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Ua Neaii Ee coe kan ont eee ete ee ne eee Sere cs ee tees era mec ete ee Td Coreen ec ae eee rete até as mays do rosto, de modo a manter a boca fechada, O véu com que eta coberta a fa metro quadrado, A tigidee desse embrulho teria tornado bastante dificil para uma pessoa viva o deslocamento das pernas ee ee een ee eee eee ee eee rey ee eat pen een tet ee eter) Pilatas (em Joao 19.1) condena Jesusa sofreragoites antes da erucificagSo. Eleseram mesmo necessérios? Qual era pritica nee A crucificagao em geral era precedida de c4ustico agoitamento, Fra costume bater no prisioneiro, como forma regular de punigao, mas o» agoites fariam parte muito mais da-pena de.morte. Como Pilatos ainda nfo houvesse promunciado a pee en en ect eee eat etc eee ed eee ene ranean SS golpes produiissem satisfizesse us acusadores de Jesus (19.5), mas trata se aqui de uma suposigio incomprovavel (18.31). Ale judaica s6 permit 39 ayuites, li romana permitia que flagelamento durasse até o momento em que o soldado eee een te ere tt eee eer es cee ene ete cece eee ee eee eee ee ee eae ee eee ete Arqueslogos, historiadores cientistas sociais tém aumentando Pe eae ten eee nee eee Te eae eee cet a as cartas paulinas e até o Livro do Apocalipse com essa luz de cul- rermn ere een tnt Cee ee ee eee See ca een emcee ot eer ed Renee ae can eee Me nee ee preocupagio de colocar a disposigao do leitor, da maneita mais, relevante possivel. o contexto sécio-histsrico do Novo Testament. De forma clara, concisa e direta o Comentdrio Biblico Atos — Novo be ete ee ee pouco examinado mundo do periodo que Jesus andou entre nds, eee eee eet sent eee eer Seen ee ee Somente dentro do contexto voc? poder compreender as reais et eee ete eee eke em um formato versiculo-a-versiculo, esse fundamental contexto eri Penny reese a aetna Mupasdecomesto bistsrico Or re ers zy CC ee a ay eee Pee / a eS Ceo RSerrag atte Tm aon Keener, Craig S., 1960 - Comentario Biblico Atos: Novo Testamento / Craig S. Keener; [tradutor José Gabriel Said}. ~ Belo Horizonte: Editora Atos. 2004 ‘Titulo original: The IVP bible background commentary: New Testament. Bibliogratia. ISBN 85-7607-026-X. L Biblia, NT. - Comentarios 1.Titulo. indices para catalogo sistematico: 1. Comentarios; Novo Testamento: Biblia 2. Novo Testamento: Biblia: Comentérios Comensério Biblico Atos — Novo Testamento Copyright © 2004 Editora Atos Traduca de The IVP Bible Background Commentary: New Testament Copyright © 1993 por Craig S. Keener Publicado originalmente por Inter Varsity Press Tradugdo para o portugués José Gabriel Said Revisaia cloisa Wey Neves Lima Jefferson Magno Costa Anténio de Castro Filho Angela Maria Leite Drumond Dayse Vilas Boas Cupa Julio Carvalho Primeira edigao Abril de 2004 Editora Atos Ltda. (31) 2121-0006 Ay. Anténio Carlos, 1769 Sao Cristovao 31210-810 Belo Horizonte MG www.editoraatos.com.br Dedico este livro a nossos irmaas e irmas na linha de frente de evangelizacao da Africa, Asia e América Latina. Nas concentragées urbanas superpovoadas € ambientalmente de gradadas das grandes cidades da América do Norte e nos muitos outros centros ou regides onde os seguidores de Cristo vém pagando elevado prego no empenho de proclamar 0 evangelho em espirito e em verdade. Muitos dentre eles, soja por falta de tempo ou de oportunidade, nunca buscaram tra- var conhecimento com a cultura du Novo Testamento em seu contexto apropriado, origi nal, mas eu oro, com toda a firmeza do meu coragao, para que este livro Ihes preste rele- vante servigo no ministério em prol de nosso Senhor Jesus Cristo. —O autor AGRADECIMENTOS A lista de especialistas em Novo Testamento, estudos judaicos e Antigitidade greco-roma- na de cujos escritos sou devedor preencheria muitas paginas, ¢ por esta razio nio me ocuparei dela. A lista de estudiosos com us quais tenlw trabalhado pessoalmente é menor, mas ainda assim eu listaria apenas alguns dos meus orientadores académicos: Ben Aker, Mary Boatwright, Morna Hooker, Dale Martin, Erie Meyers, Ramsey Michaels, Jim Moyer, E.P. Sanders, D. Moody Smith, Wesley Smith e Orval Wintermute. Sou grato em especial a meus figis e pacientes editores na Inter Varsity Press, Rodney Clapp e Ruth Goring Stewart. Dois anos depois que cu decidira que a IVP seria a editora ideal de um comentario como este, se um dia me sobrasse tempo para escreve-lo, Rodney entrou em contato comigo perguntando se eu estaria interessado em escrever um livro para a IVP. Desde ent venho me beneficiando apreciavelmente nao apenas do auxflio editorial que meus amigos na IVP me tém prestado, sendo também do estimulo espiritual que eu lhes devo. Finalmente devo agradecer a meus alunos ¢ membros de congregagdes que no decorrer dos anos me deram a oportunidade de testar na pratica as idéias deste comentario. S40 eles que me ajudaram a filtrar os elementos contextuais de genuina importincia na comu- nicagdo da mensagem do texto biblico e que eram tratados apenas perifericamente. Nesse sentido, devo mencionar especialmente meus alunos de graduacdo na Universidade de Duke e os meus alunos do Seminario Teolégico Hood. Devo também agradecer aos diver- sos grupos dedicados ao ministério junto aos campus universitarios (Inter Varsity, Raptures, Crusade e Koinonia, em Duke, e New Generation, no Livingstone College) que me permi- tiram testar 0 material desse comentério em ambientes mais restritos de tais grupos e no exercicio do discipulado pessoal A hist6ria de como 0 Senhor pravidencian recursos financeiros enquanto eu me dedi cava em tempo integral av cumentariv = provendo a exata quantia em délares pela qual eu havia orado, visando pagar meu aluguel e a conta do supermercado durante aquele ano, ¢ como resposta A minha oragéo no prazo de 24 horas ~ 6 em si mesma outra histéria, Mas tenho visto a mao especial do Senhor ~ especial e providercial - na elaboragao desta obra, eespero que, no final do empreendimento, este livro venha a dever muito mais a contribui- do dele do que 8 minha propriamente. INDICE Abreviaturas Como utitizar este comentario Mateus... 2.00... 0005 ee Mareos Lucas ..... Jodo . Atos Cartas do Novo Testamento Romanos 1Corfntivs .. 2Corintios ..... Gélotas . Etésios .. Filipenses, Colusserses « I Tessalonicenses . . 2Tessalonicenses .. 1 Timéteo 2Timéteo Too Filemom .... Hebreus . Tiago .. 1 Pedro 2Pedro .. Teer 2JoHo . 3 Joao . Judas af Apocalipse Glossério Quadros e Mapas 856 AB ARA BLH GNC GNS HNTC Icc VK) LEC NASB NCB NIBC NICNT NIGTC NVI NRSV RC SBLBMI SBLDS SBLMS SBLSBS SNTSMS_ TDGR TEV TNTC WBC ABREVIATURAS Anchor Bible Almeida Revista e Atualizada Biblia na Lingnagem de Hoje Good News Commentary Good News Studies Harper’s New Testament Commentaries International Critical Commentary Versio King James Library of Early Christianity New American Standard Bible New Century Bible New International Bible Commentary New International Commentary on the New Testament New International Greck Testament Commentary Nova Versao Internacional New Revised Standard Version Revista e Corrigida - Fiel ao Texto Original Society of Biblical 1 iterature: The Bible and Its Modern Interpreters. Society of Biblical Literature Dissertation Series Society of Biblical Literature Monugrapht Series Society of Biblical Literature Sources tor Biblical Study Society of New Testament Studies Monograph Series Translated Documents of Greece and Rome Today's English Version Tyndale New Testament Commentary Word Biblical Commentary Indica nomes e termos encontrados no glossario COMO UTILIZAR ESTE COMENTARIO Ocontexto hist6rico-cultural tem a imensa possibilidade de esclarecer cada passagem do Novo Testamento. Cantudo, hoa parte deste material continua inacessivel a leitores sem preparayav técnica no assunto. Embora se deva reconhecer a existéncia de muitos comen- tarios biblicos inegavelmente titeis, no existe um sequer voltado para o exame exclusive do material de natureza histérica-cultural. Todavia, € precisamente esse elemento ~ 0 contexto histérico-cultural ~ que indica como 0s autores do Novo Testamento ¢ seus primeiros leitores teriam compreendido sua mensagem - que 0 leitor leigo necessita como um recurso para 0 estudo da Biblia (a maiotia dos demais elementos, tais como o contexto, por exemplo, pode deduzir-se do proprio texto) Fxistem, de fato, alguns Jevantamentos do contexto cultural neo-testamentario, mas nenhum deles organizado de mancira que permita ao leitor responder a todas as questies pertinentes de determinada passagem. Ha 12 anos essa deficiéncia me conveneu da ne- cessidade de executar o projeto, estando h muito esgotado 0 prazo que me fora inicial- mente concedido. Este livro foi escrito na esperanga de que todos os cri doravante ler 0 Novo Testamento de maneira bem mais proxima daquela como o teriam lido seus primeiros leitores. tos possam Comentario cultural Ocontexto cultural estabelece, com efeito, significativa diferenca na maneira como lemos o Novo Testamento. Considerando, por exemplo, que a pratica do exorcismo era bastan- te difundida no Mundo Antigo, os leitores da épuca nado teriam se surpreendido com o fato de que Jesus expulsava deménios. Mas uma vez. que a maioria dos exorcistas utilizava for- mulas magicas ou procedimentos dolorosns no empenho de expulsar o espitito maligno, o habito de Jesus de os expulsar “através de sua palavra” era de fato surpreendente. Vendo, em 1 Corintios 11, 0 conflito acerca da cobertura da cabeca no contexto mais amplo das tensdes em torno desse costume, conflito que opunha entre si as mulheres abas- tadas e as menos abastadlas na Corinto do primeiro século, ficamos esclarecidos sobre 0 ensinamento de Paulo nessa passagem. A compreensdo das antigas idéias em torno da escravidao demonstra que o ensinamento paulino, longe de apoiar aquela instituigao, na verdade procura miné-la, O reconhecimento do que o povo judeu queria dizer com “ressurreigao” afasta as obje- ‘ges hoje levantadas por intimeros céticos relativamente ao carater da ressurreicao de Je- sus. E assim por diante. O propésito tinico deste comentario (ao contrario da maioria dos cumestatios) € colo- car & disposicao, da forma mais relevante possivel, o contexto sdcio-histérico-cultural do Novo Testamento, de modo que seus leitores possam Ié-lo da maneira como seus primeiros leitores o teriam fetto. ‘A despeito da necessidade de acrescentar algumas notas de natureza teolégica ou contextual, clas se resumem ao essencial, de sorte que a maior parte da tarefa de interpre- taco fique a cargo do préprio leitor. COMENTARIO BIBLICO ATOS - NOVO TESTAMENTO rs Sabendo como a cultura antiga é fundamental para a compreensao da Biblia, também ficamos sabendo que a necessidade de reconhecermos 0 contexto dos autores biblicos no pas claro € que nao se prestam a todas as circunstancins. Para cada texto diferente da Biblia ha uma situagao igualmente diferente. Alguns textos, por exemplo, tratam da maneira como nega que gens biblicas se aplicam a toda e qualquer época. O que precisa ficar bem se deve proceder para que sejamos salvos, oulros tralain do chaiado de Cristo para 0 trabalho missiondrio, e ainda outros tratam da preocupacéo por Ble demonstrada para com 0s pobres, e assim por diante. Antes de aplicarmos essas passagens, é mister compre- ender a que circunstancias se dirigiam originalmente. Nao estamos subestimando outros fatores igualmente relevantes na