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CLIO - Revista do Curso de Mestrado em Histéria fi INCIDENCIA E DISTRIBUICAO DE OSTEOARTRITES EM GRUPOS COLETORES DO LITORAL DO PARANA: UMA ABORDAGEM OSTEOBIOGRAFICA WALTER ALVES NEVES Instituto de Pré-Historia Universidade de Séo Paulo A arqueologia, enquanto antropologia, tem-se preocupado, prin- cipalmente nas dltimas décadas com a reconstituicdo total das socie dades passadas, com énfase especial nos aspectos de estrutura e or- ganizacgdo social, subsisténcia e estilo de vida (BINFORD & BINFORD, 1968; LEROI-GOURHAN & BREZILLON, 1972; JOCHIM, 1976; CLARKE, 1977; YELLEN, 1977). A antropologia fisica pré-histérica, por seu turno, sé muito recentemente comegou a contribuir de forma sistematica para a recu- peracdo de padr6es de comportamento nas sociedades humanas. Tradi-~ cionalmente a antropologia fisica ateve-se 4 tipologia e classifica cdo do aspecto fisico do homem. Essa vocagéo taxonémica da antropologia fisica pode ser remeti da 4 propria origem dessa disciplina, com a escola francesa de P. Broca, no século passado e culmina nos anos 70 e 80 com as aborda- gens de paleogenética (SCHWIDETZKY, 1979). Quer num contexto intra-grupal, quer num contexto inter-grupal a antropologia fisica “taxonémica" esta afeita ao conceito de dis- tancia biolégica; no primeiro caso entre individuos e no segundo en tre grupos ou populacées. Em ambos os casos © que se procura 6 maximizar o esqueleto en- quanto marcador antropolégico ou genético, utilizando dele tracos ou caracteristicas supostamente relacionadas a uma determinac&o geno- tipica e isentas, o maximo possivel, de interferéncias ambientais. Nesse sentido, grande parte da literatura e portanto da produ- cdo cientifica em antropologia fisica pré-histérica 'refere-se a es— tudos de variacgdo métrica — durante muito tempo os inicos marcado- xes dsseos conhecidos — e mais recentemente a estudos de variacdo ndo-métrica, ou epigenética, outra suposta fonte de informacdo quan to ao back-ground genético das populacdes. 48 ce incontestavel. Estudos realizados em populagdes atuais demonstra ram uma relagio positiva entre determinadas profissdes e a incidén- cia de artroses em articulagdes especificas. Alguns casos citados por JURMAIN (1977) e classicamente conhecidos na literatura ocupa- cional séo as altas incidéncias em discos intervertebrais de estiva dores; nos cotovelos, mdos e ombros de utilizadores de ferramentas pneumaticas; nas méos de coletores de algodéo e cortadores de dia- mante; nos tornozelos e joelhos de jogadores de futebol. STEWART (1966) parece ter sido um dos primeiros antropdlogos fisicos a utilizar sistematicamente a incidéncia de artrites como in formante de estilo de vida em sociedades primitivas e complexas. Es tudando a ocorréncia de artrites na coluna vertebral aquele autor su geriu uma hipétese funcional para explicar os padrdes de distribui- cdo por ele encontrados em eskimés, {ndios do Pueblo Pecos e norte- americanos atuais. JURMAIN (1977), seguindo a mesma orientacdo de Stewart, esten- deu a andlise de incidéncia e distribuicdo de artrites as demais ar ticulacGes do esqueleto apendicular, nas mesmas populacées. Os eski més mostraram o maior indice e gravidade de afeccdes, fato este coe rente com a severidade de uma vida eminentemente cagadora. Os trabalhos de JURMAIN, portanto, ratificaram a hipdtese fun- cional da etiologia das osteoartrites, sugerindo a possibilidade de correlacionar sua incidéncia e distribuicgdo com as atividades desen volvidas pelas diversas populagées no seu cotidiano. Muito recentemente, HEIGHO (1982) analisou a incidéncia de