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Frantz Faném, Em defesa da revolucao africana LIVRARIA SA DA COSTA EDITORA Augusto $i da Costa, Lda. Rua Garrett, 100-102 1294 Lisboa Codex Titulo original: Pour /a révolution africaine © Francois Maspero, 1969 1.8 edicio portuguesa, 1980 Traducdo de Isabel Pascoal, revista pelo editor Capa de José Candido Todos 0s direitos para a lingua portuguesa teservados pela Si da Costa Editora Inpresso om Portugal 2 Antilhanos e Africanos' ‘Terminava, hé dois anos, uma obra? sobre o ptoblema do homem de cor no mundo branco. Sabia que era absolutamente ssdrio ndo amputar a realidade. De modo nenhum igno- rava que no seio dessa entidade que é o(«povo negro) se inguit movimentos infelizmente bastante inesté- ticos. Quero dizer, por exemplo, que muitas vezes o inimigo do negro niio é 0 branco, mas o seu congénere. Por isso cha- tengio para a possibilidade de um estudo que contri- para a dissolugio dos complexos afectivos susceptiveis de opor Antilhanos e Africanos. nec podiam dis met buisse Antes de entrar no debate, querfamos salientar que esta historia de negro é uma histéria suja, Uma histéria de revol- Uma histéria que nos deixa completamente aceitarmos as premissas dos patifes. E_ quando (© «povo negro» é uma entidade, quero dizer com isso que, excluidas as influéncias culturais, nada mais fica, HA uma diferenga tio grande entre um antilhano ¢ um dakariano como entre um brasileiro ¢ um madrileno. > englobar todos os negros no termo «povo r-lhes toda a possibilidade de expressio indi- © que se procu im é obrigé-los a corresponder videia que ja se faz deles. Que seria 0 «povo branco»? Nio é, pois, evidente que s6 pode haver uma raga branca? Sera pre- Cio que cu explique a diferenga que existe entre nagio, povo, vero estomago, desarmados se digo que a expre O que se procura uta ‘om & arrel ' ‘Texto publicado na revista Hiprit de Fevereiro de 1955. 2 Pew noire ef marques blancs (col, Esprit, éd, du Seuil), 22 BM DEFESA DA REVOLUGAO AFRICANA patria, comunidade? Quando se diz Ee negro», SUpdensg sistematicamente que todos os negros esto de acordg Sobre certas coisas; que existe entre eles um Prinelpio de comunhj, A verdade € que nio existe nada, a priori, que permita Supor a existéncia de um povo negro, Que haja uM POVO afticano, acredito; que haja um povo antilhano, acredito, Mas quando me falam de «este povo negro», esforgo-me por compreender, Entio, infelizmente, compreendo que h4 nisso uma fonte de conflitos. Entio, tento destruir essa fonte3, Ver-me-io utilizar termos como: culpabilidade Metafisica ou loucura de pureza, Pedirei ao leitor que niio se admire: seri exacto na medida em que se compreender que, nio sendo possivel atingir o importante ou, mais precisamente, niio se desejando o importante, é sobre 0 contingente que caimos, E uma das leis da recriminagio ¢ da mé-fé. A urgéncia est4 em se encontrar o importante sob o contingente. De que se trata aqui? Digo que se produziu em quinze anos uma revolugio nas relagdes antilho-africanas, Desejo mos- trar em que consiste este acontecimento, Na Martinica, € raro verificar posigdes raciais tenazes, O problema racial esta recobetto por uma disctiminagio econé. mica e, numa determinada classe social, é sobretudo produtor de anedotas. As relagdes nio se alteram com as acentuagdes epidétmicas. Apesar da maior ou menor carga de melanina, existe um acordo ticito que permite a uns ¢ a outros reconhe- cerem-se como