interpretacia da Biblia. A questo mais importante, depois da aplicacao do Espirito na sondagem de nosso proprio coracdo e de nossa propria vida, é sempre o contexto literdrio das Escrituras: ler cada Livro da Biblia da maneira como foi composto sob a inspiragao do Espirito Santo. Este comentériv pretende apenas servir de instrumento nas maos do leitor, permitindo-Ihe acesso direto ao contexto-histérico-cultural do Novo Testamento — nao pretende conter em si mesmo toda a Histéria, Em minha prépria pregacio e ensinamento, cuido mais do con- texto literario do que do contexto cultural propriamente dito. Mas os leitores poderao ave- riguar por si mesmos 0 contexto em questo estidando a prépria Biblia. Para ministros e outros leitores da Biblia a aplicagao das Escriluias é também fundamental, mas as aplica~ Ges especificas hao de diferir de cultura para cultura e de pessoa para pessoa. E tais aplicagdes, advirta-se, novamente jé se encontram prontamente A disposicao dos Ieitores da Biblia sem ajuda de fora. Para muitos daqueles que ndo estudaram grego nem hebraico ¢ farao uso deste comen- trio, uma tradugiio boa e legivel é de fundamental importancia na compreensao da Biblia (por exemplo, a KC, que é mais inclinada & traducio palavra por palavra, ea NVI, que ¢ mais legivel como texto corrente, sio particularmente titeis. Poder-se-ia ler regularmente 0 lexlu da primeira e av mesmo tempo estudar as passagens mais pormenorizadas da segun- da, ou cotejar as duas versdes). Esses manuscritos fazem do Novo Testamento de longe a obra mais bem documentada do Mundo Antigo, o que também explica por que tradugées mais cuidadosas esto hoje mais disponiveis do que no passado. Mas a raz3o principal para que se utilize uma tradu- so atualizada ¢ o falu de que fui estila ua Tinguayent curente de huje sendy, por isso mesmo, de mais facil compreensao. Compreender a Biblia de tal maneira que se possa obedecer aos seus ensinamentos 6, afinal de contas, a finalidade principal de sua leitura. Outros métodos de aprofundamento do texto. como a preparacao de esbocos e notas, também prestam bons servigos a muitos leitores. Para um guia mais completo sobre como estudar a Biblia, deve o leitor consultar um livro bastante titil escrito por Gordon Fee e Douglas Stuart, How fo Read the Bible for All Its Worth (Grand Rapids, Mich.: Zondervan, 1981) Mas um fator que, na aplicacao da Biblia, nao se encontra a disposicao de seus leitores, 6 justamente o fundo cultural de scus textos. A finalidade do nosso comentario € preen- 18 COMO UTILIZAR ESTE COMENTARIO cher essa lacuna, razao por que deve ser compulsady juntamente com outros importantes elementos do estudo biblico: uma tradugao legivel e acurada, com texto, oragao e aplica- sao pessoal. Este comentario, volto a insistir, nao tera utilidade alguma para o leitor que negligencia ‘ contexto, regra de interpretagdo mais fundamental que a propria cultura. Melhor é ler ha integra cada Livro da Biblia como um todo do que saltar de uma passagem para a outra, para que se possa apreender, também na integra, a mensagem de determinado Livro biblico, Esses Livros foram escrilos um de cada vez, visando aleangar diferentes grupos de leitores que também os lia um de cada vez ¢ os aplicava a situagies especificas. E preciso ler essa questo em mente na leitura, ensino ou pregagio da Biblia (muitas das contradi- coes da Biblia que se alegam surgem da ignuraucia de seu contexto original e da forma como eram escritos 0s livros no mundo antigo) CO escritor daquele tempo, assim como o pregadar modero, aplicava e atualizava a linguagem com freqiiéncia, sem perder de vista v verdadeity sentido do texto, conforme atesta a organizacao do seu material. De sorte que o contexto funciona normalmente como orientagao inspirada sobre como aplicar um ensinamento da Biblia. £ sempre importante verificar 0 contexto de uma passagem do Livro biblico em que ela ocurra artes de fazer uso deste comentério. Mas uma vez examinada a passagem em seu contexto, este comentario traduzir-se-4 em instrumento de valor inestimavel. Poderd ser utilizado enquanto o leitor se ocupa da leitura integral da Biblia no devocional de cada dia. Também poderd ser utilizado em estudos biblicus ou na preparacao dos sermodes. O tinico Livro que os cristios ortodoxos aceitam como Palavra de Deus ¢ a obra mais importante que se nos oferece ao estudo e meditagao, e espera-se que este comentario auxilie todos us crenites em seu empenho de estudar a Palavra de Deus. Embora o formato deste livro tenha sido testado em sala de aula, estudos biblicos, pul- pitos e em devocionais individuais, é possivel que deixe de responder a certas questdes de cunho sécio-cultural envolvendo passayers do Novo Testamento. A despeito dos esforcos que se tém feito visando responder corretamente a cada pergunta, éimp! cultura antiga vao listadas na bibliografia sumaria que aparece no final desta introdugao. Oleitor poderd também considerar relevante o fundo hist6rico-cultural de determina da passagem sob outras passagens onde me parecera da maior importancia inclui-la. Por ser o Novo 'lestamento em si mesmo composto de Livros voltados para diferentes puiblicos (Marcos destinava-se a leitura répida, ao paso que Mateus se destinava ao estudo ¢ a memorizagéo), 0 tratamento que cu dispenso a alguns Livros é mais detalhado do que 0 tratamento dispensado a outros. Por ser Apocalipse 0 Livro mais estranho av leitor moder no, nds Ihe demos tratamento mais detalhado. safvel antecipar cada questo. Por esta raz3o, algumas abras realmente titeis sobre Como utilizar este livro Este comentario pude ser usado como referéncia ou acompanhar a leitura biblica regular do leitor. Na leitura devocional da Biblia ou na preparagio de sermées, ou ainda em estu- ‘COMENTARIO BIBLICO ATOS - NOVO TESTAMENTO 6 dos biblicos, encontramos na propria Biblia dois dos mais vahosos instrumentos de inter- pretacao: o texto e o contexto. Oterceiro instrumento dente 05 mais importantes, que jd era conlecidy € ulilizady pelos leitores antigos, mas nao se encontra a disposicao do leitor moderno, é 0 fundo hist6- rico-cultural do texto. Este comentario é escrito visando suprir essa necessidade na maxi- ma extensdo posstvel em obra de apenas um volume, fundo hist6rico-cultural mais importante do Novo Testamento, na Antigiiidade, é 0 Antigo Testamento, sobretudo na traducdo grega. Este comentério engloba o fundo veterotestamentario. Mas, devido ao fato de todos os leitores da Biblia terem acesso a ele, a Snfase do comentario recai nas culturas judaica e greco-romana do primeiro século da era crista. Os primeiros autores cristaos, naturalmente, também bebiam em fonte diversa, isto 6, nas tradicdes cristas primitivas, muitas das quais nos sao acessiveis através do Novo Testamento. Mas, por ser também dirctamente acessivel ao Ieitor, omitimos aqui a maior parte desse material. Omitimos, igualmente, notas de fundo transcultural, por entender- mos que em todas as culturas o leilor j4 se encontra de posse dessa informagio. Os que utilizarem este comentario associando-v av estudo Liblivu pessual, deve pri- meiro ler as passagens biblicas e examinar o seu contexto. A seguir poderio, com maior vantagem, recorrer 3s notas do comentério. Também serao de utilidade as notas sobre passagens correlatas. Uma vez estabelecido o que o texto pretendia dizer ao leitor antigo, o leitor de hoje passa a sentir-se mais sintonizado com os temas que vao surgindo e sendo tratados, podendo, a partir dai, avangar para 0 estagio da aplicacao pessoal, O pano de fundo da Epistola paulina aos Romanos fornece exemplo de como se pode- ria aplicar o que se aprendeu neste comentario. Naquela Carta, Paulo argumenta que tanto judeus como gentios sao salvos nos mesmos termos, ¢ insiste com seus leitores para que se reconciliem no Corpo de Cristo. Nos Estados Unidos, onde ainda hi muitas igrejas racialmente segregadas, ¢ onde os cristaos de pele branca frequentemente se eximem da tarefa de ouvir as magoas dos cris- tans negros e outras minorias, a mensagem de Paulo, de reconciliagan racial, 6 de datarosa selevancia. Una vez apreendidy o sentidy du texto ficamos em condicdes de aplicé-lo tanto & nossa vida pessoal como & nossa cultura odierna. Visto que a mensagem biblica original, uma vez compreendida, fala claramente das questoes humanas de hoje, em diferentes situacoes e culturas, a maneira como a aplicamos seu ambiente hist6ricu-uriginal, ha de variar de pessoa para pessoa e de cultura para cultura (se Paulo, por exemplo, insiste com 03 corintios para que levem a sério a questo do pecado, o principio salta a vista. Mas pessoas diferentes hao de lidar com pecados diferentes). Por essa razao, a maior parte da aplicagao fica justamente a cargo do leitor, isto é, de seu senso camum e sensibilidade para com o Espirito Santo, Esta é uma questo que normalmente se aplica até mesmo nas situacSes em que sinto claramente a necessidade de orientar a aplica: 22, eu enfatizo aqueles detalhes que foram cumpridos no periodo de 66/70) da era crista. Algumas pessoas acham que certas profecias encontradas naquela passagem cum- ullu- ‘0. Por exemplo, comentando Mateus 24.15 ptit-se-2o novamente. Mas, por set essa uma quesiao antes leoldgica do que histér ” (COMO UTILIZAR ESTE COMENTARIO. ral, deixo ao leitor a opgao de tratar do assunto como melhor lhe convenha. Da mesma forma, estou convencido de que 0 contexto histérico-cultural com que se embasam as pas- sagens em torno do ministério feminino deveria conduzir o leitor modemo ao reconhec mento de que Paulo realmente aceita o ministério doutrindrio da mulher. Todavia, devido A natureza desta obra, o leitor que nao compartilhe dessa convicgio poder4, com bastante proveito, utilizar este comentario acerca daquelas passagens sem se sentirem constrangi- dos a acatar meu ponto de vista. Ouso acreditar que todo crente sincero, posto diante do mesmo contexto, do mesmo fundo histérico cultural, provavelmente chegaré as mesmas conclusdes no final. A maior parte dos leitores certamente jé se familiarizon com expressdes coma sacerdote © Palestint, mas terms cujo sentido cullural possam suar estranhy av leilor se encontrant no glossario, no final deste livro, e sio marcados com asterisco pelo menos uma vez, em dado contexto. Algumas expressdes de cunho teolégico recorrentes (Espirito, apocaliptico, Didspora, fariseu, Reino e outras) tinham significado especifico na Antigiiidade que nao pode ser mencionado em cada texto, O leitor regular deste comentério deveria, pois, familiarizat-se com esses termos, conforme se encontram no glossério. Como nao utilizar este livro Nem todo contexto apresentado neste comentario é igualmente valioso para compreensio da Biblia. Alguns contextos se dao a conhecer por si mesmos, sobretudo nas situagdes em que a cultura antiga ea do leitor moderno se sobrepdem. Semelhantemente, nem todas as fontes tém o mesmo valor para nossos fins. Algumas, particularmente as fontes rabinicas, sao posteriores ao Novo Testamento. Algumas das informagées derivadas dessas fontes so io menos titeis, ¢ eu procurei levar rigorosamente em conta tais fatores ao escrever este comentério. Via de regra, apenas as citagdes do Antigo Testamento e dos Apécrifos, bem mais titel |, AQ passo que outras como citagécs eventuais das Pseudepigrapha judaicas comparecem de forma explicita neste comentario; citar todas as fontes rabinicas, gregas e romanas acabaria tornando a obra excessivamente pesada para o puiblico leilor geral Alguns contextos vao aqui includes porque aparecem em comentérios-padrao, de cu- nho erudito, cabendo ao leitor julgar por si mesmo o grau de relevancia de tais contextos para sua interpreta pessoal das Escrituras. Trata-se, pois, de um comentario contextualizado, que nao dita ao leitor como deve compreender ou aplicar 0 texto; ¢ 0 leitor que discorde de alguma interpretacdo que eu por ventura haja sugerido, teré no comenté- rio um instrumento realmente titil. O que é mais uma idéia co Novo Testamento e outra do Antigo nao indicam, necessariamente, que um importante, o leitor em geral deve estar ciente de que os paralelos entre copiou o outro ~ é possivel que ambos tenham extraido suas informagGes de um ditado ou conceito familiar na cultura. Por isso, cito os paralclos apenas para ilustrar quanta gente naqucla cultura teria ouvi- do 0 que o Novo ‘festamento vinha dizendo. Por exemplo, 0 emprego por parte de Paulo COMENTARIO BIBLICO ATOS NOVOTESTAMENTO. 