Bastos Advogado. Professor concursado da Universidade do Rio de Janeiro. Livre-docente da Universidade Gama Filho. G iv A Esséncia da Constituicao Introdugao Fui convidado para fazer uma conferéncia e para isso escolhi um tema cuja importancia nao é necessério salien- tar pela sua oportunidade. Vou falar de problemas consti- tucionais, isto é, qual a esséncia de uma Constituicdo? ‘Antes de entrar na matéria, porém, desejo esclarecer que a minha palestra teré um carater estritamente cienti- fico; mas, mesmo assim, ou melhor, justamente por isso, ndo havera entre vés uma Unica pessoa que possa deixar de acompanhar e compreender, do comego até 0 fim, o que ‘you expor. ‘A verdadeira ciéncia — nunca sera demais lembrar — nao é mais do que essa clareza de pensamento que nao pro- mana de coisa preestabelecida, mas dimana de si mesma, passo a paso, todas as suas conseqliéncias, impondo-se com a forca coercitiva da inteligencia aquele que acompa nha atentamente seu desenvolvimento. Esta clareza de pensamento nao requer, pois, daqueles que me ouvem, conhecimentos especiais. Pelo contrario, nao sendo necessario, como ja disse, possuir conhecimen- tos especiais para esclarecer seus fundamentos, ndo so- mente nao precisa deles, como nao os tolera, Sé tolera € exige uma tinica coisa: que os que me lerem ou me ouvirem no 0 facam com suposicGes prévias de nenhuma espécie, nem idéias proprias, mas sim que estejam dispostos a colo- 1 iC Ferdinand Lassalle car-se a0 nivel do meu tema, mesmo que acerca dele tenham falado ou discutido, e fazendo de conta que pela Primeira vez o esto estudando, como se ainda nao soubes- sem dele, despindo-se, pelo menos enquanto durar a minha investigacao, de tudo quanto a seu respeito tenham como conhecido. Capitulo | Sobre a Constituicao Que 6 uma Constitui¢so? Que é uma Constituicao? Qual é a verdadeira esséncia de uma Constituicéo? Em todos os lugares e a qualquer hora, a tarde, pela manha e a noite, estamos ouvindo falar da Constituico e de problemas constitucionais. Na impren- sa, nos clubes, nos cafés e nos restaurantes, é este o assun- to obrigatério de todas as conversas. E, apesar disso, ou por isso mesmo, formulamos em termos precisos esta pergunta: Qual sera a verdadeira essncia, 0 verdadeiro conceito de uma Constituicao? Estou certo de que, entre essas milhares de pessoas que dela falam, existem muito poucos que possam dar-nos uma res- posta satisfatéria. Muitos, certamente, para responder-nos, procurariam © volume que fala da legislaco prussiana de 1850 até encontrarem os dispositivos da Constituicéo do reino da Prisssia, Mas isso nfo seria, esta claro, responder & minha per- gunta. Nao basta apresentar a matéria concreta de uma determinada Constituicao, a da Prissia ou outra qualquer, para responder satisfatoriamente a pergunta por mim for- Ferdinand tassalle mulada: onde podemos encontrar 0 conceito de uma Constituicao, seja ela qual for? Se fizesse esta indagacao a um jurisconsulto, recebe- ria mais ou menos esta resposta: "Constituicéo é um pacto Juramentado entre 0 rei e 0 povo, estabelecendo os princi- ios alicercais da legislacéo e do governo dentro de um pais”. Ou, generalizando, pois existe também a Constitui- ‘40 nos paises de governo republicano: "A Constituicao é a (ei fundamental proclamada pela naco, na qual baseia-se organizacdo do Direito publico do pais”. Todas essas respostas juridicas, porém, ou outras pare- cidas que se possam dar, distanciam-se muito e nao expli- cam cabalmente a pergunta que fiz. Estas, sejam as que forem, limitam-se a descrever exteriormente como se for- mam as Constituices e 0 que fazem, mas ndo explicam 0 que é uma Constituicao, Estas afirmacées déo-nos critérios, notas explicativas para conhecer juridicamente uma Constituicéo; porém nao esclarecem onde esta o conceito Ge toda Constituicao, isto é, a esséncia constitucional. Nao servem, pois, para orientar-nos se uma determinada Cons- tituigao é, e por que, boa.ou ma, factivel ou irrealizével, duradoura ou insustentavel, pois para isso seria necessirio que explicassem o conceito da Constituicéo. Primeiramen te, torna-se necessdrio sabermas qual é a verdadetra essén- cia de uma Constituicao, e, depois, poderemos saber se 2 Carta Constitucional determinada e concreta que estamos examinando se acomode ou nao as exigéncias substantivas, Para isso, porém, de nada servirdo as definicdes juridicas gue podem ser aplicadas a todos os papéis assinados por uma nacdo ou por esta € © seu rei, proclamando-as consti- tuigdes. seja qual for 0 seu contetdo, sem penetrarmos na sua essdncia. O conceit da Constitui¢éo ~ como demons- A Esséncia da Constituigso trarei logo — é a fonte primitiva da qual nascem a arte e a ia constitucionais. vee rapl, pot, minha prgunka: Que é uma Corti! Onde encontrar a verdadeira esséncia, 0 verdadeiro concei: stituigao? aplicaremos um métado que € de utilidade pér em prin sempre que quiserms esclarecero objeto de nossa investiga do. Este método é muito simptes. Baseia-se em comparar- mos 0 objeto cujo conceito nao conhecemos com outro seme- thante, esforcando-nos para penetrar clara e nitidamente nas diferencas que afastam um do outro. Lei e Constituics0 Aplicando esse método, pergunto: Qual a diferenca entre uma Constituicéoe uma le? Ambas, a lei e a Constituicéo, tém, e éncia genérica comum. - legislativa, isto é, tem que ser também lei. Todavia, nao é uma lei como as outras, uma simples lei: € mais do que isso. Entre os dois conceitos nao existem somente afinida- des; hd também dessemelhancas. Estas fazem com que a Constituigao sela mats do que simples lel © eu poderia de a- m centenas de exemplos. ong pals, por sxemplo, ndo protest pelo fato de cons tantemente serem aprovadas novas leis; pelo contrario, todos nés sabernas que se torna necessério que todos os anos sea criado maior ou menor nimero de les. NBO pode, porém, decretar-se uma Unica lei que seja, nova, sem alte- rar a situacdo legislativa vigente no momento da sua apro- Ferdinand Lassale va¢ao. Se a nova lei nao motivasse modificacdes no apare- thamento legal vigente, seria absolutamente supérflua e ndo teria motivos para ser a mesma aprovada. Por isso, no Protestamos quando as leis sio modificadas, pois notamos, @ estamos cientes disso, que é esta a misao normal e natu. ral dos governos. Mas, quando mexem na Constitui¢ao, pro- testamos e gritamos: “Deixem a Constituicaol” Qual é a origem dessa diferenca? Esta diferenca € to inegavel, que existem, até, constituicées que dispdem taxativamente que a Constitui¢ao nao poderd ser alterada de modo algum; Noutras, consta que para reforma-la nao € bastante que uma simples maioria assim o deseje, mas que sera necessa- rio obter dois tercos dos votos do Parlamento; existem ainda algumas onde se declara que nao é da competéncia dos corpos legislativos sua