No dia seguinte, acordou sem sentir coisa alguma. Nada. Absolutamente
nada. Era um vazio povoando o peito, um sufoco de leve, e quando ela apalpou as omoplatas, os seios e a barriga, teve certeza: não havia mais nada. Estranho. O amor profuso que a sufocara horas antes não estava mais lá. E o desaparecimento daquele sentimento e de suas sensações, que ela julgava tão seguros, foi um verdadeiro assombro. Os resultados de sua inesperada liberdade afetiva foram imediatos: além da incrível leveza proporcionada pela indiferença que agora substituía suas aflições amorosas, seus olhos eram outros. Ela podia ver todas as coisas! As outras pessoas e seus mundos, os caminhos diversos a serem seguidos, os ruídos, as cores e os sonhos flutuantes, tudo que antes andava ignorado e acinzentado, porque para ele constituíam ameaças ao seu monopólio amoroso. Um par de passos e ela parou um instante, medrosa. Eram mensagens e ligações sem fim, no meio de uma agonia vibratória que parecia urgente e... sincera? Então olhou para os lados, respirou fundo e certificou-se. Vasculhando o peito, as batidas e o ritmo do seu sangue que caminhava dançante, não mais corria, teve certeza e respirou aliviada. Não havia mais nada. Estava livre, estava a salvo. E decidiu que todos os dias, dali em diante, seriam como o dia seguinte.