18 dos géneros de argumentagiio preconizados pelos retoricos (pessoas que falavam profissi- ‘onalmente em priblico) indica que ele estava em sintonia com sua cultura, endo que escre- vesse sem a inspiragao do Espirito Santo. Além disso, pessoas e fontes de culturas totalmente desvinculadas entre si (p. ex., 0s estdicos € v Antigo Testamento) podem perfeilamente compartilhar determinados concei- tos por fazerem sentido nessas culturas (ou mesmo na maioria das culturas), ainda que nao fagam sentido na nossa, Nossa cultura, freqiiente ¢ inconscientemente, restringe nossa compreensio em torno do apéstolo Paulo e seus coevos. O fato de que os antigos nfio pensavam como nés nao significa que estivessem errados Ainda podemos aprender muito com suas intuigdes no terreno da retorica ¢ das relagoes humanas Semelhantemente, quando comento que Paulo utilizava a linguagem dos fildsofos es- t6icos, nao estou com isso querendo dizer que ele adotasse o estoicismo. O discurso piiblico do pelo idedrio ¢ terminologia cetdicos. Em outroe filoaéfico fora comumente influen casos o recurso A linguagem filosética é intencional. U observador de fora as vezes conside- rava 0 cristianismo como escola filosdfica, ¢ as cristios podiam utilizar essa percepcia externa como instrumento de comunicagao do Evangelho. A exemplo de outros autores, Paulo podia recorrer & sua cultura utilizando a lingua- gem popular de seu tempo, porém dando a essa linguagem um novo giro. Quando cito uma tradigao judaica-posterior que amplifica o Antigo Testamento, nao dou a entender que essa tradigio seja necessariamente verdadeira. O intuito de tais cita- es 6 nos ajudar a compreender de que maneira os primeiros leitores e ouvintes do Novo Testamento se sentiam acerca das personagens do Antigo Testamento As vezes, os autores neotestamentérios também aludem a essas tradigdes extra-bfblicas (Judas 14, 15). (Entretanto, nao hé porque pretender que tais autores sempre e simples: mente reciclassem a imagistica judaica primitiva para, através dela, sintonizar-se com sua cultura, Varias correntes judaicas de pensamento coexistiam com freqiiéncia, lado a lado, ¢ 0 que 6s autores do Novo Testamento fizeram foi adotar uma dessas correntes). Embora tivesse de adaptar a linguagem de seu tempo a comunicagao de suas idéias, nem eles nem nés precisamos ver nessa linguagem um instrumento impreciso. Alguns leitores modernos afirmam com loquacidade que as cosmovisOes antigas sav erOreas, mas os fenémenos que as vezes se atribuem a essas “primitivas” visées de mundo, tais como a possessio dos espiritos malfazejos, podem agora ser corroborados pela evidéncia transcultural, Nao é mais necessério explicé-los recorrendo ao moderno racionalismo ocidental Finalmente, devemos sempre nos acautelar em face das aplicagoes. E importante que apliquemas os textos biblicas apenas a situacties gentiinamente andlogas. Por exemplo, nao seria acurado ler os ataques de Jesus aos Ifderes religiosos de seu tempo como ala~ eram ques a todo o povo judeu, como tém feito alguns anti-semitas. Jesus e seus discfpulos judeus e um abuso de Lal dimensao, na interpretacao do texto, nao faz mais sentido do que a utilizacdo do Livro de Exodo contra os egipcios modernos. (Profetas do perfodo 19 COMO UTILIZAR ESTE COMENTARIO. posterior do Antigo Testamento nao incorreram nesse erro — ver, por exemplo, Isafas 19.23- 25). Os desafios de Jesus contra a piedade das autoridades religiosas de seu tempo nada lem a ver com sua etnicidade. $40 desafios destinados a nos confrontar como povo religi- oso de hoje ¢ nos advertir para que nao ajamos como faziam os lideres religinsos daquele tempo A questio era religiosa, e nao étnica. Em outras palavras, devemos aplicar os prinefpios do texto & luz das verdadeiras questdes que os autores biblicos visavam, ¢ nao ignorar o contexto histrico das passagens. Um comentario popular, ¢ nav erudilo F possivel que os eruditos se decepcionem ao constatarem que 0 texto desta obra nao foi documentado nem dosado com 0 rigor com que uma obra do género normalmente apre- sentaria, mas é preciso ter em mente que este livro, ao ser escrito, nao visa primeiramento 08 eruditos, que jé tém acesso & boa parle do material ent yulras fontes, Mas pastores e outros leitores da Biblia que tm menos recursos e menor disponibilidade de tempo neces- sitam de uma obra de referéncia, concisa ¢ de facil utilizagio, em volume tinico. Os eruditos gostam de documentar e investigar cada aspecto de uma questdo, dosando sua linguagem com zelo e se resguardando dos ataques dos que interpretam de maneira diferente os mesmos textos, Isso ¢ impossivel em obra de tamanha envergadura. Os erudi- tos também gostam de incluir todos os dados disponiveis, que a mesma Timitagio nos im- possibi Para ser titil pregacao da maiori de utilizar aqui. dos pastores e ao estudo biblico da maior parte dos demais cristaos, é mister que a linguagem desta obra seja simples ¢ concisa Em geral, deixo de lado questées eruditas que nao lidem diretamente com o tema cen- tral deste livra, 0 contexto antigo do Novo Testamento. E relevante, para o fim desta obra, indagar 0 que significa 0 texto nas condigées em que o encontramos. Mas nao é relevante indagar das fontes do texto e do processo editorial a que fora submetido. F.s6 lido com fais questdes onde o tratamento das mesmas me parece absululainente necessario. Entretanto, quando me dirijo a tais questdes faco a partir de suposi¢des cristas ortodo- es estas que cu poderia defender largamente, fosse esse 0 xas sobre as Bscrituras, supo: objetivo deste livro. A finalidade deste livro limita-se igualmente nao apenas ao contexto hist6rico-cultural, sendio também a situagdes que deitam luz sobre 0 Novo Testamento. Alegar, por exemplo, que uma certa énfase do cristianismo primitivo caracteriza o cristianismo em geral nao 6 alegar que outros grupos nao tenham tido suas préprias caracteristicas distiuilivas. Mas este é um comentério sobre o Novo Testamento que, via de regra, nao inside sobre os demais grupos. Yodavia, procurei ser tio justo quanto possivel em face das diferentes posigdes que singularizam o contexto neotestamentério. Minha prépria pesquisa divide de maneira mais, ‘ou menos por igual os contextos judaico e greco-romano do Novo Testamento, destacando © antigo judaismo como parte de uma cultura mediterranea mais ampla COMENTARIO BIDLICO ATOS~ NOVO TESTAMENTO 20 Sempre trabalhei com uma variedade de interpretacdes da evidéncia antes de selecio- nar aquela, ou aquelas que me parecesse(m) mais exata(s) ou mais relevante(s) para enten- dimento do texto. Nem todo erudito concardaré com cada ponto em questao, obviamente, mas empe- nhei-me em tornar o livro tao preciso e titil quanto possivel. Espero que ele nao s6 estimule outros estudiosos do assunto a buscar com mais detalhe a erudicdo, como também propi- ie facil acesso ao mundo do Novo Testamento para aqueles cuja vocagio, em vida, nao Ihes permite a oportunidade de persegui-la de maneira mais pormenorizada Meus comentarios baseiam-se em mais de uma década de trabalho especializado em torno da fonte textual primaria do Mundo Antigo, mas baseiam-se também na recente pesquisa de erudigia acerca da judafsmo e da Antigiiidade greco-romana, sem falar de outros comentarios que me foram igualmente titeis. Se fosse aqui citar todas as fontes nas quais me abeberei, este comentario acabaria alangaudy wine extensio impraticdvel, mas reconheso que siio numcrosas (uma fonte que eu procurei meticulosamente evitar, devido & critica erudita atual, é 0 comentario do Novo Testamento, baseado em fontes rabinicas de Strack-Billerbeck. A maior parte do meu trabalho inicial sobre o judaismo antigo foi sobre fontes rabinicas, e acredito que 0 leitor nada ter perdido com a omissio hiblingrafica daquela obra em meu comentario. Além de estar desatualizado, Strack-Billerbeck padece da falta de discriminagéo entre fontes primitivas e fontes posteriores, as mais e as menos provaveis em termos de repre- sentacao do judaismo primitive como um todo ¢, 0 que € pior, incorre numa retratagio injusta do espirito das fontes. Até onde possivel, procurei evitar tais erros em minha obra). Para conservar o comentario nos limites do facil manuseio, tive de tomar decisoes sobre aescolha do material, ¢ isto me foi daloroso. Nao aduzi os intimeros paralelos aqui encon- trados visando endossar determinados giros de frase, nem mencionv paralelus remotos que nao iluminariam uma passagem para o ministro ou leitor geral da Palavra. Com freqiiéncia preferi eliminar material de valor incerto, mesmo que seja usado por outros eruditos. (Por exemplo, dada a incerteza sobre a data do documento denominado Similitudes de Enoque, nao 0 utilizei como contexto do titulo atribufdo a Jesus - “Filho do homem’” ~ embora muitos eruditos 0 tagam). Também procurei evitar a duplicagaa de informagées disponiveis em outras obras de referéncia comumente usadas. Por ser 0 estudo das palavras atividade generalizada, e que podemos encontrar em outras fontes, geralmente omito discussdes em torno de vocdbulos giegus, salvo unde o significado do lexto dependa do contexto cultural mais amplo dessas palavras E possfvel que os leitores detectem alguns pontos em que minha propria teologia influ- enciou minha leitura de determinado texto, de forma a discrepar da sua prépria leitura Procuro usar genuinamente minha tealogia como também as aplicagées que dela fago ape- nas do meu estudo do texto biblico. Mas, se 0 contrério disso é 0 que as vezes ucurre, peyo que sejam condescendentes para comigo. a COMO UTILIZAR ESTE COMENTARIO Ointuito deste livro é ser titil endo gerar polémica, e se os leitores discordam em alguns pontos, espero que a maior parte do comentério lhes pareca itil Outras fontes do contexto cultural do Novo Testamento Por serem titeis ao leitor do Novo Testamento, recomendamos-lhe consultar as seguintes fontes: Geral. Ver especialmente John E. Stambaugh e David L. Balch, The New Testament int Its Social Environment, LEC 2 (Philadelphia: Westminster, 1986). David E. Aune, The New Testament in Its Literary Environment, LEC 8 e (Philadelphia: Westminster, 1987); Everett Ferguson, Backgrounds of Early Christianty (Grand Rapids, Mich.: Eerdmans, 1987). Uma antologia valiosa é a seleta de C. K. Barrett, The New Testament Background: Selected