modificacdo, nem mesmo unidos a0 Poder Executivo, sendo que para reforma-la devera ser nomeada uma nova Assembleia Legislativa, ad hoc, criada expressa e exclusivamente para esse fim, para que a mesma se manifeste acerca da oportunidade ou convenién- cia de ser a Constitui¢éo modificada. Todos esses fatos demonstram que, no espirito undni. me dos povos, uma Coristitui¢éo deve ser qualquer coisa de mais sagrado, de mais firme © de mais imdvel que uma lei comum. Faco outra vez a pergunta anterior: Qual a diferenca entre uma Constituicao e uma simples lei? A esta pergunta responderao: Constituigo néo é uma (el como as outras, é uma lei fundamental da nacao. £ pos- fel, meus senhores, que nesta resposta se encontre, s™20ra ce mode obscure. a verdade que estamos investi. nde mesma, assim formulada, de forma bastante pode deixar-nos satis‘eitos. Imediatamente surge, substituindo a outra, esta interrogacdo: como distin A fss€ncia da Constituigao guir uma lei da lei fundamental? Como véem, continuamos onde comecamos. Somente ganhamos um vocabulo novo, ‘ou melhor, um termo novo, “lei fundamental”, que de nada nos servird enquanto nao soubermos explicar qual é, repi- to, a diferenca entre lei fundamental e outra lei qualquer. Intentemos, pois, nos aprofundar um pouco mais no assunto, indagando que idéias ou que nogées so as que vo associadas a esse nome de lei fundamental; ou, em outros terms, como poderiamos distinguir uma lei fundamental de outra lei qualquer para que a primeira possa justificar 0 nome que the foi assinalado. Para isso sera necessario: 1° — Que a lei fundamental seja uma lei bdsica, mais do que as outras comuns, comuns indica seu proprio nome: “fundamental”. ; 22 — Que constitua — pois de outra forma nao poderia- mos chamé-la de fundamental — 0 verdadeiro fundamento das outras leis, isto €, a lei fundamental, se realmente pre- tende ser merecedora desse nome, devera informar e engendrar as outras leis comuns originarias da‘mesma. A lei fundamental, para sé-lo, deverd, pois, atuar e irradiar-se através das lei comuns do pais. 32 — Mas as coisas que tém um fundamento nao o séo por um capricho; existem por que necessariamente devem existir. O fundamento a que respondem nao permite serem de outro modo. Somente as coisas que carecem de funca- mento, que néo as casuais e as fortuitas, podem ser como so ou mesmo de qualquer forma; as que possuem um fun- damento, nao. Elas se regem pela necessidade. Os plane- tas, por exemplo, movem-se de modo determinado, Este movimento responde a causas, a fundamentos exatos, ou nao? Se nao existissem tais fundamentos, sua trajetdria seria casual e poderia variar a todo o momento, quer dizer, 13s Ferdioand Lassalle seria variavel. Mas se de fato responde a um fundamento, se €0 resultado, como pretendem os cientistas, da forca de atracao do Sol, isto ¢ bastante para que o movimento dos planetas seja regido e governado de tal modo por esse fun- damento que nao possa ser de outro modo, a nao ser tal como de fato é. A idéia de fundamento traz, implicita- mente, a nocao de uma necessidade ativa, de uma forca eficaz e determinante que atua sobre tudo que nela se baseia, fazendo-a assim e ndo de outro modo. Sendo a Constituicdo a lei fundamental de uma nacéo, seré — @ agora j4 comegamos a sair das trevas — qualquer coisa que logo poderemos definir e esclarecer, ou, como jé vimos, uma forca ativa que faz, por uma exigéncia da neces- sidade, que todas as outras leis e instituic6es juridicas vigentes no pais sejam o que realmente séo. Promulgada, a Partir desse instante, ndo se pode decretar, naquele pais, embora possam querer, outras leis contrarias & fundamental. Muito bem, pergunto eu, sera que existe em algum pais ~ e fazendo esta pergunta os horizontes clareiam — aguma forca ativa que possa influir de tal forma em todas as leis do mesmo, que as obrigue a ser necessariamente, até certo ponto, 0 que sdo e como so, sem poderem ser de outro modo? Os Fatores Reais do Poder Esta incognita que estamos investigando apoia-se, sim- dlesmente, nos fatores reais do poder cue regem uma determinada sociedace. Os fotores reais do poder que atuam no seio de cada socieda sa forca ative e eficaz que informa todas A fsséncia da Consttuigéo as leis e instituicées juridicas vigentes, determinando que ndo possam ser, em substancia, a ndo ser tal como elas sdo. Vou esclarecer isso como um exemplo. Naturalmente, este exemplo, como vou expé-lo, néo pode realmente acontecer. Muito embora este exemplo possa dar-se de outra forma, nao interessa sabermos se 0 fato pode ou ndo acontecer, mas sim o que o exemplo nos possa ensinar se este chegasse a ser realidade. Nao ignoram os meus ouvintes que na Prissia somente tém forca de lei os textos publicados na Colecdo Legis- lativa. Esta Colecdo imprime-se numa tipografia conces- siondria instalada em Berlim. Os originais das leis guar- dam-se nos arquivos do Estado, e em outros arquivos, bi- bliotecas e depésitos, guardam-se as colecées legislativas impressas. Vamos supor, por um momento, que um grande incén- dio irrompeu e que nele queimaram-se todos os arquivos do Estado, todas as bibliotecas pliblicas, que o sinistro destruisse também a tipografia concessionaria onde se imprimia a Cole¢ao Legislativa e que ainda, por uma triste coincidéncia — estamos no terreno das suposicées —, igual desastre ocorresse em todas as cidades do pais, desapare. cendo inclusive todas as bibliotecas particulares onde exis- tissem colegées, de tal maneira que em toda a Prisssia ndo fosse possivel achar um Unico exemplar das leis do pais. Suponhamos que um pais, por causa de um sinistro, ficasse sem nenhuma das leis que 0 governavam e que, por forca das circunstancias, fosse necessario decretar novas leis. Neste caso, 0 legislador, completamente livre, poderia fazer leis de capricho ou de acordo com 0 seu préprio modo de pensar? 