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TPB Ma 5167
TPB Ma 5167
DIREITO PENAL II
(ano lectivo 2003/2004)
Tópicos e indicações metodológicas para a resolução do “caso 77”
(in Casos Práticos de Direito Penal I, AAFDL, Lisboa, 1989)
Enquadramento prévio: o/a aluno/a deve realizar esta primeira análise do caso
numa folha de apontamentos e não na folha de exame.
a) Análise da matéria de facto e das relações entre os agentes
1) D--A--C--(E)--B
2) C--(antídoto) – B; C revela-lhe o plano, B sofre um acidente cerebral e
fica semi-paralisado.
3) F bebe veneno destinado a B e morre.
b) Qualificação indiciária e provisória dos factos: tipos de crime aplicáveis e
figuras da comparticipação.
comparticipação.
TÓPICOS DE RESOLUÇÃO
I. RESPONSABILIDADE DE ERNESTINA
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conjugado com o art. 22.º e com o art. 132.º, n.º 1 e 2, al. h) do CP), por
inaptidão do meio usado. Inaptidão essa que no momento da conduta não é
evidente e só se revela posteriormente. Nesse sentido, antecipando o critério
de punibilidade da tentativa inidónea, seria a mesma púnivel neste caso, à
luz da teoria da impressão, consagrada no art. 23.º, n.º 3 do CP. O facto é
materialmente executado por E que exerce o domínio da acção, embora –
como se verá ao nível do tipo subjectivo – sem domínio do facto, por se
encontrar em erro sobre elementos do facto.
ii) Tipo subjectivo: a tentativa – idónea ou inidónea - exige dolo do agente,
como resulta do art. 22.º, n.º 1. O dolo é, genericamente, o conhecimento e a
vontade de praticar o facto típico. Nos crimes materiais de lesão de forma
livre, como acontece com o homicídio, a idoneidade lesiva do meio usado e o
processo causal fazem parte do tipo, porque só assim teremos uma acção
adequada a produzir o resultado (art. 22.º, n.º 2) e só deste modo se
consegue estabelecer a relação de imputação entre o resultado e tal conduta.
Sendo a idoneidade da conduta e o processo causal elementos do facto típico
eles têm de ser objecto do dolo (art. 14.º), para se garantir a congruência
plena entre o ilícito objectivo e o ilícito subjectivo. No presente caso,
estamos perante uma situação de ignorância por parte de Ernestina do meio
letal e do processo causal que Caetano pretendeu desencadear. Esta
ignorância da situação planeada por Caetano faz com que Ernestina esteja
em erro sobre um elemento do facto típico (art. 16.º, n.º 1, primeira parte)
que exclui a responsabilidade a título doloso. Sendo assim, o facto
materialmente executado por Ernestina não pode ser uma tentativa (art.
22.º) de homicídio, nem sequer uma tentativa inidónea (art. 23.º, n.º 3),
porque a existência do erro relevante sobre o facto típico exclui o dolo que é
elemento essencial quer de uma, quer de outra modalilidade de tentativa
(pois a estrutura da tentativa inidónea é também aquela referida no art.
22.º). A existência de uma situação de erro relevante faz ainda com que
Ernestina tendo o domínio da acção, não tenha contudo o domínio da
vontade de praticar o facto típico, o que será relevante para a análise da
responsabilidade de Caetano que executa o plano. Faltando o tipo subjectivo,
o facto tentado do agente não é típico e, por isso, não se analisam as
categorias subsequentes do acto punível. Resta saber se poderá existir
responsabilidade a título de negligência, o que se deve averiguar por força
do disposto no art. 16.º, n.º 3 do CP.
II.
