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1.0 Introdução
Por outro lado, a Teologia Racional é uma das divisões da Metafísica, que engloba
também a Cosmologia Racional (Metafísica da Natureza) e a Psicologia Racional
(Metafísica da Alma). A Metafísica pressupõe que é dado ao ser humano alcançar através
da razão o conhecimento das causas primeiras e finalidades últimas do ser, demonstrar a
existência e, em certa medida, compreender a natureza de Deus, provar a existência e
compreender o destino do espírito, e assim por diante. Mas, será tal conhecimento
atingível pela razão?
1
O artigo pode ser acessado através do link http://www.comciencia.br/reportagens/cultura/03.htm
Todavia, neste trabalho optei por apresentar o que um defensor da validade da Metafísica
diz sobre ela. Transcrevo alguns trechos de um compêndio de Filosofia2, extraídos do
tópico “Certeza própria das verdades metafísicas”.
Lê-se em um trecho:
“Aqui os problemas são tão complexos e ao mesmo tempo tão subtis; supõe observações
tão delicadas e tão numerosas, deduções tão longas, que o espírito raramente é capaz de
abranger numa vista de conjunto toda a série de raciocínios.”
E mais adiante:
“Tanto mais que muitas vezes estas conclusões não podem ser comprovadas pela
experiência direta, como na física, nem pelo absurdo de seus contrários, como na
matemática; porque a natureza e a íntima constituição das causas e das substâncias do
universo são ao mesmo tempo contingentes em si mesmas e estão fora do alcance do
sentidos.”
É de se perguntar como seria possível conceber uma observação que possa falsificar uma
hipótese sobre algo que está fora do alcance dos sentidos. Ou seja, tais conclusões não
possuem conseqüências observáveis e, portanto, não podem nem ser refutadas, nem
ser comprovadas.
Salta aos olhos a falácia conhecida como raciocínio circular ou tautologia3, na qual se
incide quando a conclusão ou alegação é meramente a reafirmação de uma das
premissas. Se um dos objetivos da Metafísica é demonstrar racionalmente a existência de
Deus, como se pode afirmar que somente Deus possui as formulações adequadas para a
Metafísica?
2
LAHR, C. Manual de Filosofia. Tradução e adaptação de Antonio Alves da Cruz. 6 ª ed. Porto: Livraria
Apostolado da Imprensa, 1952. 847 p. Título original: Cours de Philosophie
3
SHERMER, M., 1997. Why People Believe Weird Things, W. H. Freeman and Company, New York.
Finalmente, não é incomum que muitas questões metafísicas sejam respondidas com base
na Revelação, na Autoridade ou na Tradição. Muitas vezes, o debate não é realmente
livre, mas sim delimitado por condições de contorno estabelecidas a priori. Novas idéias
são silenciadas quando julgado necessário (por exemplo, Teilhard de Chardin, Leonardo
Boff, Hans Küng, e outros).
Cumpre observar que o paradigma vigente determina até certo ponto as experiências que
são feitas. Por exemplo, existem hoje mais de 200 partículas sub-atômicas conhecidas. À
medida que são construídos aceleradores maiores e mais poderosos, mais e mais
partículas serão descobertas.
Alguns críticos dizem que isto ocorre porque é isto o que os experimentos estão
buscando, e sugerem alternativas. Um destes cientistas chamava-se David Bohm (1917 -
1992), um físico que, quando jovem, trabalhou com Einstein. Bohm teorizava sobre uma
“ordem intrínseca”4 que existiria ao nível das partículas sub-atômicas – algo como o
“Efeito Borboleta”5 – cuja observação exigiria experimentos totalmente diversos dos que
são hoje realizados.
Por outro lado, se é fato que a Teologia Racional não se baseia apenas e tão somente na
Revelação, já foram comentados os limites aos quais o estudo desta matéria está sujeito.
4
BRIGGS, J. P. & PEAT, F. D., 1984. Looking Glass Universe, Simon & Schuster, Inc., New Yotk
5
A rigor, efeito borboleta é uma metáfora que resume o conceito de dependência sensível às condições
iniciais na área da matemática denominada Teoria do Caos; especificamente, a idéia de que em um sistema
complexo uma pequena mudança em determinado lugar pode ter efeitos significativos em outro ponto.
Outro sentido, mais difundido popularmente e utilizado neste texto, é a noção de que tudo está
interconectado.
Assim, creio ser bastante discutível a avaliação de que “o grau de racionalidade comum
entre a Teologia e a Ciência é grande”.
Respeito as idéias destes grupos, enquanto crenças religiosas, mas não há dúvida que o
fundamentalismo é incompatível com o conhecimento científico.
De acordo com este ponto de vista, as leis naturais foram criadas por Deus com um
propósito, e regem a evolução do universo, desde a formação das partículas elementares
até o desenvolvimento da consciência humana, e além.
Há, também, uma longa tradição de buscar provas da intervenção divina na criação
partindo de argumentos focados na beleza e complexidade da natureza8. Um dos
argumentos mais conhecido foi apresentado por um teólogo do século XVIII, chamado
William Paley.
6
BERRA, T. M., 1990. Evolution and the Myth of Creationism, Stanford University Press, Stanford
7
KITCHER, P., 1986. Abusing Science – The Case against Creationism, MIT Press, Cambridge
8
DAWKINS, R., 1987. The Blind Watchmaker, W. W. Norton & Company, New York.
Em seguida, estende esta conclusão afirmando que “todos os indícios de propósito, todas
as manifestações de projeto, que existiam no relógio, existem nas obras da natureza, com
a diferença, a favor da natureza, de serem maiores e mais numerosas, num grau que
excede qualquer avaliação.”