14n Ferdinand Lassalle ‘A Monarquia Considerando a pergunta que encerra o item anterior, suponhamos que os senhores respondam: Visto que as leis desapareceram e que vamos redigir outras completamente novas, desde os alicerces até o telhado, nelas no reconke- ceremos a monarquia as prerrogativas de que até agora g020u a0 amparo das leis destruidas; mais ainda, nao respel taremos prerrogativas nem atribuicoes de espécie alguma. Enfim, ndo queremos a monarquia. © monarca responderia assim: Podem estar destruidas as leis, porém a realidade & que 0 exército subsiste e me obedece, acatando minhas ordens; a reatidade é que os comandantes dos arsenais e quartéis poem na rua os canhées e as baionetas quando eu o ordenar. Assim, apoia- do neste poder real, efetivo, das baionetas e dos canh no tolero que venham me impor posicdes e prerrogativas em desacordo comigo. Como Podeis ver, um rei a quem obedecem o exército € 0s canhdes é uma parte da Constituicdo. AAristocracia Reconhecido 0 papel do rei e do exército, suponhamos ‘agora que os senhores dissessem: Somos tantos milhdes de Pessoas, entre as quais somente existe um punhado cada vez menor de grandes proprietarios de terras pertencentes & nobreza. Nao sabemos por que esse punhado, cada vez menor, de grandes proprietarios agricolas possui tanta destinos do pafs como os restantes mithdes tes reunidos, formando somente eles uma Camara Alta que fiscaliza os acordos da CAmara dos A EssSncia de Constituigéo Deputados, eleita esta pelos votos de todos os cidadaos, recusando sistematicamente todos os acordos que julgarem prejudiciais aos seus interesses. Imaginemos que os meus ouvintes dissessem: Destruidas as leis do passado, somos todos “iguais” e nao precisamos absolutamente “para nada” da Camara Senhorial. Reconheco que ndo seria facil & nobreza atirar contra © povo e que assim pensassem seus exércitos de campone- ses, Possivelmente teriam mais que fazer para livrar-se de suas forcas privadas. Has a gravidade do caso é que os grandes fazendeiros da nobreza tiveram sempre grande influéncia na Corte e esta influncia garante-lhes a saida do exército e dos canhées para seus fins, como se este aparelhamento da forca estivesse “diretamente” ao seu dispor. Vejam, pois, como uma nobreza influente e bem-vista pelo rei e sua corte é também uma parte da Constituicdo. A Grande Burguesia Suponhamos agora o inverso. Suponhamos que o rei € a nobreza, aliados entre si para restabelecer a organizagao medieval, mas no ao pequeno proprietario, pretendessem impor o sistema que dominou na Idade Média, aplicando-o a toda a organizaco social, sem excluir a grande industria, as fabricas e a producéo mecanizada. Sabe-se que o “grande” capital no poderia, de forma alguma, progredir e mesmo viver sob o sistema medieval que impediria seu desenvolvi- mento. Entre outros motivos, porque este regime levantaria uma série de barreiras legais entre os diversos ramos de pro- ducdo, por muita afinidade que os mesmos tivessem, nenhum industrial poderia reunir duas ou mais industrias em Ferdinand tassalle suas maos. Neste caso, por exemplo, entre as corporacées dos fabricantes de pregos e os ferreiros existiriam constantes Processos para deslindar as suas respectivas jurisdicées; a estamparia nao poderia empregar em sua fabrica somente um tintureiro etc. Ademais, sob o sistema gremial daquele tempo, estabelecer-se-ia por lei a quantidade estrita de pro- dusao de cada industrial e cada industria somente poderia ocupar um determinado numero de operarios por igual. 'sto basta para compreender que a grande producao, a indistria mecanizada, ndo poderia progredir com’ uma Constituigdo do tipo gremial. A grande indiistria exige, sobretudo - e necessita como o ar que respiramos - ampla liberdade de fusdo dos mais diferentes ramos do trabalho nas maos de um mesmo capitalista, necessitando, ao mesmo tempo, da producao em “massa” e da livre concor. Tencia, isto é, a possibilidade de empregar quantos oper ios necessitar, sem restrices, Que viria a acontecer se, nestas condigées € a despei- to.de tudo, obstinadamente implantassem hoje a Constitui- 0 gremial? Aconteceria que os senhores industriais, os grandes industrials de tecidos, os fabricantes de sedas etc. fechariamn &s suas fabricas, despedindo os seus operarios; e até as com. anhias de estradas de ferro seriam obrigadas a agir da mesma forma. O comércio e a industria ficariam Paralisados, grande numero de pequenos industriais seriam obrigados a fechar suas oficinas e esta multidao de homens sem trabalho sairia & Praga publica pedindo, exigindo pao e trabalho. Atris dela, a grande burguesia, animando-a com a sua influéncia € seu Prestigio, sustentando-a com o seu dinheiro, viria fatalmente 2 Lote, na cual o triunfo nao seria certamente das armas Demonstra-se, assim, que os grandes industriais, enfim, Sac todos, temibém, um fragmento da Constituicdo. A Bssbncia da Constiturgso Os Banqueiros Imaginemos, por um momento, que 0 governo preten- desse implantar uma dessas medidas excepcionais, aterta mente lesivas aos interesses dos grandes banquelrs cue lo, que o Bal verno entendesse, por exemplo, ) ° tao fo! criado para’ funcao que hoje cumpre: baratear mais ainda o crédito aos grandes banqueiros «30s capita ‘Ao natural, todo o cr as que possuem, por razao natural, 0 cinco do pais. Mas suponhamos que os grandes par: ueiros passer a intermediar numerario daquele ext abele ari ar acessivel 0 crédit ‘imento bancario para torn. a humilde e aclasse média, Suporhamos isto e, também gue 20 Banco da Nagao pretendessem dar a organizac: cuada para obter esse resultado. feria isto prevalecer? Nie vou dicr que isto desencadeasse uma revolt, mas 0 governo nao poderia impor presentemente um: medida semethante. }emonstrarei por qué. be vez em quando, 0 governo sente apertos financeiros devido & necessidade de investi grandes quantios de ce a de tirar do povo por nheiro que no tem coragem a novos impostos ou eumento dos extstentes. Nesses aes dinheiro do futuro, ou, fica 0 recurso de absorver e He ue réstimos, entregando, & a mesma coisa, contrair emp troca do dinheiro que recebe adiantadamente, papel da divida publica. is ‘OS. Para isto necessita dos banqueiros. ; E certo que, mats dia menos dia, a maior parte daque: les titulos da divida volta as maos ce orice ‘Tempo i is isto requ 7 lenos capitalistas do pais; mas Tezes muito tempo, e 0 governo necessita do dinheio logo 0 ae Ferdinand tassalte e de uma vez, ou em prazos breves. Para conseguir o dinheiro, serve-se dos particulares, isto 6, de intermedid- rios que (he adiantem as quantias de que precisa, correndo depois por sua conta a colocacao, pouco a pouco, do papel da divida, locupletando-se também com a alta da cotacéo que a esses titulos da a bolsa artificialmente. Esses inter- Mediarios s8o os grandes banqueiros e, por esse motivo, a nenhum governo convém, hoje em dia, indispor-se com os mesmos. Vemos, mais uma vez, que também os grandes ban- queiros, sejam eles quem forem, a bolsa, inclusive, si0 também partes da Constituicao. __Suponhamos que o governo intentasse promulgar uma lei penal semelhante a que prevaleceu durante algum tempo na China, punindo na pessoa dos pais os roubos cometidos pelos filhos. Essa lei nao poderia viger, pois contra ela se levantaria 0 protesto, com toda a energia possivel, da cultura coletiva e da consciéncia social do pais. Todos os funcionarios, burocratas e conselheiros do Estado ergueriam as maos para o céu e até os sisudos senadores teriam que discordar de tamanho absurdo. E Que, dentro de certos limites, também a consciéncia co- letiva e a cultura geral da na¢&o sao particulas, e n3o Pequenas, da Constituicao. A Pequena Burguesia e a Classe Operaria imaginemos agora que o governo, querendo proteger e satisfa ‘gios da nobreza, dos banqueiros, dos dustriats e dos grandes capitalistas, tentasse pri- S viberdades poiiticas a pequena burguesia e a classe operaria. Poderia fazé-lo? 4 Esséncia da Constiuigée Infelizmente, sim; poderia, mesmo que fosse transito- riamente. Os fatos nos demonstram que poderia. ‘Mas, e se o governo pretendesse tirar 4 pequena bur- : ‘ado nao somente as suas liberdades polf- liberdade pessoal, isto é, pretendesse transformar o trabalhador em escravo ou servo, retornando a situago em que se viveu durante 0s tempos da Idade dia? Subsistiria essa pretensao? Meee. embore estivessem aliados 0 rei a nobreza € toda a grande burguesia. Seria tempo perdido. 