os- teoartrites em uma amostra de esqueletos de indios do norte da Cali férnia, cujo padrao de subsisténcia e organizagao do trabalho eram conhecidos etnograficamente. Os resultados de sua analise confirma~ xam os obtidos por JURMAIN (1977, 1978) e atestaram mais ainda a co variagdo existente entre padrdo de incidéncia de artrites e ativida des desenvolvidas por uma sociedade. Neste trabalho analiso a incidéncia de osteoartrites em grupos pré-histéricos brasileiros, mais precisamente em grupos construto- res de sambaquis do litoral do Estado do Paranda, com o objetivo de contribuir para o conhecimento da divisdo e organizac&o do trabalho e das atividades cotidianas de populagdes coletoras litoraneas, um tipo de adaptacdo bastante comum em toda costa brasileira. Esta andlise inicia uma série de estudos que pretendo continuar 49 CLIO - Revista do Curso de Mestrado em Histéria realizando em populagées pré-histéricas brasileiras, tendo por base a plasticidade do esqueleto em seus diversos aspectos, com o objeti vo de reconstituir o estilo de vida dessas sociedades. As premissas levadas em consideragaéo neste trabalho seguem as sugeridas por HEIGHO (1982), quais sejam: 1. A concentrag&o de artrite numa determinada articulagéo re- flete atividades que provocam stress naquela Area do corpo. 2. A diferenga de freqiiéncia e severidade entre homens e mulhe res est4 ligada 4 divisao do trabalho e desempenho de ativi dades diferenciais. 3. A diferenca de freqiiéncia e severidade entre os lados direi to e esquerdo reflete atividades desempenhadas preferencial mente por um daqueles lados. MATERIAL E METODOS © material analisado neste estudo compreende restos dsseos de 40 individuos (22 +, 18 ?) provenientes de sambaquis do litoral do Parana e constam do acervo do Museu de Arqueologia e Artes Popula-~ res de Paranagud. A andlise foi efetuada no més de julho de 1983. Desses 40 individuos, 24 foram exumados do Sambaqui do Guara- guagu A, 10 do Sambaqui do Guaraguacgu B, 5 do Sambaqui da Ilha dos Ratos e 1 do Sambaqui do Gomes. Esses sitios arqueolégicos foram es cavados em momentos diversos por autores diferentes e informacdes sobre os mesmos podem ser encontradas em EMPERAIRE & LAMING, 1956; RAUTH, 1968; ANDREATTA & MENEZES, 1968; MENEZES & ANDREATTA, 1971; MENEZES, 1976; POSSE, 1978. Embora nos sitios acima tenham sido exumados muito mais enter- ramentos, a analise ficou restrita aos individuos cujas condigées de preservacdo permitissem a estimativa do sexo e idade, dados conside rados essenciais para o presente trabalho. 0 sexo e a idade foram estimados segundo a metodologia conven- cionalmente utilizada em antropologia fisica, compreendendo obser- vagdes no cranio, ossos longos e bacia (UBELAKER, 1978; FEREMBACH, SCHWIDETZKY & STLOUKAL, 1980; BROTHWELL, 1981). Ressalto, entretan- to, que nem sempre esses trés elementos de diagnose estavam presen- tes em todos os individuos e em varios casos a estimativa de sexo e idade restringiu-se a andlise de dois ou um desses elementos. 50 Se por um lado essa produgdo cientifica permitiu a elabora¢cdo de técnicas bastante refinadas para resolver problemas sobre rela- g6es biolégicas, por outro, ela manteve se nao afastada, pelo menos inexpressiva, na antropologia, a utilizagdo do esqueleto enquanto um sistema aberto, responsdvel a outras fontes de variabilidade que néo a genética. Em outras palavras o formalismo da antropologia taxonémica pre judicou de maneira acentuada a utilizacdo da plasticidade do esque- leto enquanto fonte de informac&o antropolégica. Utilizo aqui o termo plasticidade como a capacidade do esquele to, ow melhor, de seus