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por Patrick Correa Pereira

Sophia
Sophia

Acordo titubeante assustado com um louco trinado.


Procuro com meus braços por entre as cobertas o
telefone sem fio, atendo e escuto o vazio. O trinado
prossegue louco como um faminto insaciável, com
mais algumas apalpadas atendo o celular, troco
meias palavras e esqueço com quem as troquei antes
mesmo de me entregar novamente ao sono
causticante.

Acordo novamente, o celular diante de meus olhos,


lembro de com alguém falar sem ter idéia se era
realmente alguém. Será que sonhei?

O dia invade o quarto e com seu brilho o sol cega


meus olhos. Observo uma vespa numa luta de vida
ou morte a buscar uma saída pela grande janela do
quarto ainda fechado.
Contorço-me na cama, jogo as cobertas para o lado,
pois o frio noturno deu lugar ao calor da iluminada
tarde. Ainda deitado olho para o teto, olho para a
janela mais uma vez, a vespa ainda luta. Olho para o
relógio e a hora indica que a cidade esta de pé.
Entretida em seus loucos afazeres, num ritmo
frenético. Penso que durmo enquanto a cidade
acorda e acordo enquanto a cidade dorme.

Loucura, pura loucura. Continuo em meu leito. Viro


minha cabeça e penso. Penso em algum motivo que
me tire do meu séqüito leito. Penso, penso se tenho
contas a pagar, ou a receber. Alguém para visitar,
alguém para alimentar. Algum lugar para ir, ou algo
a fazer. Penso, penso e não encontro, não encontro
nada que tire-me de meu tempestuoso leito.

Academia!? Ir lá encontrar todas aquelas pessoas


saradas, felizes com seus corpos produtos do
esforço, do exercício e da boa alimentação. Corpos
esteticamente lindos, detalhadamente esculpidos. A
felicidade atingida pela beleza estética. Sem chance
de eu levantar pra ir para lá. Iria me sentir um ET.
Visitar alguém!? Podia visitar alguém, fazer uma
surpresa. Alguém que precise de ânimo. Horas a
quem quero enganar, sou eu quem precisa de ânimo,
não encontro nem motivo p’ra sair desta cama.

Correr?! Podia correr, sempre que estou mal, depois


de correr me sinto mais leve. Correr todas aquelas
quadras, sentir a energia derramar-se nas avenidas e
esquinas. Chegar fatigado em casa, tomar um banho
e descansar. Já cansei só de pensar. Só de pensar no
trabalho. Encontrar os tênis, colocar uma roupa
apropriada, encontrar meus óculos desportivos e..., e
nem pensar aqui vou ficar.

Contrariando toda minha falta de sono, apesar da


noite acordado. Viro-me com a face em meus
travesseiros, fugindo os olhos ao brilho do sol,
buscando uma posição confortável para dormir. Mas
não tenho sono, entretanto forço a mente a
enfadonhos e sonâmbulos pensamentos e ali
vagueio.
De sobressalto abro meus olhos. Acho que estava
dormindo, vejo a escuridão e penso, já é noite.
Levanto minha cabeça em reflexo e percebo que só
era minha cabeça envolta por travesseiros. Ainda é
dia, desanimado limito-me a tornar minha cabeça
para o outro lado da cama, olho para a janela. A
valente vespa luta pela vida. Entrego-me a vãs
lembranças que seduzem meus olhos a cerrarem-se
novamente.

Abro meus olhos, e não vejo o dia. Certifico-me


passando o braço pela cabeça e vejo que o dia partiu
a sombra da noite me cobre.
- Que horas são?

Não me movo. Fico ali em meu leito parado. Só


então percebo. Percebo que a campainha toca.
- Será um bom motivo para abrir a porta?!

Penso em quem pode ser. Procurando uma boa razão


que justifique abrir mão do meu ocioso ostracismo.
- Serão meus pais?!
Não eles teriam ligado, nem sequer mandaram um
telegrama não arriscariam perder a viajem.
- Será o Jorge?

Bom se for o Jorge não quero atendê-lo. Vai passar a


noite falando sobre a Camila tê-lo abandonado e não
sou um bom ouvidor, não hoje.

- Será o vizinho?

Se for o vizinho ele que se dane.

A campainha continua, seguida de batidas na porta.


A Campainha toca.
-Será que eu atendo a porta?

Fico em meu leito imóvel e penso.


-Será o pessoal do in-line. Não lembro de termos
marcado de ir para pista ou patinar hoje, , acho que
não e lembraria. Não! Sequer tem jogo de hóquei
hoje, não seriam eles.

A campainha toca.
-Será que atendo a porta?

Contrariando todo o ócio do meu corpo ponho todos


meus 528 músculos do corpo a funcionarem, a
cabeça parece pesar mais que o corpo, e os olhos
parecem pesar mais que o universo. Entre um abrir
de olhos e outro chego à porta. A campainha já mais
furiosa insiste em tocar. Abro a porta e mesmo antes
de conseguir abrir os olhos, ouço.

- O que aconteceu com você? Você está horrível?


Porque você não está pronto?

Num esforço tremendo abro meus olhos. Para minha


surpresa o que meus olhos vêem... Sophia. Sophia?
Sim Sophia, linda e maravilhosa ali em minha
frente. Desejei nos últimos quatro anos vê-la bater
em minha porta e agora ela está ali parada na minha
porta, vestida como se fossemos sair para jantar.