médicos, comerciantes, operdtios. Um negro operario estari do lado do mulato operdrio contra o negro burgués. Temos aqui a prova de que as histérias raciais sio apenas uma superstrutura, um manto, uma surda emanagio ideolégica que se despe de uma realidade economien, Ai, quando uma Pessoa observa que determinado individuo > Digamos que as concessé. tcamente, nio ha povo afri um mundo antithano, judeu; ‘68 que fizemos sio ficticias, Filoséfica € poli- icano, mas um mundo africano, Em contra, mas nio raca judia, Do mesmo modo artida, podemos dizer que existe um povo ANTILUANOS 1) APRICANOS 23 é mesmo muito negro, filo sem desprezo, sem ddio, fh precio estar habituado ao que se chama o erpfrivo Mmartiniquenho para compreender 6 que se passa, Jankeleviteh mostrou que a ironia era uma das formas da boa conscitneia, £ verdade que aironia é, nas Antilhas, um mecanismo de defera contra a neu- rose. Um antilhano, principalmente us intelectual que j4 nto esteja no plano da ironia, descobre a nua negritude, Assim, enquanto na Huropa a ironia proteye da anyiotia exintencial, na Martinica protege da tomada de consciéncia da negritude, A missio consiste em deslocar o problema, em por 0 contin- gente no seu lugar ¢ em deixar ao Martiniquenho a escolba dos valores supremos. Vé-se tudo o que se poderia dizer ne encards- semos esta situagiio a partir das ctapes kierkepaardianay, Vé-se também que um estudo da ironia nas Antilhas 6 capital para a sociologia desta regiiio. A agressividade € al quave sempre recoberta de ironid4, Para facilitar a nossa exposigio, parcce-nos interessante distinguir na histéria antilhana dois perlodos: antes ¢ depois da guerra de 1939-1945. Antes da guerra % Antes de 1939, 0 Antilhano dizia-te feliz5, pelo menos julgava sé-lo. Votava, ia A escola quando podia, acompanhava as procissoes, gostava de rum ¢ dangava a bignine*. Aqueles que tinham © privilégio de ir a Franga falavam de Paris, de Paris, enfim da Franga. I! aqueles que niio tinham o privilégio de conhecer Paris deixavam-se embalar, Havia também os funciondrios que trabalhayam em Africa. Através deles vislumbrava-se um pals de selvagens, de bat- + Por excmplo, ver o Carnaval € a4 cangdes composts nessa ocasilo. * Poderiamos dizer: como a pequena burguesia frances nessa época, ‘mas a nossa perspectiva nilo é esta, O que pretendemos aqui é eatudar a mudanga de atitude do Antilhano perante a negeitude, * Danga popular das Antilhas, (N. do T.) EM DEFESA DA REVOLUCAO AFRICANA, 24 cadigenas, de Joys. E preciso dizer certas s, de indiges 1 ae o problema. O funcionério my, quisermos ee Africa, habitou-nos a clichés: bre tano, FeBFESSIOY mia, fidelidade, respeito pelo branes re senieo, ae i fancionirio antilhano nao fala de on © dear ey e, como 0 funcionitio & aio sé 9 admin. a “is enlénias, mas também ° policia, © funciongrig das Ifindegas, o escrivio, o militar, forma-se a todos os escalieg ‘ha sociedade antilhana, sistematiza-se, endurece-se, UM irredy. tivel sentimento de superioridade sobre ° Africano, Antes da guerra de 1939, havia em todo o antilhano NAO SO a certer de uma superioridade sobre 0 Africano, mas também a cep. teza de uma diferenga fundamental. O Africano era um negro eo Antilhano um Europeu. Estas coisas, toda a gente aparenta no as ignorar, mas de facto nao sio tidas em conta. Antes de 1939, 0 Antilhano voluntariamente alistado no exército colonial, analfabeto ou sabendo ler e escrever, servia numa unidade europeia, enquanto o Africano, & excepgio