II. RESPONSABILIDADE DE CAETANO
A) Responsabilidade de C pela tentativa de homicídio contra B
1. Autor mediato de uma tentativa impossível de homicídio qualificado contra B? B?
a) Facto: C, embriagado, mistura sais de frutos no leite que será servido por E
a B, pensado que está a envenenar a bebida com estricnina, tendo o propósito
de provocar a morte de B. Apesar da embriaguez, o comportamento de C é
dominado pela sua vontade (quer no momento em que aceita a proposta de A,
em que não estava embriagado, quer quando executa o plano), pelo que tem
materialidade suficiente para violar a norma de conduta que proibe o
homicídio.
b) Tipicidade (arts. 131.º, 132º, nº 2, als.b), c), h) e i); também al. a) ex vi art.
28º, nº 1; art. 26º, 2ª prop., arts. 22º e 23º nº 1, 2 e 3, todos do CP):
i) Tipo objectivo: o comportamento de C consubstancia uma tentativa
inidónea de homicídio qualificado praticada com dolo directo e usando E
como instrumento do plano criminoso. Na verdade, C está na posse de
estricnica, que lhe foi fornecida por A, para executar o plano homicida. Por
inabilidade, nervosismo e perturbação provocada pelo alcóol troca o
veneno, que tem já em seu poder, por sais de frutos. Quando coloca a
substância no leite, C pensa que a bebida tem o veneno que lhe tinha sido
fornecido para o efeito e essa convicção subsiste até ao momento em que E
leva a bebida a B e este a ingere. A inidoneidade do meio só se vem a
descobrir posteriormente. Até aí o agente continua convicto de que
envenenou a bebida e essa impressão de perigo subsiste para qualquer
observador porque não é manifesta a inaptidão do meio durante a execução
do plano. Aliás, pode inclusivamente defender-se – embora de forma não
isenta de dúvidas – que a tentativa em causa começa por ser uma tentativa
idónea: o acto de preparação da bebida envenenada não é um mero acto
preparatório (não punível) mas um acto de execução do homicídio, à luz do
disposto no art. 22.º, n.º 2 al. c) do CP e, neste momento, em que adultera a
bebida, o agente tem em seu poder o veneno real. É já durante a execução
do facto que o agente troca o veneno por sais de frutos. A execução do
plano passa pela instrumentalização de E que deverá levar a bebida
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envenenada até à vítima, através da indução em erro relevante do executor
material (art. 16.º, 1) como se viu atrás. C actua assim como autor mediato
(art. 26.º, 2.º prop.) duma tentativa de homicídio inidónea mas punível (art.
22.º, n.º 2, al. b) e 23.º, n.º 3), tendo o domínio do facto por exercer um
domínio sobre a vontade do executor material (que está em erro relevante
sobre o processo causal). Esse domínio advém-lhe de estar a par de todos os
passos do plano homicida e poder prever o evoluir dos acontecimentos em
função da regularidade do comportamento do instrumento (E). O tipo
incriminador que o autor mediato visa realizar com o seu facto é um
homicídio qualificado, que fica pela fase da tentativa já que B não morre,
por verificação simultânea das agravantes da al. b) vulnerabilidade da
vítima em razão da idade, al. h), uso de veneno, al. i) reflexão sobre os
meios empregados, al. d) avidez (por aceitar praticar o facto para obter um
proveito económico) do art. 132.º, n.º 1 e 2 do CP. Além disso é ainda
aplicável, por força do art. 28.º, n.º 1, a agravante de parentesco com a
vítima (132.º, 2 a)) que existe num participante (A) e cujo grau de ilicitude
se estende do participante ao autor mediato (inversão da acessoriedade). A
pena abstracta para o facto do agente é determinada nos termos dos arts.
23.º, n.º 2 e 73.º do CP.
ii) Tipo subjectivo: O agente actua inequivocamente com dolo directo (art.
14.º, n.º 1 do CP), isto é, representa um facto que preenche um tipo de
crime, o homicídio, e actua de uma forma intencional, adequando os meios
aos fins que pretende atingir (art. 22.º, 1 e 2, al. c) e b)).
c) Ilicitude: não existem indícios de causas de exclusão da ilicitude pelo que
se confirma ilicitude do facto indiciada pelo preechimento integral do tipo.