0 povo protestaria, gritando: Antes morrer do que ser- mos escravos! A multidao sairia & rua sem necessidade de que os seus patrées fechassem as fébricas; a pequena bur- guesia juntar-se-ia sotidariamente com 0 povo e a resistén- cia desse bloco seria invencivel, pois, nos casos extremos e desesperados, também o povo, nds todos, somos uma parte jintegrante da Constituicao. guesia e ao operari ticas, mas a sua Os Fatores Reais do Poder e as Instituicées Juridicas — AFotha de Papel Esta é, em sintese, em esséncia, a Constituicao de um ‘pais:_a soma dos fatores reais do poder que regem uma nagéo. ) ‘ ‘Mas que relacdo existe com 0 que vulgarmente chama- mos Constituigao? Com a Constituic&o juridica? Nao é difi- cil compreender a relaco que ambos os conceitos guardam entre si. Juntam- .s fatores reais do poder, os escre- vemos em uma folha de papel é eles adquirem expresso escrita. A partir desse momento, incorporados a um papel, ‘sao simples fotores reais do poder, mas sim verdadei- nao sao (1a iT Nan ined de Ferdinand lassalle To direito — instituicées juridicas. Quem atentar contra eles atenta contra a lei e por conseguinte é punido. Ninguém desconhece o processo que se segue para transformar esses escritos em fatores reais do poder, trans- formando-os dessa maneira em fatores juridicos. Esta claro que nao aparece neles a declaracio de Que 0s senhores capitalistas, o industrial, a nobreza eo Povo sao um fragmento da Constituicdo, ou de que o banqueiro X @ outro pedago da mesma. Nao, isto se define de outra maneira, mais limpa, mais diplomatica 0 Sistema Eleitoral das Trés Classes Por exemplo, se 0 que se quer dizer é que determi- nados industriais e grandes capitalistas terao tais e quais Prerrogativas no governo e que 0 povo — operdrios, agri- Cultores e pequenos-burgueses — também tém certos direitos, nao se far constar com essa clareza e sim de modo diferente. O que se fara sera simplesmente decre tar uma lei, como a célebre lei eleitoral das "trés clas- ses” que vigorou na Prissia desde 0 ano de 1849," que dividia a nacdo em trés grupos eleitorais, de acordo com 0s impostos por eles pagos e que, naturalmente, estariam de acordo também com as posses de cada eleitor. Segundo a estatistica oficial organizada naquele ano (1849 pelo governo, existiam na Prussia 3.255.703 eleito- 85, que ficavam assim divididos: Vigorou até a Revolusggo de 1918 A Esstncia da Constituigao Primeiro grupo .....- 153.808 Segundo grupo... + eee e eee + + 409,945 + .2.691.950 Terceiro grupo... +++ Por esta estatistica eleitoral, vemos que na Prissia existiam 153.808 pessoas riquissimas que possulam tanto poder politico como os 2.691.950 cidaddos modestos, ope- rarios e camponeses juntos, e que esses 153.808 individuos de maximos cabedais, somados aos 409.945 eleitores de posses médias que integravam a segunda classe, possuiam tanto poder politico como o resto da nagao. Ainda mais: os 153.808 grandes capitalistas e somente a metade dos 409.945 membros do segundo grupo dispunham de maior forca politica que a metade restante da segunda categoria somada aos 2.691.950 eleitores desprovidos de riqueza. Verifica-se que por esse meio cémodo se chega exata- mente ao mesmo resultado como se na Constitui tasse: 0 opulento tera o mesmo poder politico que 17 cida- 80s comuns, ou melhor, nos destinos politicos do pais, o capitalista tera uma influéncia 17 vezes maior que um sim- ples cidadao sem recursos. Antes da promulgacao da lei eleitoral das trés classes, vigia legalmente, até 1848, 0 sufrdgio universal, que garantia a todo cidadao, fosse rico ou pobre, 0 mesmo direito politico, as mesmas atribuigées para intervir na administragao do Estado. Esta assim demonstrada a afirma- tiva que fiz anteriormente de que era bastante facil, legal- mente, usurpar aos trabalhadores e & pequena burguesia as, suas liberdades politicas, sem entretanto despoja-los de modo imediato e radical dos bens pessoais constituidos pelo direito a integridade fisica e a propriedade. Os gover- nantes nao tiveram muito trabalho para privar 0 povo dos if" Ferdinand iassalle direitos eleitorais e, até agora, nao sei se foi feita qualquer campanha de protesto para recuperar esses direitos. 0 Senado ___ Se na Constituig80 0 governo quer que fique estabele- cido que alguns grandes proprietarios da aristecracia rec- am em suas maos tanto poder como os ricos, a gente aco- modada e os deserdados da fortuna (isto é, como os eleito- res das trés classes reunidas, como o resto da nacéo), 0 legistador cuidara também de fazé-lo, mas de maneira que nao 0 diga tao as claras, t8o grosseiramente, bastando para isso dizer na Constituigao: os representantes da grande pro- priedade sobre 0 solo, que o forem por tradicéo, e mais alguns autros elementos secundarios, formarso uma c&mara senhorial, em senado, com atribui¢ées de aprovar ou nao os seers ites pela camara dos deputados eleitos pela see ‘sale ee fete valor legal se os mesmos forem rejei- Isto equivale a pér nas maos de um grupo de velhos Proprietarios uma prerrogativa politica formidavel, que thes permitira contrabalangar a vontade nacional "ede todas as classes 6 que a compdem, por mi: Gnii seja essa vontade. " ans unanime ave O Rei e 0 Exército E se, continuando por esse caminho, aspiramos a que 9 "1 por s' so possua tanto poder politico, ©, mais ainda, as tré: de eleitores reunidas, inclusive a nobre- 2a, no sera necessario mais de que reci um artigo que 20 A Esséncia dla Constituigsor reze assim: O rei nomeara todos os cargos do exército e da marinha;? acrescentando mais um artigo: Ao exército e a marinha nao sera exigido o juramento de guardar a Constituicdo.? E, se isto parecer ainda pouco, acrescentar- se-4 a teoria, que nao deixa de ter seu fundo de verdade, que o rei ocupa frente ao exército uma posicao muito dife- rente daquela que the corresponde comparativan-ente com ‘a8 outras instituicdes do Estado. Dir-se-ia que o rei, como comandante das forcas militares do pais, nao é somente rei, & qualquer coisa mais, algo especial, misterioso e des- conhecido, para cuja denominagdo inventaram a expresséo chefe supremo das forcas de mar e terra. Por isto, nem