Você está na página 1de 112
Fomor eserita: mama inguagem_porfeltamonts hogs liana) © muito influenciada ainda pela filosofia doixa j@ entrever a originalidade 0 a0 pensamento do cmestres. A 0 sfio imcompativeis © aqula, inse- penhada na destruicéo dos mitos, J4 no sentido de uma praxis actuante nos este texto a profunda acuidade oritica ntelectual. que erizar ag obras do maturidade do autor ‘Ao empreender a odigdo deste fprimsiro trabalho de Karl Marx—-a ese de doutoramento que, om 15 de Abril de 1641, apresento na Universidade de Tena engio, tornar piblico wn documento nao nos parece meramente acasiémicos pelo contrario, um elemento importante para uma compreensao correcta da evolii¢ao do pen samento de Marx cujo Inte ae nail as filosofias da natureza em Democrito e Elpicuro l collecczo CLASSICcOg 1 ( J93.9 r t.| iM M29adb. 04 ‘ | KARL MARX (9-75, 5 v 7 DIFERENCA i” NTRE Tradugio de CONCEICAO JaRDDE Q/ig_ +7160 EDUARDO ee NOGUEIRA URMG. - = BIBLIOTECA UNIVERSITARIA ) ) Hh Il HANA I bs i e i NAO DANIFIQUE ESTA ETIQUETA . 06 3 6 Mae SAtb0 seb WOLD Ga soap “hevssnt Il robin yy ey ‘Now ‘Capa de : FO. TRABALHOS PREPARATORIOS BIBLEOT egatut SITARIG 7 Looe 437 600-05 Distribuidores para o Brasil: Livraria Martins Fontes Praga da Independéncia, 12 Santos — Brasil Reservados todos os direitos desta edicho & Editorial Presenca, Lda. Av. Joao XXI, 56-1.°— LISBOA, EXTRACTOS DOS TRABALHOS fi PREPARATORIOS SOBRE A HISTORIA DAS FILOSOFIAS DE EPICURO, DOS ESTOICOS E DOS CéPTICOS * * © texto que wgora_apresentamos—e tese de doutoramento que em 1841 Marx apresentou na Univer- \ sidade de Tona—chegou até n6s incompleto. Perde- ram-se a mater parte do capitulo TV e todo o capitulo V da 1* parte da Dissertagdo, e apenas restam alguns fragmentos do Apéndice. ‘Por nos parecer que tornaria o texto desnecessi- namente extenso, dificultando a sua leitura, nfo fo- ram conservadas, na sua malorla, as citagBes dos auto- 4 res comentados nos Travathos’ Preparatérios, Limi- témo-nos a indicar as referénclas em nota de rodapé. (Nota do Bditor), FILOSOFIA EPICURISTA. PRIMEIRO CADERNO. BERLIM, 1839. INVERNO. Epicuro: sobre o Estado* As passagens seguintes definem a opinidio de Epicuro sobre a natureza espiritual, o Estado. Se- gundo ele, este tem como fundamento o contrato, Stinthéké, pot consequéncia, s6 0 principio de utilidade, 0 stimphéron, pode constituir o sou fim. Epicuro, o fildsofo da representaciio* # importante notar que Aristételes faz, na sua Metafisica, a mesma observagdo sobre 0 papel da Tinguagem ‘elativamente & actividade filosofica. Dado que todos 0s filésofos antigos, incluindo os cépticos, partem de pressupostos da consciénoia, torna-se ne- ‘cessiria uma base sOlida que 6 fornecida pelas repre- sentagdes que se encontram na consciéncia comum. Epicuro, enquanto filésofo da representagéo, mos- 2 Hxtractos de Didg, X 2 4, 6 12, 29. GL 34. 123-146. 148-149. 2 As remigsdes de Marx respeitam & obra de Gas- gendi sobre Epicuro. (N. dos 7.) —Extractos de Dig. X 150-154, % uw frase neste ponto mais rigoroso do que qualquer outro e define melhor as condigdes desse funda- mento. E também o mais exacto nas suas dedugdes; e, tal como os cépticos, conduz a filosofia antiga a um sistema acabado. | A tansferéncia da ideidade para 06 étomos € a dialéctica imanente da jilosofia epicurista* Como os étomos tém uma certa dimensto, deve existir algo mais pequeno do que cles: as partes que os compdem. Mas estas encontram-se necessariamenté combinadas sob a forma de uma comunidad existente entre clas» [Didg. X 59]. A. idealidade 6 assim transferida para os proprios &tomos. Embora 0 menor destes nao se identifique de forma alguma com o mais pequeno tomo da representacao, existe entre ambos uma analogia; mas, quanto a isto, nada de suficientemente determinado se pode pensar. A necessidade, a idealidade que hes toca. meramente ficticia, fortuita; élhes ex- terior. E s6 assim podemos exprimir o principio do atomismo epicurista: o ideal ¢ necessirio apenas existe numa forma representada, exteriora si mesma, ou seja, na forma do dtomo: Eis pois até onde vai a légica de Epicuro. «Por outro lado, 0s dtomos ‘posstiem necessiriamente a mesma velocidade se no chocarem contra nenhum obstéculo no seu movi- mento ‘pelo vazion [Didg. X 61]. 2 Bxtractos de Didg. X 38-56 © 60; extractos in- terealados de Arist, Fis. I 4 e III 5, © também de De gen. et corr. I 8. As obras de Aristétoles citadas no texto séio: (eSobre a gerac&o e a corrupeio) (WN. dos T.). 2 | Vimos que o necessirio, a conextio © a distingao so transferidos para 0 dtomo, ou melhor, que a. idealidade s6 existe nessa forma exterior a si mesma; © mesmo acontece quanto ao movimento, que tende necessitiamente para o repouso, assim que se com- para o movimento do atomo com o dos compos «segundo as composicdes» [Dids. X 62], isto &, do concreto, Comparado a este movimento, o dos tomos ¢ em principio absolute; 0 que significa que todas as condigdes empiticas so nele suprimi- das, que 6 ideal. Para desenvolver a filosofia de Epicuro ¢ a dialéctica que the 6 imanente, essen- El eos commtariun wai. aaerty ay 'prinefpio representado que se comporia relativamente ‘20 mundo concreto sob a forma do ser, a dialéctica, lesséncia interna destas determinagdes ontOldgicas to- fiadss “cone uma Tormado absoluio vient si mesma, S6 se pode desenvolver na medida em que essas determinagdes, por serem imediatas, entam necesstiriamente em colisio com 9 mundo concteto. fe revelam, no seu comportamento especifico em rela- icao a cle, que apenas sto a forma ficticia, exterior a si mesma, da sua idealidade, ou melhor, que no, lexistem eriquanto pressupostos mas sim enquanto dealidade do conereto. Portanto, as determinagies deste mundo sfio falsas em si mesmas; supr $6 expresso 0 conceito do mundo; ioe oe € a auséncia de pressuposto, o nada. A_filosofia| epicurista deve a sua importfncia & ingenuidade com, gue exprime as suas consequéncias, sem o falso) pudor de