Existe desvalor da acção, existe um desvalor de perigo para o bem jurídico
tutelado, mas não chega a verificar-se o desvalor do resultado pretendido pelo
agente
d) Culpa: A culpa é um juízo de censura feito sobre o agente, mas mediado
pelo facto praticado. O facto tem de poder ser pessoalmente censurado ao
agente como um acontecimento pelo qual ele pode e deve responder porque se
encontrava numa situação em que lhe era exigível que actuasse dum modo
conforme ao Direito, à luz de padrões socio-normativos (conceito social de
culpa). O juízo de culpa só se pode formular se o agente for “capaz de culpa”
isto é, se tiver a idade mínima que o sistema exige para que possa responder
pelos seus actos (art. 19.º do CP), que no caso em apreço se verifica como
resulta do estatuto profissional do agente, e se, além disso, não se encontrar
numa situação de pertubação psíquica em função da qual possa ficar privado da
capacidade de motivação pelas exigências do sistema penal. Importa, quanto a
este último ponto, indagar se o estado de embriaguez em que C se encontra
pode ou não corresponder a uma situação de inimputabilidade, prevista no art.
20.º, n.º 1 do CP. O preceito apenas prevê a inimputabilidade por anomalia
psíquica, o que pode ser interpretando num sentido mais restrito de doença do
foro psíquico ou, de forma mais ampla, como uma situação de perturbação
psíquica que não se deva a um estado clínico patológico, mas sim e também à
ingestão de substâncias que perturbem o processo de avaliação do facto e de
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formação da vontade do agente. O facto de o n.º 4 do art. 20.º prever as
situações de anomalia psíquica provocadas intencionalmente pelo agente
permite demonstrar que no n.º 1 o conceito de anomalia psíquica deve ser
interpretado no sentido mais amplo que abrange quer a embriaguez, quer a
intoxicação com outros produtos, desde que o resultado seja uma pertubação
do processo intelectual e volitivo do agente que o pode tornar incapaz de
avaliar normalmente a situação em que se encontra. No caso em apreço, a
hipótese não nos diz se o agente se encontrava alcoolizado ao ponto de o seu
estado poder ser equiparado a uma anomalia psíquica, para efeitos do n.º 1 do
art. 20.º, nem nos diz se o agente se colocou intencionalmente nesse estado
para praticar o crime, o que legitimaria a invocação da excepção do n.º 4 do
art. 20.º. Contudo, o agente revelou luzidez suficiente para se arrepender e
tentar evitar o crime o que constitui um indício de que o nível de alcoolemia em
que se encontrava não equivaleria a uma situação de incapacidade de avaliar a
situação. Neste termos, o agente deve ser considerado imputável e capaz de
culpa, sendo o facto praticado pessoalmente censurável. O juízo de censura é
reforçado pelo facto de posssuir laços profissionais antigos com a vítima que
poderiam e deveriam ter constribuído para o desmotivar de praticar o facto.
e) Punibilidade: O agente procurou evitar a morte de B, revelando todo o
plano e fornecendo um antídoto à vítima para impedir a progressão do veneno.
Trata-se de um comportamento activo de desistência que surge durante a fase
da tentativa e antes de o crime estar materialmente consumado. A desistência
do autor mediato deve ser valorada à luz do art. 24.º e não do art. 25.º (assim,
FCP), pois o autor mediato exerce sozinho o domínio do facto e, por isso, pode-
lhe ser exigido que impeça efectivamente a consumação do crime que iniciou
(princípio da simetria entre o domínio do facto e a desistência). A desistência
do autor mediato para ser relevante exige (1) uma conduta do desistente, (2) a
voluntariedade da mesma e (3) um certo resultado que consiste em paralizar a
execução ou impedir a lesão do bem jurídico tutelado. No caso em apreço, a
tentativa era inidónea pelo que se coloca o problema de saber se esta
modalidade de tentativa admite desistência quando se sabe que é um facto que
não pode progredir para a lesão do bem jurídico. A resposta deve ser afirmativa
(FCP): enquanto não se revelar a inidoneidade da tentativa ela deve ser tratada
como uma tentativa pura e simples. A partir do momento em que se revele
(para o agente) a inidoneidade da tentativa deixa de ser possível a desistência.
