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ALENCASTRO, Luís Felipe. África, números do tráfico atlântico In GOMES, Flávio.

SCHWARCZ, Lilia. Dicionário da Escravidão e Liberdade. São Paulo: Companhia das


Letras, 2018.
Do século XVI até 1850, no período colonial e no imperial, o país foi o maior importador
de escravos africanos das Américas. Foi ainda a única nação independente que praticou
maciçamente o tráfico negreiro, transformando o território nacional no maior agregado
político escravista americano. p. 56

Pierre Verger retoma os estudos da tradição historiográfica baiana e os amplia, com a


documentação inglesa e portuguesa, para enfatizar o caráter bilateral do tráfico negreiro.
Publicado em 1968, o livro de Verger se concentra nas trocas entre a Bahia e a baía de
Benim nos séculos xvm e xrx, fazendo pouca referência ao Rio de Janeiro e a Angola,
tornados os maiores polos negreiros do Atlântico. p.57

[...] Assim, em 1916, João Luiz Alves, futuro ministro da Justiça e do STF, publica na
Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro um estudo detalhado, e até hoje
citado, sobre o assunto. O livro The Abolition of the Brazilian Slave Trade (1970), de
Leslie Bethell, amplia tal abordagem, situando pela primeira vez o tráfico brasileiro no
contexto da Pax Britannica. Comparando o Brasil com Cuba e com outras zonas de
tráfico, e explorando mais intensamente os registros britânicos, David Eltis (Economic
Growth and the Ending of the Transatlantic Slave Trade, 1987) retomou dados de Bethell
e corrigiu para cima as cifras de Goulart e Curtin sobre o tráfico brasileiro da primeira
metade do século XIX. p.57

Além disso, os registros escondem certas fraudes. Assim, na época filipina (1580-1640),
para pagarem um imposto de exportação mais baixo, negreiros saídos de Bissau ou de
Luanda declaravam os portos brasileiros como destino mas rumavam para as Antilhas ou
Buenos Aires, onde os preços dos escravos eram mais altos e havia contrabando de prata
espanhola. p.58

No auge do ouro, no século XVIII, aconteceu o inverso. Africanos foram contrabandeados


das Antilhas para as regiões mineiras do Mato Grosso e Minas Gerais, através da Bacia
Amazônica e do Maranhão. Também é provável que o número de moçambicanos
introduzidos no século XVIII seja um pouco superior aos 8339 indivíduos registrados no
TSTD. p.58

Para entender essas cifras, convém examinar melhor as redes de trocas ligando os portos
brasileiros aos africanos. Basicamente, os africanos chegados ao Brasil vieram de duas
áreas principais. A primeira, formada pela baía de Benim e pelo golfo do Biafra, origem
de 999600 indivíduos desembarcados, e a segunda, situada no Centro Oeste africano, e
sobretudo em Angola, de onde saíram 3,656 milhões de indivíduos (75% do total dos
desembarques). p.59

É preciso sublinhar que os grandes portos negreiros se situavam na proximidade de bacias


hidrográficas extensas, como a do rio Senegal, do Gâmbia (Senegâmbia), dos rios Níger
e Volta (golfo de Guiné), do rio Congo e do Cuanza (Congo-Angola), do Zambeze e do
Limpopo (Moçambique), permitindo o transporte fluvial de cativos para os portos
marítimos e ampliando o impacto do tráfico no interior da África subsaariana. Assim,
escravizados embarcados num determinado porto podiam ter sido trazidos de
comunidades situadas em regiões muito distantes do litoral. p.60

O terceiro ligava a Bahia ao golfo de Guiné e, em particular, à baía de Benim. Aqui, o


tabaco baiano, e às vezes pernambucano, aparecia como uma mercadoria de exportação
privilegiada, garantindo aos produtores escravistas regionais frete para os portos do
Benim. Cabe observar que Pombal também tentou enquadrar o tráfico pernambucano e
baiano em companhias negreiras onde predominava o capital metropolitano. Teve
sucesso no primeiro caso, criando a Companhia Geral de Pernambuco e Paraíba (1759-
80). Mas fracassou no segundo, deixando assim os negreiros baianos – e fluminenses-, os
mais importantes da América portuguesa, fora das companhias semiestatais que passaram
a controlar os portos de tráfico situados ao norte do rio São Francisco. p.61

No total, a rede de tráfico baseada no Rio de Janeiro tem maior preeminência econômica
e política no país, embora o eixo Bahia-Benim tenha grande destaque cultural no passado
e no presente das relações entre a África e o Brasil. p.62

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