hoje. + £ necessétio observar a partir de onde € supri- mido o principio da certeza sensivel e qual a re- presentacao abstracta que € considerada como seu 4 Extractos de Diog, X 62, verdadeiro eritério. «A alma € um eoro composto de partes ténues, distribuidas por todo 0 compor. * Ainda aqui se insiste na diferenca espectfica do fogo e do ar relativamente & alma a fim de provar a adequacio da “alma ao corpo; a analogia 6 al empregue mas também suprimida, o que de resto caracteriza em geral 0 método- da consciéneia pro dutora de fiegdes. Assim se esbate toda a determi- nagio concrela ¢ um eco puramente mondteno toma © lugar do desenvolvimento. * Vimos que os atomos, considerados abstracta- mente, nfio séo mais do que seres representados como existindo, e que apenas a sua colisio com 0 conereto permite desenvolver a sua idealidade ficticia © por isso mesmo envolvida em contradicdes, De- monstram. jgualmente, a0 constituirem um dos lados da relagio (quando se consideram objectos que tem em si mesmos o principio e o seu mundo concreto— © vivo, 0 animado, o organico), que o reino da Tepresentago € pensado ou como sendo livre ou como constituindo o fendmeno de uma coisa ideal. Esta liberdade da representagdo € entio uma liber dade apenas pensada, imediata, ficticia, ou seja, 0 atomismo na sua forma verdadeira. As duas deter minages podem portanto ser confundidas;..cada termo, considerado em si mesmo, é 0 mesmo que © outro, mas, quando se opdem, deve-se atribuir-lhes as mesmas determinagdes, qualquer que seja 0 ponto de vista em que se considerem. A’ solugio consistiré © Didg, X 68, 6 xtractos de Didg. 63-64. 4 portanto em voltar a primeira determinagio que 6 @ mais simples: imagina-se livre 0 Eu da represen- tagio, Dado. que esta reincidéncia se ofectua om relagio a uma totalidade, ao ropresentado, que possi realmente em si mesmo o ideal e € 0 proprio. ideal no seu ser, 0 dtomo 6 aqui considerado. tal ‘como existe na tealidade, na totalidade das) suas contradigdes; © simultineamente faz sobressair 0 fundo dessas contradi¢Ges: © querer conceber a re- presentagio como sendo igualmente o ideal na sua liberdade ‘mas sempre na ordem da representagio. © principio. do anbitrétio absoluto surge portanto aqui com todas as suas consequéncias, © mesmo acontsy com 0 Som a8 sa forma mais subor- dinada, 4tomo possi em si mesmo a diferenga que 0 distin- gue de todos 0s outros; logo, é em si mesmo uma multiplicidade. Mas ele existe simulténeamente na determinacdo do Atomo, o que obriga a que a mul tiplicidade seja nele, de um modo necessétio ¢ imanente, uma unidade; isto acontece no dtomo pelo simples facto de existiryMas € necessério, sem. sair do mundo, explicar como este se desenvolve liveemente numa multiplicidade a partir de um prin- cipio tinico. O que deve ser resolvido torna-se deste modo suposto; 6 0 proprio dtomo que deve ser explieado. A distingdo da idealidade s6 € assim introduzida por comparacio; por si, os dois aspectos existem na mesma detetminagio e a propria ideali- dade surge novamente no facto de esses atomos miiltiplos se combinarem realmente, de serem os principios de tais composigbes. O principio da cot posi¢do 6 portanto aquilo que originalmente co posto sem tazao, isto & g_explicacio confunde-se) exaciamente com o explicado que se introduz & forca nas palavras e na nebulosidade da abstraccao produtora de ficedes. Como vimos, isto s6 acontece quando se considera 0 orginico, 15 ‘Como existem em grande mimero, cada) ; | Acaso e possibilidade em Epicuro Notemos que ao admitir que a alma desaparece e apenas deve a sua existéncia a uma combinagio fortuita, estamos a admitir simultaneamente, de um ‘modo geral, o cardctet fortuito de todas as repre- sentacoes (ex. a alma); ¢ do mesmo modo que elas no sio necessdrias na consciéncia comum, também em Epicuro sio substancializadas enquanto estados fortuitos que s6 sio conhecidos como. possivels na medida em que se concebem como dados ouja necessidade de existéncia nfo € demonstrada nem deme wel. Por outro lado, o que petsiste € 0 livre ser da representacdo, que € a liberdade no seu set em si e simultaneamente, enquanto pensa~ mento da liberdade do reptesentado, € uma mentira € uma fiecio; logo, € em si mesmo algo de inconse- quente, uma miragem, uma fantasmagoria. Este ser apenas a exigencia das determinagdes concretas da alma como pensamentos imanentes. A grandeza de Epicuro, o que dele persiste, 6.0 facto de no atribuir aos estados nenhuma prioridade sobre as represen tages e de to pouco as tentar salvar. Para Epicuro, | ‘© principio da filosofia consiste em demonstrar que | ‘© mundo ¢ 0 pensamento siio pensaveis, isto é pos- siveis; € a prova que nos fornece, o principio de que patte ¢ ao qual volta, 6 ainda a possibilidade no seu ser para si, Cuja expressio natural 6 0 dtomo ¢ cuja expressiio espiritual € 0 acaso € 0 arbitrario, E neces- shrio considerar mais detidamente a forma como a alma e 0 corpo intercambiam todas as suas deter- minagdes, como cada um dos termos é no mau sentido, o meso que 0 outro, de modo que nenhum isles 6 determinado pelo conceito. A superioridade do rigor légico de Epicuro relativamente & dos cépticos Epicuro toma-se mais importante do que os ‘cépticos pelo facto de nele ndo $6 os estados © as Topresentacdes serem reduzides a nada, como ainda por ter consciéncia deles, meditar sobre eles ¢ racio- cinar sobre a sua existéncia, a qual tem um, ponto de partida conereto, é algo possivel ‘Ppicuro fala das determinagbes dos compos concretos, © 0 ponto de vista do atomismo parece invertido quando afirma...* O tomo como forma imediata do condeito: a declinagiio fn Epicuro tem aguda consciéncia do facto de a repulsio surgir paralelamente a lei do tomo, 20 desyio da linha recta. Lucrécio afirma pelo menos que isto nio deve ser tomado num sentido meramente superficial, como se os dtomos se defrontassem neces satiamente com essa condi¢a0. Depois de declarar gue sem este «clinamen atomi» nio ‘teria havido coffensus natus nec plaga creata»? [Lucrécio I 223], afirma um pouco mais adiante: 1 Extnctos de Dios, X67. 