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Revista BaasiceiRa DE ANALISE D0 CoMPORTAMENTO/ BRAZILIAN JOURNAL OF BEHAVIOR ANALYSIS, 2005, VOL 1. , 149-165 A ANALISE DE FENOMENOS SOCIAIS: ESBOGANDO UMA PROPOSTA PARA A IDENTIFICAGAO DE CONTINGENCIAS ENTRELACADAS E METACONTIGENCIAS ! ANALYSIS OF SOCIAL PHENOMENA: IDENTIFYING INTERLOCKING CONTINGENCIES AND METACONTINGENCIES Maria Amaia Pig Apis ANDERY? Nitza MICHELETTO ‘TeREZA MaRIA DE AZEVEDO Pires SERIO? PONTIFICIA UNIVERSIDADE CATOLICA DE SAO PAULO, BRASIL, RESUMO Discute-se nest artigo alguns dos aspectos que devem ser considerados para que a anlise do comportamento possa efetivamente assumir o estudo de fenémenos sociais como parte de seu objeto de estudo. Duas possiveis uunidades de andlise -contingéncias entrelagadas e metacontingéncias- envolvidas no estudo destes fendmenos sio apresentadas. Sao também apresentadas as caracteristicas especiais dos fenémenos sociais destacando-se: (a) aquelas, que consticuem o ambiente social, seja como estimulos antecedentes, seja como conseqiiéncias, (b) os elementos constitutivos das contingéncias entrelacadas ¢ (c) 0 comportamento verbal relacionado a tais contingéncias. Finalmente, io abordadas diferentes alternativas metodoldgicas para o estudo dos fendmenos soc Palavras-chave: fendmeno social, cultura, pritica cultural, comportamento social, contingéncias entrelagadas, metacontingéncias. ABSTRACT This paper discusses some aspects which should be taken into account in the study of social phenomena from a behavior analytic perspective. Two units of analysis which might be involved in social phenomena ~ interlocking contingencies of reinforcement and metacontingencies are described, The special features of social Phenomena are alse described and discussed, with an emphasis on: (a) the social environment as antecedent stimuli and as consequences; (b) the elements which constitute interlocking contingencies; and (c) the verbal behavior involved in such interlocking contingencies of reinforcement. Distinct methodological alternatives which, might be appropriate for the study of social phenomena from a behavioral analytic perspective are also briefly esc Key words: social phenomena, interlocking contingencies, metacontingency, social behavior, cultural practice, Uma simples consulta a dois dos primei- qualquer diivida sobre a inclusio de fendme- ros livros sobre conceitos bisicos em anilise do _ nos sociais entre os fendmenos que séo vistos comportamento (Keller & Schoenfeld, 1950, como legitimos objetos de estudo da anélise ¢ Skinner, 1953) seria suficiente para eliminar do comportamento. Entretanto, se isto nfo 1 Corzespondéncia pars Maria Amalia Pie Abib Andery. Rua Antonio Alves de Lima Neto, 13 CEP 04031-060,Sio Paulo, SP FAX: 3670-8386, mandy pcp br Bolists CNPg.procesto no, 305030!2002-7 3 Bolen CNPq proceso no, 305032/2002.0 149 IDENTIFICAGAO DE CONTINGENCIAS ENTRELAGADAS E METACONTIGENCIAS fosse suficiente, hé uma afirmagio de Skinner (1953) bastante contundente sobre esta inclu- séo: “Propor uma mudanga em uma pratica cultural, fazer tal mudanga e aceité-la sao par- tes de nosso objeto de estudo” (p.427). Na verdade, a preocupagio dos analistas do comportamento com o estudo de fenéme- nos sociais no s6 nao é uma novidade (ver, por exemplo, Ulrich, Stachnik & Mabry, 1966, Burguess ¢ Bushell, 1969, e Kunkel, 1970), ela vem se expandindo de forma que jé estabe- lecemos, hoje, uma literatura de referéncia so- bre diferentes aspectos envolvidos na andlise de tais fendmenos (por exemplo, Ishaq, 1991; Lamal, 1991, 1997; Guerin, 1994; Matraini & Thyer, 1996). O PROBLEMA DA UNIDADE DE ANALISE Entretanto, o reconhecimento dos fe- némenos sociais como objeto de estudo da andlise do comportamento nio é suficiente para que tais fendmenos sejam adequadamen- te abordados dentro desta perspectiva. Te- remos de enfrentar (colocar ¢ resolver) um conjunto de problemas para que possamos efetivamente fazer com que a andlise do com- portamento possa contribuir para a compre- ensio dos fendmenos sociais. Um problema do qual, com certeza, nao poderemos fugir é © que se relaciona com a delimitagao