Documents, rev. ed. (San Francisco: Harper & Row, 1989). Uma valiosa fonte de dados, em um s6 volume é 0 The New Bible Dictionary, ed. por J. LD. Douglas, 2° ed. (Wheaton, IIL: ‘Tyndale House/Leicester, U.K: Inter-Varsity Press, 1987). Ver de maneira mais completa ‘The International Stundard Bible Encyclopedia, 4 volumes, ed. rev , ed. Geoffrey W. Bromiley (Grand Rapids, Mich.: Eerdmans, 1979-88). Como Compreender a Biblia em seu Contexto. Ver especialmente Gordon D. Fee and Douglas Stuart, How fo Kead in the Bible for All Its Worth: A Guide to Understanding the Bible (Grand Rapids, Mich: Zondervan, 1981); compare A. Berkeley Mickelsen e Alvera Mickelsen, Understanding Scripture (Peabody, Mass.: [lendrickson, 1992). O estudioso interessado numa discussao mais avangada de questdes hermenéuticas (interpretativas) modernas, deve consultar Grant R. Osborne, The Hermeneutical Spiral: A Comprehensive Introduction to Biblical Interpretation (Downers Grove, Tll.: InterVarsity Press, 1991) Judaismo: Geral. E. P. Sanders, Judaism: Practice and Belief, 68 BCE-66 CE (Philadelphia: Trinity, 1992). Judaismo: Judaismo Rabinico. As sinopses mais completas da visto rabinica antiga encontramo-las em George Foot Moore, Judaism in the First Centuries of the Christian Era, 2 volumes (1927; reimpressdo, New York: Shocken, 1971); e Ephraim E. Urbach, The Sages: Their Concepts and Beliefs, 2 volumes, 2* ed. (Jerusalem: Magnes, Hebrew University, 1979). Infelizmente nenhuma das duas obras dispensa atengao especial ao pensamento rabinico. estudioso do Novo Testamento hé de depender das tradigées mais antigas ¢ mais ampla- mente atestadas (de preferéncia, em outras espécies de fortes). Mas nada hid de prejudicial em que o leitor comece pelo sumério basico das tradicGes desenvolvidas, se ele for sensivel as datas rabinicas citadas, bem como as datas dos documentos em que ocorrem as atribui- Ges, ¢ a amplitude da comprovacao fornecida. (Os argumentos de Jacob Neusner e ou- tros, no tocante a essa questao, sao agora geralmente aceitos, embora variem os detalhes e niveis de ceticismo acerca das fontes). Judaismo: Sinopse de Documentos. Uma obra titil é a de Samuel Sandmel, Judaism and Christian Beginnings (New York: Oxford University Press, 1978); cf. Martin McNamara, Palestinian Judaism and the New Testament, GNS 4 (Wilmington, Del.: Michael Glazier, 1983). Para um sumério da literatura rabinica, ver Hermann L. Strack, Introduction to the Talmud COMENTARIO BIBLICO ATOS - NOVO TESTAMENTO ee and Midrash (1931; reimpreensao, New York: Atheneum, 1978). Lima amostragem de entoques progressistas e mais recentes é o que nos fornecem volumes com Early Judaisn and Its Modern Interpreters, ed. Robert A. Kraft e George W. E. Nickelsburg, SBLBMI 2 (Atlanta: Schulars Press, 1986). Muitos dos temas so tratados pormenorizadamente, como, por exemplo, ver E. P. Sanders, Paul and Palestinian Judaism (Philadelphia: Fortress, 1977), sobre as concepgdes judaicas acerca‘da salvacio. No tacante aos papéis da mulher, ver Leonard Swidler, Women in Judaism: The Stutus of Women in Formative Judaism (Metuchen, N. J Scarecrow, 1976). Judith Romney Wegner, Chattel or Person? The Status of Women in the Mishnak (New York: Oxford University Press, 1988). Judafsmo: Fontes Primérias. Deve-se ler especialmente 0 Antigo Testamento e os Apécrifos (no caso destes, especialmente Sahedoria de Salomiio e 0 Eclesidstico ou Sirach). Em seguida, traduges dus Manusctitos do Mar Morto ¢ 0s documentos das datas mais rele- vantes em The Old Testament Pseudepigrapha editado por James H. Charlesworth, 2 volu- mes (Garden City, N. ¥.: Doubleday, 1983- 1985), especialmente 7 Fraque, Jubileus, os Onéculos Sibilinos (nem todos do mesmo periodo), a Carta de Aristens e outros textos cumto, p ex, 4 Esdras e ? Baruque, Flavio Josefo é peca inestimavel, embora, devido a transparén- cia de sua ubra, pussa v leilor desejar concentrar sua atengao em Contra Apifio, a Vida e, em seguida, a Guerra dos Judeus (The Works of Josephus, tradugao inglesa de W. Whiston [Peadody, Mass.: Hendrickson, 1987]). © leitor talvez deseje examinar a obra de Filo de Alexandria para familiarizar-se com um fildsofo judeu maivr da Diéspora. As obras de Filo encontram-se agora editadas em volume tinico (tradugao C. D. Yonge; Peabody, Mass.: Hendrickson, 1993). Os que desejem examinar a literatura rabinica em primeira mao, po- dem comecar com Abot no Mishnah. Intimeras tradigGes anligas sao também conservadas no Tosefta, Abot do Rabino Nathan e os comentarios sobre partes do Pentateuco (Mekilta sobre Exodo, cifra sobre Levitico, cifra subre Neineros € cifra sobre Deuterondmio). Infor macdes arqueolégicas publicam-se regularmente em periddicos especializados, mas tam- bém aparecem em livros como Archaeology, the Rabbis and Early Christianity, de Eric M Meyers ¢ James F. Strange (Nashville: Abingdon, 1981). Colegbes de inscrigdes de Papiros também sio uteis Mundo Greco-Roman: Geral. Ver Slambaugh e Balch, Social Environment; M. Cary T. |. Haarhoff, Life and Thought in the Greek and Roman World, 4° ed. (London: Methuen, 1946); cf. também Abraham J. Malherbe, Moral Exhortation: A Greco-Roman Sourcebook. LEC 4 (Philadelphia: Westminster, 1986). Wayne A. Meeks, The Morul World of the First Christian, LRC 6 (Philadelphia: Westminster, 1986). Mundo Grecu-Rumano: Fontes Secundérias: Do modo que estes textos foram escritos eentendidos no mundo greco-romano, veja Aune, Literary Environment; cf. também Stanley K. Stowers, Letter Writing in Greco-Roman Antiquity, FC 5 (Philadelphia: Westminster. 1986). Nos assuntos moralistas e de moral, veja Malherbe, Moral Exhortation; ¢ Meeks, Moral World. Na religiao grega. veja Walter Burkert, Greek Religion (Cambridge: Harvard University Press, 1985). Ahistoriografia de Tacit, Sueténio e Joseto tem bons subsidios a fornecer, podendo ser consultada antes das fontes secundérias. Muita fonte grego-romana se acha & disposi¢iio 2B COMO UTILIZAR ESTE COMENTARIO. ura U Teilur intleressady ent do leitur ent brochura (p. ex, alravés de Penguin Books), e desenvolver um trabalho mais avancado deva localizar e consultar as edigées de Loeb Classical Library. Entre as fontes secundarias de utilidade incluem se F. F., Bruce, New ‘Testament History (Garden City, N. Y.: Doubleday, 19/2) e Bo Keicke, The New testament Era: The World of the Bible from 500 B.C. to A.D. 100 (Philadelphia: Fortress, 1974). Obras especializadas, tais como as que tém por tema o papel de mulher na Antigilidade (p. ex., Mary R. Lefkowitz e Maureen B. Fant, Women’s Life in Greece and Rome [Baltimore: Johns Hopkins University Press, 1982], colegao de textos) so indispensaveis para um estudo mais detalhado. Mundo Greco-Romano: Fontes Primérias. Uma ampla amostragem de documentos se encontra 4 disposicéo em The Roman Empire: Augustus to Hadrian, ed. Robert K, Sherk, ‘TDGR 6 (New York: Cambridge University Press, 1988). Para a historiografia do primeiro século, deve-se consultar Tacito ¢ Sueténio. Para o pensamento moral do primeiro e segundo séculos, recomendamos ao leitor av menos uma mescla de Epicteto, Séneca, Plutarco e talvez um satirista como Juvenal. Ver também Abraham J. Malherbe, The Cynic Epistles: A Study Edition, SBLSBS 12 (Missoula, Mont. Scholars Press, 1977). Intradugaes A Erudicao Neotestamentaria. Ver por exemplo, Luke T. Johnson, The Writings of the New Testament: An Interpretation (Philadelphia: Fortress, 1986).D. A. Carson Douglas J. Moo e Leon Morris, An Introduction to the New Testament (Grand Rapids, Mich.: Zondervan, 1992). Donald Guthrie, New Testament Introduction (Downers Grove, Ill. InterVarsity Press, 1970); George Eldon Ladd, A Theology of the New Testament (Grand Rapids, Mich.: Eerdmans, 1974). Sobre a confiabilidade histérica do Novo Testamento, ver, p. ex., P. F. Bruce, The New Testament Documents: Are They Reliable? 5° ed. (Grand Rapids: Eerdmans, 1980). A NECESSIDADE DE UM COMENTARIO HISTORICO-CULTURAL Muitos so os leitores que hao de reconhecer o valor de um comentario de base cultural. Mas é possfvel que outros, mesmo apés lerem “Como utilizar esse comentario”, ainda permanegam sem uma idéia clara da questo. O ensaio que se segue destaca a impurtancia do fundo cultural na interpretacao biblica, para aqueles que nao foram expostos a essa questiio anteriormente. Como 0s que jé receberam treinamento em estudos biblicos certa- mente reconhecerao a necessidade do contexto cultural, este ensaio se dirige somente aos leitores sem preparac3a téenica no assunto, Como a Biblia nos convida a interpreta-la Leitores da Biblia ha muito perceberam o valor do fundy histérivu-cullural na interpreta- gio da mesma. Os préprios autores das Escrituras assumem essa importancia. Por exem- plo, quando Marcos escreve sobre uma questao debatida por Jesus e seus adversarios, ele explica 0 costume envolvido a seus leitores gentios, os quais de outra forma nao tavariam conhecimento desse costume (Mc 7.3, 4). Semelhantemente, quando os adversarios de Je- sus loutaut lileraluente uma aparente concessao feila pela lei, Jesus diz que a intengio da lei € o que conta, e para capté-la é preciso compreender a situacao e o estado de sua audiéncia original (Mc 10.4, 5). Os autores biblicos podem, com freqtiéncia, simplesmente assumir a importancia do conhecimento da situacao por parte dos leitores (pensava-se no mundo antigo que quanto melhor se conhecesse a situagao com a qual lidava determinado discurso, tanto melhor se compreenderia o discurso: ver o retérico romano do I século d.C., *Quintiliano 10.1.2; deve-se também continuar relendo o discurso visando captar-lhe todas as sutis nuangas e pressdgios; ver Quintiliano 10.1.20, 21), por exemplo, quando Paulo escreve uma carta aus corintios, pode supor que eles sabem a que situagdes se reporta. Ler 1 Corintios pode ser como ouvir apenas um lado de uma conversa telefénica ¢, felizmente, podemos recons- truir a maior parte lendo 1 Corintios. Mas o significado da conversacao é determinado em parte pela propria situacao, ¢ nao apenas pelas palavras que temos diante de nds. O que Paulo supde que seus leilures caplarav em seus escritos € lanto parle do sentido quanto o que ele diz: se nao pudermos nos relacionar com a situagio que ele e seus leitores esto suldade em compreender-lhe o ponto de vista. Alguns exem- supondo, maior ser nossa d plos darao boa medida desta questao. Em 1 Corintios 7, Paitlo aborda a questo do celibato. Seu tom parece af claramente favordvel a essa instiluigao, ¢ mesmo que admita que o casamento é um estilo de vida valido, alguns comentaristas acham que, na opiniao dele, o casamento é, na verdade, um estilo de vida de segunda classe para aqueles que nfo [ém o dom de poder “controlar-se” Ele certamente faz algumas observagdes validas sobre os beneficios do celibato, mas esta- ria ele de fato contra o casamento em geral? 1 Corintios 7.1 nos diz claramente que Paulo esté respondendo a uma carta de alguns cristdos da cidade de Corinto. Por serem cles se- (COMENTARIO BiBLICO ATOS - NOVO TESTAMENTO. 