5 Neste ponto, o Autor cita algumas passagens de Diog. X 69-71 (N. dos 7.) ® @Desvio do Stomos... «Choque ou criagdo do mundo» (Nota do Autor). i 4De rerum natura> (N. dos T.). 7 Denique si semper motus connectitur omnis et vetere exoritur novus ordine certo, nec declinando faciunt primordia motus principium quoddam, quod fati foedera rumpat, ‘ex infinito ne causam causa sequatur: libera... etc.” ‘Aqui considera-se um movimento no decurso do, qual os 4tomos se podem encontrar e que 6 dife- rente do que é provocado pelo clinamen. Por outro Jado, este movimento € rigoroso ¢ efectua-se de acordo com o determinismo absoluto; constitui por- tanto a supressio do Si ¢, deste modo, cada deter- minacio encontra o seu serai no seu ser-outro imediato, no seu ser-suprimido, naquilo que para © Atomo € a linha recta. Apenas do «clinameny pode surgir 0 movimento aut6nomo, a relacio que possi a sua determinacio como determinacio do set Sie que no a tem no outro ser. & indiferente que Lucrécio tenha extraido este) argumento de Epicuro ou que o tenha inventado.! © que ficou demonstrado no raciocinio sobre a re~ pulsio (que 0 atomo, enquanto forma imediata do conceito, s6 se objectiva na inconceptualidade ime- diata) vale também para a consciéncia filos6fica, cuja esséncia € precisamente este constrangimento. E, simulténeamente, isso justifica-se por ter reali- zado wma classificagio totalmente diferente da de Epicuro. 21 Finalmente, se a cadeia do movimento total se fecha sem cesar, / se 0 novo anel, infalivelmente, se junta ao precedente, / se os &tomos néo se desviam ‘da vertical e nfo do origem, através dessa declina- 80, / ao infcio do movimento que quebra as cadelas do destino / © sem o qual este fecha sem lacunas a cadeia infinita das causas, / segue-se que... (NM, do Autor). 18 FILOSOFIA EPICURISTA. SEGUNDO CADERNO. 42 Encontramos aqui o principio do pensavel, que por um Jado serve para afirmar a liberdade da cons- ciéncia de sie por outro para atribuir ao Deus liberdade relativamente a quaisquer determinagies. Didg, X 78: além disso, Epicuro pronuncia-se (pigs. 56-57) contra a atitude que consiste em limitar-se a contemplar os corpos celestes com admiragio; de- nuneia-a como atitude que limita 9 homem ¢ the inspira medo.ff necessdrio que prevalega a liberdade absoluta do espiritof A filosofia epicurista dos Meteoros* No inicio do seu tratado sobre os _meteoros, Epicuro reafirma que 0 objectivo deste conhecimento ‘<6 servir para a ataraxia (auséncia de perturbacoes) ¢ uma solida confianga interior, assim como para tudo o resto, [Didg. X 85]. Mas a consideracio dos corpos celestes distin- gue-se também_essencialmente de qualquer outra cidncia, [Didg, X 86]. 12 Extractos de Diég. X 72-77. as Extractos de Didg. X 80-61, 19 Para 0 conjunto da concepeio de Epicuro, é im- portante que os corpos celestes, enquanto mundo Supra-sensivel, ndio possam aspirar ao mesmo grau de evidéncia que caracteriza 0 outro mundo, o mundo moral ¢ sensivel. & a cles que se aplica a doutrina epicurista da disjuncio, segundo a qual nao existe aut aut (ou... ou); a determinagio interior € por- tanto negada ¢ 0 principio do pensdvel, do repre- sentivel, do acaso, da identidade ¢ da liberdade abstracta manifesta-se do mesmo modo que ela, isto & como o indeterminado que, justamente por essa razio, é determinado por uma reflexio que Ihe € exterior, Dir-se-ia que 0 método da consciéncia pro- J dutora de ficgdes de representacdes apenas se| debate com a sua propria sombras e a natureza dessal sombra depende da maneira como ela € vista e de como 0 objecto que reflecte envia 0 seu proprio te- flexo a partir dessa sombra. Tal como, no caso do orginico em si, a contradigzio da concepcio ato- mista explode substancializada, assim a consc‘éneia filosofante admite 0 que faz, agora que o proprio objecto entra na forma da cetteza sensivel e do entendimento que representa, No primeito caso, 0 principio representado e a sua aplicagiio encontram-se objectivados numa tn’ea coisa, e as contradicbes sio assim chamadas As armas num antagon‘smo aue opde as proprias representacdes substancializadas; do mesmo modo, aqui onde o objecto é por assim dizer suspenso sobre a cabeca dos homens, onde desafia a consciéneia pela sua autonomia, pela inde- pendéncia sensivel e a misteriosa distancia da sua exis- téncia, a consciéncia explode no reconhecimento da sua actividade; contempla o que faz: chamar a inteligibilidade as representacGes que nela pré-existem ¢ reivindici-las como sua propriedade; vé que toda a sia actividade se limita a um combate contra a distincia, a qual encerra em si toda a antiguidade, que s6 pode admitir como principio dessa actuacio 20 a possibilidade, o acaso, e que apenas pretende esta-| belecer de qualquer modo {uma tautologia| entre si| mesma eo seu objecto. His o que éla reconhece quando essa disténcia lhe faz frente, incarnada nos, corpos celestes, numa independéncia objectiva. A ma-] neira como explica é-lhe indiferente; afirma que nio se satisfaz com uma explicagio mas sim com varias, ou melhor, com todas as explicagdes possiveis; ©, deste modo, admite que a sua actividade é uma fiegdio activa. & por isto que os meteoros ¢ a dou-, trina que lhes diz respeito sfio, na antiguidade em geral, onde a filosofia nao esté isenta de pressupostos, a imagem onde a consciéncia contempla as suas falhas; ¢ isto mesmo em Aristoteles. Epicuro exprimiu | esta imagem, ¢ € esse o seu mérito, como consequén- Cia implacdvel das suas concepgdes e desenvolvi- | mentos. Os meteoros desafiam 0 entendimento sen- sivel; Epicuro ultrapassa este desafio ¢ daj em diante| apenas quer ouvir falar do seu triunfo sobre eles: ‘pois no que respeita A ciéncia da natureza na sua especificidade, nfio nos devemos ater as regras ¢ as| nogdes comuns e falhas de sentido; devemos pelo) contrério