da uni- dade de andlise com a qual devemos traba- Ihar ao tratar de fendmenos sociais. O pro- blema da unidade de anélise poderia ser as- sim formulado: a mesma unidade de andlise que tem sido utilizada para a descrigao de comportamentos operantes ~ a triplice con- tingéncia - deve ser mantida quando se trata do estudo de fendmenos sociais? O problema da unidade de andlise se co- loca aqui porque a expressio ‘fendmeno soci- al’ é um rétulo aplicado a um enorme niime- ro de fenémenos que abarcam desde aquilo que tem sido chamado de ‘comportamento social’ até aquilo que tem sido chamado de ‘pratica cultural’. ‘Comportamento social foi definido por Skinner, jd em 1953, como “o comportamento de duas ou mais pessoas, uma em relagio ou- tra ou, [dessas pessoas] em conjunto, em rela- so a um ambiente comum” (p. 297). Pierce (1991), comentando esta definigéo, apresenta dois exemplos que ilustram a abrangéncia dos comportamentos que seriam chamados de com- portamento social: “comportamento sexual & social porque os parceiros respondem ‘um em relagéo ao outro’ e cooperagio é social porque duas ou mais pessoas precisam coordenar suas respostas em relagdo a um ‘ambiente comum’ « (p.14). Como destaca Guerin (1994), po- demos falar em comportamento social quando uma outra pessoa estiver envolvida em qual- quer um dos trés elementos de uma contin- géncia de reforcamento (estimulos anteceden- tes, respostas, ou estimulos subseqiientes) ou, como ele prefere, quando estivermos diante de contingéncias com “propriedades sociais”, ou seja, diante de “quaisquer contingéncias em que uma outra pessoa estiver envolvida, seja como um estimulo contextual, como um determinante de conseqiténcias, ou como par- te do préprio comportamento (do grupo)” (p.79). ‘Jéuma pratica cultural “envolve a repeti 4o de comportamento operante andlogo entre individuos de uma dada geracio ¢ entre gera- Ges de individuos” (Glenn, 1991, p.60); as- 18a, M.A. B.A. ANDERY ET AL, sim, “quando relagées comportamentais que definem parte do contetido do repertério de um organismo sio replicadas nos repertérios de outras pessoas, em um sistema sociocultural, © comportamento replicado é chamado de uma pritica cultural.” (Glenn & Malagodi, 1991, p.5). Tal como no caso de comportamento so- cial, a expressio ‘pritica cultural’ também jé é encontrada em Ciéncia e Comportamento Hu- mano (1953, por exemplo, pp. 418, 419, 424, 425), quando Skinner introduz em sua andlise 0s aspectos culturais; em especial quando ele aborda tépicos que mais tarde (1981) serio parte integrante do modelo causal de selecéo por conseqiiéncias: ‘Vimos que, em certos aspectos,o reforgamento ‘operante se assemelha a sclecdo natural da teoria da evolusio. Assim como caracteristcas genéti- ‘cas que surgem como mutagbes so selecionadas ‘ou descartadas por suas conseqiiéncias, também. novas formas de comportamento sio selecionadas ou descartadas pelo reforgamento. Hé, ainda, uum tercciro tipo de seleso que se aplica is préti- cas culturais, Um grupo adota uma dada priti- ca—um costume, um uso, um mecanismo de controle — seja planejadamente ou por meio de algum evento que, no que diz respeito aseu efei- to sobre o grupo, pode ser completamente aci dental. Como caracteristica do ambiente social, «sta pritica modifica o comportamento dos mem- bros do grupo. (p.430) O que chama a atengio, no trecho cita- do, é que, quando falamos em praticas cultu- rais, as conseqiiéncias agem sobre o grupo € nao mais, como no caso da selego de compor- tamentos operantes, sobre 0 operante; em ou- tras palavras, nao estamos mais lidando com as relagGes selecionadoras entre resposta e suas con- seqiiéncias, mas sim estamos lidando com “o efeito sobre o grupo”, feito este produzido pelo conjunto de comportamentos dos membros do grupo. Este aspecto € destacado por Skinner quando ele mais formalmente apresenta o mo- delo de selegéo por conseqiiéncias; segundo Skinner (1981), 0 processo que descreve a evo- lugao de culturas: ‘omega, presumivelmente, no nivel do indivi- duo. Uma maneira melhor de fazer uma ferra- menta, cultivar um alimento, ou ensinar uma crianga ¢ reforgada por sua