Acontece que a tentativa inidónea não pode progredir para a consumação pelo
que o sucesso da desistência (ausência e consumação) se dará por facto
independente da conduta do desistente. A situação está prevista no n.º 2 do art.
24.º, bastando para o efeito que o agente se esforce seriamente por impedir a
consumação do facto. Um “esforço sério” é um comportamento de defesa do
bem jurídico que na altura se revela o mais idóneo para evitar a consumação
ou, não sendo o mais idóneo, possui idoneidade sem inutilizar formas mais
eficazes de tutelar o bem jurídico. No caso em apreço o antídoto dado à vítima
seria o meio mais idóneo de evitar a morte, pelo que o agente teve um esforço
sério para impedir a consumação. Esforço esse que é voluntário: partiu de uma
decisão própria, não imposta ou controlada por outrem, nem determinada por
uma maior exposição a um risco que poderia exluir a liberdade de decisão.
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Donde, a desistência é relevante e pode produzir o efeito isentador da pena. O
que está de acordo com os fins de prevenção geral e especial da pena estatal.
2. Conclusão : anulação da pena por força do art. 24º, nº 2, relativamente à
punibilidade da tentativa praticada. Este instituto tem efeitos exclusivamente
pessoais. Contudo, os efeitos do art. 24º não se estendem aos crimes que se
consumarem durante o iter criminis.
criminis. Por isso há ainda que ponderar as lesões na
integridade física sofridas por B.
B) Responsabilid
Responsabilidadeade de C pelas ofensas graves sofridas por B quando lhe
revela o que se passou
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D) Conclusão final quanto à reponsabilidade criminal de C.
C será apenas responsável por um homicídio negligente (art. 137º e art. 15º) na
pessoa de F.
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b) Inexistência de "participação na participação" como uma forma típica de
envolvimento comparticipativo. É exactamente isto que resulta da parte final do
art. 26º e do art. 27º, 1, do princípio da acessoriedade e do facto de as normas
de comparticipação serem tipos de ilícito que alargam a tipicidade das normas
da Parte Especial.
c) Só é possível responsabilizar D como cúmplice material por referência ao
facto do autor mediato: seria então um caso de cumplicidade indirecta,
indirecta, em que
a colaboração no facto executado (pelo autor) é intermediada por A (o
instigador).
d) Pode afirmar-se que o contributo prestado teve repercussão causal no facto
quando o autor mediato se engana e não utiliza o contributo do cúmplice? Não.
Mas ficará D impune? A resposta depende da tese aceite quanto ao início da
tentativa do autor mediato:
mediato: se o acto de C de preparar o leite, supostamente
envenenado, for qualificado como uma tentativa, então a resposta quanto à
responsabi
responsabilidade
lidade de D é positiv - . D será cúmplice material do facto praticado
por C; se não for ainda um acto de execução, D não será responsabilizado.
responsabilizado.
A solução mais correcta, face à interpretação defendida para a alínea c) do
artigo 22º, n.º 2, é a de que o acto de preparar o leite envenenado é já um acto
de execução (proximidade com a vítima e imediação cronológica em relação aos
actos subsequentes).
e) Aplicação do artigo 28º, nº 1 que poderá permitir fazer funcionar a
agravante do parentesco (art. 132.º, n.º 2 al. a), comunicando o grau de
ilicitude do facto dum participante para outro participante. O que é possível
porque D conhece os planos de A e, portanto, a relação de parentesco em
causa.
Conclusão:
Conclusão: D é cúmplice material duma tentativa de homicídio executada (em
autoria mediata) por C.