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Xô, satanás!

por Reinaldo Polito

Conheço pessoas, e não são poucas, que se especializaram no "chororô". Passam o


dia todo sempre reclamando de alguma coisa: do governo que cobra muito imposto, da taxa
de juros que inviabiliza qualquer atividade, do desemprego que provoca aumento da
criminalidade, da falta de tempo para cumprir suas tarefas profissionais, da falta de tempo
para o lazer, do excesso de liberdade das mulheres, do chauvinismo grosseiro dos homens,
da ejaculação precoce do gafanhoto. O que não falta é motivo para reclamar. Alguns se
especializaram com tanta competência nessa arte de chorar com os olhos enxutos, que
estou quase certo de que resmungam até quando estão dormindo.
Problemas sempre existiram e continuarão a existir. Meu bisavô, que tive a felicidade
de conhecer, reclamava da situação do país, meu avô também embarcou no mesmo discurso
da análise negativista, meu pai fez jus ao DNA, eu não reneguei a tradição familiar e, para
meu espanto, além dos meus quatro filhos resmungões, já tenho a Letícia, uma neta que nos
primeiros aninhos ensaia suas primeiras esperneadas. Bem, uma reclamaçãozinha aqui,
outra ali, acho que até ajuda a abrir um pouco as artérias e a dar mais leveza ao espírito.
Agora, viver com a boca impregnada de bílis já é outra história. Sinto também que o
"chororô" acaba se transformando numa espécie de doença contagiosa, pois quem vive
muito ao lado das carpideiras acaba contaminado pela mesma ladainha, e quando menos se
dá conta lá está pregando as desgraças da vida. Vou abrir meu coração com você - estou
escrevendo este texto também para mim, porque acredito que com esta pregação me junto
aos leitores e passo a refletir melhor sobre o meu comportamento. E antes de concluir já me
penitenciei por algumas atitudes que tenho tomado nos últimos tempos. Então, vamos
participar da mesma roda e nos juntar para dar um xô, satanás e afugentar a mania de só
enxergar o que pode ser lamentado. Não estou dizendo que deveríamos adotar uma filosofia
Poliana e passar a ver apenas o lado cor-de-rosa das coisas, pois você deve concordar
comigo que essa atitude pode ser tão irritante quanto a choradeira, mas que dá para colorir
um pouco mais o cinzento da vida, isso dá. Se você está trabalhando demais, pense
naqueles que se levantam cedo para bater de porta em porta na busca de um emprego e
voltam à noite desanimados por mais um dia sem resultados. Sem contar que,
provavelmente, trabalhar mais ou menos pode ser apenas sua opção. Se você reclama da
falta de tempo, procure administrar melhor as horas do dia e a se concentrar nas atividades
que sejam prioritárias. É incrível como perdemos tempo com tarefas que poderiam ser
adiadas.
Considerando ainda que aqueles que reclamam da falta de tempo não aprenderam a
delegar. Lógico que você faz tudo muito melhor do que os outros, mas mesmo que não saia
com a perfeição desejada, de um jeito ou de outro a vida vai em frente e seu tempo poderá
ser dedicado ao que for mais relevante. Ah, e depois não comece a reclamar do outro que
não fez tudo do jeitinho que você gostaria que fizesse.
Assim, se ao atender ao telefone, depois de cumprimentar, você já estiver
respondendo à pergunta de "Como vai?" com o carimbo de todos os dias: "Na correria",
comece a mudar de atitude e adote outro discurso. Ninguém vai se condoer pelo fato de você
estar trabalhando muito ou estar constantemente ocupado, muito ao contrário, lá no fundo
estarão criticando: lá vem ele de novo com aquela conversa chata de sempre.
Fique bem atento, porque nós não percebemos como essa praga vai se alastrando na
nossa comunicação. Começa com um pequeno suspiro de impotência pela grande
quantidade de afazeres que vem pela frente e progride muito rápido, até chegar ao hábito
arraigado de reclamar de tudo, independentemente de o assunto ser ou não importante - xô,
satanás.

Reinaldo Polito
Revista Seu Sucesso nº 10
Esses e outros conceitos são desenvolvidos no curso de expressão verbal ministrado
pelo Professor Reinaldo Polito.
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