conseqiiéncia—res- pectivamente, a ferramenta, alimento, ou 0 aprendi2 til. Uma cultura evolui quando pré- ticas que se originam desta maneiracontribuem parao sucesso do grupo praticante na solugio de seus problemas. E 0 efeito sobre o grupo, no as conseqiiéncias reforcadoras para os membros in- dividuais, que é responsivel pela evolugio da cultura. (p.502) Este aspecto também tem sido destacado por analistas do comportamento que vém se dedicando ao estudo deste terceiro nivel de se- lecio do comportamento. Glenn e Malagodi (1991), por exemplo, afirmam que: ‘Uma conseqtiéncia comportamental é contingen- te atividade de um organismo singular eselecio- nao comportamento daquee individuo apenas. Um produto cultural é uma mudanga no ambi- ene que resulta do comportamento agregado nas contingéncias comportamentais entrelagadas... As mudangas no ambiente produzidas pelo compor- tamento agregado .. podem, entio,funcionar (ja imediatamente, seja mais tarde, seja de maneira gradual) para fortalecer ou enfraquecer as contin- géncias entrelagadas. (p.9) Parece, assim, que estamos, no caso das praticas culturais, diante de um fenémeno que 151 IDENTIFICAGAO DE CONTINGENCIAS ENTRELAGADAS E METACONTIGENCIAS tem sua origem no comportamento individu- al, mas que, a0 ganhar sua particularidade, nao mais pode ser descrito no ambito de sua ori gem. Como afirmam Glenn e Malagodi (1991) fendmenos culturais sio construidos por fend- menos comportamentais, o que nao quer dizer que possam ser reduzidos aos fendmenos comportamentais (assim como fenémenos comportamentais no podem ser reduzidos a eventos fisicoquimicos). (p- 6) E exatamente a possibilidade da configu- ragao de um fenémeno que nfo se limita as contingéncias que descrevem comportamentos operantes (quaisquer que sejam eles) de um individuo que coloca o problema da unidade de andlise: aparentemente, quando lidamos com praticas culturais, a contingéncia de reforcamento nio permite mais a descrigéo de todas as possiveis relagdes envolvidas, jé que as relagies que descrevem o efeito sobre o grupo nao estéo af contidas. Este problema se coloca quando estamos diante de praticas culturais com um determinado nivel de complexidade, ou seja, se estivermos diante de uma pritica cultural que produz um produto agregado. Mais uma vez recorrendo a Glenn (1988, 1991), talvez possamos imaginar praticas cul- tureis de diferentes niveis de complexidade, desde préticas que envolveriam a simples im tagio (e, que, portanto, poderiam ser descritas apenas com 0 conceito de comportamento so- cial) até as envolvidas, por exemplo, na organi- zagio do trabalho (¢ que s6 seriam completa- mente descritas se pudéssemos identificar os produtos agregados por elas produzidos). Como sugere Glenn (1991), “a diferenga cviti- ca entre as protoculturas humanas e de outros primatas e as culturas humanas parece ser a complexidade das relagées comportamentais entrelagadas nas culturas humanas” (p.60). Isto sugere que a descrigéo de fendmenos sociais pode envolver diferentes unidades de analise. Contingéncias entrelagadas como unidade de andlise Quando tratamos de comportamento so- cial, o recurso & contingéncia de reforgamento como unidade de anilise continua sendo pos- sivel ¢, talvez, heuristico, desde que se consi- dere a necessidade de descrevermos, pelo me- nos, duas contingéncias, pois, ao lidarmos com comportamento social, estamos jd lidando com a interacéo de, no minimo, duas contingénci- as. Em outras palavras, 0 comportamento so- cial envolve o que chamamos de contingéncias entrelacadas (interlocking contingencies) (Skinner, 1953, Glenn, 1991, Glenn & Malagodi, 1991). Segundo Glenn (1991): (Os mesmos processos comportamentais que le- ‘vam a tantos universos comportamentais quantos io 0s individuos que se comportam, também resultam em vastas redes de inter-relagoes entre 05 repertérios comportamentais de individuos humanos. Estes sio 0s elementos de unidades cultural . Eles foram rotulados de ‘contingénci- as entrclacadas’ para chamar a atengio para o duplo papel que o comportamento de cada pes- soa desempenha nos processos sociais —o papel deagio co papel de ambiente comportamental paraaagio