dos originétios dos cinco territérios, servia numa unidade indé gena. O resultado para que queremos chamar a atengio é que, fosse qual fosse 0 dominio considerado, © Antilhano era superior ao Africano, de uma outra esséncia, assimilado a0 Metropolitano. Mas como no exterior era um pouco afticano, Visto que, por minha fé, era negro, era obrigado — reacgio normal na economia Psicolégica — a fortiticar as suas fron- teiras para se pér ao abrigo de todo o Passo em falso. Digamos auc. no satisfeito com ser superior ao Affi fee 2 aati see cesprezava-o, ¢ se o branco podia pera iio 6 rod, ra des com o indigena, o Antilhano, vee cre brace eal peitm. E que sltava aor ole ‘Os “anos n&o havia necessidade de chamat ordem. Mas que dr. . + do “aiden 24 Se O Antilhano fosse de subito toma Por um africano we aee Digamos também q autenticada pel: oisas se bato: nao ue esta posigio do Antilhano ¢# * Europa. O Antilhano nio era um negeos ANTILHANOS E AFRICANOS 25 um antilhano, isto ¢, um quase-metropolitano. Devido a esta atitude, 0 branco dava razio ao Antilhano no seu desprezo pelo Africano. Em suma, o negro habitava a Africa. Em Franca, antes de 1940, quando se apresentava um antilhano numa sociedade bordelesa ou parisiense actescen- tava sempre: originério da Martinica. Digo Martinica porque | —aperceberam-se disso? —, nunca se saberd por que razio | a Guadalupe era considerada um pafs de selvagens, Ainda | hoje, em 1952, acontece ouvirmos um martiniquenho dizer! que eles (os Guadalupenses) sio mais selvagens do que nds. O Africano, esse, era em Africa o representante real da raga negra. Alias, quando um patrdo exigia um esforgo dema- siado pesado a um martiniquenho, obtinha como resposta: | «Se quer um negro, vd buscd-lo a African, querendo dizer com isto que os escravos € os forgados se recrutavam noutro / lugar. La, no pais dos _negros. : Quanto ao Africano, inferiotizado e desprezado, 4 excep- gio de alguns raros «evoluidos», estagnava no labirinto da sua epiderme. Como se vé, as posigdes eram nitidas: por um lado, o negro, o Africano; por outro, o Europeu e o Antilhano. O Antilhano era um negro, mas o Negro estava em Africa, Em 1939, nenhum Antilhano nas Antilhas se declarava negro, se reclamava negro. Quando o fazia, era sempre nas suas relagdes com um branco. Era o branco, o «mau branco» que o obrigava a reivindicar a sua cor, mais precisamente, a defendé-la. Mas podemos dizer que nas Antilhas, em 1939, no irrompia qualquer reivindicagio espontinea da negritude. E entio que se vao produzir, sucessivamente, trés aconte- cimentos. E, em primeiro lugar, a chegada de (Césaisy? Pela primeira vez, ver-se-4 um ptofessor de liceu, logo, aparentemente um homem digno, dizer simplesmente 4 socie- I dade antilhana «que é belo e bom ser negro». Era, certamente, { um escandalo. Nessa altura, disse-se que ele era um pouco louco e os seus colegas de promogo fizeram grandes diligén- cias para darem pormenores da sua pretensa doenga. RA-3 AME AQ AFRICANA, Com efeito, que pode haver mais Brotesco do homem instrufdo, um diplomado, que nio deixou, bon pereeber um certo mimero de coisas, entre outras Ft uma intelicidade ser nepro», pritando que a sua pele é nt © que © «grande butaco negro» é fonte de verdade> en la mulatos, nen os Negtos compreenderam este delitio, Og fae tos, porque tinham pado 2 noite, OS Negros, porque ais ravam a sair dela. Dois rdade branca tras milo a este homem. 