a camara dos deputados nem mesmo a nacao tém que preo- cupar-se com 0 exército, nem intervir nos seus assuntos € organizaco, limitando-se somente a votar as quantias necessarias para que a instituicao subsista. E nao pode negar-se que esta teoria tem seu apoio no artigo 108 da Constituicdo prussiana. Se esta dispde que 0 exército nao necessita prestar juramento de acatar a Constituicdo, como ¢ 0 dever de todos 0s cidadaos da nacéo e do proprio rei, isto equivale, em principio, a reconhecer que o exército fica @ margem da Constituicdo e fora da sua jurisdicéo, que nada tem a ver com ela, que somente pre- ‘cisa prestar contas do que faz 6 pessoa do rei, sem manter relagdes com o resto do pais ‘Conseguido isto, reconhecida ao rei a atribuico de preencher todos 0s postos vagos do exército e colocado este sob a sujeicao pessoal do rei, este consegue por si reu- rir um poder muito superior 20 que goza a nacao inteira, 2 Artigo 47 da Constituigéo Prussiana de 1848, 3 Artign 108 da mesma Constituicao. Ferdiland Lassalle supremacia esta que ficaria diminuida embara o poder efe- tivo da nacao fosse dez, vinte ou cingiienta vezes maior do que 0 do exército. A razio aparente deste contra-senso € simples, © Poder Organizado e 0 Poder Inorganico © instrumento do poder politico do rei, 0 exército, estd organizado, pode reunir-se a qualquer hora do dia ou da noite, funciona com uma disciplina Unica e pode ser uti- lizado a qualquer momento que dele se necessite. Entretanto, o poder que se apdia na nacdo, meus senhores, embora seja, como de fato o é, infinitamente maior, no esta organizado. A vontade do povo e sobretudo seu grau de acometimento, néo é sempre facil de pulsar, mesmo por aqueles que dele fazem parte. Perante a iminén- cia do inicio de uma aco, nenhum deles é capaz de contar a soma dos que iréo tentar defendé-la. Ademais, a nacéo carece desses instrumentos do poder organizado, desses fundamentos téo importantes de uma Constituicao como acima demonstramos, isto é, dos canhées. E verdade que os canhées adquirem-se com o dinheiro fornecido pelo povo; certo também que se constroem e se aperfeigoam gracas 3s ciéncias que se desenvolvem no sefo da sociedade civil: & fisica, a técnica etc. Somente o fato de sua existéncia demonstra como é grande o poder da sociedade civil, até onde chegaram os progressos das ciéncias, das artes técni- cas, dos métodos de fabricaco e do trabalho humano. Mas ie vos non vabis!/Tu, povo, mas nao para til Como os canhdes s80 9 noder organizado e somente para @lé, a nacao sabe que essas maquinas de destruicao e de 2 A Esséncia da Constituigao morte, testemunhas latentes de tose 0 seu poder, a metra- a ivelmente se se revoltar. . eee eeinades expicam por que uma force organtzada pode sustentar-se anos a fio, sufocando o poder, mule mes forte, porem desorganizado, do pais. Mas 2 POE dia, cansada de ver os assuntos nacionais tao mal ac me trados e pior regidos e que tudo é feito contra sua vont 3 e © 0s interesses gerais da nacao, pode se levantar contra ¢ poder organizado, opondo-Ihe sua formidavel supremacia, anizada. ernie demonstrado a rlacko que guardam entre si. as duas constituicdes de um pais: essa constituicdo real e. efe- tiva, integralizada pelos fatores reais de poder que regen asociedade, e essa outra constitui¢do escrita, a qual, bare distingui-la da primeira, vamos denominar folha de papel. + Alusdo & célebre frase de Frederico Guilherme IV, que disse: iss ches, ate im did gue nem no presente nem para o futuro permite! que entre Zeus do céu'e © meu pals se interponha uma folha de pap eserita come se fosse uma segunde Providéncia. Capitulo I Sobre a Historia Constitucionalista A Constituicao Real e Efetiva Uma Constituigao real ¢ efetiva a possuiram ea pos: 7 suirdo sempre todos os paises, pois é um erro julgarmos que -.j a Constitui¢éo € uma prerrogativa dos tempos modernos. Nao 6 certo isso. Da mesma forma e pela mesma lei da necessidade de que todo corpo tenha uma constituicao propria, boa ou ma, estruturada de uma ou de outra forma, todo pais tem, necessariamente, uma Constituicao real e efetiva, pois nao & possivel imaginar uma nacao_onde nao existam os fatores reais do poder, quaisquer que eles sejam. Muito tempo antes de irromper a grande Revolucao Francesa, sob a monarquia legitima e absoluta de Luis XVI, quando o poder imperante aboltu na Franca, por Decreto de 3 de fevereiro de 1776, as prestacdes pessoais pera a cons- truco de vias publicas, onde os agricultores eram obriga- dos a trabalhar gratuitamente na abertura e construcéo de rodovias e caminhos, determinando a criacao, para atender as despesas de construcao, de um imposto pago inclusive pela nobreza, o Parlamento francés protestou, apondo-se a essa medida: ConA duce E Bn, Al Ferdinand Lassalle Le peuple de France est taillable et corvéable a volon- £8, c'est une partie de la constitution que le roi ne peut changer. Vejam como, mesmo naquele tempo, ja falavam de uma Constituigao e the reconheciam tal virtude, que nem o préprio rei podia mexer nela; tal como agora. Aquilo que a nobreza francesa chamava de constituicio, ou seja, a norma pela qual 0 povo — os deserdados da fortuna — era obrigado a suportar 0 peso de todos os impostos e presta- des que the quisessem impor, nao estava, é certo, escrito em nenhum papel ou documento especial. Em nenhum documento constavam os direitos do povo e os do governo; era pois a expresso simples e clara dos fatores reais do poder que vigoravam na Franca medieval. £ que, na Idade Média, 0 povo era realmente tao impotente que podiam impor-the os maiores sacrificios e tributos vontade do legislador. A realidade era esta: 0 povo estava sempre por baixo e devia continuar assim. Estas tradigdes de fato assentavam-se nos chamados precedentes, que ainda hoje, na Inglaterra, acompanhando ‘0 exemplo universal da Idade Média, tém uma importancia formidavel nas chamadas questées constitucionais. Nesta pratica efetiva e tradicional de cargas e impostos, invoca- va-se freqlientemente, como nao podia deixar de ser, 0 fato de que 0 povo, desde tempos remotes, estava sujeito @ essas cargas e, sobre esse precedente, continuava a norma de que assim podia continuar ininterruptamente 4, 0s deserdados - pode estar sujel- 3 © prestagies sem limite, e é esta uma parte da Constituigao que nem rei pode modificar. Ferdifend Lassalle ‘A proclamacéo desta norma constituia a base do Direito Constitucional. As vezes dava-se expressao especial sobre um pergami- nho, uma dessas manifestacdes que tinha sua raiz nas rea- lidades do poder. E assim surgiram os foros, as liberdades, 05 direitos especiais, os privilégios, os estatutos e as cartas outorgadas de uma casta, de um grémio, de uma vila etc. Todos esses fatos e precedentes, todos esses principios de direito pubblico, esses pergaminhos, esses