de outros. (p. 56) A Figura 1 é uma tentativa de represen- tar as contingéncias entrelacadas que devem estar envolvidas na imitagao, quando as respos- tas de um individuo (A e B) evocam respostas em outro individuo (B eC), ocupando o lugar de estimulos antecedentes nas contingéncias que descrevem o comportamento de Be C. Os comportamentos de B e de C podem ser classi- ficados como comportamentos sociais M.A PA. ANDERY ET AL, Figura 1. Uma representago de contingtnciasenteagades que deceevern imitagio, Na Figura 1, supusemos que o fato das espostas de um individuo evocarem respostas em outro revelariam uma fungio discriminativa do estimulo. E importante notar, como sali- enta Michael (1980), que sé podemos fazer esta suposicao se, entre outras coisas, houver uma histéria de reforgamento diferencial na qual as respostas de B e C, diante dos estimulos ante- cedentes (que, neste caso, sio as respostas de A €B, respectivamente), tenham sido reforgadas, enquanto que as mesmas respostas nao foram reforcadas em outras situacdes de estimulo. (Este comentétio vale para as figuras que se se- guem). Podemos imaginar outras possibilidades de entrelagamento de contingéncias. Podemos, Por exemplo, imaginar uma situagéo na qual “cada individuo tem algo a oferecer de maneira a reforgar 0 outro e, uma vez estabelecido, 0 intercambio, se mantém” (Skinner, 1953, p-310). Podemos ressaltar que, neste exem- plo, o entrelacamento das contingéncias ocor- re de forma tal que ele mesmo se reproduz. A Figura 2 é uma tentativa de representar estas contingéncias entrelagadas. Podemos ainda imaginar um exemplo de contingéncias entrelagadas no qual Figura 2 Uma representagio de contingénciasentelagadas que descretem uma stuago de toca recipe, © grupo pode manipular varidveis especiais para manter tendéncias para que os individuos se comportem de maneiras que resultem no reforgamento de outros. (...) Muitos importan- tes sistemas entrelagados de comportamento so- cial nio poderiam se manter sem estas priticas convencionais” (Skinner, 1953, p.310). A Figura 3 é uma tentativa de ilustrar entrelacamentos de contingéncias. Diferentemente do que ocorte nos dois Primeiros casos, neste caso as contingéncias entrelagadas sio mantidas porque outras con- tingéncias em vigor fornecem suporte para 0 entrelagamento das contingéncias por meio da manutengio do comportamento de pelo me- nos alguns dos participantes. A descrigao des- te entrelagamento, entio, jé nos conduz para além das préprias contingéncias entrelacadas, © que sugere que, se jd nao estamos diante de uma metacontingéncia (0 que exigiria a iden- tificagéo de um produto agregado), certamen- te estamos diante de uma situagio de transi¢ao para outro nivel de andlise. Metacontingéncias como unidade de andlise Quando tratamos de priticas culturais, parce de nossa descrigao poderd tet como uni- dade de anilise a contingéncia de reforgamento, IDENTIFICAGAO DE CONTINGENCIAS ENTRELAGADAS E METACONTIGENCIAS contingéncias entrelagadas tT contingéncias de “suporte” ‘outro individuo grupo agéncia A: S-R+S" // B: S°-R+S? E: S°-R+S* Figura 3. Uma represntasio de contingéncarentelagadae que exigem contingtncas de suporte para sua manutensio jd que, como afirma Glenn (1988), uma pré- tica cultural é “um conjunto de contingénci- as de reforcamento entrelagadas nas quais 0 comportamento e os __ produtos comportamentais de cada participante funci- onam como eventos ambientais com os quais © comportamento de outros individuos interage” (p.167). Entretanto, como a pré- pria Glenn (1991) ressalta: A maior parte das préticas culturais tem um ele- mento adicional: elas envolvem dois ou mais: dividuos cujas interagdes produzem conseqiién- cias para cada um delesindividualmentee, além. disso, cujo comportamento conjunto produzum produto agregado que pode ou néo ter um efei- to comportamental. Quando uma pritica cul- tural envolve tis contingéncias comportamentais entrelacadas e produtos agregados associados, est estabelecido o cenério para uma complexidade crescente no nivel de andlise cultural. (p. 60) Para dar conta deste “nivel de andlise cul- tural”, Glenn (1988, 1991) prope 0 