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Rio de Janeiro
2018
RESUMO
INTRODUÇÃO
György Lukács (2013) afirma que se pode conhecer pelo menos três modalidades
do ser na natureza: as moléculas inorgânicas, por exemplo, a água, sais minerais,
oxigênio, etc. é a forma da matéria caracterizada por não se reproduzir; também há os
seres orgânicos, mais complexos: plantas e animais, que são caracterizados por não terem
consciência e obedecerem a um ciclo de vida no qual nascem, crescem, reproduzem-se e
morrem e estão biologicamente restritos a essas determinações. Há ainda, por último, o
nível mais complexo dentre os níveis de ser encontrados na natureza: o ser social.
Essa última modalidade do ser, a saber o ser social, é que se pretende investigar
ao longo da pesquisa, compreender, a partir da evolução biológica e em diálogo com o
pensamento marxiano, qual é a característica fundante desse ser e como deriva disso sua
essência. Para isso, faz-se necessário uma investigação histórico-biológica (ainda que
breve) do gênero Homo – desde os primórdios da humanidade até a espécie melhor
adaptada, o sapiens.
1
Gênero humano, no presente trabalho, é o termo utilizado para se referir a todas as espécies
do gênero Homo. Enquanto que ao se utilizar ‘’natureza humana’’ ou ‘’essência humana’’, referir-se-á ao
‘’menschliche Wesen’’ presente na obra marxiana.
DA EVOLUÇÃO DO GÊNERO HOMO
Além disso, é um traço comum aos humanos que caminhem eretos sobre as duas
pernas. Esse passo evolutivo trouxe uma consequência evolutiva fundamental para o
gênero Homo. Isso porque, ao se adotar uma postura ereta para caminhar, as mãos se
encontravam livres do exercício de locomoção e puderam assim passar a desempenhar
tarefas mais complexas como “a manufatura e o uso de ferramentas’’, sendo esses “os
critérios pelos quais os arqueólogos reconhecem humanos antigos’’ (HARARI, 2015,
p.17).
2
Yuval Noah Harari leciona no departamento de História da Universidade Hebraica de
Jerusalém, é especialista em História Medieval, Militar e também em História Mundial, autor do
Best-seller internacional, ‘’Sapiens: uma breve história da humanidade’’, publicado também no
Brasil, em 2015, pela editora L&PM Editores.
para proteger e ensinar às crias humanas o necessário para sobreviverem, essa foi também
uma determinação biológica destacável. Essa peculiaridade humana foi necessária para a
sobrevivência dos nossos antepassados em um mundo onde a maioria dos predadores já
nascia com a capacidade de se locomoverem sozinhos.
De todas as espécies de nosso gênero, apesar de toda sua luta pela adaptação às
condições impostas pela natureza, somente o Homo sapiens foi capaz de se adaptar e
prosperar, do ponto de vista da evolução. Isso se concretiza pelo fato de nossa espécie ter
sido a única que passou por aquilo que ocorreu há aproximados 70 mil anos, que Harari
chama de Revolução Cognitiva.
É certo que Karl Marx, contemporâneo de Charles Darwin, não dispunha de toda
a sorte de pesquisas especializadas sobre o tema da evolução do Homo sapiens como
dispomos em nosso século. Entretanto, ainda que cronologicamente distante de Harari,
também é central no pensamento marxiano a relação de intercâmbio orgânico entre o
homem e a natureza. A saber, tal relação que o homem estabelece com a natureza pode
se chamar de trabalho.
Ainda sobre as diferenças ontológicas entre uma formiga (ser orgânico) e um ser
humano (ser social), também Pannekoek3 contribui para o debate, em ‘’Marxismo e
Darwinismo’’ (obra de 1909):
3
Antonie Pannekoek foi um astrônomo e teórico marxista que militou no Partido Social-
democrata holandês. (Nasceu em 1873 e faleceu em 1960).
meios de sobrevivência e produção, e as sociedades que se formam a partir disso: das
lanças de sílex aos automóveis, passando pelas religiões primitivas indo até as mais
sofisticadas descobertas da ciência moderna. Tudo isso se realiza por meio da
possibilidade do homem transformar teleologicamente a natureza ao seu redor – e assim
fazendo, transforma também sua subjetividade, eis o movimento da história!
