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É
sibilidade aos problemas humanos, que, na mai-
de praxe reconhecer-se que apresentar oria das vezes, não encontra lugar nas obras dos
dados da vida pessoal e fazer observa- denominados grandes filósofos, nem nos gran-
ções generalizadas de um determinado des sistemas que configuram a história da filo-
autor é, no contexto atual do trabalho acadêmi- sofia. Quando as exceções se efetivam, elas
co, um procedimento que suscita quase que ne- aparecem apenas nas articulações de uma “An-
tropologia Filosófica”, de uma “Filosofia Políti-
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ca”, uma “Filosofia Moral” e mesmo como um
* Mestre em Filosofia e Prof. Assistente do Depto. de Filosofia da
Unicap sistema de ética.
Todavia o estatuto que lhes é conferido Ainda neste mesmo ano (1930), juntamente com
nem sempre ultrapassa o “status” de apêndice ou uma colega de curso, Mlle. Peiffer, fez a tradu-
aspecto complementar de um sistema mais glo- ção para o francês das “Meditações Cartesianas
bal. Além disso, quando a presença do humano de Husserl”.
e seus problemas se deixam visibilizar nos siste-
mas e obras de determinados pensadores, é com Em 1939, nos horrores da segunda guerra
o claro intuito de se evidenciar a coerência lógi- mundial, foi tolhido pelo nacional-socialismo e
ca do pensamento e exaltar elegantemente as passou cinco anos de prisão nos campos de con-
possibilidades e o potencial da razão. centração nazistas na Bretanha (Alemanha).
Homem Messiânico. Uma introdução ao Pensa- Ainda segundo Ulpiano, é possível apon-
mento de Emmanuel Lévinas”. Publicado em tar-se, no conjunto da obra de Lévinas, quatro
parceria pela Escola Superior de Teologia São características internas que, de algum modo, ser-
Lourenço de Brindes e Editora Vozes, em 1984. vem de chave de leitura e aproximação à pro-
blemática por ele enfrentada. Essas caracterís-
O mesmo autor (Luiz Carlos Susin) tem ticas aparecem em pares de oposições que con-
importantíssimos estudos temáticos sobre a obra vergem e se complementam como formulações
do autor que estão difundidos em Revistas e de uma só oposição fundamental.
Textos Coletâneas. Veja-se, por exemplo:
“Lévinas e a Reconstrução da Subjetividade” IN: A PRIMEIRA CARACTERÍSTICA QUE SE PODE CONSTA -
VERITAS, Porto Alegre, n. 37, nº 147 - setembro TAR É A OPOSIÇÃO ENTRE FILOSOFIA E TEOLOGIA.
de 1992; “O esquecimento do <Outro> na His-
tória do Ocidente”, IN: REB, vol. 47, Fasc. 188, Por várias vezes, mas, sobretudo, a par-
dezembro de 1987; “Lévinas: A Ética é a Óti- tir de TOTALIDADE E INFINITO, Lévinas afirma que
ca”, IN: DIALÉTICA E LIBERDADE. Ernildo Stein e a intenção de suas investigações deve ser consi-
Luis A. De Boni, Petrópolis: Vozes, 1993; derada filosófica. Com isso ele quer rebater seus
“Lévinas e a Opção pelos Pobres”, IN: CADER- críticos que consideram sua obra como um
NOS DA FAMINC, Viamão, nº 13, 1995; “Pensar empirismo ou simplesmente Teologia. Contra
a Morte”, IN: FINITUDE E TRANSCENDÊNCIA. Luis eles, Lévinas afirma que nem quer, nem pode
A. De Boni, Petrópolis: Vozes, 1996. fazer Teologia. Seu discurso é propriamente fi-
Sobre a idéia do “Infinito”, temos o estu- losófico. Por outro lado, na sua obra OUTRO QUE
do (dissertação de mestrado) realizado pelo Prof. SER OU PARA ALÉM DA ESSÊNCIA, ele afirma que a
Ricardo Timm de Sousa, PUC-RS, Porto Alegre, tarefa da filosofia é “escutar a Deus”.
em 1991.
O seu projeto filosófico de proceder a uma
Um estudo também significativo foi reali- investigação para além da essência termina nos
zado (dissertação de mestrado) pelo Prof. Mar- seus últimos escritos, por determinar esse “mais
celo Luiz Pelizzoli, sobre a Relação ao Outro além”, Deus. O problema de Deus, que nos seus
em Husserl e Lévinas, PUC-RS, Porto Alegre, em primeiros escritos fica um pouco recalcado, por
1994. assim dizer, desponta vigorosamente depois de
Totalidade e Infinito e, a partir daí, põe-se como
Sugere Ulpiano Vazquez 2 que as obras inseparável do problema do Sentido, da Lingua-
posteriores a HUMANISMO DO O UTRO HOMEM e gem, da Subjetividade, da Ética, enfim, da Filo-
OUTRO QUE SER, sobretudo, DEUS E A FILOSOFIA, é sofia.