conceito de metacontingéncias: “metacontingéncia € a unidade de anilise que engloba uma pratica cultural, em todas as suas variag6es, e 0 produ- to agregado de todas as variagdes atuais” (Glenn, 1988, p. 168). A Figura 4 é uma tentativa de represen- tar uma metacontingéncia. Como esté indicado na Figura 4 pela flecha que retorna as contingéncias entrelagadas, estaremos diante de uma metacontingéncia se, de algum modo, pro- duto agregado — que é dependente destas contingéncias entrelacadas - retroagir sobre clas, selecionando-as. Além disso, ¢ impor- tante salientar que o conjunto das contin- entrelagadas, metacontingéncias, est delimitado, na Fi- géncias no caso. das gura, para sugerir que estas contingéncias constituem uma unidade e que é sobre esta unidade que retroage o produto agregado. Estas caracteristicas sao relevantes quando tra- tamos de metacontingéncias, uma vez que, como afirmam Mattaini e Thyer (1996), “Sigrid Glenn gencia para descrever as depen- introduziu o termo metacont déncias entre uma pratica cultural e seus produtos agregados para o grupo” (p.16). M.A BA ANDERY ET AL. Figura 4. Uma repreencagio de metacontingéncis, CARACTERISTICAS ESPECIAIS DOS FENOMENOS socials A andlise de fenémenos sociais nao exi- gird do analista do comportamento um novo conjunto ou corpo de principios ou um novo modelo causal; no entanto, exigird o reconhe- cimento de que estes fendmenos tém algumas propriedades especiais. Para Guerin (1992), ainda que a distingao entre principios e pro- priedades possa parecer irrelevante, ela é ne- cesséria para que a andlise do comportamento contribua para a compreensio dos fendmenos sociais. Ainda que a contingéncia de reforgamento seja o principio bésico para a andlise do comportamento social, trata-se de identificar, no caso da anilise de fenémenos sociais, as propriedades especiais destas con- tingéncias (Guerin, 1992). As propriedades especiais das contingén- cias sociais que destacamos a seguir foram identificadas a partir do tratamento que Skinner deu ao tema, j4 em 1953. Caracteristicas especiais do ambiente social Identificar as caracteristicas do ambiente social talvez seja uma das grandes contribui- ges que a anilise do comportamento possa tra- zer para a compreensio do homem, em especi- al no que se refere aos determinantes de seu comportamento. Jd em um texto dos anos 40, encontramos um desafio para a realizagio des- ta contribuigao, quando, referindo-se a deter- minaco do comportamento humano, Skinner (1947/1999) afirmou: Aconstituisio genética do individuo e sua his- t6ria pessoal atéo momento desempenham uma_ parte nesta determinaséo. Além disso, 0 contro- le permanece no ambiente, Mais que isto, as forcas mais importantes estio no ambiente social que é construido pelo homem [man-made]. comportamento humano est, portanto, em grande parte sob controle humano. (p. 345) Falar do ambiente que controla compor- tamento humano é, assim, principalmente ¢ quase que exclusivamente falar de um ambien- te social, ou melhor, de estimulos sociais (se- jam estes estimulos controladores anteceden- tes ou subseqiientes ao responder). Como afir- mam Keller e Schoenfeld (1950): Os estimulos sociais nao diferem de outros esti- mulosem suas dimensées. Em ver disto, a dife- renga uma diferenga de origem. Eles se orig nam de outros organismos, de seus comporta- ‘mentos, ou dos produtos de seus comportamen- tos. Além disso, estimulos sociais nao diferem dos estimulos de origem inanimada em relagio as suas fungées; eles agem como eliciadores, reforgadores, discriminativos eassim por diante. ‘Avida social surge porque estimulos sociais pas- sam a exercerestas fungées. (p. 352-353) Eventos que podem ter a fuungao de reforgo social. Quando, em uma contingéncia, um even- to tem supostamente a fungio de reforso para a resposta de um individuo € néo podemos descrevé-lo “sem fazer referencia a outro orga- nismo” (Skinner, 1953, p. 298), chamamos este estimulo reforcador de um reforgador so- cial. Como o proprio Skinner ressalta, em al- ——____— IDENTIFICAGAO DE CONTINGENCIAS ENTRELACADAS E METACONTIGENCIAS guns casos “a outra pessoa participa mera- mente como