Para compreender o que Marx quer expressar quando fala das necessidades
humanas como natureza humana, é preciso levar em consideração o modo como ele
concebe, em sua obra, o ser. Assim como para Hegel, o ser é movimento porque ele, em
sua natureza, é um campo de contradições. Tais contradições dinamizam o ser, não só em
sua expressão social, mas esse movimento dos contrários permeia toda a realidade.
De tal modo, Marx afirma que o ser social desempenha esse processo de
reproduzir antes na consciência aquilo que posteriormente se pretende transformar na
natureza, para suprir as próprias necessidades (sejam elas orgânicas ou sociais). É, então,
que o ser humano se encontra em constante transformação. E nesse processo, o homem
supre suas necessidades, ora mais complexas (sociais), ora mais simples (orgânicas). Ao
passo que, para suprir tais necessidades, ele necessariamente precisa transformar o mundo
ao seu redor.
Nesse sentido, quando Marx afirma que o conjunto das necessidades humanas é a
própria natureza humana, ele quer dizer (1) que a expressão objetiva da essência humana
está determinada pelo conjunto das necessidades dos indivíduos em seu desenvolvimento
histórico; (2) que as necessidades humanas, compreendidas a partir do materialismo
histórico dialético, estão, portanto, em movimento em função desse desenvolvimento.
Essa mutabilidade que se tem (2), resulta da relação metabólica entre ser humano
e natureza, onde não há superação histórica entre esses opostos, pois o homem é
determinado por suas necessidades, tanto biológicas (orgânicas) quanto sociais, a se
relacionar infinitamente com a natureza. Isto é, a relação ser humano/natureza não é ‘’de
submissão de um termo para com o outro, como se enquanto um agisse e transformasse,
o outro cederia e pereceria: o ser humano e a natureza aparecem como um corpo de mútua
implicação. ’’ (MOTA, 2016, p. 89).
Para Marx, aqui sem a preocupação de produzir uma cisão epistemológica entre
um ‘’Jovem’’ e um ‘’Velho’’ pensador, cita-se um trecho de sua Magnum opus (escrita
já em sua maturidade) que fortalece a perspectiva de que o trabalho é a categoria fundante
do ser social:
A história não é senão a sucessão das diferentes gerações, cada uma das quais
explora os metais, os capitais, as forças produtivas que lhe são transmitidas
pelas gerações precedentes; assim sendo, cada geração, por um lado,
continua o modo de atividade que lhe é transmitido, mas em circunstâncias
radicalmente transformadas, e, por outro lado, ela modifica as antigas
circunstâncias, entregando-se a uma atividade radicalmente diferente.
(MARX, 2007, p.47)
Esse fio condutor entre o primeiro hominídeo que transformou a natureza em uma
relação metabólica de trabalho ao produzir a primeira ferramenta de caça da história
humana; e um operário contemporâneo que pensa suas ações antecipadamente para a
construção de um navio, por exemplo, são ambos herdeiros do movimento perpétuo da
natureza – obviamente, sem entrar aqui no debate sobre trabalho alienado. Sendo o
segundo um continuador histórico daquilo que se inicia com nossos ancestrais, aquele
processo que nos distingue dos animais: o trabalho. Portanto, esse operário representa a
expressão materializada de todas as necessidades humanas de tempos anteriores e,
repousa sobre suas ferramentas de trabalho, um apontamento para o futuro da essência
humana, isto é, suas necessidades históricas, e que está, necessariamente, fadado a se
manter em movimento, gerando, eternamente, novas necessidades e, em função disso,
novas formas de sanar tais carências.
CONCLUSÃO
A partir disso, é concebível a verdade de que o Homo sapiens foi a única espécie
humana que conseguiu se adaptar ao planeta Terra, visto que a Revolução Cognitiva foi
o advento evolutivo exclusivo de nossa espécie e que possibilitou relações mais
complexas entre os indivíduos e, por isso, permitiu também a complexificação do
trabalho.
