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* .. Huco Marr DA LUcia MACHADO RENATO DE MELLO Orgs. ANALISE DO DISCURSO Fundamentos e Praticas 1 FACULDADE DE LETRAS DA UFMG Nicleo de Andlise do Discurso a BELO HORIZONTE al 2001 al 3 3 asta Mauer}, Copies -MARL, Feral, Anco discors:jendumentore prices. Belo orieoate Néeiea de Anise do Discuiso-FALE/UFMG, 200. RETORICA, ARGUMENTACAO E DISCURSO ‘Wander Emediato DE SOUZA Fale-UFMG ¢ CAD/Paris XI INTRODUCAO © pesquisador interessado pela questo do discurso se encontra, em algam momento de seu trabalho, como problema da intengiio de influéncia © da persuaséio. Toda ago comunicativa é finalizada, ou seja, dirigida a um fim. Esse fim pode ser, por exemplo, o de influenciar um auditério ou tm interlocutor a fazer algo ou a aderir a ‘uma crenga, Por outro Jado, uma intenglo pode estar simplesmente selacionada com uma finalidade informativa sem que esta esteja necessariamente a servigo de uma influéncia, Nem toda informagiio visa intencionatmente a influenciar um audit6rio. O ato de responder a uma pessoa que nos pergunta as horas dificilmente (salvo ma fé) inclui um fim de influéncia sobre sua crenga no tempo. Por outro lado, situagdes marcadas por conflitos de posicSes e de crengas, onde virtuais ganhos e vantagens se encontram em jogo, implicam uma outta maneira de ver as coisas. Nesses casos, nfo estamos na presenga de uma simples intengiio informativa, pois 0 roteiro da eommnicaglio se tora hastante importwate na realizaedo de ganhos e vantagens. O principio de influencia € entio valotizado, ¢ as estratégias de Tinguagem cotocadas em jogo visam a elaborar um discurso capaz nifo sé de transformar as crengas de um auditério, como também de faré-10 aderir as teses que Ihe sero apresentadas. Entramos assim no terreno da argumentacio € da retérica. Vérias so as teorias da argumentagéio. Em termos discursivos, um princfpio comum parece fundamental : argumentar & um ato que visa a provocar em um auditério, por meio de um enuncisdo ou de um conjunto de enunciados, uma rélativa adesio a um outro enunciado (tese, conclustio ou ‘inferéncia) deduzido a partir do primeiro, Esse 1s? ptincipio fundamental assimila a argumentaglo A retérica © A inferéncia I6gica, podendo ser representado pela seguinte férranla A Qc em que a letra (A) representa um primeiro enunciado com valor de Argumento, ¢ a letra C representa um segundo enunciado, dedutivel de A, representando a Conclusio. Em termos gerais, 0 principio pretende que dizendo A, o locuter queira Jevar o interlocutor (euditério) a concluir C © a aceiter tal conclustio como verdadeira, posto que justificada por A, Até aqui, a questio da argumentagao no parece ainda colocar um grande problema. Da formula acima, podemos facilmente construir arguinentagGes, tais como : Asc 1) O candidato 6 bonito — vote nele 2)O candidato 6 honesto -> vote nele On 3} Todos os homens so mortais, ‘Séorates ¢ um homem, —S6erates € mortal De maneira geral, os enunciados em A podem representar, em situaedes determinadas, argumentos mais ou menos vélidos para concluir ©. Entre (1), (2) ¢ (3) ha visivelmente uma diferenga: os dois primeiros dependem do contexte ¢ podem ser facilmente refutados, enguanto o enunciado (3) visa a construir uma inferéncia légica, independente do contesto, j& que sua conclusto nio pode ser refutada se forem aceites as premissas. Os dois primeiros enunciados, mais importantes para 0 nosso propésito, podem ser oferecidos como razdes para levar um anditério.a concluir Ce a efetuar a aco proposta em C de votar em um candidato que possua um dos predicados de A. No entanto, podem-se aceitar as premissas ¢, mesmo assim, refutar a conclusdo. Vista desta mancira, a argumentagto se reduziria & proposigao de predicados positivos capazes de orientar a conclustio. © problema comega a se complicar quando resolvemos questionar qual € a fungao da flecha (>). Questionar a funcio da flecha consist 158 é : : ' sooieeoennrnemnrren: em problematizar a relagio instourada ov postulada entre Ae C, ov seja, entre o argumento apresentado ¢ a conclusdo que se pretende validar por meio desse argumento, A. flecha representa a lei de passagem, 0 elo que permite ligar A a C de maneira que tal relago parega natural ¢ nio problemdtica, quando, na verdade, ela o &. B, pois, essa lei de passagem que pretende estabelecer uma relagao argumentativa entre © predicado “Bonito” ¢ a canclusio “Vote nele”. £ ainda essa lei de passagem