O problema lógico com o criacionismo teísta, colocado de maneira bastante clara, é que a
hipótese de um propósito super-natural é desnecessária para explicar a evolução das
espécies ou, de modo geral, a existência do universo físico.
É claro que, ao excluir a hipótese de um propósito para a evolução, a Ciência tira do ser
humano a veleidade de considerar-se como o pináculo da criação. Nos termos do
Darwinismo, tal como aceito pela quase totalidade dos cientistas, o “homo sapiens” nada
mais é que o resultado do acaso, assim como o “canis canis” ou a “blattella germanica”.
Em termos evolucionários, nenhuma destas espécies é superior às outras; tanto os
homens como os cães e as baratas estão adaptados ao respectivo meio ambiente e as três
espécies tem sido bem sucedidas do ponto de vista reprodutivo.
Resumindo o que foi apresentando até o momento, pode-se sumarizar minha exposição
em duas idéias centrais que são:
(1) a impossibilidade e inutilidade da metafísica, e;
(2) a superioridade e prevalência do método científico como forma de aquisição do
conhecimento.
Estas idéias não são, de forma alguma, novas ou originais. De maneira geral, qualquer
sistema filosófico que se limita a considerar os dados da experiência e exclui especulações
a priori ou metafísicas, denomina-se positivismo9. Mais especificamente, o termo
9
POSITIVISM (2011). In Encyclopædia Britannica. Disponível em Encyclopædia Britannica Online:
http://www.britannica.com/EBchecked/topic/471865/positivism. Acesso em 10 fev 2011
Todas as denominações cristãs são teístas, assim como o são o judaísmo e o islamismo.
Mas valorizar a razão como forma de compreender a realidade não leva necessariamente
ao ateísmo. O artigo cita uma pesquisa feita com cientistas, abordando a relação pessoal
de cada um com a religião; os resultados foram publicados em 1997 por Edward Larsone e
Larry Witham na revista britânica “Nature”. Segundo a pesquisa 39% dos cientistas crêem
em um deus, 45% não crêem e 15% têm dúvida ou são agnósticos.
A Encyclopaedia Britannica nos ensina que o agnosticismo10 (do grego agnō stos,
“incogniscível; que não pode ser conhecido”) é a doutrina de que é impossível aos seres
humanos compreender algo que transcende os fenômenos de sua experiência; o termo
está hoje associado ao ceticismo a respeito de assuntos religiosos em geral, e
particularmente à rejeição dos ensinamentos tradicionais do cristianismo quando
interpretados à luz do conhecimento científico moderno.
A palavra “agnosticismo” foi criada pelo biólogo T. H. Huxley e utilizada publicamente pela
primeira vez em 1869, em uma reunião da Sociedade Metafísica de Londres. Huxley foi um
dos mais ativos divulgadores e defensores do Darwinismo.
É possível falar de agnosticismo religioso, mas para que esta expressão não seja
contraditória, ela deve ser entendida como referindo-se à aceitação do princípio agnóstico
(incogniscibilidade do Absoluto), associado:
a) à convicção de que um mínimo de doutrina afirmativa pode ser estabelecida, ou;
b) a uma religião ou religiosidade que não faz exigências doutrinárias substanciais.
O artigo original aborda em seu final a questão do afetivo na religiosidade dos cientistas e
afirma que, em uma pesquisa feita entre cientistas da USP, “nenhum deles optou pelo
repúdio ou pela aceitação da religião por motivos relacionados à sua ciência.”
De fato, não há necessidade de fazê-lo, pois Religião e Ciência têm áreas de atuação e
objetivos distintos. Enquanto a Ciência procura desvendar o “como” dos fenômenos
naturais e do universo sensível, a Religião busca unir (re-ligar) a finitude do homem ao
sentido maior do Cosmos, respondendo o “por quê” da condição humana.
10
AGNOSTICISM (2011). In Encyclopædia Britannica. Disponível em Encyclopædia Britannica Online:
http://www.britannica.com/EBchecked/topic/9356/agnosticism. Acesso em 10 fev 2011
Não é possível encontrar Deus através da razão11, que não O pode compreender
minimamente. Apenas a Fé e a busca incessante do progresso espiritual permitem que o
ser humano entreveja a realidade que se situa além da experiência sensível.
§2293 A pesquisa científica de base, como a pesquisa aplicada, constituem uma expressão
significativa do domínio do homem sobre a criação. A ciência e a técnica são recursos
preciosos postos a serviço do homem e promovem seu desenvolvimento integral em
benefício de todos; contudo, não podem indicar sozinhas o sentido da existência e do
progresso humano. A ciência e a técnica estão ordenadas para o homem, do qual provêm
sua origem e seu crescimento; portanto, encontram na pessoa e em seus valores morais a
indicação de sua finalidade e a consciência de seus limites.
Em conclusão, acredito que a Ciência é, pela natureza mesma de seu método e objetivo,
intrinsecamente incapaz de responder questões relativas ao sentido e à finalidade da
existência humana; paradoxalmente, respostas a estas questões são extremamente
necessárias, pois fundamentam os princípios éticos essenciais para que o conhecimento
científico não se volte contra o próprio homem.
11
Meu pai, João Batista de Azevedo (1912 – 1995), tratou deste tema em um belíssimo soneto, intitulado
“Ele?!...”, cujo primeiro quarteto diz:
Por mais que Te buscasse em vão nos alfarrábios,
na Ciência, nula e vã, que quase nada alcança,
na louca pretensão dos que se dizem sábios,
de Te encontrar perdi, também, toda esperança...
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O texto completo do Catecismo da Igreja Católica pode ser acessado na internet, em português, em:
http://www.vatican.va/archive/ccc/index_po.htm