um referencial obrigatório para a interpretação
de todo fazer filosófico de Lévinas, assim como No entanto, Lévinas pensa que essa opo-
os trabalhos sobre Husserl e Heidegger servirão sição não é real e não pode constituir-se numa
de chave para a análise das características da alternativa, pois os termos contrapostos cami-
relação estabelecida com os filósofos alemães nham numa mesma direção, ou seja, tanto a fi-
desde os primeiros anos de sua (atividade) in- losofia ocidental como a teologia podem ser con-
vestigação filosófica. Tal relação verifica-se sideradas como destruidoras da transcendência.
como diálogo ou debate crítico travado por Por isso, ele busca um escutar a Deus fora do
Lévinas com a tradição filosófica ocidental. No discurso filosófico ocidental e fora da teologia
último período desse debate, ele cita figuras que desemboca numa ontologia.
como Spinoza, Kant, Hegel e Nietzsche.
to, mostrou-se, segundo Lévinas, incapaz de man- sua função de “ANCILLA” da Teologia e da Políti-
ter-se como fundamento de uma situação ética. ca bem como a função de mediadora absoluta.
Essa possibilidade é afirmada por ele, recorren- Entende que a sua função específica, indispen-
do à Bíblia hebraica e à interpretação talmúdica sável deve efetivar-se como “sabedoria do amor
da Bíblia, que são consideradas por ele como ao serviço do amor” 5. Isso quer significar que
“concretização empírica onde a possibilidade a Filosofia deve estar a serviço de um DIZER
condicionante do discurso se realiza permitindo que se põe para além do âmbito do ser. “Dizer
que o sentido invisível na condição se torne vi- inesgotável na APOFANSIS do DITO e, por e
sível na concretização” 3. Dessa maneira, admi- para ele, serviço a justiça”6.
te o autor, que é possível pensar-se na possibili-
dade de o discurso filosófico fundamentar uma Nesse sentido, é mister enfatizar-se, aqui,
ética, à medida que esse discurso seja capaz de que a idéia de justiça é uma das mais fundamen-
operar com um recurso não recorrente à tais questões nas considerações do nosso autor.
ontologia, mas para além do ser. Por conseguin- Ousamos até afirmar que a justiça é para ele uma
te sugere que a instância ancoradora desse dis- espécie de idéia matriz ou um firme alicerce, a
curso seja, o Bem, o Infinito, Deus, enfim, como partir do qual se constrói o edifício da compre-
condição fundante da incondicional situação éti- ensão e o sentido radical de outras tantas cate-
ca. gorias também fundamentais, como: Verdade,
Metafísica, Significação, Desejo, Transcendência,
Nessa direção, Lévinas contesta a civiliza- Infinito etc. Certamente, por isso, um de seus
ção cristã e a filosofia ocidental, por preferir os interlocutores, Philippe Nemo, apresenta uma de
filósofos e rejeitar os profetas. Ou ainda, sim- suas obras e diz: “A questão primeira, pela qual
plesmente pretender assimilar e preferir profetas o ser se dilacera e o humano se instaura como
e filósofos simultaneamente, conciliando, assim, <diversamente de ser> e transcendência relati-
Grécia e Jerusalém. Nisso Lévinas vê uma gran- vamente ao mundo, aquela sem a qual, ao invés,
de hipocrisia. Diz ele: “Desde que a escatologia qualquer outra interrogação do pensamento é
opôs a paz a guerra, a evidência da guerra se apenas vaidade e corrida atrás do vento - é a
mantém em uma civilização essencialmente hi- questão da justiça”7.
pócrita, quer dizer: ligada ao mesmo tempo ao
Verdadeiro e ao Bem, desde então antagonistas. Além dessas quatro características percep-
Já é hora de reconhecer na hipocrisia não só um tíveis na obra de Lévinas, também se pode en-
desprezível defeito contingente do homem, mas contrar, na sua produção teórica como um todo,
também o profundo desgarramento de um mun- três grandes eixos temáticos que podem servir
do ligado simultaneamente aos filósofos e aos de critério ou chave de leitura para compreen-
profetas” 4. der-se a evolução do seu pensamento.
O posto, porém, não nos permite formular Num primeiro momento, viabiliza-se uma
uma oposição irredutível entre profecia e filoso- temática de caráter eminentemente ontológico.
fia. Tal oposição não encontra plausibilidade no Tem-se, nesse momento, a subjetividade relaci-
interior de sua obra. O que deve ficar em evi- onada ao mundo e à intersubjetividade no mun-
dência é a denúncia que ele faz à pretensão que do. A categoria articuladora desse eixo seria a
julga possível manter simultaneamente uma idên- categoria do “SER”.
tica adesão à Filosofia e à Profecia.