aceitar as exigéncias dos proprios fendme-| nos... a fim de que possamos viver sem cuidados», [Diog. X 86-87]. Deixa de haver necessidade de prin- cipios ou, de pressupostos quando 0 proprio pressu- posto se ope a consciéncia e a amedronta. No medo, a representacao desaparece. # por isso que Epicuro repete, como se nela se reconhecesse, a seguinte frase: «Tudo se processa sem abalos, mesmo que tudo deva set purificado pela explicacio sob miiltiplas formas, de acordo com 0s fenémenos: verifica-se isto quando admitimos, como convém, o que se afirma de convincente a seu respeito; mas se se admite uma explicacio e se rejeita uma outra, quando ambas concordam com os fenémenos, é evidente que nos estamos a afastar da ciéncia da natureza para inmos cair no reino dos 21 alas [Diég. X 87]. Poe (N. 7.). ie eAs almas sio mortals, contra’ Epleure, notas de Pierre Gassendi sobre 0" livro 40. de. Diogenes asrcios Daun ¢ 0 alr do anundo, contre, Epi euro»... eDeus prooctipa-se com os ‘homens, Epicuros (NV. do Autor). cet muito mais rigorosa do que os cépticos. E note-se que a filosofia moderna tessuscitou este fendmeno, ,¢ pelas mesmas razdes. A antiguidade procurava as suas raizes na natureza, no substancial; a sua degra- | dagio, a sta profenagao, 6 a marca profunda da | fuptura da vida substancial virgem. O mundo mo- | derno procura-as no espitito e pode facilmente de- | gembaragar-se do seu Outro, da natureza. Do mesmo: modo, 0 que para os antigos constitnia uma profa- nagio da natureza torna-se, para os modernos, liber- taco das cadeias da escravidao que ¢ a fé; ¢ aquilo de que parte, pelo menos de acondo com o set principio, a antiga filosofia jonica (ver o divino—a ideia —incarnado na natureza), é algo a que a moderna concepgaio racional da natureza se deveria televar. ‘Quem nfo recordaré neste ponto a passagem, cheia de entusiasmo, do maior dos filésofos antigos, AristOteles, no. seu tratado «Da natureza animal» (de animante natura) [Arist. De part. animal., 645 a), que soa de uma forma totalmente diferente da mo- @notonia desiludida de Epicuro! A construcao epicurista do mundo E nevessirio reter, a fim de realcar 0 método da filosofia epicurista, o problema da criacao do mundo, problema onde 6 sempre visivel 0 ponto de vista de uma filosofia; efectivamente, 20 dar a conhecer a forma como, segundo ele, o espirito cria 0 mundo, este ponto de vista desereve as relagdes de uma qualquer filosofia com 0 mundo, o poder criador dessa qualquer filosofia, Epiouro afirma: «OQ mundo € um complexo celeste (periokhé ziss uranii) que envolve os astros, a terra e todos os fenomenos, que contém uma parcela (se0cio, apotomén) [Didg. X 88] da injinitude © que se detém mon limite, oo quer este seja constituido por éter ou seja sdlido (@ transgressio deste limite toma num caos tudo © que) ele contém), quer esteja em repouso ou seja redondo, triangular ou de qualquer ouira forma. Existom, com efeito, todos os tipos de possibilidades nna medida em que nenhuma dessas determinagdes 6 contraditoria com os fendmenos. Nao poderiamos saber onde o mundo acaba; mas & evidente que existe um mimero infinito de mundos, % A insufici@ncia desta construgao do mundo salta 0s olhos de qualquer pessoa. O facto de o mundo ser um complexo constituido pela terra, as estrelas, ‘etc., nada significa, pois ¢ 6 mais tarde que 0 nas- cimento da lua, etc., se vorifica e é explicado. Todo 0 corpo concreto € em geral um complexo, ¢ em Epicuro serd mais precisamente um complexo de dtomos. A determinagio deste complexo, a sua diferenca especifica, reside no seu limite; ¢ € por jsso. que se toma supérfluo, uma yez que o mundo foi definido como uma seco do infinito, acres: centar © limite como determinagao mais precisa, pois uma secgio esté separada de qualquer outra e € uma coisa coneretamente diferente, portanto limitada relativamente a um Outro, Mas 6 exactamente esse limite que € necessirio entio determinar, pois um complexo: limitado nfo é ainda um mundo, Ora é-se mais adiante que o limite pode ser determinado de todas as maneiras que se quiser, pantakhés [Diog. X 88], ¢, finalmente, Epicuro admite que é impossivel determinar a sua diferenca especitica, se em que possamos conceber a sua existéncia, Limitamo-nos pois a afirmar que a representacao do retomo de uma ‘olalidade do diferencas a uma unidade indeterminada, isto 6 a representaco «mun- 25 do», existe na conscitneia e pode ser encontrada no pensamento comum. O limite, a diferenga especifica, € portanto a imanéneia ou a necessidade de uma tal representagdo € dada por inconcebivel; mas 6 possf- vel conceber a existéncia dessa representagio, par- tindo de uma tautologia , porque cla existe. O que deve ser explicado, a criagdo, o nascimento ¢ a Tedugio interna de um mundo pelo pensamento & assim dada como inconcebivel e, guisa de explica- Gio, citam-nos o serai dessa reptescntago na cons- Gigncia. © mesmo acontece quando se afirma que a existncia de Deus pode ser provada mas que a sua adifferontia specifican, quid sit, 0 porqué da sua determinacao, € impenetrivel. Quando Epicuro diz, por outro lado, que o limite pode ser pensado da forma que se quiset, que toda a determinagio, que habitualmente coneebemos a partir de um limite real, the pode ser atributda, é evidente que a representacdo «mundo» constitui ape- pas 0 retomo a uma unidade sensivel indeterminada © portanto determinével de qualquer mancira ou, mais geralmente, e dado que 0 mundo & uma repre: sentagto indeterminada da consciéncia que sente ¢ reflecte, 0 mundo sera, nessa consciéncia, composto por todas as outras representacdes sensivels e limi tado por elas, ea sua determinacdo ou o seu limite sero tao diversificados quanto essas representagdes sensiveis que 0 ceream, podendo cada uma delas set considerada como seu limite e, portanto, como sa determinagio ou explicacio mais rigorosa, & esta a esséncia de todas as explicagdes epicuristas, e isto 21 A. tautologia 6 aqui uma definigéo circular. (, do Autor). 