objeto... mas usualmente 0 reforcamento social € uma questéo de medi- agio pessoal.” (pp.298, 299) O faro de que 05 reforcadores sociais envolvem, em grande parte, a mediacZo acaba trazendo como im- plicagao trés outras propriedades para o pro- cesso de reforcamento. A primeira delas € que exatamente porque é mediado por outra pessoa, no caso do reforgamento social, 0 re- forco dificilmente independe da ocorréncia da resposta reforcada. ‘A segunda caracteristica do processo é que “p reforcamento social varia de momento a momento, dependendo da condigéo do agente reforcador” (Skinner 1953, p. 299). Isto quer dizer que respostas de uma mesma classe nem sempre produzirio as mesmas alteragSes ambientais e que tais alteragbes no dependem exclusivamente da emissao destas respostas, jé que “dependem também da condiga0 do agen- te reforcador”. Segundo Skinner (1953), duas propriedades do comportamento social ~ sua extensio e flexibilidade— seriam resultado desta caracteristica do reforcamento social. Uma caracteristica do reforcamento social que é conseqiiéncia dos reforcadores sociais mediados, destacada por Skinner, é que “as contingéncias estabelecidas terceira por meio de um sistema de reforgamento so- cial podem mudar lentamente” (Skinner 1953, p. 299). Sao as condigdes do agente reforgador que, mais uma vez, determinam 0 ritmo da mudanga da contingéncia e, mais que isto, deve ser enfatizado que as condigbes do agente reforcador, por seu turno, sao pro- duzidas, entre outras coisas, pelas respostas que vém sendo mantidas por tais contingén- cias. Ou seja, é do comportamento promovi- do pelas contingéncias sociais que se originam as novas condigées de exigéncia do agente reforcador, 0 que, por sua vez, conduz & mu- danga, por parte deste agente, das exigéncias estabelecidas para reforcamento. Finalmente, a quarta caracteristica do pro- cesso de reforgamento mantido por reforco so- cial, destacada por Skinner (1953), ¢ que € in- timamente ligada & anterior, é que 0 agente reforcador ajusta 0 esquema de reforcamento as caracteristicas da resposta reforgada de uma forma que “raramente ocorre na natureza inorginica” (Skinner, 1953, p.301). (© que marca todas estas caracteristicas € que Skinner chama de sensibilidade e com- plexidade do agente reforgador em compara- ao com o ambiente nao social, isto é, o ambi- ente social pode reagir diferencialmente, de ma- neiras mais sutis, as respostas por ele selecionadas. Esta mesma caracteristica pode acartetar problemas: ‘Mas, um sistema reforgador que éafetado desta maneira pode conter defeitos inerentes que le- ‘vam acomportamento instével. Isto pode expli- car porque contingéncias reforcadoras da socie- dade causam comportamento indesejével mais freqiientemente do que as contingéncias apa- rentemente compardveis na natureza inanima- da. (Skinner, 1953, p. 301) Estimulos antecedentes sociais. Quando em uma contingéncia 0 estimu- Jo antecedente é social, o desafio que se coloca para o analista do comportamento é um desa- fio de ordem metodolégica. Como Skinner (1953) afirmou, “um estimulo social, como qualquer outro estimulo, tomna-se importante no controle do comportamento por causa das contingéncias de que ele participa” (Skinner, pp. 301, 302). Deste ponto de vista, estimu- los antecedentes sociais, como estimulos nao M.A PA ANDERY ET AL sociais, adquirem fung&es comportamentais pelos mesmos processos. No entanto, no caso dos estimulos sociais, a dificuldade esté em identificar, nestes estimulos, as dimens6ese pro- priedades de controle que sio relevantes, uma ver que elas nao podem ser descritas pelas “pro- priedades fisicas” destes estimulos. Isto acon- tece porque as contingéncias de reforgo que tornam tais estimulos comportamentalmente significativos “s4o determinadas pela cultura e por uma histéria particular” (Skinner, 1953, p- 302). O que quer dizer que cestimulos sociais sd0 importantes porque os reforgadores sociais com 0s quais esto correlacionados sio importantes... Estimulos o- ciais sio importantes para aqueles para quem reforsamento social & importante. (Skinner, 1953, pp. 302, 303). E daf que decorre, possivelmente, a difi- culdade