Um segundo momento apresenta-se como
Ele reconhece e reivindica a importância e Metafísico. (Para além da Ontologia). Aqui, tem-
função do discurso filosófico, porém contesta a se a alteridade e a relação ao Outro no Face-a-
outras (e, em particular, todos os que, de uma já estão por demais afeitos ao modo de pensar e
maneira original, estético ou ontológico), é um ao estilo próprio da racionalidade levada a cabo
dos objetivos da presente obra”15. no Ocidente, cunhada no rigor da lógica e na pre-
cisão conceitual.
É nessa perspectiva que se deve conside-
rar o vigor de força que tem suas intuições de Talvez seja necessário “inverter os ter-
que “a ética é ótica”16. E que “a moral não é um mos”, como ele o diz, e fazer-se um esforço de
ramo da filosofia, mas a Filosofia Primeira”17. um pôr-se no lugar de alguém que sofreu, na pró-
pria pele, os horrores e danos de uma
Parece-nos, portanto, que o autor nos ins- racionalidade que distinguiu, separou e opôs ra-
tiga a pensar a nossa condição de homens, en- dicalmente o ato de inteligir e o ato de sentir, e
quanto entes capazes de manter uma relação tentar uma nova maneira de compreender a
intersubjetiva, à medida que formos capazes de inteligibilidade, prescindindo da radicalidade da
pensar a nossa subjetividade estruturada funda- distinção e da oposição. Em outras palavras,
mentalmente pela responsabilidade infinita para pensamos ser oportuno sugerir como recurso
com a alteridade do outro, de modo que “o infi- facilitador para a entrada na perspectiva do pen-
nito da responsabilidade não traduza a sua imen- samento de Lévinas, a fórmula de Xavier Zubiri
sidade atual mas um aumento de responsabili- ao dizer que “Inteligir é um modo de sentir, e
dade, à medida que ela se assume, os deveres sentir é no homem um modo de inteligir”19.
alargam-se à medida que se cumprem”18.
Se uma tal perspectiva for implementada,
Essa exigência de radical responsabilida- muito provavelmente emergirá a desconfiança na
de para com o outro deve acontecer como se Potência da razão, assim como em suas grandes
nunca pudéssemos dizer: “Estou satisfeito com conquistas como a síntese, o conceito, o siste-
a medida da minha responsabilidade”. Pois, o ma, a objetividade e, enfim, a maravilha da
último parâmetro possível de medida é a sua pró- abrangente totalidade. Essas maravilhas se cons-
pria desmedida. Em outras palavras, ela põe-se tituíram em elementos fundamentais,
para nós como exigência de infinito, como uma identificadores do nosso modo próprio de ser. E,
espécie de desejo que nunca encontra satisfa- por isso, motivo do nosso grande “orgulho”.
ção.
Certamente, será preciso proceder-se a uma
IV - CONSIDERAÇÕES FINAIS troca de óculos para poder-se enxergar a “vergo-
nha” de querer sempre poder sobre “aquilo” que
As considerações que fizemos neste mo- não se pode poder. O outro é para Lévinas esse
desto texto, sobre Lévinas, o homem e a obra, “aquilo”, que a rigor não é “aquilo” nem “isto”
visaram tão-somente a oferecer informações pre- é ALGUÉM. Alguém que, na sua condição de
liminares com o intuito de possibilitar uma mo- alteridade, se apresenta solicitando um entrar em
tivação a uma leitura e meditação de seus pró- relação, em pôr-se frente-a-frente, num verda-
prios textos. deiro face-a-face, sem que haja a possibilidade
de assimilação ou introdução de um no outro
Aqueles que, porventura, dispuserem-se a respectivamente. Mas, de fato, a relação se efe-
um contato mais próximo e íntimo com a sua tive sem que seja quebrada a distância que os
obra ou com um texto particularmente, com cer- separa e sem que a separação impossibilite a re-
teza encontrarão algumas dificuldades para com- lação. Quer dizer que aconteça a relação em ra-
preender determinados conceitos e algumas de dical respeito pela alteridade do outro.
suas intuições originais, sobretudo aqueles que
1
Este critério é aplicado por Ulpiano Vazquez 14
Lévinas, E. Totalidade e Infinito. Lisboa, Ed.
Moro na obra “E L D ISCURSO SOBRE D IOS EN LA 70. p. 65.
O BRA DE E. LÉVINAS”. Publicaciones de la
Universidad Pontificia Consillas, Madrid, 15
Ibid., p. 65
1982.
16
Ibid., p. 65
2
Ibid., p. 9.
17
Ibid., p. 284.
3
Ibid., p. 25..
18
Ibid., p. 222.
4
Ibid., p. 31.
19
Citado por Severino Pintor Ramos. In: De
5
Ramos, Antonio Pintor, In: De otro modo Otro modo que ser, o más allá de la essencia.
que ser, o más allá de la essencia - Ediciones p. 31.
Sígneme, Salamanca, 1987. p. 30.
Lévinas, E. Humanismo do Outro Homem,
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