- Eu não te liguei dizendo que passaria aqui as


22:00h para jantarmos?
Droga, o celular, pensei eu. Mas que raios devo ter
eu falado para convencê-la a jantar comigo. Devo
ser melhor dormindo que acordado.
Enquanto procuro por respostas nos labirintos de
minha mente. Olho para ela ali parada, linda e
revoltada.

- Entre Sophia vamos conversar.

Acomodo-a no sofá enquanto jogo alguns livros e


revistas para dar-lhe lugar. Sento-me em cima de
uma pilha de roupas que pensei estarem na
lavanderia.

Olho para ela, enquanto ela fita-me com um olhar de


quem deseja respostas. Se ela soubesse que ninguém
naquele momento ansiava mais por respostas do que
eu.
O que dizer? Como dizer?

- Quer tomar alguma coisa?


- O que você tem pra tomar?
- Não tenho a menor idéia.
- Não obrigada, estou bem assim.

Meus olhos sempre tão desejosos em fitá-la agora


procuravam evitá-la a todo o custo. O ar parecia tão
pesado, como se o pudesse corta-lo com uma faca.

- Você está doente?

Senti tanta doçura, tanta meiguice, que não resisti.

- Acho que estou.

- Posso ver você está um trapo. Pior do que aquela


vez que te vi contorcendo-se todo de cálculo renal.

- É?

- O que você têm?

- Não sei.

- Deixe-me ver.
Deixou sua bolsa ao lado do sofá, aproximou-se de
mim, colocou sua mão em minha testa.

- Você ‘stá quente, acho que está com um pouco de


febre, pouca mais deve estar.

Há se você soubesse minha doce Sophia.

- Você tem termômetro?

- Não.

- Hora! Cedo ou tarde você vai ter que transformar


isso aqui em uma caasa. Parece uma brigo caótico
após a passagem d’um Catrina.

Casa? Pensei no que ela pretendia dizer, quando


disse casa.

- Remédio, você tem algum remédio?

- Bom, tenho algumas coisas no banheiro.


Ela tirou seu taier, tirou o franzido de reprovação da
testa. Colocou um sorriso maternal na face e dirigiu-
se ao banheiro. Demorou-se lá por alguns instantes.
Eu não tinha a menor idéia do que fazer. Então não
fiz nada. Ela saiu do banheiro, foi direto à cozinha,
retornou com um copo d'água, colocou dois
comprimidos em minha mão, o copo na outra e
disse.

- Toma!

Tomei, sem sequer pestanejar ou pensar no que ela


poderia ter me dado. Por um instante pensei se ela
verificou o prazo de validade do remédio antes de
dá-los a mim, pois eles deveriam estar lá por anos.
Mas logo decidi que se fosse morrer que melhor
maneira do que morrer em seus braços. Agradeci a
gentileza. E naquele momento eu acho que poderia
pedi-la em casamento, tudo parecia perfeito. A
garota dos meus sonhos cuidando de mim, isso ia
muito além das minhas melhores fantasias.
- Vá se deitar um pouco para descansar. Vou ver se
faço alguma coisa para nós.

Me deitar?! Que ironia.

Ela fazer alguma coisa para nós, seria um verdadeiro


milagre. Acho que não devia ter nada na cozinha
além de gelo.

Deito em meu leito, desta vez não por desejo, mas


sem dúvida hoje obedeceria a qualquer pedido dela.
De longe a ouvi usar o telefone. Panelas na cozinha
a tilintar e sem a menor preocupação eu pensava
comigo mesmo. "Sophia meu bem, você pode fazer
o que quiser com essa casa, quer dizer lugar, já que
preciso ainda transformar isso em casa".

Em seguida a porta bateu. Pensei “ela se cansou e foi


embora”. Logo em seguida ouço o inconfundível
motor V8 do meu poderoso Camaro 1.969, com seus
427cv perfeitos de potência roncar, soando como um
relógio em seus pistões sincronizados.
- Sophia vai levar meu carro?!
Bom ela poderia até roubar meu carro. Naquele
momento eu não estava nem aí.
Fiquei ali em meu leito, ainda com a mente torpe a
devanear. Acho que devo ter caído no sono, ou
talvez não, enfim abri meus olhos não sei dizer
quanto tempo permaneci ali naquele estado. Enfim
sentei-me na cama e contemplei o mundo pela
janela, então no tombadilho da janela percebi. A
pobre vespa morreu, lutou, lutou e não encontrou
saída foi iludida pelo doce brilho do dia. Não sei
explicar o porque, mas a cena da vespa me chocou
de despertou em mim um sentimento de simpatia
pela mesma. Momentos antes julgava valente a luta
vã da vespa, agora seu defunto ali tombado cria em
mim a repulsa de não ter feito nada para evitar sua
triste sorte. Ás vezes a natureza tem formas
estranhas de se comunicar conosco, e ainda que
muda, calada e inaudível suas sentenças nos enche o
peito de culpa e remorso.
E eu aqui, sem saber de sonhei ou o que me
aconteceu. Ainda rolando na cama digerindo o sabor
daquele devaneio. Por fim ouço o telefone tocar,
procuro em meio a cobertas e travesseiro, é meu
celular, olho o identificador para ver quem me liga.
No grande visor colorido um nome salta diante de
meus olhos semi-serrados. Sophia!

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