48 Diferenga especifica, marca distintiva do seu ser (N. do Autor). 26 € tanto mais importante quanto 6 verdade que cons- titui a esséncia de todas as explicagdes fornecidas pela consciéneia produtora de representagdes, pri= sioneira de pressupostos. ‘© mesmo acofitece com os autores _modernos quando, ao referirem-se a Deus, Ihe atribuem bon- dade, sabedoria, etc, Cada uma dessas ropresenta- Ges, que stio determinadas, pode ser tida como 0 limite da representagio indeterminada «Deus» que se encontra entre elas. ‘A esséneia desta explicagio consiste pois no facto de qualquer representacdo que deva ser explicada set extraida da consciéncia, A explicacao ou a deter- ‘minago mais rigorosa assenta pois no facto de as Tepresentagdes admitidas como conhecidas e tiradas da mesma esfera estarem em relacdo ‘com ela, ¢ por- tanto no facto de ela estar, em geral, numa determi nada esfera da consciéncia. Epicuro admite aqui 0) defeito da sua filosofia assim como 0 do conjunto da filosofia antiga: saber que existem representagbes na) consciéncia mas ignorar completamente o scu limite,] © seul principio, a sua necessidade, J Mas Epicuro nao se contenta com o ter fomne- cido 0 conceito da sua criagdo do mundo; ele proprio representa o drama, objectiva aquilo que fez, ¢ 86 ‘af comeca verdadciramente a sua criagio. Com efeito, Iemos mais adiante: «Pode ainda acontecer que um tal mundo nasca num intermundo (assim denomina- mos 0 espago compreendido entre varios mundos), num espago completamente vazio, num grande vacuo transparente, de acordo com o seguinte processo: as sementes aptas a esta fungao vém de um mundo ou de um intermundo, ou entio de varios mundos, € formam pouco a pouco aglomeragGes ou articulagbes, conforme 0 caso, transformando assim 0 local ¢ recebendo do exterior tantos acréscimos quantos su- porta a composicsio dos substractos que Ihe estéio na base, Efectivamente, quando um mundo naste no 27 oo i. vazio, niio basta para o explicar pensar-se na forma: go de um amontoado ou de um turbilhio © no cres- Cimento dese amontoado até entrar em choque com outta coisa, como o pretende um dos fisicos, De facto een contradiz os fendmenos» [Didg. X O primeiro ptessuposto da criagio do mundo 6 aqui, a existéncia de outros mundos; e o local onde se produz, este acontecimento é 0 vazio. Logo, 0 que anteriormente encontramos no conceit. da. criagiio (que 0 que deve ser criado & pressuposto) 6 aqui substancializado. A representacio, privada da sua determinagdo mais precisa ¢ da sua relacio com 08 outros, portanto tal como 6 pressuposta antes de se conceber a existéncia desses outros mundos, & vacuo ou, se a incarnarmos, um. intermundo, um espago vazio, A forma como se acrescenia a nova determinagao é assim indicada por Epicuro: as se- mentes apropriadas @ criagao do mundo retinem-se como 6 necessirio para que esia se efectue, ou soja, nio € dada nenhuma determinagio, nenhuma dife- renga. No fim de contas s6 temos ainda, ¢ uma vez mais, 0 dtomo © o Kendn (vazio), apesar da resis- tencia de Epicuro em aceitar esta conclusfio, eic.. Ja Aristételes fez uma critica profunda ao cax récter superficial deste método, que parte de um prine cipio. abstracto sem deixar este principio. esbater-se em formas (?) mais clevadas. Depois de louvar os pitagéricos por terem sido os primeitos a libertar as catogorias dos seus substractos, a no as consi- derar como uma natuneza particular, com as caracte- risticas de um predicado, mas a concebé-las mesmo como uma substancia imanente: «Eles créem que o limitado eo ilimitado (e 0 uno) nao eram naturezas diferentes como o fogo, a terra ou qualquer outra coisa diferente, mas sim que 0 proprio ilimitado e 0 proprio Uno constituiam a esséncia daquilo de que Se diziam...» [Arist. met. 987 a 15 e segs,), faz-lhes 28 esta critica: qeonsideravam como esséneia da_coisa primeira coisa em que se encontrava a definigao a que se referiam» [Arist. met. 987 2 23 ¢ segs.) A filosofia epicurista e 0 cepticismo Vamos agora referir-nos as relagdes da filosotia de Epicuro com o ceptivismo, tal como essas relacies nos sfo dadas a conhecer por Sextus Empiricus, Mas antes devemos ainda citar uma determinagio fundamental do proprio Epicuro tirada do livro X de Didgones Laéreio, aquando da deserigio do sébio: «O sdbio comportar-se-4 dogmaticamente e nao apo- reticamenten [Didg. X 121], Do conjunto da expo- sigio do sistema epicurista, onde’ é dada a sua relagao essencial com a filosofia antiga, colhem-se como documentos importantes o seu principio do pensivel, 0 que afirma acerea da linguagem e sobre 4 origem das representagdes: estes documentos con- tém implicitamente a sua posigao telativamente aos cépticos. & em certa medida mteressante ver qual a origem que Sextus Empiricus atribui a actividade filos6fica de Epicuro: [Extractos de Sext. Emp. adv. dogm. WW 18-19; Pyrrh, hyp. IL 23-25; adv. dogm. Ul 64.71.58; adv, dogm. 1 267; adv. math, 1 49.54.272 e segs; adv dogm. I 14-15.22. As obras de Sextus Empiricus citadas sio «Adversus mathematicos» («Contra os mateméticosn) e «Hipotiposes de Pirro>] «A refutagio daqueles que se ocupam das cign- clas parece ter sido exposta muitas yezes pelos adeptos de Epicuro assim como pelos discfpulos de Pyrhon, mas nao a partir do mesmo sistema, s epicuristas condenam as ciéncias afirmando que elas em nada contribuem para atingir a sabedorias. (isto. significa’ que os epicuristas consideram 0 ‘conhecimento das coisas, na sua qualidade de um set-outro do espirito, como impotente para estabelecer 29 @ sua ¢Realitas»; e os pitronicos consideram a im- poténeia do espirito para compreender as coisas como constituindo o seu aspecto essencial, a sua eal energia, Apesar de os dois lados se apresentarem dogradados ¢ sem a frescura filos6fica dos antigos, encontramos neles uma relagio semelhante a existente entre os beatos ¢ os Kantianos nas suas posicoes sobre 4 filosofia. Os primeiros renunciam a0 saber por