26 guidores de determinada corrente em sua cultura que se opunha ao matrimonio, po- der-se-ia igualmente ler o capitulo da seguinte maneira: Paulo esta dizendo: “Vocé tem uma boa opiniao, ¢ eu concordo com voce que 0 celibato é um belo dom de Deus. Mas vocé estard levando a coisa longe demais se tentar impd-la aos casados ou aos que pretendem Unrexemply utais aro seria a snaneira como lems as adverténcias de Paulo acerca da carne oferecida a fdolos. Seria facil demais para o leitor moderno dizer: “Nao h4 mais idolos aos quais se deva oferecer sacrificios de carne; saltemos entao este capitulo (1 Corintios)”. Mas com isso nos desviamos da questao transcultural por tris da questao cul- tural. Uma vez que percebemos como era concreta a questio em Corinto ~ isto 6, que cristdos abastados, que nao ingcriam css alimento, podiam ofender amigos ¢ scus associ ados nos negocios, e tudo isso para impedir que os cristéos menos educados fossem atingi- dos em sua fé -, podemos comparé-la com questées semelhantes hoje. Alguns cristaos modernos querem um estilo de vida prestigioso porque atrai outros yuppies para uma reli- gido que exige pouco em termos de sacrificio~ mesmo que essa religido aliene os sem teto e os famintos em desenvolvimento e em nossas prdprias cidades norte americanas. Saber com equilibrar os interesses das diferentes facgdes numa igreja constitui hoje medida rele- vante em muitas congregacées. F importante compreender que a Biblia n3o se reporta a questdes e motivos como os que hoje enfrentamos. Longe de tornar a Biblia menos relevante (as vezes até mesmo é incomodamente relevante). Ela nos obriga a perceber que as pessoas com as quais Paulo lidava nao cram, moralmente falando, instéveis provocadoras de tumulto; cram na verda- de gente real com agendas reais, exatamente como nés. Relevancia para todas as culturas A maior parte do Livro que Deus nos legou no foi ditada na primeira pessoa (isto 6, ndo lemos a Biblia como se Deus dissesse: “Sou Deus e estou falando diretamente a todo o mundo e em todos os tempos”). Alguns leitores das Escrituras quiseram ver na Biblia esse tipo de leitura e gostam de fingir que acham esta maneira apropriada de interpreté-la. Mas Deus uptou por inspird-la de outra forma: Ele inspirou seus profetas ¢ testemuntias no sentido de que atacassem situagdes reais e seu proprio tempo como um exemplo para as geragdes futuras (1 Corintios 10.11). Se Paulo for inspirado a escrever uma carta aos corintios, quer seja ela apreciada ou nao pelas pessoas de hoje, essa carta é uma carta aos corintios justamente como pretende ser. Deus nos concedeu princfpios eternos, mas fé-lo de forma concreta, por meios especi- ficos, abordando situacoes reais. Ele nos deu esses principios na forma de ilustracoes, para nos mostrar como funcionam na vida real, porque desejava certificar-se de que os aplicaria as situagdes por nés vividas, Assim, por exemplo, Deuterondmio 22.8 (”“Quan- do vocé construir uma casa nova, faca um parapeito em torno do terraco, para que nao traga sobre a sua casa a culpa pelo derramamento de sangue inocente, caso alguém caia do terrago”) ainda nos ensina a preocupar-nos com a seguranca de nosso vizinho, embo- ra. maioria das pessoas nao tenha mais casas de teto plano onde se pudesse entreter os vizinhos, Hoje a moral seria: “Mande sua colega colocar 0 cinto de seguranga quando 7 ‘A NECESSIDADE DE UM COMENTARIO HISTORICO-CULTURAL, ela pegar com vocé uma carona para o trabalho”. O exemplo de hoje como se vé, seria diferente, é claro, mas o sentido seria 0 mesmo; todavia, enquanto nao entendermos o exemplo original, no reconheceremos o sentido verdadeiro que devemos reaplicar em noasa propria cultura. Pode nao nos agradar o fato de que Deus nos concedeu sua Palavra de forma concre- ta, porque em nossa cultura estamos habituados a pensar abstratamente. Mas em intime- ras culturas as pessoas pensam concretamente e podem ler uma historia ou conversagao € aprender muito mais acerca de Deus do que podemos nés lendo uma série de abstracoe: Essas culturas, na verdade, estin mais sintonizadas com a Biblia que Neus optou por dar a0 mundo que nés: boa parle da Diblia € narrativa histériva (istu 6, hisWriay verdadeiras) e, em boa parte também, carta ou profecia dirigida a situagdes especificas. Seu formato, se parece com ode um didlogo do que com ode um tratado filos6- por consegu te, ma fico abstalo. Mesmny principius abstratuy cuiy us de Provérbius say expressus emt for mas culturais especificas; por exemplo, algumas maximas sapienciais egipcias empre- gam quase a mesma fraseologia utilizada por sua contra parte hebréia, porque era assim que naquele tempo as pessoas daquela parte do Oriente Proximo costumavam expressar sua sabedoria Nao fora a opeio divina de nos conceder a Biblia em formas culturais coneretas, que outras formas teria Ele empregado? Existe alguma sem vinculo cultural especifico? (Alguns norte-americanos parecem achar o inglés uma \gua neutra, um idioma universal, lingua neutra; mas ndo houvesse 03 normandos estabelecido sua dominagdo sobre o terri- torio inglés por algum tempo, ¢ nds mesmos nao estariamos hoje falando inglés). Como observou certa feita um erudito, se Deus nos houvesse falado através de uma brisa césmi- ca, quantos dentre nés té-lo-famos compreendido? Ou, como apareceu num “cartoon”, se Deus tivesse revelado os detalhes da ffsica quantica e a teoria da relatividade a Moisés, a0 invés de “No principio, criou Deus...”, teria Moisés ou a lingua hebraica capacidade de comunicar esse dado a seus conlemporaneos? Deus ¢ demasiadamente prélico © preocu- pado com nossa capacidade de compreendé-lo para se permitir uma tentativa de comuni- car-se conosco daquela maneira. Ele operou em todos as diferentes culturas - do inicio do Antigo Testamenty a situagdes culturais inteiramente diferentes, nv Novo Testamento - visando comunicar sua Palavra. Para além dos pontos de partida de nossa propria cultura Na verdade, Deus se envolveu de tal maneira com a matriz multicultural do homem, que em momento algum desdenhou da possibilidade de intervir Ele mesmo no curso da His- toria. A fase derradeira do “aculturamento” de sua Palavra se deu justamente no mo- mento em que a Palavra se tornou carne, como afirma o prologo de Joao (1.1-18). Com efeito, Jesus nao veio como um ser humano amorfo, destituido de sexo e de cultu- ra. Veio, sim, como um judeu entre outros, dotado de seus préprios cromossomos. Tinha suas proprias caracteristicas fisicas, a exemplo de outro qualquer. Atribuir Ihe uma singu aridade cultural nao significa dizer que nao veio a servico de todos. Significa, isto sim, que, para identificar-se conosco de modo mais eficaz, melhor fora que o fizesse como efetiva- COMENTARIO BIBLICO ATOS - NOVO TESTAMENTO. 8 mente ocorreu, isto é, como pessoa, como um ente individualizado ~ a exemplo de todos 1s ~, do que na pele de um cidadao genérico, sem rosto, arriscando compyometer com sua “neutialidade” indistinta a humanidade real por inteiro. Muitos dos gndsticos que nos séculos posteriores interpretaram o cristianismo procura- vam negar que Jesus tivesse vindo “na carne”, mas 0 apéstolo Joao é taxativo,ao afirmar que este ponto é 0 divisor de 4guas entre 0 cristo genuino e 0 falso cristao: o primeiro acredita que nosso Senhor Jesus veio na carne, como personalidade histérica singular (1 Jodo 4.1-6). Os que insistem na possibilidade de compreender Jesus, ou outro personagem biblico qualquer, isolando-o dessa particularidade histérica, na verdade estio,apenas trilhando as franjas externas da f6 crista. Um dos destaques principais do Livro de Atos reside no fato de que o evangelho af proclamado se dirige a todos os povos e culturas. Ficaram surpresos os primeiros cristaos ao descobrirem que o evangelho se destinava tanto a gentios como a judeus, mas em todo rade Atos o Espirito de Deus revela a igreja sua misao multicultural. Bis v prugiama de Deus desde o inicio. a partir de Jerusalém, enviar missdes a todos os confins da Terra. Os que, como Estevao e Paulo, haviam se familiarizado com mais de uma cultura, estavam na linha de frente da participacao no plano de Deus. As pessoas que acham que Deus so se revela numa cultura (a cultura delas) estao dois milénios atrasadas na leitura da Biblia! Em Alvs, conforme se nos depara, Deus, propositadamente, se revela a pessoas de todas as culturas em termos que elas préprias compreendessem. Assim € que Paulo pre- ga de uma maneira numa sinagoga (Atos 13), de outra aos camponeses do capitulo 14, ¢ ainda de outra maneira aos pensadores gregos referidos no capftulo17. O mesmo Paulo, em suas Epistolas, ligava sua pessoa a temas especificos da cultura antiga. Nem nos cabe ignorar tais questdes se realmente desejamos saber qual era a verda- deira posigao do apéstolo. Quando Paulo reivindicava o direito do gentio de buscar a Cristo sem se despir das suas caractertsticas de gentio, na verdade estava era combatendo o fanatismo cultural que (neste caso) dizia que era necessério ser judeu para tornar-se um cristéo de primeira classe. Esses fansticos liam a Biblia a luz de sua prépria cultura e tradicao, supondo que todas as dlemais pessoas devessem fazer 0 mesmo, isto ¢, ler a biblia a maneira deles. Infelizmente, “hoa companhia” 6 a que nao thes faltava, porque o problema deles nao era a sua condicao de judeus — Pauly era tu judeu quanto eles. O problema estava no fato de que, ao lerem a Biblia, faziam-no baseados em seus préprios pressupostos culturais - 0 mesmo problema de todos nés ainda hoje, se nao somos instruidos a enxergar para além desses pressupostos. Todos os nossos antecedentes culturais, assim como os dados que estabelecemos como nosso ponto de partida, influem nas calegorias ¢ associagées que introduzimos num texto ~consciente ou inconscientemente. Por outro lado, quanto mais aprofundamos 0 contexto do leitor antigo, tanto mais nos aproximamos, na leitura dos seus textos, da maneira como eles mesmos os interpretavam. 2 A NECESSIDADE DE UM COMENTARIO HISTORICO-CULTURAL, Os missionarios de hoje enfrentam problemas semelhantes aos de Paullo (ver, a esse respeito, os insofismaveis exemplos aduzidos por Don Richardson em Peace Child [Ventu- ra, Calif: Regal Books, 1974], c estudos de casos em obras de cardter mais técnico, a partir de varias perspectivas, como, por exemplo, Marvin K. Mayers, Christianity Confronts Culture: A Strategy for Cross-Cultural Evangelism [Grand Rapids, Mich.: Zondervan, 1974]; Charles H. Kraft, Christianity in Culture: A Study in Dynamic Biblical Theologizing in Cross-Cultural Perspective (Maryknoll, N.Y.: Orbis, 1979]; Louis J. Luzbetak, The Church and Cultures: An Applied Anthropolog for The Religious Worker [Techny, Il: Divine Word, 1970; Pasadena, Calif: William Carey, 1976). Se lemos o Evangelho a luz. de nossa prépria cultura, corremos o risco de confundir nossa cultura com a Biblia, e impor aos outros nossa prépria formula como condigao indis- pensdvel para estarmos em harmonia com Deus. Por exemplo, foram os missiondrios os primeiros a introduzir o divércio em algumas suciedades africanas. Medida que eles esti- mularam, cuidando ver nela o remédio para a poligamia, Esses missiondrios recusavam-se a aceitar 0 converso africano como cristio pleno enquanto nao 0 vissem desembaragar-se das suas esposas adicionais. Av agirem assiin, nd 96 introduziran nessas suciedades uit. novo pecado e uma nova comogao social, como também impuseram a esses novos crentes uma condig&o que a prépria Biblia no exige. O matrimdnio poligamico nay aparece na Biblia nusma base prop: estou aqui a sugerir que a poligamia seja coisa boa. Mas também nao devemos simples- mente romper a unido poligdmica j4 existente sem pensar nos maridos, esposas, criangas e nrentte salular, nem