Jacques Derrida
Elisabeth Roudinesco
De que amanha...
Didlogo
Tradugao:
ANDRE TELLES
Revisao técnica:
ANTONIO CARLOS DOS SANTOS
Doutor em Teoria Literdria (UFSC)
Jorge Zahar Editor
Rio de JaneiroCIP-Brasil. Catalogacdo-na-fonte
Sindicato Nacional dos Editores de Livros, RJ
Derrida, Jacques, 1930-
De que amanha: dislogo/Jacques Derrida; Elisabeth Roudi-
nesco; tradugo André Telles, revisto técnica Antonio Carlos dos
Santos. —Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2004.
‘Tradugao de: De quoi demain...
ISBN 85-7110-761-0
1, Derrida, Jacques, 1930 - Entrevistas, 2. Roudinesco, Elisa~
beth, 1944 — Entrevistas. 3. Filosofia. 4. Psicandlise.
CDD 194
03-2491 _cpu nas)11. ESCOLHER SUA HERANGA
ELISABETH ROUDINESCO: Gostaria em primeiro lugar de evocar o passado,
nossa histéria comum. Hoje em dia é de bom tom rejeitar os pensadores dos
anos 1970 e exigir daqueles que os invocam um “dever de inventério” ou,
pior ainda, um “arrependimento”. As obras daquela época, marcadas pela
conjuntura tao particular do “estruturalismo’, sao criticadas ora pela valori-
zaco excessiva do espirito de revolta, ora pelo culto do esteticismo, ora por
um apego a certo formalismo da lingua, ora pela rejeicao das liberdades de-
mocraticas e um profundo ceticismo a respeito do humanismo. Parece-me
que esse ostracismo € estéril e que convém abordar nossa época de maneira
bem diferente. Trata-se de “escolher sua heranca’, segundo seus préprios ter-
mos: nem aceitar tudo, nem fazer tabula rasa.
O senhor é 0 herdeiro das obras mais importantes da segunda metade
do século XX. Varias dentre elas sao oriundas dos sistemas de pensamento
atualmente recusados. O senhor “desconstruiu” essas obras, especialmente
1 Utilizado pela primeira vez por Jacques Derrida em 1967 na Gramatologia, o termo “des-
construgao” foi tomado da arquitetura. Significa a deposi¢ao ou decomposigao de uma estru-
tura. Em sua definicao derridiana, remete a um trabalho do pensamento inconsciente (“isso
se desconstr6i”), e que consiste em desfazer, sem nunca destruir, um sistema de pensamento
hegemédnico ou dominante. Desconstruir é de certo modo resistir a tirania do Um, do logos,
da metafisica (ocidental) na prépria lingua em que ¢ enunciada, com a ajuda do proprio
material deslocado, movido com fins de reconstrug6es cambiantes. A desconstrugao é “o que
acontece”, aquilo acerca de que nao sabemos se chegaré a seu destino etc, Jacques Derrida lhe
confere igualmente um uso gramatical: 0 termo designa entéo uma desorganizagao da cons-
truco das palavras na frase. Ver a “Lettre a un ami japonais” (1985), in Psyché: invention de
Pautre, Paris, Galilée, 1987, p.387-95. No grande diciondrio de Emile Littré, podemos ler: “A
erudi¢do moderna nos atesta que numa regio do imével Oriente uma lingua que havia che-
gado a perfeicdo foi desconstruida e alterada em si mesma exclusivamente pela lei da mudan-
¢a natural do espirito humano.”