devosio, isto 6 acredilam, com os epicuristas, que 0 ndo-saber constitui 0 divino nos homens, que este carécter divino, que € proguiga, € perturbado pelo conceito, Pelo contrrio, os Kantianos sao. 03 apéstolos oficiais do ndo-saber, consistindo a sua tarefa quotidiana em desfiar um rosario pela sua pro- pria impoténcia ¢ pelo poder das coisas. Os epi- curistas sfio mais consoquentes: se 0 nio-saber € 0 acto do espirito, 0 saber nao € um acrescento de natureza espiritual mas sim algo de indiferente a0 espirito; 0 divino existe para aquele que ndo sabe, nao sendo © movimento do saber mas sim a sua preguiga), «Alguns pensam também que esta teoria disfargava a sua propria falta de cultura; com efeito, Epicuro era ignorante em muitos assuntos e, mesmo nas conversas de todos os dias, cometia erros de Tinguagem [Sext. Emp., adv. math. I 1]. Sextus Empiricus, depois de forecer ainda alguns exemplos que provam cabalmente 0 seu embaraco, define do seguinte modo aquilo que opde a posicio dos cépticos A de Epicuro, no que se refere & ciéncia: «Mas se 0s cépticos condenam as cigncias, nio 0 fazem porque elas em nada contribuem para a sabe- doria, pois esta opinido seria dogmética; também no € por serem incultos..., (mas) & porque tém em relagdo as ciéncias os mesmos sentimentos que expe- rimentam relativamente a toda a filosofiay [Sextus Empir. adv. math., 1 5-6]. (Vemos aqui como ¢ ne- cessitio distinguir as mathémata e a philosophia [as cigncias e a filosofia}, e que 0 desprezo de Epi. 30 curo, pelas mathémata se estende a tudo aquilo a que chamamos conhecimentos; vemos. igualmente © rigor com que esta assertio consenti [esta decla- ragio concorda] com suo systemati omni [0 conjunto do seu sistemal). Nas Hipotiposes de Pirro, Livro I, capitulo XVII, a eticlogia, normalmente empregue por Epi- euro, € contradita de forma pertinente mas, simul- taneamente, realga a propria impoténeia dos cépticos. «Mas talyez as cinco maneiras de suspender o seu juizo bastem para refutar a procura de razdes, Efectivamente, ou se expoe uma razio que esta de acordo com todas as maneiras de pensar que se encontram na filosofia, com 0 cepticismo e com o fenomeno, ou entio no se consegue faz6-lo, Ora é talyez impossivel fornecer uma tal sazo» [Sex. Emp. Pyrrh. hyp., 1 185]. (Com feito, € impossivel for- necer uma razio que apenas scja constituida pelo fen6meno porque a raziio é a idealidade do fend- meno, o fenémeno suprimido. & igualmente impos- siyel que uma razio esteja de acordo com o cepti- cismo pois este contradiz qualquer pensamento, cons- titui a supressao do acto de determinar enquanto tal, © cepticismo tora-se ingénuo quando reine os phaindmena (fendmenos), pois ele proprio € um fendmeno, é o ser-perdido, 0 nao-ser do pensamento: © cepticismo & este nfo-ser enquanto reflectido em si, e 9 fondmeno desaparece nele, torna-se apenas uma aparéncia; 0 cepticismo é 0 fendmeno que se exprime, desaparece com o desaparecimento deste, 6 cle mesmo um fendmeno), «Pois a contradicio Teina tanto sobre os fenémenos como sobre todas as coisas que nao nos surgem. Mas se ele (0 etidlogo) esi em contradigao, pedir-lhe-emos que dé igual- 19 Extractos de Sext. Emp, adv. math. I 6. 31 mente razSes desta contradicao» [Sext. Emp. Pyrrh. hyp., 1 185 e segs.). (Isto significa que o:céptico pre+ tende uma razio que constitu apenas uma aparéncia @ que, por isso mesmo, no seja uma razAo). GE assim que ele (0 ctidlogo) admiti: uma rao da ordem do fenomeno para explicar um fenémeno, ou uma tazio invisivel para uma coisa invisivel, poderé. man- ter essa cadeia até ao infiniton [Sext. Emp., Pyrrh. hyp. 1 186), (Isto 6 visto que 0 céptico nfio quer sai da aparéneia ¢ no a quer afirmar como tal, ele nao sai da aparéncia; ¢ este movimento pode repe- tir-se até ao infinito. Na verdade, Epicuro pretende ir do Atomo para outras determinagdes mas, como se recusa a desfazer-se do dtomo enquanto tal, unea ultrapassa as determinagdes atomistas exterio- res a si mesmas e arbitrarias; 0 céptico, pelo con tririo, aceita todas as determinagoes, mas sempre na determinagio da aparéncia; a sua ocupagio & portanto igualmente arbitratia ¢ apresenta sempre a mesina indigéneia, Ele nada sem divida na maior riqueza do mundo, mas mantém-se sempre na maior miséria e tomna-se a incarnaco da impoténcia que ¥vé nas coisas. Epieuro esvazia em primeiro lugar 0 mundo, acabando dese modo na auséncia total de determinagdes, no vazio que repousa em si, no deus otiosus). «Assim que ele (0 etidlogo) parar em qual- quer parte, deverd dizer, de acordo com o que afir- mémos, se a razio foi instituida, e relativamente a qué, suprimindo a sua relagio com a natureza; ou enifo, se partir de um pressuposto, impedi-lo-emos de continuary [Sext. Emp., Pyrrh. hyp., 1 186). Se, para os fil6sofos antigos, os meteoros, 0 cdi vistvel, Slo 0 simbolo ¢ a intuigiio da sua perturbacdo subs- tancial, de modo que mesmo Aristoteles toma as esttelas por deuses ou pelo menos coloca-as numa conjuncio imediata com a energia mais elevada, j4 60 céu escrito, a palavra selada do Deus que se manifestou a si proprio no decurso da hist6ria mun- dial, que tem o papel de palavra de ordem no com- bate da filosofia crista. O pressuposto dos antigos é a acco da natureza, o dos modernos é a ac¢do do espirito. © combate dos antigos s6 podia acabar na des- truigio do céu visivel, desse, ornamento substancial da vida, da forca de gravitacio propria da existéncia politica e religiosa, pois a natureza tem de ser dividida em duas para que o espirito se possa unificar. Os Gregos dividiram-na com o engenhoso martclo de Efaistos, ¢ fizeram-na explodit em estétuas com os seus golpes. Os Romanos enterraram-lhe a espada até ao coraclo, e os povos pereceram; mas é a filosofia moderna que lhe quebra 0 selo, ¢ a faz desvanecer-se em fumo no fogo sagrado do espirito; 6 na sua qualidade de inimiga espiritual do espirito © mo como um apéstata isolado © decadente da gravitaco da natureza, que esta tem uma accio universal e constr6i as formas que encerram 0 uni- versal, A incapacidade de Plucarco para compreender Epicuro HB necessitio dizer que no tratado de Plutarco que agora examinamos ha muito poucas coisas utili- zAveis. Basta Jer a introducdo, a sua esttipida fan- farronice ¢ a sua grosseira interpretacao da filosofia de Epicuro para imediatamente perder quaisquer duvidas sobre a total incapacidade de Plutarco para a critica filos6fica, [Extractos de Plutareo, de eo quod, 1807 ¢ segs.