demuis pessoas envolvidas. Ein nenhuna parte a Biblia defende o rompimento do enlace poligmico jé estabelecido. Hoje, a maioria dos missionérins recanhece que os cristios, no interior das diferentes culturas, podem aprender uns com os outros. Partes diferentes da Biblia exercem um apelo igualmente diferenciado sobre grupos diversos. Um trecho das Fscrituras que nos parece obscuro pode perfeitamente fazer sentido para os cristéos Shona, do Zimbabwe, ou uma leitura que para determinado grupo ¢ clara, para outro pode levar a uma interpretagdo errénea do texto. Hinduistas que leram os ensinamentos de Jesus sabre “nascer de novo” como referéncia A reencarnacio, perderam de vista o sentido do Mestre justamente porque se ocuparam dos seus ensinamentos to- mando como perspectiva os pressupostos do préprio hinduismo. Por outro lado, se tomarmos como ponto de partida apenas os pressupostos de noss: cultura ao lermos a Biblia, poderemos incorrer no mesmo equivoco do reencarnacionismo hinduista (apenas esperamos que nenhum de nds chegue ao exagero daquele homem que, vendo Herodes na Biblia ser chamado de “raposa”, julgou que a Biblia estivesse chamando 0 tirano de “atracnte” aos olhos de scus stiditos). Alguns evangeélicos extremados da Asia e da Africa ainda veneram seus ancestrais, mas 0s cristaos de muitos outros paises geralmente consideram paga semelhante veneracio. Nés, norte americanos, para continuarmos vivendo da mancira que nos apraz, sem- pre damos um jeito de subestimar a importancia de textos como “nao se pode servir a Deus e a mamon ao mesmo tempo”, ou “cobiga é idolatria”. Os cristaos de outras cultu- ras em geral também consideram o materialismo da nossa cultura como pagao. Nossa ‘COMENTARIO BIBLICO ATOS - NOVO TESTAMENTO. 30 viseira cultural nos leva a enxergar mais facilmente o pecado alheio do que o nosso pré- prio, ¢ apenas lend as Esctiluras da maneira como aqueles que as escreveram foram ins- pirados a fazé-lo —ao invés da maneira pela qual as vezes parecem confirmar aquilo que ja acreditamos -, estaremos em condigdes de enfrentar as desvios de nossas prdprias concep- ges culturais. Que terreno comum podemos ter nés, intérpretes cristaos de diferentes culturas? Se desejamos uma forma objetiva de interpretar a Biblia, e se acreditamos que seus antores foram inspirados a tratar de quest6es tfpicas de seu tempo, entau precisamos lenlar desco brir que temas sao esses aos quais se dirigiam. Até certo ponto, podemos imaginar como era isso a partir dos préprios textos. Nao precisamos saber como era a cobertura da cabega feminina em Corinto para, a partir de 1 Corfntios 11, concluirmos que a questo de saber se as mulheres deviam ou nao cobrir a cabega constituia uma das preocupagées daquela comunidade. Além disso, al- guns textos podem nos fornecer o embasamento histérico-cultural de outros textos. Por exemplo, 2 Reis nos informa o que estava acontecendo quando Isaias profetizava ao povo de Israel, permitindo-nos, assim, melhor compreender o Livro de Isaias. ‘Mas esse fundo hist6rico-cultural nem sempre ¢ o bastante. Isso se aplica nao apenas as passagens ditas problematicas, como também as passagens que supomos interpretar cor- retamente. Por exemplo, quando lemos que a boa semente produz cem vezes mais fruto (Mateus 13.23), apenas sabendo qual era o tamanho médio de uma antiga colheita pales- lina, teremos idéia da abundancia que essa colheita representaria ‘A censura afixada a cruz, por cima da cabega de Jesus faz muito mais sentido quando reconhecemos que 0s romanos eram muito severos com relagio aos assim chamados “profetas da Judéia” — que algumas pessoas supunham fos- sem reis messianicos ~ por terem sido esses “profetas” agitadores ¢ jd terem causado muito problema para Roma. Além disso, a cultura influi até mesmo na op¢ao dos Livros que se nos afiguram mais f4- ceis de compreender. Partes diferentes da Biblia exercem um apelo igualmente diferente so- hre diferentes culturas. Qualquer leitor de Levitico e 1 Timéteo poderia depor sobre a diferen- ga da forma em que foram escritos os dois Livros, diferenga esta bastante acentuada, Os cédigos higignicos de Levitico encontram paralelo em textos hititas e de outras cul- turas do antiga Oriente Prévima Tevitica trata de questées do seu tempo. Mas 0 assunto desse Livro nao teria interessado nei mesmo a maioria dos leitores greco-romanos ao tem poem que I Timéteo foi escrito, ao passo que os temas de 1 Timéteo, todos cles, assim como as formas literdrias desta obra, encontram paralelo na literatura greco-romana Aoleitor ocidental moderno, a maior parte do Novo Testarento € mais alraente do que 0 Livro de Lev: ~aiuscrigao “Rei dos Judeus” - ico. Mas, em muitas culturas, as leis determinando 0 que é puro € 0 que & impuro gozam de grande prestigio, os cristéos dessas culturas interessam-se mais por algumas partes da Biblia que nds tendemos a ignorar. Obviamente dispomos de razdes teolégicas para afirmar que hoje em dia nao precisa- mos obedecer literalmente as ordenagécs do Livro de Levitico. Porém, se toda a Escritura foi inspirada ¢ 6 vantajosa, conforme ela mesma ensina (2 Timéteo 3.16), por certo que haveré nela alguma finalidade, Mas que finalidade € essa? - podemos perguntar. Que 3 A NECESSIDADE DE UM COMENTARIO HISTORICO-CULTURAL idéia ou prinefpio estaria Deus comunicando a seu povo? O contexto de uma cultura nos ajuda a estabelecer a hipétese de sua finalidade. Objeges av emprego du contextu cultural Embora todos saibam que a Biblia foi escrita numa cultura e época diferentes, e a maior parte das pessoas leve em conta esse fato quando Ié determinadas passagens das Escritu ras, nem todos sao coerentes no emprego do contexto cultural. Naturalmente nem toda passagem biblica requer grande conhecimento de seut contexto. Noss algumas caracteristicas com a cultura da Biblia Porém, se nada sabemos acerca da cultura original, eventualmente correremos 0 risco de supor que nao necessitamos de contexto algum na interpretagao desta ou daquela pas- sagem biblica, quando, na verdade, o conhecimento do contexto influenciaria fundamen- talmente nossa maneita de ler o texto. Mesmo que a matoria das pessoas reconhega a necessidade de levar em conta o contexto cultural, algumas pessoas acabam se irritando quando thes sugerimos a necessidade de conhecé-lo. Alguns cristaos costumam colocar objecao, alegando que o emprego do contexto histo- rico-cultural é perigoso. “ Afinal de contas”, queixam-se eles, “com o argumento da cultu- cultura ainda divide ra pode-se torcer a Biblia para que signifique qualquer coisa”. As pessoas que levantam essa ubjedo puderiam citar um dos argumentos levantados por um grupo de apologistas da igreja gay com os quais tenho conversado. Alguns autores teolégicos ligaclos ao movimento alegam que Paulo s6 argumenta con- la © cumportamenty homussexual porque, no tempo dele, esse comportamento era nor malmente associado a idolatria, Sugerem, conseqiientemente, que Paulo nao se oporia A homossexnalidade de hoje. Sem nenhum desrespeito por esses autores, afirmo que o problema, nesse caso, esta no fato de que o contexto cultural por eles oferecido é totalmente equivocado: a homossexua- lidade era amplamente difumdida entre as gregos, ¢ alguns romanos também a pratica- vam, nao estando, em nenhum dos dois casos, especificamente associada 3 idolatria. Embora esse exemplo se me afigure eficaz argumento contra a maguiagem do contex- to cultural, ndo constitui razio nenhuma para que nao se faca uso do legitimo contexto cultural. Poder-se-ia ter em mente que ha muito tempo as pessoas vém torcendo a Biblia, de forma até bastante habilidosa. sem a utilizagao de qualquer contexto cultural. E duvidoso que um pequeno estudo histérico viesse agravar a situagio. Ignorar a cultura original, Iendo-a a luz de nossa propria cultura, constitui ameaga muito mais grave para a maioria das pessoas (por exemplo, o “Natal ariano”, sob os nazistas, “desmitologizou” a historia biblica de modo a torné-la ndo-judaica ¢ mais palatavel ao gésto nazista. Esse é um excm- plo de como se pode ignorar 0 contexto histérico-cultural, interpretando a Biblia de modo a adequé-la a determinada cultura. Essa reinterpretacao sé difere da maioria hoje em dia no fato de que os nazistas langaram mio dela intencionalmente). Uma objecao mais comum, que eu mesmo levantei década e meia atras, é a de que, se assumissemos a importancia do contexto cultural, poderiamos arrancar a Biblia das maos ical o emprego da infor- do nao-especialista. Naquela época, eu rejeitava de forma tio ra COMENTARIO BIBLICO ATOS - NOVO TESTAMENTO. 32 mac&o cultural, que cheguei a insistir com as mulheres para que cobrissem a cabeca na igreja, e cheguei mesmo a tentar renmir coragem suficiente para me engajar na campanha paulina do “ésculu santo”, Felizmente, adiei a idéia da osculacao até o dia em que pude resolver a questao (digo “felizmente” porque alguém acabaria me batendo). Bem, como disse, resolvi a questéo, ¢ estava sendo relevante quanto maiy estudo a Biblia, tanto mais me dou conta de que Deus em comunicar sua Palavra da maneira como fez, Ele nos fornecen exemplos concretos de como seus métodos visam situacdes humanas reais, ¢ rid apenas principios abstratos que poderamos memorizar sem ponderarmos na maneira de os aplicar corretamente a nossas vidas. Se queremos seguir o exemplo de Deus sobre como sermos relevantes, é necessério que compreendamos o que tais ensinamentos significavam na cultura original antes de tentar- mos aplica-los a nossa propria cultura ‘A contextualizacao cultural nao tira a Biblia da mao de ninguém. Pelo contrario: s6 quando ignoramos o contexto cultural, af, sim, 6 que nés a tiramos da maa das pessoas. 