que temos em compreender como em nossa vida cotidiana nao temos grandes pro- blemas para identificar respostas que chamar{- amos de bom-humor, simpatia, ou amizade, enquanto que como cientistas teriamos muitos problemas para definir tais respostas. Esta disparidade é exatamente reflexo da origem cultural destes estimulos. Como afirma Skinner (1953), a respeito do nosso sucesso na identificacéo, no co liano, destes estimulos: Nao significa que existam aspectos do compor- tamento que sio tio independentes do compor- tamento do observador como sio as formas geo- meétricas, como os quadrados, circulos e triingu- los. Ele fo homem comum] esté observando um evento objetivo —o comportamento de um or- ¢ganismo; nao hd aqui divida em relagio ao status fisico, mas apenas em relagio a0 significado dos termos classificat6rios. As propriedades geomé- tricas da ‘amabilidade’ ou agressividade’ depen- dem da cultura, madam com cultura evariam com a experiéncia individual em uma dada cul. tura. (p. 302) A dificuldade de descrigio dos estimu- los sociais (ainda que nao signifique que tais estimulos tenham propriedades de dimen- so diferente daquela dos fendmenos que constituem contingéncias nao sociais) certa- mente coloca um desafio para o analista do comportamento e nos obriga a descobrir pro- cedimentos que nos permitam descrever tais classes de estimulos. Da origem social dos estimulos decorre mais um aspecto relevante para a compreensio de fenémenos sociais: na interagao entre dois individuos, pequenas mudangas nas respostas de um dos individuos — que muitas vezes pare- cem triviais, simples e sutis - as quais operam como estimulos antecedentes para as respostas do outro podem ter efeitos significativos e po- derosos sobre estas respostas. Skinner (1953) recorre aos poderosos efeitos que tem 0 conta- to visual para exemplificar este aspecto. Elementos que constituem contingéncias entrelagadas Tendo reconhecido as peculiaridades do ambiente social, um momento importante da andlise de um fendmeno social a identificagao dos elementos que delimitam tais contingénci- as; ao fazer isto estaremos necessariamente iden- tificando os participantes, os elementos do am- biente social e os elementos do ambiente no social que participam das contingéncias. Se considerarmos os exemplos dados por Skinner (1953), identificamos pelo menos qua- tro possibilidades de entrelagamento de con- tingéncias. Numa primeira possibilidade, em que dois individuos participam, apenas uma das contingéncias envolve 0 que pode ser cha- mado de comportamento social, isto é, apenas IDENTIFICAGAO DE CONTINGENCIAS ENTRELAGADAS E METACONTIGENCIAS um dos individuos se comporta sob controle do comportamento do outro. © exemplo dado por Skinner é de um predador (B) seguindo uma presa (A). No caso, 0 comportamento da presa (A) esté sob controle de estimulos néo sociais (por exemplo, sua toca), jd as respostas do predador (B) estéo sob controle das respos- tas da presa (por exemplo, afastar-se do preda- dor). As conseqiiéncias selecionadoras do com- portamento de B sio individuais, ou seja, afe- tam apenas 0 comportamento de B. ‘Numa situagao parecida, podemos estar diante de uma segunda possibilidade de en- trelagamento de contingéncias. Seo predador (B) estiver perseguindo a presa ¢ a presa (A) estiver fugindo do predador, ento, as respos- tas de cada um dos participantes estario sob controle das respostas do outro. Neste caso, ambos os comportamentos (de A ¢ B) podem set classificados como comportamento social. E as conseqiiéncias selecionadoras das respos- tas de Ae B si aqui também peculiares e in- dividuais, o que quer dizer que elas sao especi- ficas a cada uma das contingéncias entrelacadas. Uma terceira possibilidade de contingén- cia entrelagada amplia os elementos constitu- intes das contingéncias, pois 0 comportamen- to de cada um dos participantes fica sob con- trole tanto das respostas do outro como de as- pectos do ambiente nio social. O exemplo que Skinner refere é 0 de dois ou mais individuos puxando uma corda que s6 é movida pelo es- forco conjunto. Neste caso, as respostas de Ae B sio coordenadas ¢, para tanto, devem