foros, estatu- tos e privilégios reunidos formavam a Constituicao do pais, sem que todos eles, por sua vez, fizessem outra coisa que nao exprimir, de modo simples e sincero, os fatores reais do poder que regiam o pais. Assimn,.pois, todos os paises possuem ou possuiram sem- pre e em_tod momeni Constituigéo real e verdadeira. A diferenca, nos tempos modernos — e isto ndo deve ficar esquecido, pois tem mu’ tissima import&ncia —, no sao as constituides reais e efe- tivas, mas sim as constituicées escritas nas folhas de paper De fato, na maioria dos Estados modernos, vernos apa- recer, num determinado momento da sua histéria, uma Constituicao escrita, cuja misao é a de estabelecer docu- mentalmente, numa folha de papel, todas as instituicdes e principios do governo vigente -—> Qual é 0 ponto de partida desta aspiragao propria dos tempos modernos? Também isto é uma questo importantissima e no ha outro remédio sendo estuda-\a para sabermos a atitude que devemos adotar perante a obra constitucional, o jufzo que devemos formar a respeito das constituigdes que regem atualmente e a conduta que devemos seguir perante as mesmas, para chegarmos finalmente ao seu conhecimento © a possuir uma arte e uma sabedoria constitucionais. Ferdinand Lasalle Repito, novamente: De onde provém essa aspiracao, propria dos tempos modernos, de possuir uma constituicéo escrita? Vejamos. Somente pode ter origem, evidentemente, no fato de que nos elementos reais do poder imperantes dentro do pais se tenha operado uma transformacdo. Se nao se tives sem operado transformacdes nesse conjunto de fatores da sociedade em questo, se esses fatores do poder contiruas: sem sendo os mesmos, nao teria cabimento que essa mesma sociedade desejasse uma Constituicéo para si. Acolheria trangiiilamente a antiga, ou, quando muito, jun- taria 0s elementos dispersos num Unico documento, numa Gnica Carta Constitucional. ‘Mas perguntaro: como podem se dar essas transforma: ‘ges que afetam os fatores reais do poder de uma sociedade? Constituicio Feudal Em resposta ao item anterior, ilustremos, por exemplo, com um Estado pouco povoado da Idade Média, como acon- tecia naquele tempo, sob 0 dominio governamental de um principe © com uma nobreza que acambarcou a maior paite da propriedade territorial. Como a populacdo é escassa, somente uma parte muito pequena da mesma pode dedicar as suas atividades a indistria e ao comércio; a imensa maioria dos habitantes néo tem outro recurso a nao ser cul- tivar 2 terra para obter da agricultura os produtos necessa pare viver. N&o devemos esquecer que a maior parte 05 0 dominio da aristocracia e que por este vam encontram emprego nesses ser: Vigos: urs udatarios, outros como servos, outros, enfim, como colonos do senhor feudal; mas em todos esses A Esséncia da Constituigdo feudatarios, verdadeiros vassalos, hd, um ponto de coinci- déncia: sao todos eles submetidos ao poder da nobreza que os obriga a formar suas hostes e a tomar as armas para fazerem a guerra aos seus vizinhos, para resolver seus liti- gios ou suas ambicdes. Ademais, com as sobras dos produ- tos agricolas que tira de suas terras, 0 senhor aumenta as suas hostes, contratando e trazendo para seus castelos che- fes de armas e soldados, escudeiros e criados. Por sua vez, o principe ndo possui para afrontar esse poder da nobreza outra forca efetiva, no fundo, sendo 2 propria forca dos que compdem a nobreza, que obedecem @ atendem suas ordens guerreiras, pois a ajuda que the podem prestar as vilas, pouco povoadas e pouco numero sas, ¢ insignificante. Qual seria, pois, a Constituicao de um Estado desses? Nao é dificil responder, pois a resposta provém neces- sariamente desse numero de fatores reais do poder que acabamos de examinar. ‘A Constituicéo desse pais ndo pode ser outra coisa que uma Constituicéo feudal, na qual a nobreza ccupa um lugar de destaque. 0 principe nao poderé criar sem seu consen- timento novos impostos e somente ocupara entre eles a posi¢ao de primus inter pares, isto é, 0 primeira posto entre seus iguais hierarquicos. Esta era, meus senhores, a Constituicdo prussiana e a da maior parte dos Estados na Idade Média Absolutismo Continuando, vamos supor 0 seguinte: a populagéo cresce e multiplica-se constantemente, a industria e o comércio progridem e seu progresso facilita os recursos ane ND Ferdinand Lassatie necessarios para fomentar novas mudangas, transfor- mando as vilas em cidades. Nasce, ao mesmo tempo, a Pequena burguesia e os grémios das cidades comecam a desenvolver-se também, circulando o dinheiro e for- mando os capitais e a riqueza particular, Que resultaria disso? Que estas mudancas da populacdo urbana que nao depende da nobreza, que contrariamente tem interesses Opostos a esta, contribuird, no comeco, para beneficiar 0 Principe, reforcando as hostes armadas que 0 acompanham © aumentando os seus recursos obtidos com os subsidics dos burgueses e dos grémios. Mas as continuas lutas entre os nobres acarreta aos seus interesses grandes prejuizos. Eles Passam a almejar, em beneficio de seu comércio € de suas incipientes indistrias, a ordem e a trangililidade publica e, a0 mesmo tempo, a organizacdo de uma justica correta den. tro do pafs, auxiliando o principe, para consegui-lo, com homens @ com dinheiro. Por esses meios podera o principe dispor de bons soldados e de um exército muito mais eficien- te para opor aos nobres. Nesse pé, em seu interesse, o prin- Cipe ira diminuindo as prerrogativas e poderes da nobreza: assaltara © arrasara os castelos dos nobres que resistam a obedecé-lo ou que violem as leis do pais, e quando, final- mente, com 0 tempo, a industria tiver desenvolvido bastan- te a riqueza pecuniaria © a populacio tiver crescido de forma que permita 20 principe possuir um exército perma: nente, este principe enviara seus batalhées contra a nobre- 2a, como fez Frederico Guilherme |, em 1740, sob o lema: je etabilirai 1a souveraineté comme un rocher de broncel.