componentes ésseos de responderem, dentro de certos limites, a estimulos internos ou externos ao corpo, oriundos da vida diaria e das condigées ambientais nas quais o individuo se encontra. Essa concep¢ao do esqueleto como um sistema aberto em antropo- logia fisica permitira, se nos dedicarmos a um trabalho sistematico de etnografia da utilizagdéo do corpo, auxiliar efetivamente a ar- queologia na reconstituicdo antropolégica das sociedades passadas. Recentemente, esta idéia foi claramente expressa nos trabalhos de EDYNAK (1976) @ SAUL (1976) sob o titulo de “estudos de estilo de vida" e "estudos osteobiograficos", respectivamente. Entre os tracos até o momento utilizados dentro dessa perspec— tiva de reconstituicdo do cotidiano, as artrites parecem ter desper tado muito cedo a atengéo dos antropdlogos fisicos. Artrite, de forma geral, € uma resposta do osso sub-condral a modificagées ocorridas no tecido cartilaginoso das articulagdes. De acordo com STEINBOCK (1976) e ORTNER & PUTSCHAR (1981) as manifesta~ gSes artriticas encontradas ao nivel do esqueleto podem ser resul- tantes de sete principais patologias das articulacées, quais sejam: osteoartrite ou patologia degenerativa das articulagdes, osteofito- se vertebral, artrite traumatica, artrite reumatica, espondilite an quilosante, artrite infecciosa e gota. Dessas, a que nos interessa é a osteoartrite, uma vez que sua etiologia parece estar ligada predominantemente a fatores funcio- nais (ORTNER, 1968; JANSSENS, 1970; STEINBOCK, 1976; JURMAIN, 1977). Que as osteoartrites incidem mais freqiientemente nos segmentos do corpo onde se concentram a maior parte dos movimentos ou entéo a maior quantidade de tensdo exercida por ou sobre o individuo pare St CLIO - Revista do Curso de Mestrado em Historia uma vez que a idade parece influenciar na ocorréncia de osteo- artrites, notadamente apés os 50 anos (STEINBOCK, 1976) e conside- rando que a pequena amostra disponivel nao permitia um seccionamen— to por faixas etérias, restringimos a andlise aos individuos adul- tos e maduros. Apesar dos sitios agrupados neste estudo apresentarem algumas variagdes na cultura material e mesmo na sua composic¢ao faunistica, a andlise dos esqueletos como uma Gnica amostra justifica-se pelo fa to de estarmos interessados em padrdes de atividades e subsisténtia que no caso devem ser necessariamente semelhantes, tendo em vista a similaridade adaptativa ao meio ambiente. As articulagées analisadas foram: ombro, cotovelo, punho, qua~ aril, joelho e tornozelo. Embora altamente informativas, como de- monstram os trabalhos de STEWART (1966), CHAPMAN (1972, 1973) e HEIGHO (1982), as articulagGes intervertebrais nao foram aqui anali. sadas, em virtude das condicées precdrias de preservacdo dessa re- gido anatémica no material disponivel. Tendo em vista o estado fragmentado do material, as articula- c6es nem sempre apareceram completas, com todos os seus componentes 6sseos presentes. Desta forma, a observacdo das articulagées anali- sadas ficou restrita a: 1. Ombro epifise proximal do tmero. 2. Cotovelo ; regiao troclear do timero e epifise proximal da ulna. 3. Punho : superficie articular das epifises distais da ulna e radio. 4. Quadril : cabeca do fémur, 5. Joelho +: epifise distal do fémur e proximal da tibia. 6. Tornozelo: epifises distais da tibia e fibula. As manifestacdes de osteoartrites nos ossos podem expressar-se sob diversas formas e dentro de um esquema progressivo de comprome- timento da articulacao as seguintes transformagdes podem ser obser- vadas nas faces articulares dos ossos (STEINBOCK, 1976; BROTHWELL, 1981; ORTNER & PUTSCHAR, 1981): 1. Formagdo de miltiplas e pequenas cavidades (osteoporose) no centro da superficie articular. 