estar sob controle das respostas de puxar a corda (de Bede A) e do deslocamento da corda. Aqui, as conseqiiéncias que selecionam 0 comporta- mento de cada um dependem do comporta- mento conjunto dos individuos (elas nao exis- tiriam sem as conseqtiéncias entrelagadas) ¢, neste caso, as conseqiiéncias selecionadoras do comportamento de cada um dos participantes so as mesmas (o movimento da corda). Finalmente, uma quarta possibilidade de contingéncia entrelagada envolve dois ou mais individuos que se comportam sob con- trole do responder uns dos outros, mas as contingéncias que descrevem os comporta- mentos de cada um deles séo diferentes. Entre os exemplos dados por Skinner, desta- camos o de um par dangando: “Asconseqiiéncias reforgadoras— positivas e ne- gativas — dependem de uma contingéncia du- pla: (1) 0s dangarinos devem executar certas se- aiiéncias de passos, em certas diregdes, em rela- «Go aoespaco disponivel e (2) 0 comportamento cde um deve ser temporalmente organizado, de modo a corresponder a0 comportamento do ou- tro. Esta contingéncia dupla normalmente é dividida entre os dangarinos. O lider estabelece 0 padrao e responde a0 espago disponivel, 0 se- guidor écontrolado pelos movimentos do lider eresponde adequadamente para satisfazer a se- gunda contingéncia. (p. 305) Note que, neste exemplo, a contingén- cia que descreve 0 comportamento do “Ider” (A) é diferente da contingéncia que descreve © comportamento do “seguidor” (B): no pri- meiro caso, a contingéncia envolve, como ¢s- timulos antecedentes, elementos do ambien- te nao social (como 0 espaco disponivel) € 0 comportamento do “seguidor”; ja a contin- géncia que descreve o comportamento do “se- guidor” envolve como estimulo antecedente apenas as respostas do “Ider”. As conseqiién- cias selecionadoras dos comportamentos de A ¢ B aqui sao individuais - B segue A sem tro- pecos e A lidera B sem problemas. Além dis- so, podemos supor que esta interagao produz MAPA ANDERY ET AL ainda um outro efeito, que chamamos de con- junto, que pode ter papel selecionador sobre as respostas de A ¢ B — ambos dangam de for- ma harmoniosa. © Quadro 1 sintetiza as quatro possibili- dades aqui apresentadas. ‘Ao descrevermos os elementos que cons- tituem contingéncias entrelagadas, uma vez. que continuamos tratando de comportamento operante, necessariamente deveremos identifi- cat as conseqiiéncias selecionadoras do respon- der de cada individuo. Estas conseqiiéncias podem constituir a contingéncia que descreve 0 comportamento de um individuo particular envolvido na contingéncia entrelagada e, neste caso, como indicado no Quadro 1, elas foram chamadas de individuais. Este rétulo foi utili- zado para distingui-las de uma conseqiiéncia que tem ao mesmo tempo papel selecionador sobre as respostas de cada participante, isto é, de uma mesma conseqiiéncia que constitui as diferentes contingéncias entrelagadas; caso em que foram chamadas de conseqiiéncias conjun- tas. Como 0 Quadro 1 sugere, contingéncias entrelagadas apenas em alguns casos envolvem, ‘0 que chamamos de conseqiiéncias conjuntas. E, nestes casos, estas conseqiiéncias podem ser idénticas as individuais, ou podem ser outras e diferentes daquelas conseqiiéncias. Como deve ter ficado claro, 0 termo conse- gliéncia indica a produgéo de uma mudanga ambiental que depende da emissio de uma dada resposta, No caso das conseqiiéncias que partici- pam de contingéncias entrelacadas, ento, as con- seqiiéncias mantém esta caracteristica; podemos assim dizer que elas dependem do entrelagamen- to das contingéncias. Todavia, hd um outro as- pecto em relacdo as conseqiténcias envolvidas em contingéncias entrelagadas que merece destaque: 6 entrelagamento das contingéncias aumenta a magnitude das conseqiiéncias. Skinner (1953) ressalta este aspecto ao afirmar que: Seé sempre oindividuo que se comporta, no en- tanto, 60 grupo que tem o maior efeito reforgador. Juntando-se a um grupo, 0 individuo aumenta seu poder para adquirir reforgamento.... Ascon- seqliéncias reforgadoras geradas pelo grupo facil- mente excedem a soma de conseqiiéncias que po-

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