|. E evidente que Plutarco no com- preende a logica de Epicuro. A maior voluptas (0 maior prazer) consiste para Epicuro em libertar-se da dor, da diferenca, assim como de pressupostos; © corpo que nio pressupde nenhum outro na sensa~ Gio, que nao semte essa diferenga, € sio € positivo. 33 Esta posiglio, que tem a sua forma mais elevada no Deus otiosus de Epicuro, existe por si mesmo nas doengas que persistem na medida em que a doenca, quando se mantém, deixa de ser um estado para se tomar algo de familiar'e de particular. Vimos na filo- sofia da natureza de Epicuro como o autor aspira a esta austneia de pressuposto, a este afastamento da diferenca, tanto na teoria como na pritica. © bem supremo, para Epicuro; é a ataraxia (0 xepouso da alma), pois 0 espirito de que trata é 0 espirito empiricamente singular, Mas Plutarco apenas repete lugares comuns ¢ raciocina como um aprendia, 0 conceito de sabio na filosofia grega Podemos referir-nos em particular & determi- nagio do sophos \(S4bio), pois cla constitui siste- miaticamente 0 objecto das filosofias epicurista, es+ toica © céptica. O sen exame demonstraré que o sébio encontra o seu lugar mais légico na filosofia atomista de Epicuro e que 6 igualmente desse ponto de vista que podemos observar como 0 declinio da filosofia antiga se apresenta methor objectivado em Epicuro. © sibio, sophos, € obrigutdriamente concebido péla filosofia antiga de acordo com duas determina- ges que embora diferentes possuem ambas a mesma raiz, © que nos surge tedricamente na consideracio da matéria, surge praticamente na determinagio do. Sophos. A’ filosofia grega comega com sele sé bios entre 0s quais se encontra o filosofo jénico Thales, ¢ termina com a tentativa de claborar o retrato_ conceptual do s4bio, O. principio © o fim dessa filosofia sto definidos por sibios, e 0 seit centro & eleproprio. um sophos: Socrates. Nao devemos considerar exotético 0 facto de a filosofia 34 se mover em toro desses individuos_substanciais: 0 fio pouco como o facto de a Grévia se afundat politicamente na época em que Alexandre porde a sua sabedoria em Babilénia, Como a vida grega e 0 espirito grego possuem na sua alma a substéncia que neles aparece pela primeira. vez. como |substéncia livre, 0 saber dessa substéncia cai em existéncias independentes, em in- dividuos, que na sua qualidade de homens notdveis se opdem aos outros © thes so exteriores, ¢ cujo saber, por outro lado, constitui a vida interior da substincia e portanto uma vida interior as condicées da tealidade efectiva que as rodeia. O fildsofo grego 6 um demiurgo, e/0 seu mundo & um mundo dife- rente daguele que floresce sob o sol natural do substancial. + Os primeiros sAbios s8o apenas os receptdculos, os pitias, através dos quais a substancia faz ouvir ‘a sua yoz em ordens universais ¢ simples; a sua linguagem ainda a da substincia que se pds a falar, a dos poderes simples da vida ética que se manifestam. Eles nfo sio mais do que os contra- ‘mestres da. vida politica, os legisladores. Q3 fil6sofos jénicos da natuteza so fendmenos tio isolados como as formas do elemento da natue reza_a partir das quais procuram conceber 0 todo. Os :pitagéricos concebem uma vida interior no Estado: a forma na qual realizam o seu conhecimento da substantia estf a meia disténcia do isolamento total € consciente (que no se encontra nos jOnicos, cujo isolamento 6 antes o isolamento irreflectido e ingénuo das existéncias clementares) ¢ da sua’ vida cheia de confianga na realidade ética, A forma da vida dos pitagdticos ¢ em si mesma a forma substancial, politica, apenas tomada em abstracto ¢ levada a um minimo de extensio e de fundamentaeio natural; do mesmo modo 0 seu principio, o nlimeto, se en- contra a meio caminho entre 0 sensivel variegado ¢ 35 © ideal, Os Bleatas, que foram os primeiros a des- cobrir as formas ideais da substdncia cuja interiori- dade eles proprios concebem de maneira puramente interior, abstracta, intensiva, sdo os anunciadores inspirados pelo Pathos ¢ os profetas da aurora que surge. Merguthados nessa luz, afastam-se sem © desejar do povo e dos deuses antigos. Mas, com Anaxdgoras, € 0 proprio povo que se afasta do antigo deus para se Ievantar contra o s4bio individual © que o explica como tal ao excluilo de sii Criti- cou-se recentemente o dualismo de Anaxfgoras (ver por exemplo Ritter, Histéria da filosofia antiga, pri- meiro volume); Aristételes afirma no primeiro livro da sua Metafisica que se serve do niss (faculdade do conhecimento imediato) como de um instru mento e que s6 faz uso dele quando falham as expli- cages naturais. Mas, por um lado, esta aparéncia de dualismo no é mais do que © préprio elemento dualista que comega; na época de Anaxégoras, a cindir 0 coragio mais intimo do Estado: ¢ por outro, deve ser compreendide de uma forma mais profunda: o miss € em Anaxégoras activo e 36 ¢ empregue quando a determinacao natural nfo existe. £ em si mesmo o non-ens (nio-ser) do natural, isto é a idealidade. Além disso, a actuacio desta idealidade sé comega quando fildsofo nao se pode apoiar em qualquer anilise fisica, O miss € 0 proprio miss do filésofo ¢ instala-se no. ponto preciso em que. este iiltimo no consegue objectivar a sua actividade. Com isso, 9 mriss aparece como 0 nticleo da filo- sofia do fildsofo errante; © surge com todo o seu poder enquanto idealidade da determinacao real, por um lado com 03 sofistas por outro com Sécrates. Se é um facto que os primeiros sabios