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Capitulo III Os Conceitos-chave da Etnometodologia A etnometodologia forjou para si, com Garfinkel, um vocabul4rio particular. Mas nem sempre é novo, pois ora toma de empréstimo alguns de seus termos alhu- res: a indicialidade da lingiifstica, a reflexividade da fenomenologia, a nogéo de membro de Parsons: ora retoma termos da linguagem corrente modificando- lhes 0 sentido. E 0 que acontece, por exemplo, com as nogées de prdtica ou de accountability. Mas o que acima de tudo impressiona, na etnometodologia, é a complementaridade e a solidariedade de seus concei- tos. Vamos apresentar aqui os mais acessiveis para quem descobre a etnometodologia. 1. Pratica, realizagao Desde as primeiras linhas do Primeiro Capitulo dos Studies, intitulado “O que é a etnometodologia?”, Garfinkel nos indica que seus estudos “abordam as atividades praticas, as circunstancias pra- ticas e o raciocinio sociolégico pratico, como temas de estudo empfrico. Concedendo as atividad?s corriqueiras da vida cotidiana a mesma aten¢do que habitualmente se presta aos acontecimentos extraordindrios, tentaremos compreendé-los como fenémenos de direito pleno”. 29 O interesse maior de H. Garfinkel se volta para as atividades prdticas e, em particular, o raciocinio pra- tico, quer seja profissional ou nado. A etnometodologia 6 a pesquisa empfrica dos mé- todos que os individuos utilizam para dar sentido e ao mesmo tempo realizar as suas agdes de todos os dias: comunicar-se, tomar decisées, raciocinar. Para os etno- metodélogos, a etnometodologia ser4, portanto, o estu- do dessas atividades cotidianas, quer sejam triviais ou eruditas, considerando que a prépria sociologia deve ser considerada como uma atividade pratica. Como observa George Psathas, a etnometodologia se apre- senta como “uma pratica social reflexiva que precura explicar os métodos de todas as praticas sociais, inclu- sive os seus préprios métodos”’. Diferenciando-se nisto dos socidélogos que geralmente consideram o saber do senso comum como “categoria residual”, a etnometo- dologia analisa as crengas ¢ os comportamentos de senso comum como os constituintes necessdrios de “todo comportamento socialmente organizado”. Os etnometoddlogos tém a pretensdo de estar mais perto das realidades correntes da vida social que os outros sociélogos. Torna-se necessdria uma volta a experiéncia, e isto exige modificar os métodos ec as técnicas de colcta dos dados bem como da constru¢4o teérica. Os etnometodélogos trabalham efetivamente com a hipétese que os fenémenos cotidianos se defor- mam quando examinados através da “grade da descri- ¢ao cientifica”. As descrigées sociolégicas ignoram a experiéncia pratica do ator, considerado como um ser irracional. Os etnometodélogos rejeitam as hipéteses tradicionais da sociologia sobre a realidade social. Segundo eles, os sociélogos supdem a@ priori que um sistema estavel de normas e significagdes partilhadas pelos atores governa todo sistema social. Os conceitos 1. G. Psathas, 1980: Approaches to the Study of the World of Everyday Life, Human Studies, 3, p. 3-17. da sociologia, assim como as normas, as regras, as estruturas, provém do fato de que a construgaéo do dispositivo sociolégico pressupde a existéncia de um mundo significante exterior e independente das inte- rag6ées sociais. Para a sociologia essas hipéteses se tornam de fato recursos implfcitos. , O que a sociologia chama de “modelos” é conside- rado pela etnometodologia como “as realizagdes conti- -nuas dos atores”. Para a etnometodologia, mesmo quando os fatos os contradizem, os sociélogos dao um jeito para encontrar explicagées que se conformem a suas hipéteses preestabelecidas, em particular a da “constancia do objeto”. A etnometodologia substitui esta hipétese da “constancia do objeto” pela de “proces- so”. “Onde outros v3em dados, fatos, coisas, a etnometodo- logia vé um processo através do qual os tragos da apa- rente estabilidade da organizagao social sao continua- mente criados”. Em um artigo que se tornaria célebre, Garfinkel e Sacks afirmam (p. 353) que “os fatos sociais sao as realizagdes dos membros”. A realidade social é cons- tantemente criada pelos atores, ndo é um dado pree- xistente. Por esse motivo, por exemplo, a etno- metodologia da tanta aten¢ao ao modo como os mem- bros tomam decisées. Em vez de fazer a hipétese, que os atores seguem regras, o interesse da etnometodolo- gia 6 pér em evidéncia os métodos pelos quais os atores “atualizam” essas regras. E 0 que as faz observdveise descritiveis. As atividades praticas dos membros, em 2. M. Pollner, 1974: Sociological and Common-Sense Models of the Labeling Process, BR. Turner (Ed.), Ethnomethodology, Harmondsworth, Pen- guin Books, p. 27-40. 3. H. Garfinkel e H. Sacks, 1970: On Forma! Structures of Practical Actic:i, em: J.C. McKinney e E.A. Tiryakian (Eds.), Theoretical Sociology: Perspectives and Developments, Nova York, Appleton-Century-Crofts, p. 337-366.

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