'ransmitir ao povo os simbolos do Apocalipse sem explicar comw tais simbolos chegaram a set usados em comum no mundo antigo, é como passar o Evangelho de Lucas, no texto original, a uma pessoa que nao Ié grego, e ainda dizer: “Como tens ai a Palavra de Deus, deves compreendé-la e explica-la”. $6 uma pessoa que recebeu treinamento especializado ou um individuo completamen- te tolo teriam idéia do que fazer com ele (e a idéia do tolo certamente estaria errada). Traduzindo lingua e cultura Anteriormente a época de Lutero, alguns estudiosos decidiram que a hierarquia da Igreja estava errada ao manter a Biblia em latim. A maioria das pessoas era inapta para compreendé-la sem a ajuda desses estuctiosos, que resolveram traduzi-ta em sua prépria lingua. Alguns deles foram martirizadus por lerem a convicgao de que a Biblia devia ser colocada a disposigao da gente comum do povo em seu proprio idioma. Lutero, que traduzira a Biblia para o alemao de seu tempo, quase teve a mesma sorte. A melhor maneira pela qual esses eslucliosos poderiam ajudar as pessoas nao seria dizen- do: “Nao ha tradugdes & disposicao do povo. Por isso, tiramos a Biblia de suas maos se dissermos que 0 que precisavam de fato era de tais tradugdes”. Melhor fariam se disses- sem: “Nao hi tradugdes & disposigaio do povo. Por isso, colocaremos a Biblia em suas maos com muito esforgo e boas tradugées”. Traduzie pode ser dificil, como 6 capaz. de testemunhar qualquer pessoa que jé estu- dou uma lingua estrangeira. Certas palavras no se traduzem dirctamente, numa expres- sao tinica. As vezes uma palavra ou trase pode ter varios significados diferentes, cabendo ao tradutor a tarefa de decidir qual desses significados melhor se ajusta ao contexto em questav. ‘Além disso, hé sempre mais de uma maneira de expressar uma idéia ou pensamento claramente definidos. Os que ja leram o Novo Testamento em grego dao af testemunho dos iesmos problemas. O que, de resto, ocorreria em face de qualquer texto que tentéssemos traduzit bs | A NECESSIDADE DE UM COMENTARIO HISTORICO-CULTURAL Um exame aleatério de qualquer passagem da Biblia, em duas ou trés tradugées distin- tas, comprovaré uma dificuldade: nunca a tradugao de um mesmo texto coincide plena- mente com outra tradugao do mesmo texto (do contrério, naturalmente, nao seriam tradu- oes distintas). Quando os tradutores da Biblia mergulham em outras culturas, s4o sempre contronta- dos com questées relativas ao sentido de determinadas palavras ou frases. Por exemplo, alguns tradutores tiveram de explicar a frase “Bis o Curdeizu de Deus” (Joao 1.29) para uma cultura onde nao havia ovelhas e carneiros, e nem mesmo algum termo que traduzis- se a existéncia desses animaie daquela cultura. Porém, se a frase fosse traduzida assim: “Eis 0 porco de Deus!” (que nao soa bem aos nossos ouvidos, ¢ certamente teria ferido antigas suscetibilidades judaicas), o que aconteceria quando traduzissem passagens do Antigo Testamento onde o porco ¢ tratado como impure e ocordeiro nao 6? O remédio talvez fosse acrescentar ao texto uma nota de pé de pagina e traduzi-lo, combinando de tal maneira as palavras, que a idéia ou pensamento visado fossem traduzidos da melhor maneira possivel no idioma local. Ex.: “porco peludo”. Os tradutores do Antigo Testamento tém recorrido a expedientes semelhantes ao tra- duzirem para o portugués as palavras hebraicas que designam diferentes espécies de gafanhotos (Joel 1.4; 2.25). O portugués nao dispde de termos para gafanhioto em ntimero correspondente & variada terminologia hebraica, talvez. porque essa grande variedade de Contudo, Id havia porcos que eram sactificados nos rituais gafanhotos de que estamos falandy fosse urais un problema dos israelitas do que nosso propriamente. Mas hé um problema ainda maior do que este de resolver que palavras do texto que temos diante de nds. O que acontece quando Paulo alude integralmente a um conceito bastante significativo em seu tempo? Que traduc&o daremos a isso? Ou apenas mencionaremos a questo numa nota de pé de pagina? A alusao paulina faz parte do sentido que ele pretende comunicar. As vezes, contudo, mesmo aqueles que em outras situacées se revelam aptos para traduzir © texto, ndio conseguem compreender as alusées de Paulo. Antes e durante a Keforma, alguns leitores cristaos procuravam imaginar as situagoes referidas pelos textos biblicos. Era bom mesmo que um numero expressivo de estudiosos reconhecesse a necessidade de ler 0 Novo Testamento no contexto de seu préprio mundo, ao invés de encaré-lo como se tivesse sido escrito em alemao ou inglés, visando diretamen- te o leitor da Renascenga on de outro perfodo qualquer. A maivria dus leitores ainda projeta boa parte de sua cultura no texto, cxatamente como fazemos quando, por negligéncia ou desconhecimento, deixamos de examind-lo a luz da cultura original. Fizeram a mesma coisa as intelectuais medievais e renascentistas. ignificado daremas as Creio que a maioria dentre nds ja teve a oportunidade de ver pinturas de cenas biblicas com europeus vestidos a sua maneira, preenchendo todos os papéis dos dramas biblicos. Eeses quadros foram pintados como se a maioria dos personagens biblicos fosse eurapéia, embora saibamos que apenas alguns dentre eles eram europeus, ¢ nenhuun dy norte da Europa. COMENTARIO BIBLICO ATOS - NOVO TESTAMENTO at Felizmente, algum conhecimento do mundo antigo ainda era acessivel no periodo da Reforma. Da Idade Média ao final do séc. XIX, intimeros estudiosos se revelaram de tal maneira competentes no trato dus assicus gregos, que nao Ihes foi dificil captar nenhuma alusio neotestamentaria aos costumes gregos. O problema é que muitos desses costumes haviam mudado desde os tempos em que os classicos gregos foram escritos. Outro risco ¢ supor que o contexto do Novo Testamento seja integralmente grego clas~ sico, podendo exemplificé-lo a partir dos primeiros séculos de circulagao do Novo Testa- mento. Os gnésticos em geral liam o Novo Testamento mais & luz de Platio do que a luz.do judaismo, do qual emergira o Novo Testamento. E nisso precisamente residia a fonte de muitas das suas doutrinas que outros grupos cristéos rejeitavam como heréticas. De fato, Plato exerccu alguma influéncia no mundo do Novo Testamento, mas dificilmente teria sido ele a mais importante. Alguns autores, como John Lightfoot, no séc XVII, desafiaram a grade classica pre- dominante através da qual 0 Novo Testamento vinha sendo lido e, como alternativa a esse quadro de reteréncias, ofereceram textos judaicos como alicerce contextual do Novo Testament. Lightfoot teve de proteger-se dos ataques anti-semitas explicando com vagar que esses textos judaicos, na verdade, nao lhe pareciam inspirados, mas que a tarefa se fazia neces- séria para que o Novo Testamento fosse devidamente compreendido. Hoje, quando v anti-semitismo € menos popular que nos dias de Lightfoot, parece-nos mais dbvio que os textos gregos utilizados pelos contemporaneos de Lighttoot eram bem pagios do que os textos pelos quais ele julgara necessério desculpar-se diante de seus leitores. Hoje, em geral, se reconhece que 0 judafsmo forma o contexto primdrio do Novo Testa- mento. Seu contexto basico mais amplo é a sociedade greco-romana, mas a pova judeu vivera no interior dessa cultura, a ela se adaptando, por conseguinte, pavimentando a estrada do primeiro testemunho cristao no contexto da cultura paga. Além disso, os pri- meiros cristiios cram judeus, co observador externo enxergava no cristianismo uma forma do judaismo. De mais a mais, esses cristdos primitivos viam sua propria fé em Jesus como a realiza- sao verdadcira da esperanga veterotestamentéria, ¢ a si mesmos, portanto, como fiéis a0 judaismo (de fato, os autores do Novo Testamento afirmam que apenas os crist4os eram figis a0 judaismo biblico. Fmhora outros grupos judeus também se proclamassem o fiel remanescente de Israel, ¢ improvavel que esses grupos tenham sobrevivido nos séculos posteriores) ‘Tanto o contexto especificamente judaica quanto o greco-romano mais amplo do Novo Testamento sio de crucial importncia para a interpretacao desses textos, podendo dizer- se o mesmo de uma boa tradugao. A obra que fica meio cristo ~ sobretudo no eirculo missiondrio transcultural mais envalvido ~ sempre reconheceu a importancia da leitura bfblica & luz do contexty cultural das Escrituras. 35 A NECESSIDADE DE UM COMENTARIO HISTORICO.CULTURAL, Mas, ao contrario das tradugdes acessfveis 4 maioria dos cristaos, as “notas de pé de pagina”, de fundo histérico ou cultural, ndo oferecem a mesma facilidade de acesso. Existem hoje muitos comentarios valiosos, mas nenhum deles oferece, isoladamente, em um ou dois volumes, acesso facil a todo o material Informative necessativ de base contextual. Quanto mais volumes contém determinada obra, tanto menor o acesso por ela ofereci- do a maioria dos leitores. Hoje, apenas diminutv percentual do leitor biblico dispoe de colegdes completas de comentarios. Um grupo menor teria acesso a informagao cultural adequada, haurida em cada um desses volumes, ¢ um ntimero ainda mais reduzido dispo- ria regularmente do tempo nevessériv para selecionar e classificar o material Entre os primeiros estudiosos da Biblia, muitos deram a vida para traduzi-la, almejan- do com isso torné-la inteligivel a quem quer que a desejasse ler. Mas esse esforco nunca foi concluido. Ainda hoje muitos leitores da Biblia apenas dispdem de acesso limitado as fon: tes de seu contexto. Embora sejam muitas as tarefas a exigir a atencao do estudioso biblico cristdo, essa 6, seguramente, ima das mais importantes. A necessidade de entender o contexto cultural da Biblia deve ser hoje expressa de ma- neira tao clara quanto o foi a necessidade de tradugao no periodo da Reforma. Em nossa sociedade ocidental industrial, estamos nos afastando cada vez mais de todo e qualquer vestigio das raizes biblicas. Nossa cultura vai se tornando cada vez mais alienada das culturas em que foi escrita a Biblia, e os nossos jovens estao achando o Livro de Deus uma obra cada vez. mais estranha. Nao nos faz nenhum bem queixarmo-nos de que a maioria das pessoas nao quer visitar nossas igrejas e aprender nossa linguagem crista. Deus nos chamou para sermos missioné rios junto ao nosso mundo, de maneira que devemos tornar a Palavra de Deus inteligivel a0 nosso préprio meio cultural Ler a Biblia nao € o bastante. Devemos compreende-la e explica-la. Explicar 0 que queriam dizer seus autores quando a escreveram visando levar sua mensagem a culturas desde entao transformadas ou desaparccidas, e por que sua mensagem se aplica a situa- Bes de hoje. ‘A maior parte da igreja norte-americana de hoje padece de uma espécie de letargia anti- missionéria, devida em grande ao fato de que nao permitimos que a Palavra de Deus nos fale com todo 0 seu poder radical. Deixamos que ela se transformasse num livro estranho, e as pessoas a que ela se dirige, num povo bem distanciado de nossa prépria vida. A tragédia, nesse caso, é 0 fato de que os riscos nunca foram tio elevados como em nossa geracao: 0 mundo ostenta uma populagio cinco vezes maiur que um século e meio atrds, quando a igreja se agitava em torno de seu chamado missiondrio em outro grande movimento do Espirito. Agora, com milhdes de estudantes de todas as partes do mundo, visitantes e imigrantes, movendo-se nv interiur de nussa prépria esfera, aqui no Ocidente ¢ em outras regides com alta concentracao de cristaos, as oportunidades de evangelizarmos sd0 maiores do que nunca, como a prépria necessidade. Nao apenas podemos enviar para fora muitus dus nussus vbreitus para cuidarem da seara, como devem os que aqui se encontram trabalhar na seara da prépria terra. O que nao podemos é adormecer diante do desafio. Devemos trabalhar em nosso praprin campo. COMENTARIO BIBLICO ATOS - NOVO TESTAMENTO 36 Deus vem fazendo mais de uma exigéncia importante a sua Igreja. Uma delas, crucial, 6a de que compreendamos a sna Palavra. Numa cultura cheia de Biblias e doutrinas, os que defendein @ auloridade das Escrituras ainda precisam conhecé-la ¢ compreendé la melhor. Pastores, em geral sobrecarregados, raramente dispdem de tempo suficiente para investigar todos os recursos necessérios & apropriagio do contexto hist6rico-cultural de catla texto sobre o qual pregam. Contudo, a necessidade de compreender a mensagem de Deus e despertar a igreja inteira para seu chamado, de modo que realizemos a missdo que 6 Senhar nos confiou, é deveras urgente. Entre os recursos que Deus nos fornece para a consccugaio dessa tarefa esto os especi- alistas talentosos que participam do Corpo de Cristo na condigao de mestres habilitados a nos fornecer, eles mesmos, insights bem fundamentados no intuito de nos ajudar a com- preender e bem aplicar a Palavra de Deus. Assim como o missionario precisa aprender a lingua e a cultura de seu novo campo de missio para comunicar-lhe a mensagem de Deus, também necessitamos de servos de Deus no outro extremo, aprendendo a lingua ea cultura em que o Livro de Deus foi escrito No passado, esses mestres laboraram com afinco na produgau de traduydes, ¢ hoje se empenham na produgao de outras ferramentas igualmente valiosas, que tornem os tesou- 103 da Biblia mais amplamente acessiveis a todos os seus leitores Certos segmentos da comunidade académica secular, privadamente ow em ptiblico, criticam os que dedicam 0 estudo especializado a gléria de Deus, ¢ bem assim os que espe- ram que suas conclusées aleancem sm valor pratico no mundo. Para os estudiosns que deveriam responder a tais criticas isso torna particularmente difi defesa da igreja. O fato de que alguns cristaos acabaram vinculando pesquisa com impiedade também nao ajuda em nada. Mas uma comprida lista de eruditos cristéos ao longo da Histéria demonstra, pelo contrério, que a pesquisa pode contribuir para maior acessibilidade da mensagem biblica ~ eruditos que vio de Justino, Jerénima e Agastinho ans monges que dirigiram as universidades medievais em que se baseiam as modernas e, posteriormente, Lutero, Calvino, Wesley e outros. Charles Finney e Jonathan Edwards, figuras de proa nos Grandes Avivamentos Ame- ricanos, eram figuras do meio académivo tanto quanto dedicados servidores de Deus. Semelhantemente muitos estudiosos de hoje buscam o treinamento especializado porque viram nisso 0 chamado de Deus para eles. A preparacio deste comentario se deve em a larefa de escrever em grande parte aos subsidivs fornecidus por muitos deles, Porém, a maior de todas as tarefas nao incumbe apenas aos eruditos. ‘odo crente é a voz de Neus nas Fscrituras, comecando a partir do que ja Ihes parece aro, perfeitamente inteligivel, e avangando em outros rumos. Nao é preciso ser um erudi- to para ler mensagens biblicas no seu contexto, ou ler as notas de pé de pagina, de fundo histérico ou cultural apensas a Biblia, que um comentario desta natureza ha de fornecer. Que Deus nus dé a tudus a graga de fazer nossa parte, de obedecer a Cristo nosso Senhor ¢ 0 revelar aos necessitados de nossa geragao. chamado a owvii EVANGELHOS Introdugdo Género. Género significa o tipo de texto a que pertence determinada obra, isto é, poesia, profecia, ameaca de bomba, carla etc... Hoje € (écil identificar o género dos Evangelhos, porque quatro deles foram agrupados no comeco do Novo Testamento. Mas quando os Evangelhos foram escritos, o leitor daquele tempo teria lido cada um como se pertences- se a determinado género, ou géneros, que ele jé conhecia. Genero ¢ importante, porque nossa espectativa do tipo de texto que temos diante dos olhos certamente influiré na maneira de o lermos (p. ex., lemos poesia menos literalmente do que lemos um texto em prosa), O Género dos Evangelhas. Fm perfodas anteriores, quando os especialistas se con- centravam no estudo da literatura yrega classica, achavam que os Evangelhos eram como a literatura popular da época, produzida ao gosto da gente comum, € no como “alta literatura”. Mas estudos subseqiientes revelaram que os niveis da criagao literéria vari- am amplamente de um pélo ao outro, isto é, do folclore a alta literatura, e a literatura [ols rica sempre imitava a alta literatura. Essa maneira de decidir o género dos Evangelhos perdeu popularidade. Mais recentemente, os eruditos classificaram os Evangelhos como biografia antiga. As biografias antigas nao enfatizavam, necessariamente, os mesmos aspectos da biografia moderna, mas eram, ainda assim, uma furma de texto histérico. Alguns biégrafos, como “Plutarco e *Tito Livio, certamente temperavam suas narrativas. Outros, como *Técito (no Agricola) ¢ *Sucténio, mantinham-se bem préximos das suas fontes. Os autores judeus podiam escrever suas biografias tomando por modelo as “narrativas biogrificas do *Anti- go Testamento, que todo leitor da época supunha fidedigna © biografismo judaico exibia uma variedade de formas. *Flivio Josefo temperou sua autobiografia com bom estilo grego, e mesmo assim esperava que seus leitores o levassem a sério. Contudo, a substancia de seu relato 6, de maneira geral, confidvel. Parte da historiografia judaico-palestina incorpora a forsna do *Midrash Iagddico, tipo de comenté- rio narrativo em que o autor discorre sobre episédios da Biblia (p. ex.,0 livro dos *Jubileus ¢ 0s Apécrifos do Génesis da colegio do *Qumran, sobre passagens do Génesis). Hssas obras nao tiveram influéncia direta nos Evangelhos. Lucas escrevia com um bom historiador greco-romano, e nenhum dos Evangelhos se ajusta ao padrao do Midrash Hagédico. Todavia, mesmo obras como a dos Jubileus com suas ampliagdes hagadicas (sem- pre ocupadas em explicar detalhes), seus cancelamentos (visando sempre apagar da me- méria a existéncia de heréis), e assim por diante, seguem o esbogo fundamental de suas fontes na maioria dos pontos. A ubra du Pseudo-Filon judeu, Antigitidades Biblicas, vai até mais longe na utilizacao desses recursos. Historiografia Antiga. A exemplo de muitos historiadores, jornalistas e outros escri- tores de nossa época, os historiadores antigos discorriam sobre temas especificus que desejavam destacar. A Histéria era cheia de significado e devia ser escrita de mancira a COMENTARIO BIBLICO ATOS NOVO TESTAMENTO. 38 revelar o seu sentido. A maioria dos historladores também procurava escrever suas narra- tivas numa linguagem viva e entretenedora. Ao mesmo tempo, entretanto, historiadores por definigao buscavam acompanhar o sentido de suas fontes, procurando ser tio precisos quanto possivel. Mesmo aqueles que tomavam mais liberdade acompanhavam a substan- cia basica da Hist6ria. E, onde suas fontes se revelassem inadequadas, passavam a buscar a verosimilhanga. Os Evangelhos sao Exatos? Se fdssemos classificé-los entre duas categorias, isto ¢, a dos esctitores mais aplicados e a dos menos aplicados, os autores dos Evangelhos certamente figurarian av lado dos primeiros. Quando vemos Mateus ¢ Lucas utilizando Marcos como fonte, e atentamos na maneira por que o fizeram, parece-nos fora de duvida que utilizaram suas fontes criteriosamente. Ao escreverem para o leitor antigo, naturalmente seguiam as convengoes literdrias da 6puca. Mas os primeiros Bvangelhos foram escritos quando as tes temunhas oculares ainda ocupavam cargos de autoridade na Igreja e a tradicao oral podia ser verificada, » que reforga a fidedignidade dessas testemunhas. Biografias de figuras mais ‘ou menos contemporaneas eram normalmente mais exalas que as biografias de heréis do passado distante. Ver comentario adicional em Lucas 1.1-4. Miéximas, Os estudantes se esforcavam em aprender as maximas de seus mestres, sempre tomando notas para reforgar a meméria. Essas maximus as vezes eam lransmi- tidas juntamente com as histérias em que ocorriam, e também eram passadas adiante como provérbios isolados (dizeres dos sabios). Posteriormente, os alunos das *escolas de retérica podiam também transpé-las para outras histrias apropriadas do mesmo mes- tre. Em geral, as mdximas eram textos coligidos sobretudo por discipulos de algum mestre famoso. As mdximas de um mestre as vezes eram também modificadas ou transferidas para outro mestre apds um longo periodo, mas os Evarigelhos foram escritos quando os ensiniamentos de Jesus ainda permaneciam na meméria das fontes de seus autores. Dai a improbabilidade de que tais alteragées tenham ocorrido nos Evangelhos. As palavras de Jesus costumam diferir ligeiramente de Fvangelho para Evangelho. Ja esperavamos tais diferengas, porque a pardfrase de urdximas em nossas proprias palavras era um exercicio escolar padrao, assim como uma técnica comum de escrever no mundo antigo (os que concluem que os autores dos Evangelhos se contradizem por citarem Jesus de modo diferente um do outro certamente nao levam ein conta a maneita como as obras da Antigiiidade eram escritas). Ao mesmo tempo, um estilo e ritmo particulares, ao lado de eventuais *expressdcs aramaicas, surgem nas maximas de Jesus indicando que o autor do Evangelho em questdo nem sempre o parafraseava, mesmo em traducao do aramaicu para o grego. Jesus utilizou muitas técnicas de ensino judaico-palestinas de seu tempo, como, por exemplo, *parabolas e hipérboles (esta tiltima, figura de retorica expressiva do exagero intencional), visanda com isso exprimir seus conceitos e pontos de vista de forma ao mes- mo tempo clara ¢ delalhada, Para apreendé-los & maneira de seus primciros ouvintes é preciso que leiamos as suas maximas sob a mesma perspectiva, compreendendo-as, em seguida, no contexto maior de todo 0 seu ensinamento, 2 EVANGELIIO3 Por exemplo, é mister que o leitor reconheca adequadamente tanto a lealdade para ‘com os pais (Marcos 7.9-13) como as exigéncias principais do *Reina (Marcos 10.29, 30). f igualmente indispensavel que se leiam as parabolas a maneira pela qual us vuvistles judeus de Jesus as teriam compreendido. Trata-se de exemplificacéo destinada a veicular a verda- de, mas alguns dos detalhes da maioria das parabolas s6 aparecem para fazer com que a histéria funcione como tal, de modo que devemos tomar cuidado para nao lermos em tais pormenores mais do que realmente comportam. Técnicas Literdtias. As convengées literérias da Grécia permearam a maior parte da literatura judaica escrita na lingua grega, e se aplicavam tanto a obras de historia (condi- cdo que os Evangelhos reivindicam para si) como a obras de ficcaio. Autores de biografias de interesse contemporaneo dispunham de intcira liberdade para reorganizar suas fontes como melhor Ihes parecesse, de modo que nao nos deve surpreender o fato de que Mateus ¢ Marens tenham adotado uma ordem diferente para muitos dos eventos relacionados como ministério de Jesus. Embora Jesus, a exemplo de outros mestres judeus, sem divida alguma repetisse as mesmas méximas em ocasides diferentes, algumas dessas sentengas provavelmente ocor- rem em diferentes lugares dos Bvangellus cendo a liberdade de que gozavam os antigos bidgrafos para reorganizar o seu material. Essa liberdade dava aos autores dos Evangelhas, assim camo ans pregadores de hoje, con- dices nao s6 de anunciar a Palavra de Jesus, comy tanbéint de cuinpor relatos sobre Ele, enquanto narravam seus feitos e palavras com acuidade. Os cristios antigos ja sabiam, naturalmente, que os Evangelhos nao estavam dispostos em ordem cronolégica, como ob- servou claramente, acerca de Marcos, o mestre cristao primitivo Papias, Como Ler os Evangelhos. As biografias antigas destinavam-se a uma leitura completa, ¢ no fragmentéria, ou seja, pulando-se de uma passagem em determinado Livro para outra passagem em outro Livro. Os quatro Evangelhos foram escritos separadamente, vi- :nplesmente porque os autores estavam exer- sando cada uum leitores diferentes e um padrao de leitura peculiarmente seu, vazado em sua prépria terminologia antes que o leitor passasse para outro Evangelho. Devemos, por isso, trabalhar com cada Evangelho por inteiro, acompanhando de perto seu fluxo de pen- samento, As biografias antigas sempre encerravam uma licio de moral em suas histérias, e apre- sentavam suas personagens como exemplos positivos ou negativos: as narrativas do Anti- go Testamento acerca de homens e mulheres de Deus continham parAmetros morais acer- cada fé da forma de agir do servo de Deus. Por issu, av final de cada telato evangélico espera-se que o leitor pergunte: Qual é o moral da hist6ria? De que maneira poderia esta histéria melhorar meu relacionamento com Jesus? As maximas eram frequentemente transmitidas na forma de provérbiv, que é um prin-

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