sregos correspondem ao prdprio spiritus. da substincia, a0 seu saber incamado, se as suas palavras tem a. mesma intensidade pura da substincia, se A me- dida que a substincia se vai idealizando cada vez 36 mais os suportes da sua evolugio fazem prevalecer uma vida ideal, na sua realidade particular, contra a realidade da substdncia que surge e da verdadeira vida popular, também é verdade que a propria idea- lidade ainda se encontra, na forma da. substancia, Nao se sacodem os podetes vivos: os filésofos mais idealists. deste periodo, os Pitagoricos e os Eleatas, glorificam a vida piblica e¢ fazem dela a verda- deira Razao, Os principios destes fil6sofos sao objec- tivos © constituem um poder que os invade a si proprios e que revelam em semimistérios conforme a sa inspiracio postica, isto é de uma forma que modifica a energia natural mas que a ndo destr6i ¢ que a elabora na sua totalidade adentro da deter- minacio do natural. Esta incarnagio da substancia ideal verifica-se nos préprios filsofos que a reyo- Jam; néio apenas 2 sua expresso é o plastico-pratico ea sua realidade € a sua propria pessoa e 0 seu aparecimento, como ainda se tornam, cles proprios as imagens vivas, as obras de arte vivas que 0 povo vé sair de si mesmo na dimensio pldstica; onde a sua actividads, tal como nos primeiros sdbios, constitu 0 universal, as suas palavras sio. a subs: t€ncia. que possui o verdadeiro valor: as leis, Estes sSbios sto assim tio pouco populares como as estituas dos deuses olimpicos. O seu movimento constitui 0 repouso em si mesmo; estio relacionados cam 0 povo com o mesmo grau de objectividade que com a substincia. Os orculos do Apolo de Delfos no foram para o povo os representantes da yerdade divina nem foram omados pelo claro-escuro de um poder desconhecido sendio enquanto o proprio po- detio do espirito grego ecoou do alto do tripé Pitico; © povo s6 se interessou tedricamente por eles enquanto foram a expresso da propria teoria do povo; foram populares apenas enquanto foram impopulares. O. mesmo aconteceu com os. sfbios. Mas com og sofistas ¢ Séctates (na mesma. linha do 37 diinamis [poderio] que encontramos em Anaxé- goras), a situacao inverteu-se. & agora a propria idea- fidade que, na sua forma imediata, o espirito subjec- tivo, se torna o principio da filosofia. Se, para os antigos Gregos, a forma ideal da substineia, a sua identidade, se manifestava opondo-se as vestes va- fiegadas da sua realidade fenomenal, vestes essas feitas de diferentes individualidades nacionais; se por esse facto 0s sibios, por um lado, s apreendem o absoluto nas determinacdes ontolégicas mais unila- terais © mais universais, e se por outro lado repre- sentam eles proprios o aparecimento da substincia fechada sobre si mesma na realidade efectiva, e deste modo, comportando-se de uma mancira exclusiva aos pollot (4 multidio), sendo o mistério falante do seu espitito, so, tais como os deuses plésticos das pragas publicas no seu ser-voltado-para-si cheio de sereni- dade, os préprias omamentos do povo ao qual voltam revestidos de toda a sua singularidade, entdo agora, pelo contrétio, € a idealidade, a abstracgio pura, que faz frente & substdncia, Ela é a subjectividade que se dé como principio da filosofia. © precisa- mente por esta subjectividade ser impopular e estar voltada contra os poderes substanciais da vida do povo que se torna popular: volta-se para o exterior, contra a realidade, 6 praticamente imiscuida nesta, © a sua existéneia torna-se o movimento. Os receptd- culos méveis deste desenvolvimento sio os sofistas; € a figura que Ihes € mais cara, pois esta liberta das eseérias imediatas do fenémeno, é Séerates, a quem oréculo de Delfos chama 0 sophétaton (@ mais sibio). Quando a sua propria idealidade enfrenta a substincia, esta cai numa massa de existéncias e de instituigoes acidentais e limitadas, cujo dircito (a unidade, a identitas) foge para os espiritos subjec- tivos. Estes constituem assim 0 receptéculo da subs- tfncia; mas pelo facto de a idealidade se defrontar 38 com a realidade efectiva, esta apresenta-se as. pes- soas objectivamente como um dever e subjectiva- mente como uma pretenso, A expressio deste espi- rito subjectivo que sabe possuir em si mesmo a idea- lidade € 0 juizo do conceito, que possui como me- dida do singular 0 determinado-em-si-mesmo, © ob- jectivo, o bem, que, porém, s6 € ainda um dever da realidade efectiva. Este dever da realidade € igual- monte um dever do sujeito que tem consciéneia dessa idealidade, pois que ele proprio. se mantém na tealidade © a realidade fora. dele constitui o ser. A. posigio deste. sujeito é assim to. determinada com 0. seu destino, Em. primeiro lugar, o facto de esta idealidade da_substancia ter aparecido no. espitito. subjective e de ter saido da propria substéncia constitui um salto, uma queda para fora da vida subsiancial que tem as suas condigoes no interior dessa vida, & por isso que sia determinagio, que 6a sua, € para o proprio sujeito. um, acontecimento, um poderio. es- tranho de que ele passa a ser o poriador; 0 daimdnion de Socrates. O daiménion 6 a manifestagio imediata do facto de a filosofia ser para a vida grega tanto algo puramente interior como puramente. exterior. A determinagio do daiménion define o sujeito na sua. singularidade empitica porque este 6, no interior da, vida substancial.(portanto condicionada pela na- tureza), a ruptura natural com essa vida; efectiva- mente, 0 daiménion aparece como uma, determinacio da natureza. Os sofistas sio precisamente esses de- ménios que ainda/nio se separam da sta accio. ‘Socrates tem plena consciéneia de trazer 0 daimdnion em si préprio; cle € assim a maneira substancial que a substincia possui de se perder a si mesma no. sujeito. Sécrates 6 portanto um individuo tio substancial como os fildsofos. mais antigos; mas no mundo da subjectividade, fechado sobre si mesmo, ndo constitui uma imagem dos deuses, nao € miste- 39

Você também pode gostar