'Tinha de ser necessariamente louco, pois mio se podia admitir que tivesse r: Nealmada a emogio, tudo pareceu tetomar o sey titmo anterior... 1 Césaire ia voltar a nio ter tazilo quando Se pro- duzin oO segundo acontecimento: estou a falar da derrot, france: Vencida a eanga, o Antilhano as: sassinto do pai, Hsta derrota na istia, num certo sentido, ional poderia ter sido Vivi Como o foi na metrépole, mas uma boa parte da armada francesa ficou bloqueada nas Antilhas durante os quatro anos de ocupagio alema, Aqui quero chamar a atengao do leitor. ssirio comprteender a importincia histérica Jalgo que & nece destes quateo anc Antes de 1959, havia cerea de dois mil europeus na Mat- seus tinham fungdes definidas, estavam inte- seudos oa vida social, estavam interessados na economia do pais. Ora, de um dia Para o outro, sé a cidade de Fort-de- Vrance foi submerpida bor cerea de dez mil europeus de men- talidade autenticamente rac ista, mas até entio latente. Quero dizet que os matinheitos de Béarn ou do Emile-Bertin, ante- Hormente, em Port de-Vrance Por oito dias, nado tinham tempo Para manifestar os seus Preconceitos raciais, Os quatro anos amy que foram obrigados a Viver fechados em si mesmos, li ares detain 8h '\ quando pensavam nos seus fami- quanto ao furan E864 muitas yenes vitimas do desespeto ¢ Aimthes que deitassem fora a més- cara, by Vinal de Sontas, © que se comportas- cistasy, fintea, Estes euroy S Permitir AsANte superficial 4 sem ¢ cauténticos ra, ANTILHANOS E AFRICANOS 27 \crescentemos a isto 0 rude golpe que a economia anti- aa sofreu, pois foi preciso encontrar, ainda aqui sem tran- sc0) quando nenhuma importagio era possivel, com que ali- meatat dez mil homens. Para mais, muitos destes marinheiros ¢ militares puderam mandar vit a mulher e os filhos, a quem foi preciso dar alojamento. A Martinica teve a sua crise de alojamento depois sua crise econémica. O_Martiniquenho tomou como responsiveis de tudo isto os brancos_tacistas. O Antilhano, perante estes homens que o desprezavam, come- gou a duvidar dos seus valores. O Antilhano fazia a sua pri- meira experi¢ncia metafisica. E depois, foi a Franga livre. De Gaulle falava, em Londres, de traigio, de militares que entregavam a espada mesmo antes de a terem desembainhado. Tudo isso contribuiu pata persua- dir os Antilhanos de que a Franga, a sua, ndo tinha perdido a a, Mas que traidores a tinham vendido. E onde estavam esses traidores, se nto camuflados nas Antilhas? E viu-se esta coisa extraordinaria: Antilhanos que se recusavam a tirar o chapéu durante a execugio da Marselhesa. Qual o antilhano que aio se lembra dessas tardes de quinta-feira em que, na gue esplanada da Savane, patrulhas de marinheiros armados exi- giam siléncio e sentido quando se tocava o hino nacional? Que se tinha pois passado? Por um processo facil de compreender, os Antilhanos m assimilado a Franga dos marinheiros 4 Franga md, ¢ a Marseliesa que estes homens respeitavam nfo era a deles. E preciso nao esquecer que estes militares eram racistas. Ora, sainguém duvida de que o verdadeiro francés nao é racista, isto é, de que nao considera o Antilhano um negro». Uma vez tink que estes o faziam, € porque nao eram verdadeiros franceses. Quem sabe, talvez alemies? E, de facto, o marinheiro foi, sis- tematicamente, considerado como um alemao. Mas a conse- quéncia que nos interessa é esta: perante dez mil racistas, o & ‘Antilhano foi obrigado a defender-se. Sem Césaire, ter-lhe-ia sido dificil. Ora Césaire estava 14 ¢ entoou-se