52 2. Neo-formacéo 6ssea (exostose) na margem da cartilagem arti~ cular, denominadas osteofitos. 3. Eburnacao e polimento (faces de desgaste e erosdo éssea). 4. Anquilose (processo raro no caso de osteoartrites). Levando em consideracdo esse esquema progressivo de manifesta- ¢4o a ocorréncia de artrites no material aqui estudado foi classifi cada em 4 graus, quais sejam: 1. ausente, 2, trago, 3. moderado, 4. severo. Os dados coletados foram submetidos a um tratamento estatisti- co descritivo simples (Tabela de freqiiéncia). RESULTADOS Nenhum caso de incidéncia severa de osteoartrite foi encontra- do no material analisado. Todas as ocorréncias (32 casos) restringi ram-se a “traco" (25) ou "moderado" (7). Desta forma restringi a and lise estatistica a somente o fator incidéncia e nao grau. Cabe, en- tretanto, salientar que dos sete casos de comprometimento "modera- do", 6 ocorreram no sexo masculino e somente 1 no sexo feminino. Algumas das artrites detectadas podem ser vistas nas figuras 2, 3e4, Os resultados da incidéncia de osteoartrite na amostra analisa da estéo apresentados na Tabela I, onde sao fornecidas as freqiién- cias em relacdo ao niimero de articulagées, em relag&o aos sexos, la dos e membros superior e inferior. A fig. 1 mostra esquematicamente esses mesmos resultados, que podem ser sumarizados da seguinte for- mar 1. Somente 19,4% das articulacdes analisadas apresentaram si- nais manifestos de osteoartrites ("trago ou moderado"). 2. A incidéncia é muito mais acentuada nos homens (26,0%) que nas mulheres (10,18). 3. Em ambos os sexos os membros superiores apresentam-se muito mais comprometidos (29,7%) que os membros inferiores (6 ,8%), sendo que nas mulheres ha nesses Gltimos total auséncia de osteoartrites. 4, Das articulagées analisadas, o cotovelo foi, em ambos os sexos, a mais afetada (50,0% nos homens € 27,3% nas mulheres). CLIO ~ Revista do Curso de Mestrado em Histéria 5. Quanto a incidéncia diferencial por um lado é digno de nota a incidéncia de osteoartrite no ombro direito masculino (40,0%) e no punho esquerdo, quer dos homens (28,6%), quer das mulheres (16,78). Todas essas freqiiéncias devem ser vistas com alguma reserva, tendo em vista a amostra reduzida disponivel para o trabalho, o que pode ser também observado pela andlise da Tabela I, Trabalhos futu- ros, em material semelhante, serdo necessdrios para a confirmacdo dessas tendéncias que aqui se esbocgaram. Uma vez que a freqiiéncia mais alta de artrites observada ocor- reu na articulacao do cotovelo, é de interesse mencionar que na qua se totalidade das vezes a condicéo degenerativa apresentada foi "po rosidade no anel troclear lateral" do hamero (Fig. 3) na classifica do de ORTNER (1968), nado tendo comprometido outras regides da arti culagao. DISCUSSAO E CONCLUSOES A premissa sobre a qual este trabalho foi realizado é a de que © padréo de incidéncia e severidade de osteoartrites numa populacdo reflete a incidéncia e a distribuicgdo do stress produzido cultural- mente sobre os individuos e portanto, traduz a estratégia de utili- zacgéo do corpo dos mesmos e de seu estilo de vida (HEIGHO, 1982). O padrdo de distribuicdo das osteoartrites encontrado na amos- tra aqui analisada sera enfocado dentro daquele ponto de vista, le- vando em consideracgdo as informacées j4 fornecidas pela arquedlogia sobre 0 mesmo sistema adaptativo e os resultados obtidos por outros autores em outras populacdes, através de andlises semelhantes. © primeiro aspecto que chama a atengdo @ o acentuado dimorfis- mo sexual com referéncia 4 freqiiéncia de ocorréncia de patologia de generativa das articulagGes. Creio que este dimorfismo traduz por seu turno um dimorfismo comportamental, relacionado 4 divis4odo tra balho e 4 pratica de atividades diferenciais entre ambos os sexos. &, portanto, possivel sugerir especificidade de trabalho entre ho mens e mulheres, o que néo pode ser encontrado por HEIGHO (1982) nos indios Maidu, da Califérnia. 