® Ele rmarei a soverenia como um racnedo de bronze, A Esséncia da Constituigaio obrigara a nobreza ao pagamento de impostos e acabara com a sua prerrogativa de receber qualquer tributo. ; Patenteia-se, mais uma vez, que, com a transformacao dos fatores reais do poder, transforma-se também a consti- twicdo vigente no pais: sobre os escombros da sociedade feudal, surge a monarquia absoluta. - Mas 0 principe nao acredita na necessidade de se pér Por escrito a nova Constituicao; a monarquia é uma institui- 40 demasiado pratica para proceder assim. O principe tem em suas mos o instrumento real e efetivo do poder, tem o exército permanente, que forma a Constituicio efetiva desta sociedade, ¢ ele e os que o rodeiam dao expresso a essa idéia, dando ao pais a denominacao "estado militar”. Anobreza que reconhece que nao mais pode competir com 0 principe renuncia a possuir um exércivo para defen: dé-la. Esquece rapidamente seus antagonismos com o prin- cipe, abandona seus castelos para concentrar-se na resi- déncia real, recebendo em troca disso uma pensao e con- tribui, com sua presenca, para prestigiar a monarquia. A Revolucao Burguesa No contexto que mostramos, a industria e 0 comercio desenvolvem-se progressivamente e, ao mesmo tempo, acompanhando esse surto de prosperidade, cresce a popu- lagdo e melhora o género de vida da mesma. Ha de parecer que esse progresso seja proveitoso ao principe porque cresce também seu exército e o seu poder; mas 0 desenvolvimento da sociedade burguesa chega a alcangar propor¢des imensas, téo gigantescas, que o prin: cipe nao pode, nem auxiliado pelos seus exércitos, acom- 24% Ferdinand tassalle Panhar na mesma proporgéo 0 aumento formidavel do poder da burguesia.? © exército no consegue acompanhar o surto maravi- thoso da populacdo civil. Ao desenvolver-se em proporcées tao extraordinarias, a burguesia comeca a compreender que também é uma poténcia politica independente. Parale- lamente, com este incremento da populacdo, aumenta € divide-se a riqueza social em proporgées incalculaveis, pro- gredindo, ao mesmo tempo, vertiginosamente, as indis- trias, as ciéncias, a cultura geral e a consciéncia coletiva; outro dos fragmentos da Constituicao. Entdo a populacao burguesa grita: Nao posso continuar a ser uma massa submetida e governada sem contarem com a minha vontade; quero governar também e que o principe reine limitando-se a seguir a minha vontade e regendo meus assuntos e interesses. E este protesto da burguesia ficou gravado no relevan- te fato histérico da Prissia, no dia 18 de marco de 1848. E agora fica demonstrado que o exemplo do incéndio foi hipotético, é verdade. Os fatos anteriormente expostos, todavia, fizeram 0 mesmo que se um incéndio ou um fura~ co tivessem varrido a velha legislacao nacional m 1657, @ cicade de Berlim tinha uma populacSo de 20.000 habi- ites € 0 exércite prussiano era de 30.000 homens; em 1819, 2 populace cra de 192.646 habitantes e © exército de Prussia con- homens; mas, em 1846, com uma populagc Beriim Je mais d¢ 389.000 pessoas, 0 exército era quese o Mesmo, isto 6, de 138.810 homens contre es 137.639 em 1819! Capitulo Ill Sobre a Constitui¢ao Escrita ea Constituicao Real AArte e a Sabedoria Constitucionais Quando num pais irrompe e triunfa a revolucéo, o direi- to privado continua valendo, mas as leis do direito publico desmoronam e se torna preciso fazer outras novas. ‘A Revolucdo de 1848 demonstrou a necessidade de se criar uma nova constitui¢do escrita e o proprio rei se encar- regou de convocar em Berlim a Assembléia Nacional para estudar as bases de uma nova Constituicao. Quando podemos dizer que uma constituigdo escrita é boa e duradoura? "A resposta é clara e parte logicamente de quanto temos exposto: Quando essa constitui¢do escrita corres- ponder ¢ constituicdo real e tiver suas raizes nos fatores do poder que regem o pais. Onde a constituicao escrita nao corresponder a real, irrompe inevitavelmente um conflito que é impossivel evitar e no qual, mais dia menos dia, a constituicao escrita, a folha de papel, sucumbira necessariamente, perante a constituicéo real, a das verdadeiras forcas vitais do pais. Ferdinand Lassalle 0 Poder da Nagao é Invencivel Em 1848, ficou demonstrado que o poder da nagao € muito superior ao do exército e, por isso, depois de uma cruenta e longa luta, as tropas foram abrigadas a ceder. ‘Mas nao devemos esquecer que entre o poder da nacdo € 0 poder do exército existe uma diferenca muito grande e Por isso se explica que o poder do exército, embora em rea. lidade inferior ao da nacéo, com o tempo seja mais eficaz que © poder do pais, embora maior. E que 0 poder desta é um poder desorganizado e 0 daquele € uma forca organizada e disciplinada que se encontra a todo momento em condicées de enfrentar qualquer ataque, vencendo sempre, a nao ser nos casos isolados em que o sentimento nacional se aglutina e, num esfor¢o supremo, vence 0 poder organizado do exército. ‘Mas isso somente acontece em momentos histéricos de grande emocao. Para evitar isso, depois da vitéria de 1848, para que nao fosse estéril o esforco da nacao, teria sido necessario que, aproveitando aquele triunfo, tivessem transformado o exér. Cito tdo radicalmente, que nao voltasse a ser o instrumento de forca a servico do rei contra a nacao. Nao se fez. ‘Mas isto se explica porque geralmente os reis tem ao seu servico melhores servidores do que 0 povo. Os daque le 8&0 prdticos e os do povo quase sempre so retdricos: ‘eles possum o instinto de agir ne momento oportu- cursos nas horas em que os outros dao eS sejam postos na rua con- tra 0 povo A Esséncia dla Constituigzo Conseqiiéncias Para chegarmos ao verdadeiro conceito do que é uma Constituigio, temos agido com grande cautela, lentamen- te. E possivel que alguns dos meus ouvintes, muito impa- cientes, tenham achado 0 caminho um pouco longo para chegar ao fim almejado. De posse desse resultado, as coisas desenvolveram-se depressa e, como agora ja podemos encarar o problema com mais clareza, poderemos estudar diversos fatos que tém a sua origem nos diferentes pontos de vista que temos estudado. Primeira conseqiéncia Tivemos ocasiio de ver que ndo foram adotadas as medidas que se impunham para substituir os fatores reais do poder dentro do pais para transformar o exército, de um exército do rei, num instrumento da nagao. Certo que foi feita uma proposta encaminhada para consegui-lo, que representava 0 primeiro passo para esse fim e que era a sugestio apresentada por Stein, na qual constavam medidas que teriam obrigado todos os oficiais reaciondrios a resignar seus postos, solicitando sua aposen tadoria. Aprovada essa proposta pela Assembléia Nacional de Berlim, toda a burguesia e a maior parte da populacéo pro- testaram gritando: 4 Assembléia Nacional deve preocupar- se da nova Constituicao e no perder seu tempo atacando © governo e provocando interpelacdes sobre assuntos que competem ao Poder Executivol Ocupai-vos do Constituigao e somente da Constituicao — gritavam todos. 