com ele esse cin- 28 a Se eee ae tico, antigamente odioso: que € belo ¢ bom e que é um bem ser negrol. Durante dois anos, o Antilhano defendeu passo a asso a sua «cof virtuosa» e dangava sem saber por cima do preci. picio. Porque enfim, se a cor negra € virtuosa, serei tanto mais virtuoso quanto mais negro for! Ent&o safram da sombta o¢ muito negros, os bles, os puros. E Césaire, cantor fiel, repetia; «por muito que se pinte de branco o tronco da 4tvore, as raizes permanecerao negras por baixo». Entdo tornou-se- real que nio sé o negro cor era valorizado, como também o negro ficgio, o negro ideal, 0 negro em absoluto, 0 negro primitivo, © negro. Que era isto, se nio provocar no Antilhano uma refundigio total do seu mundo, uma metamorfose do seu’ corpo? Que era isto, se nfo exigir dele uma actividade axiolé- \ gica invertida, uma valorizagio do rejeitado? “ Mas a histéria continuava. Em 1943, fatigados por um ostracismo a que nao estavam habituados, irritados, esfaima- dos, os Antilhanos, repartidos antigamente por grupos socio- légicos fechados, rebentavam com todas as barreiras, punham- -se de acordo sobre certas coisas, entre outras que esses ale- mies tinham ultrapassado todos os limites e, apoiados pelo exército local, arrancavam a Franga livre o toque a reunir. O almirante Robert, «esse outro alemao», cedia. E aqui que se situa o terceito acontecimento. Podemos dizer que as manifestagdes da Libertagio, que se realizaram nas Antilhas, ou pelo menos na Mattinica, nos _, meses de Julho e de Agosto de 1943, foram™a consequéncia "do nascimento do proletariado) A Martinica sistematizava pela primeira vez a sua consciéncia politica. B légico que as eleigoes , que se seguiram 4 Libertagio tenham delegado dois deputados comunistas em trés. Na Martinica, a primeira experiéncia meta- cp ee ela, coincidiu com a primeira { - Comts fazia do proletirio um fildsofo iS sistematico; o proletario ini . BeOS Martiniquenho, esse, é€ um negto sistematizado, q , ANTILILANOS 1 AFRICANOS. 29 Depola da guerea Assim, depois de 1945, 0 Antilhano mudow os seus valores. Hnquanto, antes de 1959, tinha ov olhos voltados para a Europa hranea, enquanto para cle o bem era a evasio da sua cor, em 1945 descobre se nila nd de cor negra, m as como um negro, ec é para a longinqua Africa que langard daqui cm diante os seus pseudipodos, Hm Franga, © Antilhan fazia lembrar a todo 0 momento que nio era um negro: a partir de 1943, 0 Antilhano, ainda em Franga, fard lembrar a todo 6 momento que é negro. Enquanto isto se passava, o Africano prosseguia o seu caminho, Nilo estava dilacerado, nao tinha de se situar simul- tancamente frente ao Antilhano ¢ frente ao Huropeu. Estes Ultimos eram de meter no mesmo saco, o sco dos causadores * da fome, dos exploradores, dos canalhas. Sem davida, tinha havido Eboué, que, sendo embora antilhano, na conferéncia de Brazzaville tinha falado aos Africanos chamando-lhes: «Meus queridos irmios.» E, esta fraternidade nio era evangélica, era baseada na cor, Os Africanos adoptaram Eboué. Este era dos deles, Os outros antilhanos bem podiam vir, as suas pretensdes de toubabs eram conhecidas. Ora, com grande espanto deles, os Antilhanos que desembarcam em Africa depois de 1945, apresentavam-se de maos suplicantes, de dorso vergado, aba- tidos. Chegavam a Africa com o coragio a transbordar de esperanga, desejando encont dadeiras te € militare: ra fonte, alimentar-se nas ver- da terra africana. Os Antilhanos, funciondrios