0 equilibrio encontrado pelaautora en tre homens e mulheres em termos de incidéncia das osteoartrites, su geriu a nao ocorréncia de divisdo estrita de atividades, o que foi confirmado por dados etnograficos e histéricos. A ocorréncia mais ou menos semelhante em alta freqiiéncia de os teoartrites na articulac&o do cotovelo (ulna-himero) entre homens e mulheres, em ambos os lados, sugere a existéncia de uma atividade de importancia na vida desses grupos, exercida por ambos os sexos, en- volvendo movimentos bilaterais e simétricos (em termos de intensida de). De acordo com ORTNER (1968) "Because the elbow does not regu- larly bear weight, the important factor stimulating degenerative change in and peripheral to the joint during the lifetime of the individual is mechanical stress resulting from pressure and _move- ment". Como }4 foi dito anteriormente (RESULTADOS), a degeneracao ocorrida nessa articulacdo foi a porosidade do anel troclear late- ral. Ainda de acordo com ORTNER (1968), levando em consideragéo a arquitetura e mecdnica da articulacao do cotovelo, esta degeneracao especifica s6 pode ser causada por movimentos combinados de flexao/ extensdo com supinagdo/pronacdo (durante os quais a articulacdo ul- na-himero funciona como uma alavanca de apoio para a rotacdo do ra- dio). Estariam as degeneracGes do anel troclear lateral relaciona- das ao manuseio do remo? Uma vida essencialmente préxima ao — meio aquatico e a ocupagaéo de ilhas por esses grupos sustenta a hipétese de utilizagdo de embarcagées e portanto a hipétese funcional apre- sentada (GARCIA, 1971). Por outro lado, terfamos que supor a ocor- xéncia de remo bilateral e a participac&o de elementos de ambos os sexos na atividade. Um aspecto fundamental a ser discutido dos resultados obtidos refere-se ao padrdo de subsisténcia e economia desses grupos. A pre dominante ocorréncia de artrites nos membros superiores em relacdo aos inferiores — esses Gltimos muito pouco atingidos se considerar- mos a populacdo como um todo — indica uma dependéncia muito mais acentuada nos movimentos de braco que das pernas. 0 pouco comprome- timento dos membros inferiores mostra a meu ver uma participagdo me nor do que normalmente requereria um sistema cagador-coletor, emter mos de territorialidade (area usualmente percorrida diariamente) e intensidade de deslocamento. Sugiro, a partir desses resultados ,que © padrao de deslocamento diario e portanto, o territério de coleta desses grupos devem ser inferiores aos normalmente conhecidos para grupos cagadores-coletores continentais (LEE & DEVORE, 1968; HIGGS, 1972; JOCHIM, 1976). Infelizmente, apesar dos j4 quase 20 anos de arqueologia sistem4tica no litoral brasileiro, n&o se dispde de es- tudos de andlise espacial que possam confirmar esta hipdtese. Entre tanto, a insercdo desses sitios em ambiente reconhecidamente rico em 55 CLIO - Revista do Curso de Mestrado em Histéria fontes alimentares (GARCIA, 1972) e a tentativa de analise territo- rial feita por NEVES (1980), parecem corroborar a desnecessidade de deslocamentos extensos no processo diario de coleta de alimentagao. Apesar de pouco comprometimento dos membros inferiores, as ocor réncias de artrite af, incidiram