32 ® Ferdinnd Lassalle ‘Como podem ver os meus ouvintes, aquela burguesia e a metade da populagao do pais nao tinham a mais remota idéia do que real e efetivamente era uma Constituicao. Para eles, fazer uma constituigao escrita era o de menos; no havia pressa. Uma constituicao escrita pode ser feita, num caso de urgéncia, em vinte e quatro horas; mas, fazen- do-a desta maneira, nada se consegue, se for prematura. Afastar os fatores reais e efetivos do poder dentro do pais, intrometer-se no Poder Executivo, imiscuir-se nele tanto e de tal forma, socava-lo e transformé-lo de tal ma- neira que ficasse impossibilitado de aparecer como sobera- no perante a Nacao. E isto o que quiseram evitar, era 0 que importava e urgia, a fim de que mais tarde a constituicao escrita nao fosse nada mais do que um pedaco de papel. E como nao se fez ao seu devido tempo, a Assembléia Nacional foi impossivel organizar tranquilamente a sua constituicao por escrito; vendo entao, embora tarde, que 0 Poder Executivo, ao qual tanto respeitara, em vez de pagar com a mesma moeda, deu-the um empurrao, valendo-se daquelas mesmas forcas que, com delicadeza, a Assembléia conservara Segunda conseqléncia Suponhamos que a Assembléia Nacional nao tivesse sido dissolvida, e que esta tivesse chegado ao seu fim sem isto €, conseguir 0 estudo e a votacao de 0 para o pais. isto tivesse acontecido, que modificagées teria haviao a inarcha das coisas? 36 A Esstocia da Constituigdo Possivelmente nenhuma; mais categérico: absoluta- mente nada, e a prova esta nos fatos. E certo que a ‘Assembléia Nacional foi dissolvida, mas o préprio rei, reco- thendo 2 papelada péstuma da Assembléia Nacional, pro: clamou, em 5 de dezembro de 1848, uma Constituicao que na maior parte de seus pontos correspondia exatamente aquela Constituicao que da propria Assembléia Constituinte podiamos esperar. Esta Constituicao foi o proprio rei quem a proclamou; nac foi obrigado a aceitd-la; nao lhe foi impcsta; decretou a ele voluntariamente, do seu monumento de vencedor. A primeira vista, parece que esta Constitui¢ao, por ter nascido assim, teria de ser mais viavel e vigorosa. ‘Nas, infelizmente, nao foi assim, Podem os meus ouvintes plantar no seu quintal uma macieira e segurar no seu tronco um papel que diga: "Esta arvore @ uma figueira.” Bastard esse papel para transfor mar em figueira 0 que é macieira? Nao, naturalmente. E embora conseguissem que seus criados, vizinhos e conheci dos, por uma razéo de solidariedade, confirmassem a ins crigao existente na arvore de que o pé plantado era uma figueira, a planta continuaria sendo o que realmente era e, quando desse frutos, destruiriam estes a fabula, produzin- do macas e nao figos. Igual acontece com as constituicées. De nada servird o que se escrever numa folha de papel, se nao se justifica pelos fatos reais e efetivos do poder. ‘Com aquela folha de papel datada de 5 de dezembro de 1848, © rei, espontaneamente, concordava com uma. porcao de concessdes, mas todas elas iam de encontro a constitui- 30 real; isto é, contra os fatores reais do poder que o rei Continuava a dispor, integralmente, em suas maos. E aconteceu 0 que forsosamente devia acontecer. 4° Ferdinand Lassalle _, Com a mesma imperiosa necessidade que regula as leis fisicas da gravidade, a constituicéo real abriu caminho, Passo a passo, até impor-se a constitui¢ao escrita. Assim, embora aprovada pela assembléia encarregada de revé-la, a Constituigdo de 5 de dezembro de 1848 foi modificada pelo rei, sem que ninguém o impedisse, com a Célebre Lei Eleitoral de 1849, que estabeleceu os trés gru- Pos de eleitores, jé expostos anteriormente. A Camara criada a raiz dessa lei eleitoral foi o instru- mento por meio do qual podiam ser feitas na Constituicao as reformas mais urgentes, a fim de que o rei pudesse jura- la em 1850 e, uma vez feito o juramento, continuar a deturpé-ta, a transforma-la sem pudor, Desde essa data, nao passou um Unico ano sem que a mesma fosse modificada, Nao existe bandeira, por muito velha e venerdvel que SeJ@, por centenas de batalhas que tenha assistido, que Possa apresentar tantos buracos e frangalhos como a famo- 8a carta constitucional prussiana, Terceira conseqiiéncia Quando, € 0s meus ouvintes sabem que um partido Politico tem por lema o grito angustioso "de cerrar fileiras ©m torno da Constituicao!”, e o que devemos pensar? Fazendo essa pergunta, nao faco um apelo aos vossos desejos, n&o me dirijo a vossa vontade. Pergunto, simples- mente, como a homens conscientes: Que devemos pensar de um fato desses? Estou certo de que, sem serdes profetas, respondereis Prontamente: essa Constituicdo esta nas tltimas; podemos considera-la morta, sem existéncia; mais uns anos e tera deixado de existir A Esstneia da Constitwigao Os motivos so muito simples. Quando uma constituigéo escrita responde aos fatores reais do poder que regem um pais, nao podemos ouvir esse grito de angistia, Ninguém seria capaz de fazé-lo, nin- guém poderia se aproximar da Constituicao sem respeita la; com uma Constituicéo destas ninguém brinca se nao quer passar mal. Onde a Constituicdo reflete os fatores reais e efetivos do poder, nao pode existir um partido politico que tenha por lema o respeito a Constituigao, porque ela j4 é respei- tada, é invulneravel. Mau sinal quando esse grito repercu- te no pais, pois isto demonstra que na constitui¢ao escrita ha qualquer coisa que no reflete a constituicao real, os fatores reais do poder. E se isto acontecer, se esse divércio existir, a constitui- 40 escrita esta liquidada: nao existe Deus nem forca capaz de salva-la. Essa Constituicdo poderd ser reformada radicalmente, virando-a da direita para a esquerda, porém, mantida inte- gralmente, nunca Somente o fato de existir 0 grito de alarme que incite a conserva-la é uma prova evidente da sua caducidade para aqueles que saibam ver com clareza. Poderao encaminha la para a direita, se 0 governo julgar necessaria essa trans- formacao para opé-la A constituicao escrita, adaptando-a aos fatores reais do poder, isto é, ao poder organizado da sociedade. Outras vezes, é 0 poder inorgénico desta que se levanta para demonstrar que ¢ superior ao poder organiza- do. Neste caso, a Constituigao se transforma, virando para a esquerda, como anteriormente o tinha feito para a direita; mas, num como noutro caso, a Constituicdo perece, esta irremediavelmente perdida, no pode salvar-se Feruinand Lassalle Conclusées Praticas a2 5 due me ouvicam no se limitarem a seguir ¢ Meditar culdadosamente sobre as minhas palavras, levends adiante as idéias que as animam, encontrar-se-ao de posse Ge todas as normas da arte e da sabedoria constitucieec, Os problemas constitueionais néo séo problemas ce direito, mas do poder; & verdadeira Constituicéo de um Bais somente tem por base os fatores reais e eletivos sy fader que naquele pais vigerm & as constituicdes ereritee bem existem outros valores, como as organizacées dos fun- Clonarios piblicos etc., que podem ser consideradce tam- bém como forgas organicas do Poder de uma sociedade, Se alguma vez os meus ouvintes ou leitores tiverem Que dar seu voto para oferecer ao pais uma Constituicao, cotaas it0 08, We saberao como devem ser feitas eatey Goisas © que nAo limitardo a sua intervencao redigind> e essinando uma folha de papel, deixando incdtumes as fore $aS reais que mandam no pais 780 esquecam, meus amigos, os governos tém servic Nees, no retér ices, grandes servidares como eu 13.0 Dove

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