ulvogados ¢ médicos, ao desembarcarem em Dakar, € infelizes por mio serem suficientemente pretos. Hé quinze anos, diziam aos Huropeus: «Nao liguem & minha pele preta, foi o sol que me queimou, a minha alma é branca y como a vossa.» A partir de 1945, mudam de opiniaio, Dizem aos Africanos: «Nao ligem 4 minha pele branca, a minha alma ‘ossa ¢ € 0 que importa.» — anos queriam-lhes demasiado mal para que slo fosse tio facil. Reconhecidos na sua negrura, na Sua escuridio, naquilo que h4 quinze anos era a culpa, denega- senti, mM ac € preta como a v. Mas os Af a subve; wu u EM DIMNA DA toeve MAUIGAG AY IC ANA fam ao Antilhano toda a veleidadte neste dominio, -se finalmente Ponsuidoten da yverdade, port Ama pareza inalterdvel, Rejeitaram o Antilhano lembrande, -lhe que cles nto tinhun deseriade, que nfo tinham. trafdo, que tinham penado, wottilo, lide tua terta africana, O Anti thano tinha dito nto ao brance, O African dizia no ao Anti- thano, Descobriam. adores scculates de Este dltimo fazia a ana negunda experiéncia metafisica. Sentiu entio o desespero, Obeccado pela impureza, abatido pela culpa, dilacerado peta culpabilidade, vivew o drama de ndo ser branco nem nep sritou, fez poemas, cantou a Africa, a Africa terra dura € bela, a Africa explosio de cdlera, axéfama tumultuosa, pro- jéctil enlameado, a Africa terra de verdade. Aprendeu o bam- bara no Instituto das Linguas Orientais de Paris. Na sua majes- tade, o Africano condenava todas as diligéncias. O Afticano vingava-se ¢ © Antilhano pagav 8 Pag Se tentarmos agora explicar ¢ resumir a situagio, podemos dizer que na Martinica, antes de 1939, nilo havia o negro de um lado € © branco do outro, mas gamas coloridas de que era facil ultrapassar rapidamente os intervalos. Bastava ter filhos de alguém menos preto, Nio havia barteita racial, niio havia discriminagies, Havia esse picante irénico, tio caracteristico da mentalidade martiniquenha. Mas na Africa a discriminagio era real. Af, 0 negto, 0 Africano, o indigena, 0 preto, 0 sujo, era rejeitado, desprezado, maldito. Af havia amputagiio, havia desconhecimento da huma- nidade. Até 1939, 0 Antilhano vivia, pensava, sonhava (mostra- mozlo no nosso ensaio Peau noire, masques blancs), fazia poemas, escrevia romances, exactamente como um branco o teria feito, Compteende-se agora por que razio nio lhe era possivel cantar como os poctas afticanos a noite negra, «A mulher negra de calcanhares rosa». Antes de Césaire, a literatura anti- thana é uma literatura de europeus. O Antithano identificava-se ANTILHANOS BE AFRICANOS, 31 com o branco, adoptava uma atitude de branco, branco». Depois de o Antilhano ter sido obi de europeus facistas, a abandonar posigdes que cram, em suma, frigeis, visto que absurdas, inexactas ¢ alienantes, nascerd tha nova geragio. O Antilhano de 1945 é um Negro... Ha no Cahier d?un retour au pays natal wm perlodo africano, porque: «era um igado, sob a pressio A forga de pensar no Congo Tornei-re um Congo sussurrante de florestas e de rioss Entio, voltado para a Africa, o Antilhano vai chamé-la de longe. Descobte-se filho de escravos transplantado, sente ‘| vibragio da Africa no mais fundo do seu corpo ¢ apenas aspiral a uma coisa: mergulhar no imenso «buraco negro». x Parece, pois, que o Antilhano esta, apds o [grande erro) branco, esté agora em vias de viver na/grande miragem hegra, IDE CMO ORdacQ, MAI m MEG, 6 Cabier d'm retour a pays notel, p. 49.

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