todas no sexo masculino, comprovan do que, apesar do exposto acima, a intensidade de deslocamento rea- lizado pelos homens era superior aquele das mulheres, ficando, por- tanto, por conta dos primeiros as tarefas mais distantes do ponto base de acentamento. A ocorréncta de artrites preferencialmente no punho esquerdo deve estar relacionada a-alguma atividade de suporte e nao de movi-~ mento, uma vez que a maioria das atividades 6 desempenhada no ser humano pelo lado direito. EB muito dificil arriscar uma especificida de de movimento para esclarecer este fendémeno. De qualquer forma, um modelo de coleta envolvendo 0 ato de catar ou apanhar com a mao di- reita e a sustentacdo de um utensilio, para depositar o material co letado, pela m4o esquerda parece-me bastante viavel numa sociedade tipicamente coletora. Digno de nota também é que as finicas ocorréncias de artrite no ombro incidiram nos homens e no lado direito. Movimentos inumera- veis podem ter contribuido para isto: arremesso, utilizacéo de ma- chado, lascamento, etc. Qualquer que seja a atividade implicada ela era restrita ao grupo masculino. Todos esses resultados e conclusdes devem ser vistos com caute la. Primeiramente, porque a amostra disponivel é bastante pequena o que eleva grandemente a possibilidade do padrdo obtido nfo corres- ponder ao da populagao referéncia, Este aspecto podera e devera ser melhorado no futuro, com a anAlise de material de outros sambaquis da costa brasileira. Contudo, sobra ainda um aspecto deficiente, dificil de ser re- solvido a curto prazo, Trata~se da interpretacao do padrdo obtido. Em outras palavras, correlacionar incidéncia e movimentos especifi- cos. Esta especificidade nem sempre existe ou quando existe, ndo 6 conhecida. vejo duas maneiras de solucionar o problema: a primeira é um trabalho amplo de etnografia da utilizacdo do corpo, incluindo ai a contribuicdo da ortopedia, terapia ocupacional, educacdo fisica, ergonomia, cinesiologia, &c. & possivel até que muita informagdo pos sa ser extraida de trabalhos j4 existentes na literatura dessas dis— ciplinas. A segunda forma, ainda mais importante para o material 56 arqueolégico, écontinuar esses estudos dentro de uma perspectiva com parativa, utilizando populacées as mais variadas, comestratégias de vida diferentes. AGRADECIMENTOS Agradeco 4 Maria José Menezes, ex-diretora do Museu de Arqueo- logia e Artes Populares de Paranagué e 4 Pro-Reitoria de Pesquisas da U.F.P. por ter-me permitido o acesso aomaterial 6sseo humano uti lizado. Agradeco também 4 Hélina Samyra de Souza, do MAAP, por sua assisténcia e colaboracdo durante as andlises e aos demais funcio narios daquela instituicgéo pela cooperagdo durante minha estada nas suas dependéncias. A Sara Heigho, Califérnia State University, Chica go, por ter permitido o acesso ao manuscrito de seu trabalho sobre os Indios Maidu. A Igor Chmyz, (U.F.P.) pelo incentivo dado as mi nhas pesquisas sobre material dsseo humano do litoral do Parana e a Zulmara Sauner Posse (U.F.P.), Miguel Anténio Geisler e Oldemar Blasi, pela cooperacdo durante momentos diversos da realizacdéo do trabalho, A Ligia M.S. Marques pelo desenho da Figura 1. Dedico este artigo 4 Lina M. Kneip, por sua coragem profissio- nal e demais qualidades pessoais. BIBLIOGRAFIA ANDREATTA, M.D. & MENEZES, M.J. 1968 Nota prévia sobre o Sambaqui "Bp" do Guaraguacu, Parana. Rev. do CEPA, Curitiba, 1:25-30. BINFORD, S.R. & BINFORD, L.R. 1968 New Perspectives in Archeology. Aldine Press, Chicago. 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Iv, Samb.Guaraguacu A).

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