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A Experiencia Do Brincar No Psicodiagnostico Infantil PDF
A Experiencia Do Brincar No Psicodiagnostico Infantil PDF
Introdução
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emocional dados pela figura materna, que permitem que o bebê sinta-se seguro e
confiante para viver em um mundo compartilhado (Winnicott, 1957/1982).
Nesse sentido, destaca-se a importância da mãe e da família como modelos de
transição para a entrada do indivíduo nos círculos sociais (Gomes & Paiva2003).
Levando em consideração a relevância do suporte do ambiente desde o início da
vida do bebê, é possível pensar que, quando o ambiente familiar não é capaz de atender
às necessidades da criança e lhe oferecer um provimento suficientemente bom, por meio
do holding, a criança dá sinais de que algo não vai bem. Assim, podem aparecer
sintomas e queixas relatadas pelos pais quando buscam atendimento psicológico aos
seus filhos.
Desse modo, o psicodiagnóstico infantil é um processo complexo e de difícil
realização, particularmente pela patologia da criança estar relacionada à vivência e
dinâmica familiar. Deste fato decorre a importância de haver um contato com toda a
família.
A fim de exemplificar a relevância do conhecimento da dinâmica familiar para
compreensão da patologia infantil, este trabalho apresenta o caso de Mateus1 (11 anos),
atendido pelo Serviço de Triagem e Atendimento Infantil e Familiar da clínica da
Universidade de São Paulo, campus Ribeirão Preto.
Método
Participantes
Paticiparam da triagem Mateus (11 anos); sua mãe (41 anos); seu pai (41 anos) e
seu irmão (8 anos).
Material
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Todos os nomes usados neste trabalho são fictícios, a fim de preservar a identidade dos participantes.
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Procedimentos
Resultados
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Mateus já passou por atendimento psicológico. Nesse período, os pais contaram
que ele deu muito “trabalho”, pois não queria entrar na sala da psicóloga e, quando
entrava, permanecia de costas para ela, às vezes ficava nervoso e chorava. Ele fez oito
sessões nesse atendimento e, segundo os pais, não houve “melhora” dos sintomas.
Sessão Lúdica
Mateus não fez objeções para entrar na sala com a terapeuta. Durante toda a
sessão lúdica, pareceu bem tímido. A maior parte do tempo brincou sozinho e quando
escolheu um jogo que precisava de duas pessoas (jogo do “mico”), teve dificuldade para
convidar a terapeuta para jogar.
Contou que em casa tentava jogar com o irmão, mas ele só atrapalhava a
brincadeira, acrescentou dizendo que o irmão lhe atrapalhava em várias coisas.
De maneira geral, Mateus se mostrou bastante desconfiado, defensivo e inseguro.
Parecia não querer desagradar a terapeuta, não fazer “bagunça” e nem se mostrar
desobediente, guardando os jogos logo que terminava de brincar.
Em uma de suas brincadeiras, colocou blocos um ao lado do outro, formando algo
parecido com uma muralha, com telhados em toda sua extensão. A construção ia de uma
ponta a outra da mesa, estava toda virada para ele e separava-o da terapeuta, como se
fosse protegê-lo de algo que lhe causava muita angústia, vindo do ambiente externo.
Houve expressão da criatividade, mas as brincadeiras mostraram-se rígidas e
controladas, como se não houvesse espaço para relaxar.
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atenção, mostrando o desenho, perguntando se estava bonito e dizendo que seria um
presente para a terapeuta.
Enquanto estavam brincando juntos, o pai e a mãe de Mateus brigaram bastante,
discordando quanto às regras dos jogos, cada um querendo impor sua opinião de
maneira autoritária e sem ouvir o outro. Tal aspecto demonstra a existência de conflitos
e dificuldades entre o casal.
Mateus quase não falou durante toda a sessão, parecendo retraído para expor sua
opinião, seus pensamentos e sentimentos, o que corrobora a hipótese de sua falta de
confiança e insegurança quanto ao ambiente em que vive.
Discussão
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responsável ou viver como uma criança, que tem necessidades a serem satisfeitas e que
pode brincar.
Mateus pareceu não se sentir completamente acolhido nessa família, sentindo-se
sozinho e com grandes responsabilidades. Sua agressividade aparece, então, como uma
reação às situações em que sente muitas cobranças.
Na sessão lúdica Mateus mostrou-se introvertido, desconfiado em relação ao
novo, com receio de pedir ajuda e, para não fazê-lo, isolava-se. Parecia não querer
desagradar e não fazer bagunça, guardando os jogos logo que terminava de brincar. Tais
indícios sugerem desconfiança e receio em relação ao outro, o que prejudica sua
vivência no mundo compartilhado.
Os pais parecem sobrecarregar Mateus, transmitindo-lhe mensagens ambíguas,
ora é tido como uma criança agressiva e desobediente, ora é tido como um menino mais
velho cheio de responsabilidades.
Além disso, Mateus pode ser visto como a figura viva e representante do período
em que o casal vivenciou conflitos em sua relação conjugal, já que foi concebido e
gerado em um momento em que houve a traição do pai, acarretando desconfiança e
sofrimento por parte da mãe.
Na entrevista familiar diagnóstica foi possível observar que a família não tem
diálogo, as crianças não brincam juntas e não conversam entre si e a comunicação entre
os pais é conflituosa. A dinâmica familiar oferece sinais importantes de como a criança
se sente: sozinha, sem possibilidades de comunicação, com conflitos que não podem ser
expressos.
Por meio da compreensão da dinâmica familiar, torna-se relevante destacar a
presença de pouco acolhimento das necessidades infantis por parte da família, ou seja,
os pais não oferecem suporte afetivo, mas ficam restritos ao provimento material e
concreto. Com isso, enfatiza-se o fazer e ter responsabilidades ao invés de ser e brincar,
com prejuízos no desenvolvimento emocional. Consequentemente, a criança expressa
sentimento de vazio e desconfiança em relação ao ambiente em que vive, aspectos que
prejudicam o gesto espontâneo, impeditivos para expressão do self verdadeiro.
O sintoma relatado pelos pais de agressividade da criança pode ser entendida
como a forma que Mateus possui para se relacionar com o outro: como não é
compreendido nem acolhido em suas necessidades reais, acaba exigindo do ambiente a
contenção de sua impulsividade, expressa por meio de atitudes agressivas. Deste fato
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decorre o sentimento de impotência diante do mundo, a insegurança que não permite a
ação, o medo de desagradar o outro e, com isso, perder o seu afeto. Todos esses
aspectos sugerem prejuízo no desenvolvimento emocional de Mateus.
Referências
Winnicott, D. W. (1982). A criança e o seu mundo. (A. Cabral, Trad.). Rio de Janeiro:
Livros Técnicos e Científicos. (Trabalho original publicado em 1957)