Então, após as investigações biológicas e históricas, de Harari a Marx, conclui-se
que a categoria trabalho é, definitivamente, a atividade que possibilita a humanidade de
se diferenciar dos seres menos complexos encontrados na natureza – inorgânicos e
orgânicos. E o ser social, segundo Marx:
é imediatamente ser natural. Como ser natural, e como ser natural vivo, está,
por um lado, munido de forças naturais, de forças vitais, é um ser natural
ativo; estas forças existem como possibilidades e capacidades (Anlagen und
Fähigkeiten), como pulsões; por outro, enquanto ser natural, corpóreo,
sensível, objetivo, ele é um ser que sofre, dependente e limitado, assim como
o animal e a planta, isto é, os objetos de suas pulsões existem fora dele, como
objetos independentes dele. Mas esses objetos são objetos de seu
carecimento (Bedürfnis), objetos essenciais, indispensáveis para a atuação e
confirmação de suas forças essenciais. Que o homem é um ser corpóreo,
dotado de forças naturais, vivo, efetivo, objetivo, sensível significa que ele
tem objetos efetivos, sensíveis como objeto de seu ser, de sua manifestação
de vida (Lebensäusserung), ou que ele pode somente manifestar (äussern)
em objetos sensíveis efetivos (wirkliche sinnliche Gegenstände) (MARX, 2004,
p.127)
É, de fato, necessário afirmar que Marx rompeu com alguma definição a-histórica
de natureza humana, por exemplo as concepções de Hobbes e Rousseau, nos quais,
respectivamente, o homem seria, a priori, um ser mau ou bom. Entretanto, superar alguma
concepção não significa, logicamente, que se tenha rompido com toda a concepção de
essência humana. Nesse caso, o que restaria do materialismo em sua obra? É o que afirma
Norman Geras:
Marx – like everyone else – did reject certain ideas of human
nature; but he also regarded some as being true. It is important to
discriminate the sort that he rejected from the sort that he did not.
(GERAS, 1984, p. 14)
É bem verdade que Marx não rompe com a ideia de que há uma essência humana.
Resumidamente, a essência humana em Marx, é o conjunto das necessidades humanas
em eterna transformação histórica. Isso porque o ser social, por meio do trabalho, realiza
o suprimento histórico dessas carências humanas. E ao supri-las, esse ser transforma,
necessariamente, a natureza objetiva do mundo, ao passo que para executar essa eterna
transformação, inevitavelmente, gera novas necessidades históricas que transformam a
ele próprio.
Por fim, cabe citar aquilo que Marx escreveu, ainda muito jovem acerca da
essência humana: ‘’ a natureza humana é constituída de modo que ele [o ser humano]
apenas pode alcançar sua própria perfeição apenas trabalhando em prol da perfeição, do
bem, de seus iguais. ’’ (MARX, p. 4). E os homens e a história, nessa eterna
transformação mútua, franquearão as belas alamedas para a construção de uma sociedade
na qual o ‘’livre desenvolvimento de cada um é a condição para o livre desenvolvimento
de todos’’. (MARX, 2010, p. 59)
REFERÊNCIAS BIBLIOGRAFICAS
GERAS, Norman. Marx and Human Nature: Refutation of a Legend. London: Verso
Books, 1983.
HARARI, Yuval Noah. Sapiens: Uma Breve História da Humanidade. São Paulo:
L&PM Editores, 2015.
LUKÁCS, G. Para uma ontologia do ser social v. II. São Paulo: Boitempo, 2013.
MARX, K. A Ideologia Alemã. São Paulo: Boitempo, 2006.
_____. Manifesto Comunista. São Paulo: Boitempo, 2010.
_____. Manuscritos Econômico-filosóficos. São Paulo: Boitempo, 2010.
_____. O capital: Crítica da Economia Política. Livro I: o processo de produção do
capital. São Paulo: Boitempo, 2013.
MOTA, Paulo Henrique Pereira. A noção de essência humana no jovem Marx. Revista
Filogênese, São Paulo, Volume 9, 16, p.88-103, 2016.
PANEKOEK, Antoine. Marxismo e Darwinismo, 1909. Disponível em:
http://www.afoiceeomartelo.com.br/posfsa/Autores/Pannekoek,%20Anton/Darwinismo
%20e%20Marxismo.pdf. Acesso em: 01/07/2018.