que postula que 2 “honestidade” é um bom argumento para votar-se em alguém (ou a “eficiéncia”, ou, ainda, 9 fato de ser “de esquerda ou de direita”). Isso equivale a dizer que ‘qualquer argumento pode ser vélido desde que ele esteja validado por uma lei de passagem aceitdvel. A adesto de um audit6rio & conclusio ou tese defendida depende da forga argumentativa da lei de passagem e de sua aceitabilidade. E, pois, a lei de passagem que constitui o niicleo de toda argumentagSo. Para compreender o fendmeno da argumentagio, devemos esclarecer melhor este princfpio que parece sustentar as argumentagbes € motivar cada vez mais os estudes nessa area. Propomos aqui um breve percirso pelo probleme, apresentando quatro trabalhos todernos sobre a questiio da argumentagdo. Todos propéem, cada um a sua ‘maneira, uma Visto te6rica da argumentagio © da lei de passagem: a teoria neo-estrutaralista da argumentagao de Duerot, a Nova Retérica proposta por Perelman e Ollbrechts-Tyteca @ 0s modelos desenvolvicos por Charaudeau ¢ Toulznin. As teorias da argumentagdo pertencem a uma antiga tradigfo: a da retérica. Blas representam uma certa retomada desta disciplina que se encontrava relativamente morta, Com a evolucio dos meios de comunicagio de massa ¢ das democracias, 0 estudo da retorica volta A tona de maneira espetncular. Faz-se necessario, antes dé entrar no dominio propriamente dito da argumentagio moderna, um breve percurso pelos fundamentos da ret6rica cldssica. FUNDAMENTOS DE RETORICA B no contexto da Grécia antiga e em oposigiio aos tiranos que até entio exerciam 0 poder nas cidades gregas que teria surgido a retérica como pritica metédica (e ensinada) de uso da eloqiéncia, Sua emergéncia é sitada na Sicilia do século V antes de Cristo, dorante a 159 queda de um tirano que tinha em Corax seu principal ministro, Corns Ehao que responder A multidio que exigia ver seus assuntos Teolvidos (sobretudo questées de terra e bens) foi levado a se cxplicar, Obteve um tal sucesso com seu discurso eloglente as cchvenceu a multidio inquieta, Surpreso com o poder do proprio Gleourso, Corax decidiu ensinar a retérica como arte da oratéria © da ‘persuasdo. Foi, pois, num contexto judicidrio que a retérica feve Sn Pmergéneia, em umna situa tipica de acusagto e defesa-justivicssio. a rreriea jniciou assim ume carreira extraordinéria que se confunde Jom o desenvolvimento da democracia grega. Passou a ser ensinada sovaistema de edacagilo grego e era apresentada como fundamental © {inl na acho politica, na administragdo das cidades © no sistema de Jecisdo, deliberagao e julgamento de causas nos tribunais. O discfpule mais famoso de Corax, Tisias, era igualmente um grande orudor © teve: por disefpulo um dos mais famnosos oradores da époce, Oérgias, citado Por Plato em inimeros didlogos © mais expecificamente em seu Gorgias, onde disloga com Séerates, grande apositor da retérica Para os grogos, a retérica € a arte da elogléncia © o estudo desta corresponde ao estudo’ do discurso € das téenicas utilizadas pare persuadir, manipular ou convencer um ‘auditério'. Seguindo a tradig¢ao Relenistica, Quintiliano (Institutions oratoires, TI, xv, trad, franceso, Ouizifle, Gamier, 1865: 180) a define assim: “a retGrica € a arte de falar sobre 0 que constitui um problema nos negécios civeis, de qameira a persuadir” (trad. nossa). A retérica se repartia em 3 géneros Ye diseursost 0 género judicifrio, que se realizava na prética de fcusagio 00 de defesa nos tribunais, sustentado no ertério de “justo” © sejoveomo meio de argumentagio poncipal o antimema, espécie de Taolovicio dedutivo; o enero deliberative que servia para orlontar as Yecisdes das assembléias puiblicas no que era util a cidade, Tinha no fexemplo © na analogia 0 principal argumento; por fim, o genera cpidigtico, que se eevpava da Tonvagio (de heréis, de defuntos, go Corugem) sobre 0 critério do belo © tendo como argumentacko predominante a amplificagdo, Além dos generos, 0 ensino da retérica ——— 1 Nada parece distinguir substancialmente a retérica da argumentagto. Nesl= ponto, ba que se fazet urna distingdo entre das reéricas, n retérica 0 Tonio, que € uma rexdrica argumentativa, da retdrioa das figura que $ Confunde com uma teoria da literatura. Nosso interesse estarfi voltndo aqui para a retGrica argumentativi. 160 cera commmente subdividide em quatro partes, cada uma servindo Pars ‘melhor estruturar 0 discurso’

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